[Como complemento a este artigo, sugerimos também a leitura de um outro, recentemente publicado, A agenda do governo e a necessária resposta da classe trabalhadora, que lida mais diretamente com o projeto de ataques do governo Dilma à classe trabalhadora e como enfrentá-lo.]
A reeleição de Dilma em 2014 foi muito apertada, na realidade foi a eleição presidencial mais apertada que o país teve desde o fim da última ditadura. Ao longo de suas três gestões anteriores, em particular o primeiro mandato de Dilma, o PT sofreu um desgaste muito grande, especialmente entre os extratos médios da sociedade. Ao mesmo tempo, sua base histórica – os trabalhadores organizados do movimento sindical e popular – se distanciaram cada vez mais do partido. A nova base que o manteve no poder nesses últimos anos – os setores altamente precarizados da classe trabalhadora – começou em 2013 a demonstrar crescente descontentamento e se distanciou do PT nas urnas. Sintoma dessa erosão da sua base política, o PT perdeu urnas até mesmo em alguns de seus mais antigos bastiões na periferia paulista e no cordão industrial de SP. O governo também não recebe mais o apoio de setores importantes da burguesia nacional, que exigem um ritmo cada vez mais rápido de medidas contra a classe trabalhadora e o povo para que a conta da recessão caia sobre nós.
Diante de todo o tumulto político do ano passado, Dilma e sua cúpula fizeram o exato oposto do que haviam prometido às massas durante o segundo turno das eleições e aplicaram quase que literalmente o programa de seu adversário, Aécio Neves/PSDB, em uma clara opção pelos interesses da burguesia em detrimento daqueles que depositaram (equivocadamente) sua confiança nela. Essa mostra de “boa fé” chegou até mesmo ao ponto de dar o comando do Ministério da Fazenda (historicamente um posto ocupado por economistas inteiramente alinhados ao suposto “neodesenvolvimentismo” petista) a ninguém menos que um Chicago boy seguidor estrito da cartilha neoliberal, Joaquim Levy.
De mãos dadas a Levy, Dilma lançou um verdadeiro rolo compressor sobre os direitos e condições de vida dos trabalhadores, tais como o PL das terceirizações (que cria brechas na CLT), os pesados cortes na saúde e educação públicas e a lei “antiterrorismo”. E para os inocentes ou hipócritas que acharam que a culpa era apenas de Levy (como se isso fosse possível), o novo Ministro da Fazenda, Nelson Barbosa – que reestabelece a ligação histórica da pasta ao ideal “neodesenvolvimentista” – já anunciou um ataque à previdência para 2016, dentre outros que Dilma planeja.
O acúmulo desses fenômenos ocorre conjuntamente aos efeitos da segunda fase econômica derivada da crise de 2008 (o esgotamento das contas públicas, torradas para salvar empresas falidas ou em dificuldades) e do começo de um novo ciclo de recessão, dessa vez combinado com inflação crescente. Isso abriu uma nova situação política no país, na qual há espaço para a construção de alternativas à hegemonia petista que predominou na última década e meia. Todavia, esse espaço tem sido ocupado até o momento, não por forças da classe trabalhadora organizada, mas por demagogos que parasitam a máquina estatal (como a “Bancada do Boi, da Bala e da Bíblia” na Câmara) e por uma “nova” direita, que deu as caras ao longo do ano passado.
Esses dois grupos de atores políticos tem conseguido (ao menos até o momento) pautar uma alternativa extremamente conservadora ao petismo. Dentre outras coisas, essas forças demonizam o comunismo e os movimentos sociais (esdruxulamente igualados ao PT) e se apresentam enquanto representantes dos valores “tradicionais” e da “família brasileira” – uma verdadeira onda conservadora, como tem sido caracterizada por alguns. Essa tendência começou a ganhar força de verdade no primeiro semestre de 2015, na forma de um “terceiro turno” das referidas eleições apertadas, quando setores da oposição burguesa ao governo se unificaram na convocação de protestos de rua e em um constante ataque público ao PT e à presidência, simbolizado nos esdrúxulos “panelaços” da classe média conservadora ante aparições de Dilma na televisão.
Uma “nova” direita para velhos interesses
O primeiro fenômeno a desafiar a esquerda em 2015 foi a tomada das ruas pela direita. Em março e em abril, centenas de milhares de pessoas foram às ruas nas principais capitais do país em protestos dominicais com camisa verde-amarela, bandeiras do Brasil e outros apetrechos, dançando, fazendo coreografias e tirando “selfies” com PMs. Foi a primeira vez em muitos anos em que a direita foi capaz de tomar as ruas em nosso país, alcançando números significativos em várias cidades, especialmente São Paulo.
Os manifestantes apontavam como principal demanda o “fim da corrupção”, que era identificada exclusivamente com o PT (como se Cunha, PSDB, DEM e o restante da corja capitalista não fossem também corruptos). Muitos chamavam também pelo impeachment da presidente. Em praticamente todas as capitais, alguns setores dos protestos chamavam por uma “intervenção militar” contra o governo e faziam apologia aberta da ditadura militar brasileira (1964-85). Foram recorrentes as manifestações de ódio ao “comunismo” que supostamente o PT quer introduzir no país, de acordo teorias da conspiração que tem circulado na internet. Em Jundiaí, a sede do PT sofreu uma tentativa de incêndio criminoso. No Rio de Janeiro e em outros lugares, pessoas vestindo camisas vermelhas (mesmo sem qualquer relação com a esquerda) foram hostilizadas.
As grandes redes de comunicação, destacando-se a Rede Globo, cobriram amplamente esses primeiros protestos, com flashes ao vivo durante todo o dia, estimulando a população a participar dos atos. Uma postura bem diferente das alcunhas de “vândalos” e “desordeiros” que “atrapalham o trânsito” que geralmente essa emissora usa para qualificar as manifestações dos movimentos sociais e da esquerda. Cobertura semelhante foi dada aos “panelaços”, através da reprodução de vídeos amadores e da criação de mapas que mostravam sua ocorrência país afora toda vez que Dilma fazia algum pronunciamento na TV.
Alguns institutos de pesquisa traçaram um perfil dos participantes dessas manifestações de março e abril. O que podemos observar é que se trata de uma maioria branca, de classe média alta. Em São Paulo, 41% ganhavam mais de 10 salários-mínimos (sendo que mais 27% ganhavam entre 5 e 10 salários). Em Porto Alegre, a proporção foi parecida. [1] O que isso demonstra é que o público principal desses protestos não foi da classe trabalhadora, embora certamente houvesse muitos trabalhadores iludidos ou reacionários entre os presentes. Mas o caráter dominante foi de pequenos burgueses, burgueses e setores aristocráticos da sociedade, que tem razões sociais distintas para sua insatisfação com o governo Dilma, que nada tem a ver com as dos trabalhadores. Não à toa, pouco se ouviu falar nesses dias sobre os cortes nas áreas sociais, sobre a redução de direitos trabalhistas ou sobre o desemprego. Tais protestos se configuraram como pontos de encontro dos setores mais reacionários da política brasileira. Os principais organizadores foram o Movimento Vem Pra Rua, o Movimento Brasil Livre e o grupo “Revoltados Online”.
O Vem Pra Rua é considerado o mais “moderado” desses grupos direitistas e o que reuniu maiores contingentes ao redor de si durante as manifestações. Seu principal líder é um empresário e sócio de uma grande gestora de fundos de investimento, Rogério Chequer. Ele apoiou Aécio Neves do PSDB nas eleições de 2014 e não escondia sua preferência política pessoal, ao mesmo tempo em que afirmava o caráter “apartidário” do movimento e negava qualquer tipo de financiamento empresarial. Apesar do suposto apartidarismo, o Vem Pra Rua estava claramente alinhado ao PSDB, cuja ala majoritária (representada por Serra, Alckmin e FHC) vinha à época se posicionando contra chamar por um impeachment. [2] [3]
Por sua vez, o grupo “Revoltados Online” é formado por cerca de 20 colaboradores de uma página nas redes sociais. Eles defendem ardorosamente o impeachment e muitas vezes fizeram postagens a favor da intervenção militar. São propagadores das teorias conspiratórias sobre os planos “comunistas” do PT (ignorando toda a política neoliberal levada adiante por Dilma) e elogiam Jair Bolsonaro, o deputado pró-ditadura e inimigo dos direitos democráticos das mulheres e LGBT. Ademais, venderam kits “anti-Dilma”, os quais incluíam (a preços exorbitantes) camisas, adesivos e cornetas – fazendo o grupo parecer mais uma empresa oportunista do que uma organização política. [2]
Já o Movimento Brasil Livre (MBL) é algo realmente “novo”, em certo sentido. Chama atenção em primeiro lugar o fato de suas figuras públicas serem todas pessoas de 20 e poucos anos e de muitas delas não serem defensoras do neoliberalismo “tradicional”, mas sim “libertárias” – isto é, contra toda e qualquer forma de intervenção estatal na economia, mesmo que seja para salvar empresas em falência, financiar determinados empreendimentos ou mesmo mitigar a desigualdade social em benefício do capital (cabe lembrar que mesmo Bolsa Família é inspirado nas ideias de “renda mínima” do guru neoliberal Milton Friedman e aprovado pelo FMI). A ala “libertária” do MBL, inspirada nas ideias de Ludwig von Mises – representante da chamada “Escola Austríaca” – defende um utópico capitalismo sem Estado (alguns chegam ao extremo de se reivindicarem “anarcocapitalistas”). Agem como se o Estado fosse um ente autônomo que caiu do céu e acabou com o capitalismo livre concorrencial, e não um instrumento do capital desde suas origens, sendo sua atual “interferência” na economia algo feito para e pelos grandes monopólios surgidos da dinâmica de crises sistêmicas do capitalismo. [2] [4]
Nesse sentido, se o neoliberalismo é o programa do grande capital para a atual etapa da decadência imperialista, o “libertarianismo” é a utópica resposta dos setores inferiores do empresariado, especialmente os “empreendedores” à constante ameaça de serem tirados de jogo por competidores que tem amplos recursos estatais a seu dispor. Todavia, apesar de soar “nova”, essa direita aglutinada no MBL foi gestada por atores sociais cujos interesses são muito velhos. Seus líderes são ligados a grupos de elaboração estratégica da direita (think tanks), como o Instituto Liberal e Estudantes pela Liberdade, e estes são todos financiados por centros da direita americana, por sua vez mantidos com vultuosos recursos de grandes empresas. Como foi demonstrado no apoio da FIESP às manifestações de março e abril, até mesmo esses jovens utópicos com instintos reacionários podem servir como peões no tabuleiro do grande capital. [2] [4]
Graças às manifestações puxadas por esses grupos, durante certo momento do ano passado a oposição burguesa ao governo do PT teve uma chance real de conseguir colocá-lo em xeque. Todavia, as divisões internas fizeram com que ela perdesse tal chance, especialmente por conta da ala majoritária do PSDB ter preferido esperar até o pleito de 2018, para enfrentar nas urnas um PT enfraquecido. Nas palavras de Aloysio Nunes, senador do PSDB, o plano é fazer o partido da situação “sangrar” até as próximas eleições nacionais [4]. Não obstante a falta de firmeza em relação ao impeachment nessa época, as manifestações – somadas à falta de popularidade do PT e seu isolamento na Câmara – fizeram com que Dilma cedesse ainda mais aos interesses do grande capital, em detrimento dos trabalhadores.
Mas, ainda que o PSDB tenha preferido usar as ruas como mero instrumento de pressão para sua política feita por dentro da “institucionalidade”, parte dos grupos que organizaram as manifestações seguem firmes em seu desejo de ver Dilma cair, e seguem convocando protestos de tempos em tempos. Estes têm estado menores, agora que perderam o apoio direto de setores do grande capital e de seus representantes políticos, todos apostando nas brigas palacianas, especialmente depois que o pedido de impeachment contra Dilma foi aceito pelo legislativo.
Boicotar e denunciar as manifestações direitistas
Após o fracasso daquelas convocadas no segundo semestre de 2015, o MLB, Vem Pra Rua etc. fizeram uma igualmente fracassada manifestação nacional em Brasília e estão desde então acampados no Planalto Central, com números irrisórios, sendo que seus representantes públicos e ideólogos tem se engalfinhado em polêmicas cada vez mais agudas [5]. Esse quadro só começou a mudar agora no começo de março, com a nova instabilidade criada pelo fechamento do cerco da Operação Lava Jato sobre Dilma e Lula, tendo a manifestação do dia 13 superado um pouco os números daquela de 15 março de 2015. É provável que novas manifestações continuem sendo convocadas como forma de pressionar pelo impeachment.
Em primeiro lugar, é necessário denunciar como direitistas e incentivar os trabalhadores a boicotar essas manifestações. Por mais óbvio que possa parecer, é preciso dizer que essas manifestações não são “movimentos de massas” com demandas populares, mas marchas articuladas pela direita, cujo objetivo último é aprofundar a onda de ataques contra a classe trabalhadora. Apesar da aparente obviedade disso, alguns grupos da esquerda – o MNN/Território Livre, o MRS (Movimento Revolucionário Socialista) e os maoístas organizados em torno do jornal A Nova Democracia, foram nas primeiras manifestações, de maior volume, e consideraram-nas lutas legítimas contra o governo Dilma. Agora em 2016, apenas o MRS continua a insistir em tal tática, ao passo que os demais a tem evitado. [6]
Essas posições absurdas, que não se importam em estabelecer uma “frente única” com direita contra o governo, devem ser repudiadas. Tomando as bases, as lideranças e o programa dessas manifestações, elas representam interesses completamente alheios e, de fato, opostos aos da classe trabalhadora e é uma ilusão fatal achar que é possível disputá-las. É inclusive surpreendente que os membros dessas organizações não tenham sido linchados, uma vez que uma simples camiseta vermelha muitas vezes já era suficiente para despertar a fúria dos mais fanáticos direitistas. Não à toa, esses “revolucionários” omitiram qualquer referência ao comunismo em seus materiais e vestimentas ao engrossarem as fileiras de tais manifestações.
A disputa intraburguesa muda de terreno: o impeachment
Foi também nessa situação de instabilidade que emergiu a figura de Eduardo Cunha na Presidência na Câmara, um demagogo membro da Bancada Evangélica, perito em manobras estatutárias e aliado aos sanguessugas descontentes da Câmara. Se aproveitando de seu poder momentâneo, Cunha e seus aliados da “Bancada BBB” encaminharam uma série de projetos que foram devidamente chamados de “pauta conservadora”. Dentre tais projetos, que incluíam um “Estatuto da Família” (contra a definição de casais homoafetivos como família), um “Estatuto do Desarmamento”, um “Dia do Orgulho Hétero” e um em particular que gerou forte reação, o de restringir o uso de contraceptivos abortivos por mulheres vítimas de estupro. Este último, encaminhado já em um momento de fragilidade de Cunha, por ter sido exposto na Operação Lava Jato, foi respondido com numerosas passeatas e atos públicos em capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, protagonizadas por mulheres que gritavam “Fica pílula, fora Cunha!”.
Por conta de toda a polarização do primeiro semestre e da enorme instabilidade política criada, o impeachment acabou entrando em pauta no segundo semestre de 2015 e acabou por ter o seu encaminhamento aprovado em dezembro. Isso ocorreu não só por conta de manobras dos adversários de Dilma na Câmara, mas também porque importantes setores empresariais, incluindo aí muitos aliados do governo, cansaram de lidar com uma bolsa volátil e com o risco de terem seus executivos citados nos autos da Lava Jato (como ocorreu com algumas das principais empresas e bancos do país, cujos presidentes foram parar na cadeia) e resolveram apostar em uma solução rápida para “por ordem na casa”.
Dilma e o PT passaram a jogar o jogo palaciano de Cunha e inicialmente brecaram o processo de impeachment utilizando de trocas de favores com Ministros do STF e jogando no ventilador a corrupção do próprio Cunha por meio de alguns aliados do governo que estavam a “abrir o bico” nas delações premiadas da Lava Jato. A única interação do PT com as ruas nesse contexto em que se encontrava com a corda no pescoço foi a utilização da CUT e do MST para formarem frentes amplas com o objetivo de se blindar dos ataques que vinha sofrendo (e também gestar uma alternativa eleitoral viável para 2018), tais como as Frentes “Brasil Popular” e “Povo Sem Medo” – que, hipocritamente, fizeram críticas mais ou menos duras ao ajuste fiscal na forma de um “Fora Levy”, mas que ignorava por completo a responsabilidade de Dilma no mesmo.
A Operação Lava Jato é um fator importante a ser considerado, especialmente porque o atual retorno do impeachment à pauta da Câmara se deu na esteira da recente delação do senador petista Delcídio Amaral, implicando Dilma e Lula. Aos poucos está ficando claro quais são os interesses político-econômicos que movem o juiz Sérgio Moro e Cia. [7]. É fato que a dinâmica de prisões com base em denúncias, que leva os presos a realizarem novas denúncias, e assim por diante, está jogando no ventilador toda a podridão do meio empresarial e político brasileiro. Porém, a mídia corporativa está trabalhando duro para preservar seus “protegidos” do PSDB, igualmente envolvidos na sujeirada, enquanto usam a investigação para reforçar seu ataque contra o governo e o PT.
Como se pode ver por essa breve síntese do que foi 2015 e o começo deste ano, os desafios que surgiram para a esquerda não foram poucos – e muitas deles seguem em aberto. Houve muita confusão quando a direita conseguiu mobilizar nas ruas contingentes consideráveis até abril; sobre a forma de como reagir ao ajuste fiscal promovido por Dilma/Levy em um contexto no qual o PT estava sob pesado ataque da mídia e risco real de perder o Planalto Central; e às frentes amplas criadas pelos governistas para se blindar nas ruas. No presente momento, a confusão segue em relação ao impeachment e, especialmente, ao ajuste fiscal. Sem uma resposta correta a essas questões, é impossível que a classe trabalhadora consiga se apresentar enquanto a necessária alternativa à onda conservadora e aos ataques do governo.
Qual deve ser a tática da classe trabalhadora?
Enquanto luta contra o avanço da “onda conservadora” de ataques aos direitos, é imprescindível que não haja nenhuma capitulação ao governo. Dilma nada está fazendo para frear o crescimento dos movimentos conservadores. Lembremos que depois das manifestações de março, ela ofereceu “dialogar” com os organizadores e acatou os desejos do grande capital via o “ajuste” de Levy. Está de mãos atadas por suas alianças com políticos e partidos conservadores para administrar o Estado burguês. Seu recente acordo com a cúpula tucana para abrir o pré-sal aos capitais imperialistas e a sanção da “Lei Antiterrorista” deixa claro que ela fará ataques cada vez maiores aos trabalhadores como forma de ganhar tempo junto a seus adversários.
Em outras palavras, embora estejam sendo visados pela grande imprensa e pela oposição direitista, o governo é parte e cúmplice da “onda conservadora”, pois está realizando todas as medidas demandadas pelo grande capital. Por conta disso, as frentes “Brasil Popular” e “Povo Sem Medo”, criadas em resposta ao ascenso da direita e que supostamente estão em luta contra o “ajuste fiscal”, não passam de uma tentativa de salvar o mesmo nesse momento de instabilidade. Consequentemente, cooperam indiretamente com seus ataques contra os explorados e oprimidos do país.
O mesmo papel lamentável de blindar o governo vem cumprindo o PCO, organização que suja o nome do trotskismo com sua colaboração de classes governista, conforme já denunciamos em Da histeria golpista à Copa do Mundo. As capitulações do PCO ao governismo (julho de 2014). Esse partido vem escondendo quaisquer críticas ao governo e só fala da “luta contra o golpe”, participando e elogiando entusiasticamente cada manifestação governista pró-Dilma.
Sem fazer coro com enorme histeria criada pelos governistas e seus ajudantes, como se estivesse em curso uma derrubada do governo à lá golpe de 64, cabe apontar que partidos e tendências reacionárias de todo tipo vem ganhando fôlego. O fascismo, por exemplo, vem de fato crescendo no país. Um novo partido neonazista foi fundado no Brasil no final do ano passado. Apesar do evento de seu lançamento, unindo diversos grupos extremistas (como os conhecidos “Carecas de SP”) ter sido cancelado em cima da hora, por temor de uma reação organizada da esquerda, ele já possui site e vem organizando diretórios regionais. [8] O sentimento anticomunista (associado cretinamente ao governo neoliberal do PT) cresceu muito na sociedade no último período, principalmente devido ao trabalho dos direitistas nas redes sociais.
O movimento dos trabalhadores e as organizações de luta contra as opressões devem estar atentos e ter unidade de ação para combater quaisquer agressões ou ameaças que se coloquem em seu caminho. Seja por parte de grupos fascistas – que ainda são uma pequena minoria, mas que vem surfando com certo sucesso na onda do crescente conservadorismo, seja por parte da “nova” velha direita do MLB/Vem Pra Rua/Revoltados Online, cujos membros já protagonizaram mais de um episódio de violência contra membros dos movimentos sociais. Nossa resposta a esse lixo deve ser dada nas ruas, denunciando seu pensamento rasteiro e as suas verdadeiras intenções de servir ao grande capital, do qual são tropas de choque, bem como se preparando para responder concretamente à sua violência com todo vigor sempre que necessário.
Além disso, está claro que devemos rejeitar e denunciar esse impeachment e demais manobras da oposição de direita. Dilma merece ser julgada por seus crimes contra a classe trabalhadora, como os cortes de direitos e a cumplicidade com a repressão, a continuidade da entrega das riquezas do país ao imperialismo etc. O mesmo vale para Lula. Mas só quem pode fazer isso é a luta da classe trabalhadora, para barrar e reverter as medidas do governo e confrontá-lo diretamente. O impeachment, por outro lado, é uma manobra da oposição PSDB/DEM e de setores do PMDB que querem assumir eles próprios o governo. Esses senhores querem capitalizar a crise do PT e de Dilma para seu próprio benefício. Uma queda de Dilma por essa via não beneficia os trabalhadores e, nesse caso, não mudaria a onda de ataques, mas ao contrário, a intensificaria. Nós do Reagrupamento Revolucionário nos opomos ao impeachment não por capitulação ao PT, mas sim por reconhecermos esse processo como uma cortina de fumaça da oposição de direita para se aproveitar da insatisfação da população, angustiada e cansada pelos ataques que vem sofrendo por parte da burguesia e do governo.
O elemento essencial para que a classe trabalhadora enfrente a atual conjuntura com sucesso é a formação de um polo independente da oposição de direita e do governo, que unifique as várias lutas em curso (abrindo sempre novas frentes) em torno dos eixos: Contra os ataques do governo e seu “ajuste fiscal”! Nenhum corte de verbas dos serviços públicos, retirada de direitos ou demissões! Contra a criminalização dos movimentos sociais da Lei antiterrorismo! Contra a oposição de direita e sua manobra hipócrita de impeachment! Essa deve ser uma frente de unidade nas lutas, baseada nessas posições fundamentais para os trabalhadores no atual momento. Ao mesmo tempo, dever permitir a todos os grupos e partidos da classe trabalhadora que queiram participar uma ampla liberdade de discussão e crítica.
Os governistas negam a existência de uma situação de crise econômica (mais precisamente, de recessão – que será aprofundada com a política de ajuste fiscal de Dilma), alegando que tudo não passa de “complô da oposição” e “invenção da mídia”, e se usam da “onda conservadora” para tentar angariar apoio popular ao governo. Por outro lado, há setores na esquerda que negam o crescimento do conservadorismo por encararem que admitir isso implicaria defender Dilma politicamente. A formação de um polo independe como o que estamos defendendo precisa se opor firmemente a esse tipo de “posição automática”.
No primeiro semestre do ano passado chegaram a ocorrer algumas manifestações em capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, chamadas por partidos de esquerda e a CSP-Conlutas, que constituíram experiências embrionárias independentes do governo e da oposição de direita, mas as frentes de colaboração de classes criadas pelos governistas através da CUT e do MST deram cabo das mesmas, ao conseguir recrutar importantes setores que as compuseram, tais como boa parte das correntes do PSOL e o MTST, como discutiremos a seguir. A luta contra a direita e o governismo ganhou novo fôlego com a belíssima luta protagonizada pelas mulheres contra Cunha, no segundo semestre de 2015, mas segue aberta a tarefa de formação de um polo de independência de classe e combativo.
Obstáculos e desvios colocados por duas posições na esquerda: PSOL e PSTU
Desde outubro do ano passado, o PSOL e a maior parte de suas correntes têm participado da Frente Povo Sem Medo, incluindo aí alguns grupos que se reivindicam trotskistas, como Insurgência, o MES e a LSR [9]. Essa frente diz ter como objetivo a defesa da classe trabalhadora contra o ajuste fiscal:
“O ‘ajuste fiscal’ do governo federal diminui investimentos sociais e ataca direitos dos trabalhadores. Os cortes na educação pública, o arrocho no salário dos servidores, a suspensão dos concursos são parte dessa política. Ao mesmo tempo, medidas presentes na Agenda Brasil, como aumento da idade de aposentadoria e ataques aos de direitos e à regulação ambiental também representam enormes retrocessos. Enquanto isso, o 1% dos ricos não foram chamados à responsabilidade. Suas riquezas e seus patrimônios seguem sem nenhuma taxação progressiva. O povo está pagando a conta da crise.”
— Frente Povo Sem Medo será lançada nessa quinta em SP, 5 de outubro de 2015. Disponível em: http://tinyurl.com/hx6tcpk.
Porém, não pode ser ignorado que essa Frente é composta em sua maioria por organizações que fazem parte do governo que está realizando todos esses ataques contra a classe trabalhadora: PT, PCdoB, CUT, UNE, entre outros, e se usam da mesma para blindar Dilma. Atacam o “ajuste fiscal” apresentando-o como obra do capital financeiro, mas suas críticas a Dilma são simbólicas, isso quando aparecem. A “onda conservadora” é apresentada como um fenômeno que não tem a ver diretamente com o governo. Essas organizações nunca explicam porque seguem sendo base de apoio a Dilma. A própria formação da Frente foi uma tática sua para tentar se reinserir no movimento, do qual estiveram ausentes, e lutar contra os projetos da bancada conservadora no legislativo sem encostar no governo, fazendo uma crítica “comportada” ao mesmo, na melhor das hipóteses. Vejamos, por exemplo, a convocatória para manifestações que estão sendo chamadas para o dia 31 de março:
“Os eixos da mobilização unitária são os seguintes: Contra a Reforma da Previdência; Não ao Ajuste Fiscal e cortes nos gastos sociais; Em defesa do Emprego e dos Direitos dos Trabalhadores; Fora Cunha; Contra o Impeachment.”
— Nota sobre a mobilização nacional de 31/3, 16 de fevereiro de 2016. Disponível em http://tinyurl.com/jpqyck6.
Esse chamado é assinado pela Frente Povo sem Medo e pela Frente Brasil Popular e não é atípico do seu conteúdo de nenhuma denúncia ao governo. Portanto, o papel que cumpre essa Frente Povo sem Medo, assim como a Frente Brasil Popular, é de ser um obstáculo para a conformação de uma frente de luta efetiva e combativa da classe trabalhadora contra o conservadorismo e também os ataques do governo. Ao se atrelar à “ala esquerda” de um dos campos burgueses em disputa, o PSOL enfraquece a perspectiva de derrotar os ataques, que só pode ser vitoriosa travando uma verdadeira guerra de classe contra ambos governo e os direitistas pró-impeachment. A Frente é contra o impeachment, mas não fala uma palavra do governo em 90% das ocasiões. Quando o faz, é com um tom ameno.
Um militante honesto do PSOL poderia argumentar que a participação do partido seria uma tática para rachar a base do governo, chamando isso de “frente única”. A frente única conforme defendida pela Internacional Comunista em sua época revolucionária é uma unidade de ação em torno de bandeiras de interesse comum para os trabalhadores, na qual os partidos revolucionários poderiam mostrar também a superioridade do seu programa e ganhar os trabalhadores para o mesmo. De fato, o PT e o PCdoB ainda possuem influência sobre uma base que esperamos um dia que sejam ganhos para a revolução. Mas mesmo que essa frente pudesse articular uma luta combativa contra o ajuste fiscal, o que não vai acontecer, o PSOL deveria travar uma batalha encarniçada contra os governistas, denunciando o uso que eles querem fazer da mesma. Mais uma vez, isso não ocorre. O problema com essa suposta “tática” do PSOL é que em suas declarações sobre a Frente Povo sem Medo, ele deixa de lado todas as críticas aos governistas para manter a unidade. Vejamos, como exemplo, a sua nota sobre o lançamento da Frente em São Paulo.
“Diversas entidades e movimentos sociais convidam para o lançamento da Frente Povo Sem Medo, nesta quinta-feira (…). Uma frente política que propõe saídas à esquerda para a crise brasileira, contra qualquer ataque aos direitos dos trabalhadores, seja do governo federal, seja de sua oposição de direita. O PSOL soltou uma resolução nacional nesta semana chamando sua militância a se incorporar a esta frente, inclusive diversos de nossos parlamentares são signatários de sua carta convocatória.”
— Carta Convocatória de lançamento da Frente Povo sem Medo, 7 de outubro de 2015
Disponível em: http://tinyurl.com/hd5fly5
Em seguida é reproduzida a carta de lançamento da Frente, no tom que já explicamos. Mas em nenhum momento dessa convocatória do PSOL existe uma crítica ao PT, PCdoB, CUT, UNE etc. etc. Será que a frente propõe mesmo “saídas à esquerda” para a crise? Esses governistas querem, de fato, uma transformação do país? Sustentar isso seria demais até para o PSOL. Em outros artigos, sobre a difusão da Frente pelos estados ou no lançamento da mesma no Maranhão, a mesma coisa acontece. Nem mesmo uma linha sobre os “aliados” do PSOL nessa Frente [10]. Com isso, o que o PSOL está fazendo não é direcionar essa Frente para lutar contra o governo e os governistas, até porque isso não seria aceito pelos mesmos.
O PSOL está é se adaptando à posição dessas forças. Quando o objetivo comum é blindar um governo burguês e os seus apoiadores de críticas sobre os crimes cometidos contra a classe trabalhadora, o nome disso não é “frente única”, mas oportunismo. Esse oportunismo tem raiz na falsa crença de que Dilma e o PT são um “mal menor” que deve ser apoiado em relação à oposição de direita, posição defendida pela direção do PSOL e muitas de suas figuras públicas, como Jean Wyllys e Marcelo Freixo, que também chamaram a votar por Dilma no segundo turno das últimas eleições, dizendo que ela defendia “direitos humanos” e das minorias [11].
O governo composto pelo PT foi a ponta de lança dos ataques contra a nossa classe. Nesse momento em que grande parte dos trabalhadores passa a nada esperar do PT, um partido revolucionário teria terreno fértil para erguer, do cemitério do programa governista de conciliação com a burguesia, uma alternativa classista para a solução dos problemas do proletariado. Ao invés disso, os líderes do PSOL optam por ajudar a blindar um inimigo da classe trabalhadora que é esse governo, ao dar cobertura pela esquerda na Frente Povo sem Medo. Apesar da direção do MTST (principal componente da Frente) parecer ter enfim se dado conta do beco sem saída dessa política conciliatória, anunciando recentemente (7 de março) que passará a fazer firme oposição ao governo Dilma e que mobilizará sua base em uma jornada de lutas, tudo indica que essa Frente (da qual o MTST não se retirou) continuará blindando Dilma. Por isso chamamos o PSOL e todos os seus militantes a romper com a mesma, que só pode atrapalhar a organização da classe trabalhadora para lutar contra o ajuste fiscal.
O PSTU tem uma posição distinta. Eles também têm criticado a presença do PSOL nessa Frente com o governismo e chamado, corretamente, pela composição de um polo da classe trabalhadora em oposição ao governo e à direita:
“Os trabalhadores e a maioria do povo não devem apoiar Dilma, nem apoiar Cunha-Aécio, que defendem que governe Michel Temer ou Aécio Neves com esse Congresso. A classe trabalhadora e a juventude precisam ir à luta em defesa das suas reivindicações e contra todos eles. É através da mobilização para botar todos eles para fora, em defesa das nossas reivindicações e contra o ajuste fiscal que todos eles defendem, que podemos construir uma alternativa dos de baixo para governar o país.”
— Fora Dilma, Fora Cunha, Fora Temer, Fora Aécio e esse Congresso Nacional! Fora todos eles!, 3 de dezembro de 2015.
Disponível em http://tinyurl.com/z5zwnb2.
Porém, estamos em desacordo com a posição do PSTU em dois níveis. O primeiro é que a proposta do PSTU para a investida contra os inimigos da classe trabalhadora está em torno do chamado por “eleições gerais”:
“De imediato, se ainda não temos uma organização dos trabalhadores e do povo pobre apoiada nas suas lutas para governar, que é o caminho que pode garantir mudança de verdade, então que se convoquem novas eleições gerais no país, para presidência da República, senadores, deputados federais e governadores. Que o povo possa trocar todo mundo, se quiser. O que não dá para aceitar é que qualquer um desses que estão aí hoje governem.”
— Idem.
Acreditamos, como o PSTU sustenta, na necessidade de um governo de trabalhadores baseado em nossas organizações de luta e estabelecido por uma revolução para resolver a crise econômica e as desigualdades e absurdos desse país. Mas enquanto uma revolução não é sentida pelos trabalhadores brasileiros como uma necessidade e o socialismo está distante do seu horizonte de expectativas, existe uma ampla insatisfação com o “ajuste fiscal”, o qual é defendido por todos os partidos da burguesia. Um movimento de trabalhadores independente de todas as frações burguesas para combater esse ajuste e os cortes do governo é uma perspectiva viável e que prepararia nossa classe para começar a agir como uma “classe para si”, ou seja, na defesa combativa de seus próprios interesses.
A proposta do PSTU por eleições gerais, porém, vai na contramão de ambas perspectivas. A tática de unidade na luta contra o ajuste e os cortes de direitos avança para uma ação independente dos trabalhadores. Já querer eleições gerais como um objetivo para o atual período de instabilidade só serviria para desviar as expectativas do proletariado para o pântano lamacento da falsa democracia dos ricos, ainda que os pivôs dos escândalos de corrupção não participassem, como o PSTU defendeu em outras declarações. A burguesia nunca tem dificuldades em repor seus fantoches e homens fortes. Nesse sentido, é também equivocada, e cumpre igualmente papel de desvio, a linha assumida pelo MRT/Esquerda Diário, de chamar por uma Assembleia Constituinte [12] – uma linha recorrente desse grupo, à qual futuramente dedicaremos uma polêmica à parte.
Qualquer partido revolucionário deveria saber que as eleições burguesas são nada mais que um jogo de cartas marcadas, e que a burguesia só financia e divulga maciçamente aquelas campanhas dispostas a defender os seus interesses. Além disso, os trabalhadores não podem decidir, nas eleições, sobre as questões que realmente afetam as suas vidas, nem a forma como seu local de trabalho será gerido, nem quem pagará pela crise econômica, nem sobre leis cortando seus direitos, por exemplo. As eleições não passam de uma oportunidade que o proletariado tem para escolher os seus carrascos.
Marxistas normalmente chamam por eleições gerais em casos quando estas se contrapõem a uma ditadura que reprime todas as formas de liberdades democráticas burguesas. Nesses casos, o chamado por eleições serve para desmascarar regimes ditatoriais e representa a abertura de um espaço político para agitação revolucionária. Especialmente quando a população tem expectativas de que as coisas seriam drasticamente diferentes em uma democracia. Mas no atual cenário brasileiro, a população e os trabalhadores em especial sentem profundo desdém e não acreditam no sistema eleitoral burguês.
Os revolucionários podem continuar usando, em momentos de calmaria, os períodos eleitorais para denunciar a farsa que as eleições representam. Mas de forma alguma é aceitável apresentar a proposta de um novo processo eleitoral nesse momento, quando o que a conjuntura exige é uma luta incansável contra os ataques do governo e da direita. Um processo eleitoral no meio das lutas serviria somente para desviar as atenções, seria um caminho para longe dos esforços pela construção imediata de um polo classista. Sem contar que as eleições gerais que se seguiriam à queda da presidente, seriam provavelmente ganhas pela oposição de direita. De que forma isso ajudaria a barrar os ataques da burguesia contra nossa classe? É uma pergunta difícil de responder mesmo para o PSTU.
Outro aspecto da posição do PSTU com qual temos desacordo ainda não é, até o momento, tão concreto. É a sua tendência a flertar com as investidas contra o governo Dilma mesmo se partirem da oposição de direita. A LIT, organização internacional da qual o PSTU faz parte, tem mantido de forma consistente a linha de enxergar qualquer movimentação de massas contra o governo da vez como algo progressivo, sem considerar o caráter de classe que está à frente do movimento de oposição e quais forças efetivamente dirigem a derrubada do governo da vez. Fizeram isso na Líbia, ao não ter nenhum pudor de reivindicar uma unidade de ação com a OTAN para derrubar o ditador Kaddafi; na Síria, ao apoiar os reacionários rebeldes do Exército Livre da Síria, de programa burguês pró-imperialista, como uma alternativa ao tirano Assad; na Ucrânia, ao chamar de “revolução” e apoiar o levante do EuroMaidan, dirigido pela direita pró-União Europeia; no Egito, ao sustentar que o golpe militar que derrubou o ex-presidente da Irmandade Muçulmana foi uma “revolução vitoriosa”. [13] Essa é a mesma tendência que permitiu à corrente internacional do PSTU enxergar a queda da URSS e demais Estados operários burocratizados europeus no começo dos anos 1990 como uma “vitória histórica dos trabalhadores” [14].
Tal tendência não foi, por ora, levada até esses extremos. O PSTU tem rejeitado abertamente se somar aos atos organizados pelos opositores de direita e não apoia o impeachment, embora dificilmente o partido se pronuncie contra este processo. Ao longo dos meses, disse que “não o propõe”: “O PSTU não está propondo impeachment da presidenta Dilma. Não queremos colocar nas mãos deste Congresso Nacional, corrupto e controlado pelo poder econômico, a solução da crise vivida pelo país” (Quem faz o jogo da direita, 28 de julho de 2015). Ou então que um impeachment “não basta”: “Por isso dizemos que não basta tirar a Dilma. É necessário colocar para fora também toda essa corja do PMDB e do PSDB, começando pelo picareta maior do Eduardo Cunha, Temer, Aécio Neves e esse Congresso…”. (Nota da Direção Nacional do PSTU, 3 de dezembro de 2015).
A ideia de que o impeachment “não basta” ou “não resolve nossos problemas” (como também foi expressa) está diretamente relacionada à palavra de ordem de “Fora Dilma, Fora Cunha, Fora Temer, Fora Aécio e esse Congresso Nacional! Fora todos eles!” defendida pelo PSTU. Idealmente, somos a favor de um “fora todos” no sentido de que queremos tirar do poder todos os representantes da burguesia. Porém, defender essa demanda na atual conjuntura, em que a única possibilidade concreta é que o “Fora Dilma” leve a um governo do PMDB-PSDB, não é advogar a causa do proletariado, mas ser indiferente quanto às conclusões a que a concretização dessa demanda poderia levar. Isso seria diferente se a ameaça pairando sobre Dilma fosse a do movimento da classe trabalhadora, é claro.
Não é à toa, porém, que foi quando a perspectiva do impeachment se tornou concreta que o PSTU passou a defender tal demanda. Mais seriamente, em certa ocasião um dos principais dirigentes do PSTU apoiou (no seu perfil nas redes sociais) um “panelaço” da classe média conservadora contra os pronunciamentos de Dilma, dizendo que era “perfeitamente merecido”:
“PANELAÇO NA DILMA E NO PT! MAS PANELAÇO TAMBÉM NO AÉCIO E NO PSDB! PANELAÇO NESTA CORJA TODA!”
“Inacreditável a cara de pau da direção do PT no programa que acaba de ir ao ar na TV. Mostram um país que só existe no conto da carochinha dos dirigentes deste partido e seu governo. E acham que enganam alguém com isso. Perfeitamente merecido o panelaço que se ouviu por todo lado durante o programa. Mas panelaço não pode ser só no PT e na Dilma, não. Tem de ser também no Aécio e no PSDB, no Temer e Eduardo Cunha do PMDB, tem de ser panelaço neles todos. Eles estão unidos para atacar os direitos dos trabalhadores e para defender o lucro dos bancos”.
— Zé Maria, 6 de agosto de 2015. Disponível em http://tinyurl.com/gv4w4j3.
Os revolucionários não se opõem ao impeachment por considerar o PT uma organização operária ou seu governo com sendo de esquerda. Não, sabemos que são um partido e um governo dos patrões, que merecem a cova, junto com os tucanos e o restante da direita. Mas o algoz do PT não deve ser um impeachment e nem os tribunais controlados pela direita, mas sim a classe trabalhadora organizada. Portanto, denunciamos e nos opomos firmemente à hipocrisia do impeachment do PSDB-PMDB como uma tentativa de angariar os frutos do desgaste do governo. O chamado por um “Fora Dilma! Fora Todos!” defendido pelo PSTU – e também pela CST (PSOL) [15] – não prioriza a perspectiva de derrotar o governo Dilma e suas políticas antioperárias, mas sim a sua retirada ou saída do poder, sem que o movimento da classe trabalhadora esteja pronto, nesse momento, para se beneficiar disso e quando só a oposição de direita pode fazê-lo. Reafirmamos que somente a formação de um polo proletário independente tanto da oposição direitista quando do governo Dilma oferece a perspectiva de derrotar esses dois algozes.
O cerco sobre Lula e as falsas expectativas na Operação Lava Jato
Com o vazamento da suposta delação do senador petista Delcídio Amaral pela revista Isto É, no último dia 3 de março, a situação de Dilma se tornou ainda mais instável e o ex-presidente Lula foi posto no olho do furacão. Lula, a atual aposta do PT para as eleições de 2018, foi levado a depor coercitivamente pela Polícia Federal no dia 4 de março e teve prisão preventiva solicitada pelo Ministério Público de São Paulo. Apesar das acusações contra ele e Dilma não estarem confirmadas, a oposição de direita e setores do PMDB voltaram a bradar pelo impeachment e a convocação para a manifestação que organizam para o dia 13 de março ganhou muito mais fôlego. Ante essa situação, de novos atos de rua convocados pela oposição de direita e por grupos da “nova” direita, reforçamos aquilo que dissemos em relação às manifestações do início de 2015. O mesmo vale para nosso posicionamento em relação ao impeachment contra Dilma.
Porém, a reposta dada ao evento por setores da esquerda reforçam nossas críticas a esses partidos e grupos. A direção da CSP-Conlutas, hegemonizada pelo PSTU, emitiu uma nota em que não questiona a arbitrariedade e as intenções de Moro e da Polícia Federal e demandou que também Cunha, Aécio e Cia. fossem investigados:
“Assim, não podemos cair no discurso que essa ação [a investigação sobre Lula] é um ‘golpe da direita’, precisamos exigir que as investigações avancem e cheguem a todos os políticos corruptos e às empresas corruptoras. É dessa forma que vamos virar esse jogo para o lado dos trabalhadores.”
— Não basta avançar na investigação sobre Lula, é preciso apurar também as falcatruas do PSDB, PMDB, DEM e outros partidos de direita!, 12 de março de 2016.
Disponível em http://tinyurl.com/zu82883.
Qualquer um pode ver que essa ação faz parte da sórdida investida da oposição de direita contra o PT, além do que cruza a própria legalidade de investigações criminais. Aqui, a direção da CSP-Conlutas parece confiar na Lava Jato (que não é criticada em nenhum momento do artigo) para investigar todos os outros partidos da burguesia. Quaisquer que sejam os interesses “justiceiros” de Moro e da Lava Jato, a condução das operações está prestando auxílio às intenções dos setores da oposição de direita para criar instabilidade. Um partido revolucionário não deveria delegar à polícia e à justiça dos patrões a tarefa de realizar a limpeza dos corruptos, pois é evidente que isso não acontecerá. Como a própria nota da CSP-Conlutas afirma, “a burguesia protege os seus”. Não há motivo, portanto, para crer que a continuidade de investigações da Lava Jato irá “virar esse jogo para o lado dos trabalhadores”. Como afirmamos, esta é uma manifestação da tendência de não diferenciar os golpes sofridos pelo governo e PT por parte da classe trabalhadora daqueles que vêm, ou acabam sendo instrumentalizados, pela oposição de direita.
O PSOL também está dando apoio à continuidade das investigações. O site do partido afirmou que “Apoiamos o aprofundamento das investigações, na expectativa de que sejam levadas até o fim, sem qualquer diferenciação entre os acusados, tendo prerrogativa de foro ou não.” [16] Essa “expectativa” é uma ilusão séria. A Lava Jato já demonstrou que não vai se colocar a serviço de uma investigação da casta política ou do meio empresarial de forma imparcial. Não será “levada até o fim” pois a Justiça burguesa não pode fazê-lo.
A CST/PSOL emitiu nota de teor semelhante, em que demanda o aprofundamento das investigações e diz que “Lula e Dilma devem ser investigados e punidos!” [17] Mas por quem? Nós do Reagrupamento Revolucionário encaramos que Lula, Dilma, Aécio, Cunha e cia. precisam sim ser investigados, mas não conferimos confiança alguma à justiça burguesa. Apenas o movimento operário organizado tem legitimidade para realizar uma investigação séria contra essa corja, a começar pela devassa das finanças das grandes empresas envoltas em toda essa falcatrua. E vemos necessidade de denunciar firmemente a forma como Moro e a PF vem atuando, que revela a podridão dos aparelhos repressivos do Estado burguês.
Mas se a posição da direção da CSP-Conlutas e da CST/PSOL são preocupantemente equivocadas, cabe ressaltar que a do MNN/Território Livre ultrapassa todos os limites do bom senso. Tal grupo emitiu duas notas em que efetivamente comemorou ditas ações e ainda pediu pela imediata prisão de Lula e queda de Dilma, com a demanda “Que Lula seja preso!” [18], alegando que isso favorecerá as condições para a construção de organizações revolucionárias. Uma ilusão delirante de que um processo controlado pelo Estado e pela Justiça dos patrões e posto a serviço dos direitistas pode trazer frutos políticos para o proletariado.
Esses novos acontecimentos em nada alteram nossa posição de oposição ao governo Dilma. Tampouco vemos motivos para baixar o tom quanto ao papel histórico cumprido por Lula de trair e conter os movimentos da classe trabalhadora. Com o acirramento dos ânimos, governistas tem inclusive assumido posturas agressivas que devem ser rechaçadas com o necessário vigor pelo conjunto dos movimentos sociais e da esquerda, como a censura e tentativa de agressão a militantes do Movimento Mulheres em Luta (que compõe a CSP-Conlutas) no ato de 8 de março em São Paulo. Da mesma forma, os direitistas mais fanáticos e com tendências fascistoides realizam agressões contra sedes de sindicatos da CUT, militantes ou mesmo pessoas aleatórias vestidas de vermelho que passam pelas suas manifestações. É preciso unidade dos lutadores para rebater esses reacionários violentos, com todos os meios necessários. O governismo e a reação de direita devem ser derrotados nas lutas e ruas, por meio da mobilização e unidade da classe trabalhadora.
Notas
[1] Institutos de pesquisa fazem levantamentos sobre o perfil dos manifestantes em Porto Alegre, 16 de março de 2015. Disponível em: http://tinyurl.com/m39kn27
[2] Conforme A nova roupa da direita, Pública, 23/06/2015 (disponível em http://tinyurl.com/plbh27b), Três grupos organizam os atos anti-Dilma, em meio a divergências, El País Brasil, 15/03/2015 (disponível em http://tinyurl.com/jpky7rz) e Quem financia os grupos que pedem o impeachment?, Diário do Centro do Mundo, 15/03/2015 (disponível em http://tinyurl.com/j4kwkyl).
[3] Contrariando líderes tucanos, FH diz que pedido de impeachment é precipitado, O Globo, 19/04/2015. Disponível em: http://tinyurl.com/hc4fveo.
[4] Sobre os defensores da “Escola Austríaca”, que tem dado as caras no Brasil recentemente, ver o artigo de André Augusto, O que está em jogo no “Mais Mises, Menos Marx”. Disponível em: http://tinyurl.com/jag83aj.
[5] Conforme Barraco na direita: Olavo, Reinaldo, Constantino, Bolsonaro e Kataguiri trocam acusações, Portal Fórum, 13/01/2016. Disponível em: http://tinyurl.com/j3vl8xj.
[6] A esse respeito, ver “Tomar as massas em seu movimento”, site do MNN, 17/03/2015 (disponível em http://tinyurl.com/hptdyvy), Fora Dilma, Fora Todos!, Facebook do MRS, 16/08/2015 (disponível em http://tinyurl.com/h9uo4gh), O Brasil precisa de uma Grande Revolução, Jornal a Nova Democracia n. 147, março/2015 (disponível em: http://tinyurl.com/h5lgjmh) e Porque ir aos atos do dia 13 de março?, Facebook do MRS, 12/03/2016 (disponível em http://tinyurl.com/h8uv2un).
[7] Recente pesquisa do Esquerda Diário indica que se trataria de uma forte resposta de um bilionário cartel internacional de produção de navios-sonda à tentativa de formação de um cartel competidor “tupiniquim”. Esquerda Diário investiga delações, Esquerda Diário (portal do MRT), 29/01/2016. Disponível em: http://tinyurl.com/j7tg9y4.
[8] Conforme Fascistas vão fundar a Frente Nacionalista em Curitiba com um festival lotado de banda ruim, Vice, 11/12/2015 (disponível em http://tinyurl.com/zj792q4) e Grupo fascista cancela congresso na região de Curitiba, Gazeta do Povo, 11/12/2015 (disponível em http://tinyurl.com/hohxs5q)
[9] O PSOL é um partido formado por tendências, de forma que nem todas assinam a participação na Frente Povo sem Medo. Os movimentos do PSOL que aparecem assinando o lançamento da Frente são os seguintes: Coletivo Juntos, Juventude Socialismo e Liberdade (JSOL), RUA – Juventude Anticapitalista, Coletivo Construção e Bloco de Resistência Socialista. Um notável ponto fora da curva foi a corrente morenista CST, seção brasileira da UIT.
[10] Ver Frente Povo Sem Medo é lançada no Maranhão, com a presença do PSOL (http://tinyurl.com/hekglsp), 31 de março é dia nacional de luta unificada contra o ajuste fiscal e a reforma da previdência (http://tinyurl.com/zqo8djy) e Frente Povo Sem Medo começa a se organizar nos estados (http://tinyurl.com/gon6cl7).
[11] Ver Marcelo Freixo apoia Dilma Rousseff (https://www.youtube.com/watch?v=on3oysCoxj8) e Jean Wyllys: No segundo turno, eu voto em Dilma (http://tinyurl.com/gtflrgh).
[12] Conforme Por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana imposta pela força da mobilização, de dezembro de 2015 (http://tinyurl.com/jr9ncc7). Em nosso arquivo histórico há um documento de polêmica com a seção irmã do MRT na argentina, quando esta adotou linha semelhante na crise política que passou aquele país em 2001 (ver Acerca do chamado por uma assembleia constituinte na Argentina, de março de 2002, http://tinyurl.com/zxc3oz2).
[13] Sobre as posições da LIT / PSTU ante as guerras civis líbia e síria e o conflito na Ucrânia e no Egito, ver (respectivamente) nossa polêmica De que Lado da Trincheira?, de novembro de 2011 (http://tinyurl.com/ztu5e67), o artigo do PSTU Quatro anos da revolução síria, de março de 2015 (http://tinyurl.com/jc8rtdy), a Declaração da LIT-QI sobre a situação na Ucrânia, de maio de 2014 (http://tinyurl.com/jplyqc5) e nossa polêmica O golpe militar no Egito e a posição escandalosa do PSTU/LIT, de outubro de 2013 (http://tinyurl.com/z4b87l8).
[14] Ver, por exemplo, O veredito da história, de julho de 2015 (http://tinyurl.com/zqy78gy).
[15] Conforme Nem governistas, nem tucanos. Fora Todos!, de agosto de 2015 (http://tinyurl.com/hctwcng).
[16] Conforme “Apoiamos o aprofundamento das investigações”: Nota da bancada do PSOL sobre as novas prisões da Lava Jato (http://tinyurl.com/hgpkkjo ).
[17] Conforme Lula e Dilma devem ser investigados e punidos!, de março de 2016 (http://tinyurl.com/zfmc83v).
[18] Confira: Lula na prisão! (5/3/2016 http://www.movimentonn.org/?p=802 e http://tinyurl.com/hwe63t8).