Os revolucionários e as eleições burguesas

Setembro de 2016

[Este texto foi originalmente escrito como uma colaboração à discussão interna do Reagrupamento Revolucionário sobre qual posição tomar nas eleições de 2016. Posteriormente à discussão, ele foi expandido e adaptado para publicação.]

No Brasil, a esquerda possui um forte foco nas eleições burguesas, muitas vezes até mesmo priorizando o calendário eleitoral em detrimento do fortalecimento de lutas populares e dos trabalhadores. Isso força grupos pequenos como o nosso, atualmente incapazes de ter algum impacto no processo eleitoral, a afirmarem suas posições e a se diferenciarem da tendência geral de disseminação de ilusões nas eleições como uma via para mudanças que interessem ao proletariado. Organizamos essa primeira parte do texto na forma de teses que definem nossos princípios básicos para uma atuação revolucionária nas eleições. Posteriormente, discutimos nossa posição sobre o pleito de 2016.

1) As eleições de sufrágio universal são atualmente um dos principais mecanismos das democracias burguesas. Elas permitem o debate entre programas e indivíduos, atualizando o regime burguês de anos em anos (ou sempre que necessário, no caso dos sistemas parlamentaristas) para a luta de classe contra os trabalhadores – ou seja, o programa para melhor dominar. Elas também passam a falsa impressão de que os trabalhadores têm algum poder de decidir os rumos do Estado, melhor disfarçando o real sistema de ditadura de classe da burguesia. Pois as eleições são quase sempre um jogo de cartas marcadas, seja pelo pesado financiamento empresarial e apoio midiático às candidaturas preferenciais da burguesia, seja pela possibilidade de inúmeras interferências que cerceiam a democracia quando os pleitos não correm conforme o esperado. Sempre que a maioria da burguesia vê a necessidade de trocar o governo do seu Estado, mesmo passando por cima da legalidade, ela o faz, como ocorreu no Brasil no impeachment de Dilma Rousseff e no de Fernando Lugo no Paraguai, em 2012.

2) Por conta disso, os revolucionários têm como seu papel principal ante pleitos eleitorais o de denunciar o papel ilusório das eleições burguesas, como parte de uma crítica mais geral ao sistema capitalista e ao seu Estado, e não apenas ao governo de turno. As eleições não podem mudar a condição explorada e subalterna da classe trabalhadora. As promessas de reformas e melhorias que vem dos mais diversos candidatos esbarram no compromisso destes com a manutenção da ordem capitalista, seus acordos públicos ou por baixo dos panos com a grande burguesia.

3) Mas essa denúncia não significa necessariamente abstenção ou boicote eleitoral. Não nos opomos à participação nas eleições burguesas como princípio. Ao longo da sua história, o Partido Bolchevique russo soube tirar proveito do espaço de debate político proporcionado pelas eleições, lançando candidaturas revolucionárias em certas ocasiões. Já em outras, chamou os trabalhadores a boicotarem o pleito, quando o clima político entre as massas era favorável para tal (em geral, por se tratar de um momento de forte ascenso das lutas). No atual cenário brasileiro, embora alguns votos nulos sejam dados pelos trabalhadores em repúdio ao sistema eleitoral em sentido progressivo, tantos outros são dados por uma postura de rejeição à política, ou seja, uma postura conservadora. Reconhecemos que voto nulo é uma opção viável para os trabalhadores frustrados com o sistema eleitoral e com os partidos da burguesia, mas o foco dos revolucionários deve ser a denúncia de todos os candidatos burgueses e dos oportunistas que cruzam a linha de classe. Dessa forma, a posição pelo voto nulo deve ser, nos casos em que não há outra opção, muito mais uma consequência da ausência de uma candidatura da classe trabalhadora do que algo a ser exaltado. Pelo mesmo motivo, campanhas de boicote ou abstenção eleitoral não devem ser um princípio, mas uma tática aplicada apenas em momentos adequados.

4) Enquanto setores expressivos da classe trabalhadora ainda nutrirem ilusões nas eleições burguesas, elas podem ser usadas pelos revolucionários para propósitos táticos de aliar consigo setores descontentes com o capitalismo e seu sistema eleitoral. Uma candidatura proletária poderia servir para esse propósito de demonstrar para a classe sua força crescente, além de usar o momento eleitoral, quando todos estão discutindo política mais avidamente, para divulgar as ideias socialistas revolucionárias. Da mesma forma, um parlamentar revolucionário poderia questionar o parlamento burguês de dentro, utilizando seu cargo como tribuna para os interesses dos trabalhadores, o que atrai mais atenção para o programa revolucionário e as lutas proletárias. O papel principal de uma candidatura revolucionária seria, portanto, o de usar a oportunidade das eleições para defender a necessidade da classe trabalhadora organizar seu próprio poder político, rompendo com a burguesia através de uma revolução socialista. Conforme sintetizam as teses do II Congresso da Internacional Comunista sobre o parlamentarismo (1920):

A tribuna do Parlamento burguês é um desses pontos de apoio secundários. Não se pode invocar contra a ação parlamentar a qualidade burguesa da instituição mesma. O Partido Comunista entra nele não para desenvolver uma ação orgânica, mas para solapar do interior a máquina governamental e o Parlamento (…) Esta ação parlamentar que consiste, essencialmente, em utilizar a tribuna parlamentar para fazer a agitação revolucionária, para denunciar as manobras do adversário, para agrupar em torno de certas ideias as massas prisioneiras de ilusões democráticas e que, sobretudo nos países atrasados, voltam ainda os seus olhares para a tribuna parlamentar, esta ação deve estar totalmente subordinada aos objetivos e às tarefas da luta extraparlamentar das massas. (…) A campanha eleitoral em si mesma deve ser conduzida não no sentido da obtenção do máximo de mandatos parlamentares, mas no sentido da mobilização das massas a partir das consignas da revolução proletária.”

5) Vai contra as os princípios dos comunistas apoiar qualquer candidato da burguesia. Uma posição como essa revela algo sobre os “comunistas” que apoiam essas candidaturas: ou que tem ilusões nas promessas supostamente “progressivas” da classe dominante, ou que capitulam à histeria para votar no “menos pior” dentre as opções que ela oferece. Revolucionários não devem apoiar nenhuma candidatura de partidos burgueses, o que inclui aquelas de “esquerda” que são financiadas ou coligadas com a burguesia e seus partidos (às vezes chamadas “frentes populares”). Apoiar ou participar de candidaturas burguesas ou de colaboração de classes é se colocar a serviço da manutenção da ordem burguesa, por mais que isso possa ser feito sob o manto de propostas “radicais”.

6) Mesmo sabendo que não alteram em nada a sua condição de classe explorada, os trabalhadores devem ser favoráveis a regras mais democráticas para as eleições, pois isso facilita o trabalho da promoção de ideias anticapitalistas. As regras para concorrer nas eleições do Brasil são extremamente antidemocráticas, pois não permitem a participação de um candidato independente (sem partido) e também dificultam muito o registro de novos partidos. Os candidatos dos pequenos partidos de esquerda recebem pouquíssimo espaço para propaganda na televisão e no rádio e são frequentemente excluídos dos debates. Denunciar isso também faz-se necessário para desmascarar o processo eleitoral.

7) Sempre que possível e oportuno, os revolucionários devem participar nas eleições burguesas com suas próprias candidaturas. Mas, para uma organização pequena, as eleições não permitem muitas possibilidades. Por isso, quando existe uma candidatura da classe trabalhadora que tem apoio de massas, a tática do “voto crítico” é uma alternativa viável. Significa apoiar uma candidatura socialista e independente da classe trabalhadora, de caráter reformista ou centrista, fazendo campanha crítica para ela entre os trabalhadores com o objetivo de quebrar as ilusões dos seus apoiadores, expondo suas contradições e, possivelmente, colocando-as a teste no parlamento ou poder Executivo. Lenin descreveu essa tática como sustentar os reformistas “da mesma forma como uma corda sustenta o enforcado”. Trotsky propôs sua aplicação aos líderes da seção americana da Quarta Internacional (SWP), a ser direcionada aos stalinistas; assim como sugeriu-a ao Partido Trabalhista Independente (ILP) britânico, aconselhando que votasse no Partido Trabalhista (então um partido operário reformista) onde não tivesse candidatos próprios.

8) A tática de “voto crítico” não faz sentido se não for possível apresentar de maneira ampla a crítica e, portanto, “fazer a experiência junto às massas”. Ela também não tem sentido ante candidaturas pequenas dos reformistas e centristas, que é o caso frequente no atual cenário brasileiro. Pois diante do pouco reconhecimento das candidaturas independentes da classe trabalhadora e da impossibilidade prática de tornar este apoio um “enforcamento”, pareceria aos olhos da vanguarda como uma inclinação política aos grupos por trás dessas candidaturas. Assim, resta como alternativa um “voto de protesto”. Isso significa uma declaração de voto, e a defesa para que a vanguarda faça o mesmo, como forma de expressar eleitoralmente uma linha de independência de classe. Mas, nessa mesma declaração de voto, é necessário explicar à vanguarda que, apesar dessas candidaturas terem o mérito de não cruzarem a linha de classe, elas possuem de uma série de deficiências derivadas do programa reformista ou centrista de suas respectivas organizações.

Eleições de 2016

As campanhas eleitorais para prefeituras e câmaras de vereadores começaram oficialmente no dia 15 de agosto. Já vemos um festival de enganação dos grandes monopólios de mídia, da Justiça e dos partidos burgueses. Muitos tentam convencer ao povo de que representam a “mudança”. Os partidos da situação pintam um cenário maravilhoso, o mais distante possível da realidade. A mídia fala em “festa da democracia”, tentando convencer os trabalhadores que são eles que determinam o futuro do país. A ideologia dominante tenta lançar a culpa do que acontece nas costas dos trabalhadores, que “não sabem escolher seus governantes”. Esquece-se de dizer que os trabalhadores não escolheram “ser governados”. Existe entre muitos trabalhadores uma postura de que “todos os políticos são corruptos”, geralmente apregoando o voto nulo, embora por vezes também se defenda voto em qualquer candidato da oposição, apostando que “algo tem que mudar”. Infelizmente, nenhuma dessas posições aponta a natureza de classe do sistema eleitoral, que é a razão pela qual ano após ano a classe trabalhadora siga sofrendo e tenha a sensação de que “nada mudou”.

Da parte do PT, do PCdoB, os partidos que sofreram o golpe institucional do impeachment, não se vê mudança alguma em sua prática de aliança com os grandes partidos da burguesia. PT e PCdoB se encontram coligados ao PMDB e outros partidos golpistas (PSDB, DEM) em milhares de municípios pelo país. Se eleitos, quaisquer deles prosseguirão a nível municipal as campanhas de ataques contra a classe trabalhadora que uma vez tentaram levar adiante a nível nacional, com seu “ajuste fiscal”. Tais partidos há muito não passam de instrumentos da burguesia para amarrar os movimentos sociais à institucionalidade burguesa e frear suas lutas, e por isso devem ser combatidos, mesmo nos lugares onde por ventura estejam compondo chapas “puro sangue”.

PSOL reciclando a colaboração de classes do PT

Desde sua origem, em 2005, o PSOL se propunha a ser um “PT das origens”. Mas não no sentido fundacional do partido, de ser um instrumento de organização da classe trabalhadora contra os interesses do capital; mas sim daquilo em que ele rapidamente se tornou: um instrumento de conciliação de classes, para canalizar as lutas populares para dentro da institucionalidade burguesa, em especial o parlamento. É o chamado “Projeto Democrático e Popular”: galgar postos no Estado burguês via eleições e fazer pressão via mobilizações populares para que projetos progressivos sejam aprovados. Sendo que, no caso do PSOL, sequer há uma ligação expressiva com a classe trabalhadora e suas organizações, como a que o PT até hoje possui, não obstante sua clara decadência. Com o golpe institucional contra Dilma, desferido em boa parte por forças até ontem aliadas e que reverterão facilmente as poucas concessões que os treze anos de petismo no poder angariou, sabemos bem ao que esse projeto leva.

Não obstante, nessas eleições o setor majoritário do PSOL, especialmente as correntes Unidade Socialista e MES, estão indo com tudo para assumirem o lugar deixado vago pela crise do PT. As principais candidaturas dessas correntes, bem como os “independentes” por elas referendados, nem sequer se esforçam para se passarem por porta-vozes da classe trabalhadora. O que todas elas almejam é um “governo para todos”, assim como as campanhas do PT já faziam em 1989. Isso significa governar junto à burguesia, ou ao menos seus supostos setores “progressistas”, e tentar encaminhar projetos que “humanizem” a barbárie que é o capitalismo por meio de reformas democráticas e econômicas bastante superficiais. Significa também entrar no jogo de “vale tudo” que é a política institucional burguesa, como demonstra a captação para o partido de controversas figuras sem qualquer vínculo com os movimentos sociais e suas pautas, apenas porque possuem mandatos em curso e podem, assim, fortalecer o PSOL institucionalmente.

É claramente esse referido papel que almeja a candidatura de Marcelo Freixo no Rio de Janeiro, onde foi feito um pacto de “relação fraterna” e apoio mútuo em eventual segundo turno com as candidaturas do PCdoB (Jandira Feghali, ex-secretária de cultura da gestão de Eduardo Paes/PMDB entre 2008-10) e da REDE (Alessandro Molon). Pacto inclusive feito à revelia da vontade de muitos que fazem campanha para ele nas ruas. Também é o papel almejado pela candidatura de Luíza Erundina em São Paulo, que tem ampla ficha corrida de serviços prestados à burguesia, desde sua gestão como prefeita de São Paulo em 1989-93 (na qual reprimiu violentamente uma greve de rodoviários) até sua mais recente campanha, pelo burguês PSB e com ninguém menos que Michel Temer como vice (2004); passando ainda por Ministra no governo Itamar (1993) e anos como deputada federal pelo PSB (1999 a 2016, quando se juntou ao PSOL). Cabe ressaltar que, ao entrar há pouco no PSOL, Erundina não fez autocrítica alguma desse seu passado, e nem a direção do partido exigiu que ela fizesse, pintando-a agora como se sempre tivesse sido uma genuína representante dos interesses dos oprimidos.

Mas, se Freixo e Erundina querem conciliar interesses antagônicos, cumprindo o papel nocivo de disseminar ilusões na institucionalidade burguesa entre os movimentos sociais, as candidaturas principais do MES e da US estão indo ainda mais longe. É o caso da candidatura de Luciana Genro em Porto Alegre (MES) e de Edimilson Rodrigues em Belém (US). Além de compartilharem das características das candidaturas de Freixo e Erundina, estas ainda por cima estão coligadas com partidos burgueses “alternativos” e sendo financiadas por empresários. A prática do financiamento privado, que inclusive contraria a posição defendida publicamente pelo PSOL desde 2012, já havia sido “estreada” por Genro em 2006, ao receber recursos da Gerdau e da Taurus, e repetido em 2014, com financiamento do Grupo Zaffari. Edimilson também já a havia aplicado em 2012, conforme denunciamos em polêmica anterior. Agora, além disso, Genro está coligada com o “Partido Pátria Livre” (PPL), racha do PMDB; enquanto a candidatura de Edimilson conta com os igualmente burgueses PV e PDT em sua coligação.

Por conta de suas políticas de “governo para todos” e suas práticas de colaboração de classes, não há motivos para revolucionários apoiarem essas candidaturas, pois elas não buscam representar a classe trabalhadora. Qualquer tipo de campanha a seu favor, mesmo que com críticas, serviria apenas para disseminar ilusões entre a classe trabalhadora, ou em outras palavras, ajudar na construção da hegemonia burguesa, ainda que por uma vertente “progressista”. Os vínculos criados por essas candidaturas ou por seus apoiadores com os movimentos sociais servem ao nefasto papel de atrelar os mesmos à ordem burguesa e à tragicamente comprovada utopia que é o “Projeto Democrático Popular”. Ademais, as recentes experiências do PSOL nas prefeituras de Macapá (AP) e Itaocara (RJ) já mostram que os trabalhadores não tem nenhum motivo para confiar neles, uma vez que tais gestões buscaram se enquadrar nos limites da governabilidade burguesa (como a Lei de Responsabilidade Fiscal), de forma que por mais de uma vez se colocaram contra demandas de grevistas e anseios populares.

Candidaturas que se reivindicam socialistas vão a reboque do PSOL

Em diversas cidades, grupos como o PCB, PCR/Unidade Popular, NOS, MAIS, Esquerda Marxista e mesmo correntes internas do PSOL, como a CST e a LSR, lançaram candidaturas a vereador e também a prefeito que falam da necessidade da classe trabalhadora construir seu próprio poder político, de forma independente da burguesia. Tais candidaturas denunciam o caráter de “jogo de cartas marcadas” das eleições burguesas e colocam suas campanhas a serviço das lutas sociais em curso.

Todavia, esses grupos e suas respectivas candidaturas estão comprometidos com aquelas dos setores majoritários do PSOL a qual nos referimos acima, cuja política de “governo para todos” produz confiança nas instituições burguesas, passando longe de uma política classista. Em alguns casos, há comprometimento até mesmo com candidaturas que são abertamente de colaboração de classes, como no caso do apoio do MAIS e do PCB à Luciana Genro em Porto Alegre. Ao atrelarem suas próprias candidaturas a figuras que não tem o menor comprometimento com a independência de classe, tais grupos acabam por colocar em segundo plano sua crítica ao sistema capitalista, caindo em clara contradição. Esses seus apoios, ainda por cima, tem sido inteiramente acríticos, cumprindo o papel oportunista de “pintar de vermelho” ditas figuras.

Por isso, só veríamos possibilidade de algum tipo de apoio (crítico) às candidaturas desses grupos se eles rompessem decididamente com essa política de ir a reboque dos que querem “perfumar” o capitalismo, conciliando com os interesses do capital enquanto prometem algumas concessões democráticas e econômicas aos trabalhadores. Nesse sentido, fazemos um chamado aos militantes honestos de tais grupos para enfrentarem essa contradição de frente e adotarem uma política de verdadeira independência de classe. Isso significaria romper e denunciar todas as coligações de colaboração com a burguesia ou com sua “sombra”, em vez de emprestarem seu prestígio como defensores do socialismo a quem quer governar junto com a classe dominante.

As candidaturas com independência de classe e nossas críticas

Nesse duro cenário, apenas PCO, PSTU e MRT possuem candidaturas que falam abertamente da necessidade de organizar a luta da classe trabalhadora contra os patrões e contra o sistema capitalista; ao mesmo tempo, possuem coerência em não se vincularem a candidatos e coligações “para todos”, com financiamento ou aliança com a burguesia e seus partidos. Dessa forma, apesar das nossas profundas diferenças estratégicas com tais organizações, expressas em várias polêmicas publicadas ao longo dos últimos anos, chamamos por um voto de protesto em suas candidaturas, como forma de expressar nas urnas uma posição de independência de classe. Reiteramos que nosso apoio a essas candidaturas é condicional à manutenção da sua independência em relação aos candidatos capitalistas em geral. Mas é necessário deixar claras nossas diferenças pois, apesar desse caráter classista, as candidaturas de tais grupos expressam desvios seríssimos.

O PCO passou os últimos vários anos embelezando PT como um partido “de esquerda” que não seria “integrado ao sistema”, conforme já discutimos. Por isso mesmo, o PCO sempre reproduzia o pânico de que o governo do PT fosse ser derrubado a qualquer momento. Que um golpe realmente tenha tomado forma por meios institucionais a partir da segunda metade de 2015 deve ter sido um grande alívio para os dirigentes desse partido, que o vinham “prevendo” pelo menos desde 2012. Em todo o último período, o PCO diluiu completamente a sua política na defesa do PT contra o golpe, sem fazer qualquer crítica séria ao projeto de conciliação de classes deste. Essa capitulação se expressa nas eleições na forma de candidaturas focadas em denunciar o golpe institucional recém-consumado, mas sem um combate ao papel cumprido pelo petismo, que vinha atacando duramente a classe trabalhadora antes do afastamento de Dilma. Por conta disso, apesar de concorrer de forma independente, o PCO é incapaz de orientar a classe trabalhadora na luta contra a atual crise política e econômica do país.

O PSTU, por sua vez, se encontra no extremo oposto. Nega que tenha ocorrido qualquer ruptura da institucionalidade burguesa ou que passamos por um momento de crescimento da reação. Não lutou contra o golpe institucional quando disse querer que Dilma saia já” (quando só a direita burguesa tinha condições de derrubá-la) e não participou de nenhuma mobilização contra o impeachment. Ao mesmo tempo, fez uma caracterização embelezada das manifestações que foram organizadas pela direita. Ademais, sua independência de classe na atual eleição é apenas circunstancial, conforme atesta sua participação na coligação da candidatura de Edimilson Rodrigues/PSOL em 2012, com financiamento empresarial e presença do PCdoB. Suas candidaturas, apesar de terem independência de classe, giram em torno da demanda de “Eleições Gerais” como pretensa solução para a crise atual, o que contraditoriamente dissemina perigosas ilusões na democracia burguesa.

Já o MRT corretamente se opôs ao golpe institucional (chega inclusive a acusar o PSTU de “golpista”), mas defende um programa incoerente. Sua demanda por uma “Assembleia Constituinte livre e soberana” como “solução de fundo” para a crise igualmente dissemina ilusões na democracia capitalista. O MRT apresenta tal instituição burguesa como capaz de resolver problemas estruturais que afetam a classe trabalhadora, desde a subordinação do país ao imperialismo, o problema agrário e inclusive fazer os capitalistas pagarem pela crise, como nós já criticamos. Na atual conjuntura de desmobilização da esquerda e ofensiva organizada da burguesia, uma instituição como a Assembleia Constituinte não seria capaz de “mudar as regras do jogo”, nem aprovar medidas a favor dos trabalhadores. Ao contrário, corre o risco de ajudar a legitimar ataques contra nossa classe.

[Leia aqui o adendo à nossa posição sobre o MRT]

Dessa forma, por mais que defendam uma linha básica de independência de classe e mereçam um apoio na forma de voto de protesto, é necessário deixar claro que nenhuma dessas candidaturas é capaz, pelo seu tamanho e pelo oportunismo de suas respectivas organizações, de representar adequadamente a classe trabalhadora no terreno burguês das eleições. No atual cenário, o central é reforçar o chamado por uma frente única proletária para lutar contra os ataques do governo Temer e de seus aliados, sem nenhum apoio ao PT ou ao “volta Dilma” e nem ilusões em saídas para a crise nos limites do regime burguês. Essa deve ser uma frente para unidade na luta e nada tem a ver com uma frente eleitoral de esquerda para gerir o Estado burguês. Tampouco com variantes de “frente de esquerda” na forma de blocos políticos programáticos, que visam compensar a visibilidade limitada de cada organização ao realizar uma amálgama com base em algum denominador comum.

O voto nulo e as campanhas de “boicote eleitoral”

Por fim, é necessário deixar claro que no atual contexto político não vemos como taticamente frutíferas as campanhas por “boicote eleitoral”, como costumam fazer algumas correntes anarquistas e os maoistas do jornal A Nova Democracia, que se negam por princípio a participar das eleições. Enquanto a maioria da classe trabalhadora não tiver superado as expectativas na democracia burguesa, devemos usar o espaço das eleições como tribuna para divulgar o programa socialista e a necessidade da revolução, denunciando o sistema e o caráter das eleições sob o capitalismo. Para fazer tal denúncia e agitação, de forma a auxiliar às lutas, não é preciso defender que os trabalhadores “boicotem” inutilmente as eleições, já que disso não resultará (no atual contexto) nenhuma vantagem política. Ao contrário do que parecem pensar alguns dos defensores do “boicote”, as massas não estão prontas para lutar pela revolução, de forma que deveríamos dispensar o uso do momento eleitoral ou do parlamento burguês. O fato de que a esquerda oportunista prioriza as eleições burguesas em detrimento das lutas não justifica a recusa dogmática em fazer uso daquelas como um “ponto de apoio secundário”.

O voto nulo, que recentemente tem sido expressivo em algumas cidades brasileiras, por si só não expressa nenhuma desconfiança progressista em relação à ordem burguesa. Em geral, muitos votam nulo ou se abstém por conta de uma descrença despolitizada, que iguala a podre política burguesa à política em geral. Vemos o voto nulo como alternativa apenas onde não haja candidaturas com independência de classe. O voto nulo pode também marcar um voto de protesto contra as candidaturas burguesas; mas votar em uma candidatura que represente a independência dos trabalhadores (apesar de todos os seus erros e oportunismos) exprime de forma mais clara uma linha política classista.

— Abaixo os vários candidatos burgueses e seus partidos corruptos!

— Abaixo a mentira da conciliação de classes e a ilusão de um capitalismo mais humano!

— Abaixo as restrições antidemocráticas à participação dos partidos de esquerda nas eleições e nos debates!

— Votar nos candidatos do PSTU, PCO e MRT (e nulo onde não houver tais opções)!

— Eleições não vão transformar a vida dos trabalhadores: lutar pela construção de um partido revolucionário e pelo socialismo!

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ADENDO à posição eleitoral do Reagrupamento Revolucionário

Adicionado em 04 de outubro de 2016

Sobre o voto do MRT em Marcelo Freixo (PSOL Rio de Janeiro)

Pouco antes do dia das eleições burguesas, realizamos uma alteração da posição eleitoral descrita em nossa declaração. Não por mudarmos nossos princípios ou tática, mas pela informação de última hora de que o MRT (Movimento Revolucionário dos Trabalhadores) daria apoio eleitoral à candidatura de Marcelo Freixo (PSOL) no Rio de Janeiro. Como havíamos declarado sobre o voto de protesto nas candidaturas independentes da classe trabalhadora, “nosso apoio a essas candidaturas é condicional à manutenção da sua independência em relação aos candidatos capitalistas em geral.”.

Anteriormente, o MRT estava fazendo certo silêncio sobre a candidatura de Freixo, embora tivesse declarado não apoiar as candidaturas do PSOL comprometidas com a burguesia. Ao defender o voto em Freixo (apesar de contraditoriamente recusar apoio à candidatura de Erundina em São Paulo), mudou também nossa postura com relação ao MRT. Essa organização se colocou a reboque de um candidato capitalista do PSOL, ainda que a candidatura de Freixo represente apenas a “sombra” da burguesia (já que nenhum grande partido burguês integrou sua campanha). Porém, Freixo já havia, inclusive, realizado um “pacto” com o PCdoB e REDE para apoio mútuo num segundo turno eleitoral.

Consideramos a posição do MRT um oportunismo que cruza a linha de classe, e que não se diferencia qualitativamente da situação das candidaturas do PCB, MAIS, NOS, CST ou LSR, que reivindicam o classismo e o socialismo, mas vão a reboque de candidatos capitalistas do PSOL, que “não veem nenhum problema com o mercado”, como Freixo declarou durante sua campanha. Portanto, retiramos no último momento a possibilidade de voto de protesto que daríamos ao MRT. Mantivemos a posição de voto de protesto nas candidaturas proletárias do PSTU e PCO (mantendo nossas críticas às posições oportunistas de tais organizações, que já discutimos em nossa declaração).

Pelo voto nulo no segundo turno

Aproveitamos para reafirmar que as eleições burguesas não são um caminho viável para a classe trabalhadora obter grandes mudanças, embora possam ser taticamente úteis à agitação revolucionária. Os altos índices de abstenção e votos em nulo e em branco mostraram que a população não se vê representada pelos candidatos da classe dominante; como afirmamos, porém, isso não é um sinal de avanço das ideias socialistas. O que é necessário para lutar contra a hegemonia burguesa agora é a construção de frentes únicas proletárias para lutar contra os ataques da classe dominante, como forma de começar a acumular forças na difícil conjuntura pós-golpe em que vivemos. No segundo turno que ocorrerá em algumas das grandes cidades brasileiras, declaramos desde já nossa postura pelo voto nulo, diante da ausência de qualquer candidatura da classe trabalhadora, assim como a denúncia das várias candidaturas capitalistas que seguem concorrendo.