A Frente de Belém (PSOL-PSTU-PCdoB) na Lógica do Morenismo

PSTU “justifica” seu bloco com PSOL e PCdoB
A Frente de Belém na Lógica do Morenismo

Por Rodolfo Kaleb, Agosto de 2012

Prevendo que a sua aliança eleitoral com o PCdoB seria rechaçada por setores da sua própria militância, a direção do PSTU escreveu uma nota tentando justificar a sua ação oportunista de se aliar com este partido e com o PSOL nas eleições para a prefeitura de Belém do Pará. O rompimento de quatro militantes do PSTU no Maranhão em cima disso, militantes que há cerca de um ano haviam rompido com o PSOL por condenar esse mesmo tipo de aliança mostra que o bloco com o PCdoB será um sapo difícil de engolir para a militância de um partido que tenta se passar pelo representante brasileiro do legado de Lenin e Trotsky.

O programa da frente de Belém

Em primeiro lugar, não pode haver dúvidas de que a frente eleitoral de Belém (“Belém nas Mãos do Povo”) é uma frente com um discurso reformista, que busca a colaboração de classes e se propõe a administrar do Estado dos patrões. Fica evidente, ao analisarmos seus representantes e seu programa, assim como a disposição dos seus líderes em receber apoio da burguesia, que essa frente deve ser caracterizada como uma frente popular embrionária, que apesar de não ter conseguido apoio de grandes partidos burgueses, está disposta a colaborar com os patrões e quer o seu apoio. Em outras palavras, uma frente popular “com a sombra da burguesia”.

Quem a encabeça é Edmilson Rodrigues do PSOL, que quando era do PT foi prefeito da cidade entre 1997 e 2005. Em uma entrevista que Edmilson deu ao blog Ponto de Pauta fica claro o seu projeto de governar em aliança com o empresariado “honesto”:

“P [Entrevistador do Ponto de Pauta]: O PSOL vai impor alguma restrição para o recebimento de doações de campanha. O partido não causa certo temor aos empresários?”

“R [Edmilson Rodrigues]: Não causa. O PSOL é um partido simpático. A Heloísa Helena é aquela mistura de religiosidade, honestidade, aguerrimento.”

“P: Mas isso se traduzirá em doações de campanha?”

“R: O PSOL é a referência da militância aguerrida que faz campanha sem precisar receber dinheiro e, ao mesmo tempo, é uma militância alegre, festiva. O PSOL é a expressão do movimento social, autêntico, combativo, mas se você conversa com o empresariado de Belém, pode ouvir ‘não sou PSOL, mas tenho respeito pelo Edmilson’. Agora se você me perguntar se vou aceitar todo tipo de apoio, eu digo que não. De multinacionais envolvidas com a destruição da Amazônia, não aceitaremos. De empresários bandidos, de forma alguma. Qualquer empresário que, dentro da lei, quiser fazer doações, está chamado a contribuir e será recebido de bom grado.” (Entrevista: Edmilson, candidato do PSOL à Prefeitura de Belém).

O programa de Edmilson não foge do projeto “democrático e popular” que o PT formulou por décadas e do qual o PSOL ainda vive: aliança com setores “honestos” da burguesia, manutenção das relações de propriedade capitalistas, ligações com o movimento social com objetivo de mantê-lo preso ao reformismo, busca de concessões mínimas por dentro do Estado burguês, estratégia centralmente eleitoral, etc. Além disso, a presença do PCdoB choca por ser um partido da base de apoio do governo Dilma, a que o PSTU diz se opor, e que há 10 anos ajuda diretamente a sustentar o capitalismo e os ataques à classe trabalhadora por dentro do Governo Federal. Mas para Edmilson não é nenhuma novidade, já que quando foi prefeito teve esse partido em seu governo. O PSOL também tentou fazer alianças com vários grandes partidos burgueses (PV, PTdoB, PTN e PSC), mas acabou fracassando porque estes não quiseram uma chapa conjunta. E não é a toa que o empresariado de Belém “tem respeito pelo Edmilson”, já que este o serviu muito bem por 8 anos na Prefeitura da cidade.

Lado a lado – Cléber Rabelo (PSTU), Edmilson Rodrigues
(PSOL) e Jorge Panzera (PCdoB) fazendo campanha
em bairro de Belém. (cleber16123.blogspot.com.br)

É essa frente dominada por um candidato “simpático”, que “não causa temor aos empresários”, e que ainda por cima “qualquer empresário que quiser fazer doações dentro da lei” será bem recebido, que o PSTU está compondo. Entre esse programa, que o PSTU está apoiando quando se une a Edmilson, e o programa do marxismo, a necessidade da democracia proletária e da expropriação da burguesia, há um verdadeiro abismo.


Os argumentos “ortodoxos” do PSTU

O PSTU fica entre a cruz e a espada ao tentar ao mesmo tempo reivindicar o legado de revolucionários marxistas e defender a sua posição oportunista nessa situação, avessa ao que aqueles representaram. O uso das citações é talvez a armação mais ousada que alguns dirigentes do PSTU aplicam. Como não poderia ser diferente, saem-se mal.

O PSTU começa cauteloso, nos dizendo que “Em primeiro lugar, é preciso dizer que os acordos, compromissos e concessões sempre fizeram parte da tradição revolucionária. Esse é um fato que não se pode negar”. Para isso cita Lenin:

“Não se pode renunciar à ideia dos compromissos. A questão está em saber conservar, fortalecer, forjar e desenvolver a tática e a organização revolucionária, a consciência revolucionária, a decisão e a preparação da classe operária e de sua vanguarda organizada, o partido comunista”.

Certamente em Esquerdismo, assim como em outros textos, Lenin discute a importância tática da participação dos comunistas nas eleições burguesas para propaganda revolucionária, a tática de frente única, e os compromissos em geral que os comunistas realizam em todas as lutas parciais, como as greves, onde só é possível atingir concretamente alguns objetivos limitados. Entretanto, a Internacional Comunista liderada por Lenin, ou a Oposição de Esquerda e a Quarta Internacional, dirigidas por Trotsky, não realizavam “compromissos” ou “acordos” que implicassem submeter-se programaticamente a partidos oportunistas de qualquer tipo, tampouco com partidos que estivessem sustentando um governo burguês, como é o caso do PCdoB, ou que querem fazê-lo, como o PSOL. Lenin se refere aqui aos compromissos nas lutas por objetivos práticos, e que não implicam nenhum compromisso político-programático por parte por partido revolucionário.

O PSTU reconhece que nem todos os compromissos são válidos: “Isso significa então que todos os acordos são permitidos? Que ‘os fins justificam os meios’, como diz o senso comum? Não, não significa.” Mas então qual é o critério? O PSTU citou os seguintes trechos esclarecedores de Trotsky:

“A regra mais importante, melhor estabelecida e mais inalterável a ser aplicada em qualquer manobra diz: você nunca deve se atrever a fundir, misturar ou combinar sua própria organização partidária com uma estranha, mesmo que esta pareça muito ‘simpática’ hoje. Não assumir tais passos que levem direta ou indiretamente, aberta ou mascaradamente, seu partido à subordinação a outros partidos ou organizações de outras classes, ou que restrinjam sua liberdade de ação, ou que o torne responsável, mesmo que em parte, pela linha política de outros partidos. Você nunca deve misturar as bandeiras, não deve ajoelhar-se perante outra bandeira”.
“Nenhuma plataforma comum com a socialdemocracia ou com os chefes dos sindicatos alemães, nenhuma edição, nenhuma bandeira, nenhum cartaz comum: marchar separadamente, lutar juntos. Acordo apenas nisto: como combater, quem combater e quando combater? Nisto pode-se entrar em acordo com o próprio diabo e sua avó. (…) Com uma condição: conservar as mãos livres”. (Por uma Frente Única Operária Contra o Fascismo. Leon Trotsky, 1931).

Para qualquer marxista, esses trechos são um combate ao tipo de aliança realizada pelo PSTU em Belém, onde tem cartazes comuns em cima da candidatura de Edmilson, onde tem uma plataforma comum em cima do seu programa burguês. Mas a partir dessa citação, inacreditavelmente, os dirigentes do PSTU concluem que:

“Por que fechamos então um acordo que inclui o PCdoB em Belém? Por uma razão muito simples: porque este acordo não amarra em nada nossas mãos, não diminui em nada a crítica que faremos ao governo Dilma, não nos obriga a baixar nem um pouco o tom crítico ao próprio PSOL ou Edmilson, sempre que considerarmos que sua política está errada. Isto para nós é o decisivo.”

A “independência política”, assim como a “liberdade de ação”,  são belas palavras de ordem, mas como elas podem existir ao mesmo tempo em que há um tipo de acordo onde há “bandeira comum”, “cartaz comum”, “programa comum”, assinados por PSOL-PSTU-PCdoB, como é o caso da Frente de Belém? O PSTU pode até levantar suas próprias consignas mais à esquerda que o PSOL e o PCdoB por si próprio, em sua imprensa
 e em seus círculos mais próximos dentro do movimento. Mas na Frente, que tem uma repercussão muito maior e que chegará a muito mais trabalhadores através dos materiais de campanha, propaganda de TV, etc., está assumindo um compromisso com um programa de colaboração de classes, como nós expusemos acima. O programa da frente, que é dominada pelo PSOL, é necessariamente uma expressão da sua composição social e política.

Dessa forma, o PSTU pode lançar materiais criticando o PSOL e o PCdoB, como forma de ficar com a consciência tranquila. Mas na prática cotidiana está andando de braços dados com o PSOL e o PCdoB, fazendo campanha conjunta e se adaptando ao programa da sua aliança eleitoral. O programa com o PSOL e o PCdoB não foi fruto de uma convergência destes dois partidos oportunistas com o programa do PSTU, e muito menos com o marxismo autêntico. Foi o PSTU que aceitou formar essa frente sob o programa dominante do PSOL, um programa de colaboração ode classes.

Os revolucionários realizam acordos práticos pontuais nas lutas (ou seja, frentes únicas) com partidos reformistas e sem deixar de deles se diferenciar em nenhum momento, com o objetivo de atrair os setores dos trabalhadores que por eles são influenciados para o programa revolucionário. Entre isso e um bloco frente populista, que busca as graças de setores do empresariado, há uma grande diferença. No mesmo artigo de Trotsky citado pelo PSTU, o revolucionário russo sabiamente apontou que:

“Acordos eleitorais, compromissos parlamentares concluídos entre os revolucionários e a socialdemocracia servem, como regra, para a vantagem da socialdemocracia. Acordos práticos para a ação de massas, para propósitos de luta, são sempre úteis para o partido revolucionário”.

A frente de Belém é vantajosa para o PSOL e o PCdoB, que terá militantes do PSTU defendendo, na prática, o seu programa frente-populista enquanto fazem campanha para eleger Edmilson. O PSTU deixou essa citação de Trotsky de lado não apenas agora, mas desde o momento em que começou a realizar seus blocos eleitorais com o PSOL.

A dinâmica de uma campanha conjunta impede o PSTU, na esmagadora maioria das oportunidades, de realizar seriamente qualquer crítica ou diferenciação aos seus companheiros de bloco. Isso para não mencionar que ele evidentemente assina um programa conjunto repleto de ideologia burguesa com seus aliados de Belém. O que o PSTU está fazendo com relação ao PSOL é levar “direta ou indiretamente, aberta ou mascaradamente, seu partido à subordinação a outros partidos” e assim ele está se tornando “responsável, mesmo que em parte, pela linha política de outros partidos”.

Perto do fim da sua “justificativa”, o PSTU decide usar um argumento demolidor:

“Por isso dizemos: participar ou não desse tipo de frente ou organismo é tático. O decisivo é a política que se leva lá dentro. Ou os revolucionários não participam dos parlamentos burgueses? Sim, participam. E o que são esses parlamentos, se não um covil de bandidos e ladrões? Então o que fazem os revolucionários lá quando se elegem? Lutam contra os bandidos e ladrões, transformam a vida deles num inferno.” (ênfase nossa).

A conclusão do PSTU é de que não existe a menor contradição em um partido “revolucionário” entrar em uma frente oportunista, um projeto para gerir o Estado burguês, porque isso seria algo “tático” desde que ele, “lá dentro” (atente-se para a escolha das palavras) defenda uma política principista. “Afinal”, diz o PSTU, “os revolucionários não participam dos parlamentos?”.

Não há dúvidas de que os parlamentos burgueses são covis de bandidos, mas neles os revolucionários devem entrar quando eleitos por uma plataforma revolucionária e a sua participação lá dentro se dá sem fazer nenhum acordo político-programático com os partidos da burguesia. A comparação, portanto, é falsa. O parlamento burguês não funciona segundo um programa comum, e é apenas em razão disso que os revolucionários consideram tático estar dentro deles para denunciar a burguesia e fazer propaganda revolucionária, como um acessório para as lutas de classes.

A frente eleitoral de Belém parte do princípio de que seus firmantes concordam com o programa de Edmilson e se comprometem em aplicá-lo. De acordo com o raciocínio do PSTU, não existiria nenhuma frente popular com a burguesia, que os “revolucionários” supostamente não poderiam participar desde que “lá dentro” defendessem a política “revolucionária”, enquanto na prática se comprometem com os capitalistas.

Ao adentrarem no parlamento, os revolucionários o usariam como palanque para falar diretamente com a classe trabalhadora, e mostrar na prática as limitações da democracia burguesa, denunciando-a sem piedade. Mas “lá dentro” do bloco eleitoral com o PSOL e com o PCdoB, a quem o PSTU está denunciando a democracia burguesa e o capitalismo? Aos mesmos senhores que querem estar ou já estão nas graças do empresariado de Belém?

Para a esmagadora maioria da classe trabalhadora de Belém, o PSTU aparece publicamente como parte de um bloco que propõe a colaboração de classes, e não são artigos no Opinião Socialista ou rodas de debates para os militantes mais próximos que vão alterar essa imagem pública que será criada pela campanha. De nada adianta defender a revolução e o socialismo dentro de auditórios e salas de reunião, se em cartazes e programas de TV o partido estará associado àqueles que desejam governar com o empresariado “honesto” e fazem questão de dizer que não assustam e não querem assustar a burguesia.

Edmilson Rodrigues (PSOL) e Cléber Rabelo (PSTU):
 abraçados na base do programa de Edmilson
(pstueleicoes.wordpress.com)

Esse argumento de defender o programa revolucionário “por dentro” de um bloco político de colaboração de classes não é novo, assim como tampouco é nova a formação de blocos do PSTU com partidos que ele próprio reconhece como traidores. Na sua declaração, o PSTU diz: “(…) não é a primeira vez que participamos ou apoiamos uma frente eleitoral com a qual não temos nenhum acordo.” É algo típico de um partido que quer parecer “ortodoxo” quando lhe convém (no programa formal e nos “dias de festa”) enquanto na prática o papel que representa é de auxiliar de esquerda dos partidos oportunistas e frentepopulistas, aos quais confere o seu apoio político. 


Em suma, não existe no discurso do PSTU a menor coerência sob um ponto de vista leninista. Todas as citações dos clássicos marxistas que ele indevidamente reivindica, contradizem a sua própria ação. Ao publicar uma tentativa de se mostrar como “ortodoxo”, ele está insultando a inteligência dos seus próprios membros e da vanguarda trotskista. O PSTU diz manter a “independência”, mas assina um programa que promete a colaboração de classes, como aqueles que ele diz “combater”. De um lado, diz que o programa de Edmilson “está errado”; no outro, repercute as trocas de elogios entre Edmilson e seu candidato a vereador no seu site de campanha, percorre abraçado com ele os bairros de Belém. A meta do PSTU na coligação com o PSOL e o PCdoB não é fazer propaganda da política revolucionária (que é o motivo pelo qual os autênticos revolucionários participam das eleições burguesas). Se o objetivo do PSTU fosse esse, como faria isso abraçado (literal e politicamente) ao PSOL?

O verdadeiro objetivo do PSTU na frente de Belém

Nem nos passa pela cabeça que os dirigentes do PSTU estejam, ao aceitar compor a frente de Belém, cometendo um erro despercebido, ingênuo. Em primeiro lugar, os dirigentes do PSTU tem experiência o suficiente para saber que estão aceitando perder uma grande parte da sua independência política ao apoiar uma chapa eleitoral com PSOL e o PCdoB. Também sabem que o PSOL e o PCdoB aceitam dinheiro e apoio de setores da burguesia e que assim se construirá a sua campanha e um possível governo. Além disso, a escolha das citações de Trotsky mostra que a Direção Nacional sabeque está realizando uma “tática” que não pertence à tradição do trotskismo.

Existe, entretanto, uma tradição à qual esse tipo de “tática” de subordinação política e colaboração de classes pertence – a tradição do revisionismo formulado por Nahuel Moreno ou “morenismo”. Moreno foi um dirigente argentino que reivindicou o trotskismo e construiu sua carreira política desde fins dos anos 40. Assim com outros antes dele, Moreno buscou entender o fracasso sucessivo de diversas revoluções em potencial apontando como solução, não o fortalecimento do partido revolucionário e do programa marxista entre as massas, mas sim a secundarização de ambos. Ele formulou no decorrer de sua vida política uma compreensão segundo a qual em nossa atual etapa histórica, os trotskistas devem colocar seus esforços na luta por “revoluções de fevereiro” (conceito baseado em uma analogia com a revolução russa de fevereiro de 1917). De acordo com Moreno:

“Por sua dinâmica de classe e do inimigo que enfrentam ambas [Fevereiro e Outubro] são revoluções socialistas. A diferença entre elas reside no nível diferente de consciência do movimento de massas e, principalmente, na relação do partido marxista com o movimento de massas e o processo revolucionário em curso. Colocado de forma sucinta, a Revolução de Fevereiro é inconscientemente socialista, enquanto Outubro o é conscientemente.”
― Atualização do Programa de Transição (1980), Tese XV.

“A Revolução de Fevereiro é completamente diferente da de Outubro no nível de consciência e à sua direção. A de Outubro é caracterizada por possuir à sua frente uma direção revolucionária marxista; a de Fevereiro é liderada pelos aparatos burocráticos e pequeno-burgueses do movimento de massas. (…).”
― Idem, Tese XV

Para os bolcheviques-leninistas, as mais diversas situações revolucionárias internacionais – da Espanha nos anos 30 ao Chile de 73, da França de 68 à África do Sul nos anos 80 – foram situações potencialmente revolucionárias traídas por direções frentepopulistas ou oportunistas. Para Moreno, tratavam-se de “Revoluções de Fevereiro”:

“Passados sessenta e três anos desde a sua vitória, devemos reconhecer que a Revolução de Outubro foi uma exceção até o momento neste século; não houve outra com suas características. Não só entre as triunfantes, mas mesmo entre os processos revolucionários derrotados não houve semelhante. A Revolução de Outubro é até agora uma exceção.”
― Idem, Tese IV (ênfase nossa).

Assim, Moreno definiu claramente que o papel das organizações morenistas era colaborar com as direções oportunistas para realizar uma “revolução socialista inconsciente”, onde o papel central seria desempenhado por “aparatos burocráticos e pequeno-burgueses do movimento de massas”. O papel do partido trotskista seria se adequar a essa direção oportunista e intervir na “revolução de fevereiro” para coloca-la no poder, prestando atenção especial para “não pular essa etapa”:

“Os nossos partidos devem reconhecer a existência de uma situação pré-revolucionária de Fevereiro, para usar as palavras de ordem democráticas adequadas à existência das direções pequeno-burguesas que controlam o movimento de massas e a necessidade de unidade de ação o mais rápido possível para fazer a Revolução de Fevereiro. Devemos entender que é inevitável fazê-lo e não tentar pular essa etapa, mas tomar todas as conclusões necessárias estratégicas e táticas, como a vanguarda da revolução de Fevereiro, sendo os campeões da intervenção nela.” (ênfase nossa).
― Idem, Tese XXVI

Dessa forma, Moreno buscava “ser o campeão” de uma “revolução” a ser liderada por aparatos oportunistas à frente do movimento de massas, aparatos esses que sempre buscam as graças da burguesia. Isso é absolutamente divergente dos objetivos dos trotskistas, cuja recusa em participar de frentes populares e o combate contra os partidos oportunistas possuíam um claro objetivo: ser a liderança proletária à frente de novas revoluções de outubro.

“A acusação capital que a IV Internacional lança contra as organizações tradicionais do proletariado é a de que elas não querem separar-se do semicadáver da burguesia.”
“De todos os partidos e organizações que se apoiam nos operários e nos camponeses falando em seu nome, nós exigimos que rompam politicamente com a burguesia e entrem no caminho da luta pelo governo operário e camponês.”
― Programa de Transição, setembro de 1938

A “crise de direção do proletariado” baseia-se no fato de que inexiste uma organização internacional com influência de massas que possa liderar os trabalhadores e outros setores oprimidos rumo às vitórias revolucionárias. Pelo contrário, as grandes organizações dos trabalhadores buscam “acordos” e “compromissos” oportunistas com a burguesia. Moreno, ao contrário, nos diz que as correntes oportunistas e burocráticas do movimento podem liderar uma “etapa inconsciente” a qual “nós não devemos tentar pular” da revolução socialista. Moreno formula um papel para o partido revolucionário em sua “revolução de fevereiro” que é de auxiliar os aparatos reformistas ou frentepopulistas. E para dar um caráter concreto, vejamos como isso se aplica na atual frente de Belém.

Em uma entrevista publicada no jornal do PSTU, Opinião Socialista, o candidato a vereador do partido, Cléber Rabelo, explicou da seguinte forma os objetivos do PSTU dentro da frente de Belém:

“Temos várias diferenças com o PSOL de Edmilson. Fomos contrários à presença do PCdoB na Frente porque é um partido traidor e da base de sustentação do governo Dilma. Mas avaliamos que dentro da Frente, e não fora dela, seria a melhor forma de apresentar um programa de transformação radical para os trabalhadores, exigir que Edmilson avance em seu programa para a ruptura com a burguesia, além de denunciar o que significa o PCdoB para o movimento de massas.” (ênfase nossa).
Opinião Socialista 445, julho de 2012.

O objetivo “estratégico” do PSTU é tentar empurrar o PSOL para que realize as tarefas revolucionárias. A frente de Belém nada mais é do que uma “tática” muito bem apropriada a esse objetivo utópico. É por isso que, para o PSTU, “participar ou não participar” dessa frente não é a questão.

Para os trotskistas autênticos, a não-participação em frentes populares é uma questão chave porque eles buscam construir o partido revolucionário que, contra a pressão das forças reformistas e burocráticas que dominam o movimento de massas atualmente, vai lutar pela revolução socialista. Para um partido trotskista autêntico, portanto, a demarcação política com o oportunismo e a recusa à colaboração de classes é um aspecto central.

Para um partido morenista, cujo objetivo é intervir na “revolução de fevereiro” a ser liderada por um partido oportunista ou pequeno-burguês – identificado claramente nesse caso com o PSOL – estar dentro ou não de um bloco frentepopulista com esse partido é algo “tático”, que vai depender das condições, para melhor tentar (em vão) empurrar esse partido até a revolução.

Obviamente a concepção morenista reveste os partidos oportunistas de ilusões sobre a sua capacidade revolucionária (ainda que nessa “etapa de fevereiro”), pois parte precisamente da premissa de que tais partidos podem cumprir um papel progressivo ao estarem à frente do movimento de massas. Na mesma entrevista, Rabelo apontou que:

“Também vamos exigir de Edmilson que não repita os erros de seu governo quando ele estava no PT (1997-2004) e dizer para os trabalhadores que um possível governo PSOL-PCdoB só poderá, de fato, governar para nossa classe se implementar um programa de ruptura com a burguesia.”
― Idem.

Isso é uma completa ilusão em Edmilson. Um partido reformista que busca realizar alianças com partidos burgueses, que quer o apoio político e financeiro do “empresariado honesto”, que busca administrar o Estado burguês em Belém, etc. jamais vai romper com o capitalismo. Ele depende material e politicamente da manutenção do capitalismo. Do PSOL só se pode esperar aspirações de eleger parlamentares e prefeitos “populares”, que vão manter o sistema de exploração com pequenas concessões. O PSTU está apostando a sorte do proletariado – e mais significativamente aquelas porções do proletariado sobre as quais ele tem influência – na capacidade do PSOL de liderar a “revolução de fevereiro” no Brasil. O mesmo princípio estava por trás da “tática” da frente com Heloísa Helena em 2006. O mesmo princípio estava por trás do apoio às candidaturas frentepopulistas do PT até 2002. Desta vez, assim como das anteriores, esse esforço morenista vai resultar em fracasso e confusão.

De Perón a Edmilson Rodrigues: a tradição de colaboração de classes do morenismo

O morenismo tem como uma das suas características elementares depositar a esperança da revolução socialista em partidos de outras classes ou oportunistas, como nós expusemos acima. Por isso não há, para o morenismo, nada de estranho em se submeter na prática ao programa burguês de Edmilson. Outro exemplo levantado pelo PSTU, no seu anseio de se justificar, é a citação de Nahuel Moreno nos dizendo que é “tático” votar em frentes populares, blocos dominados pela burguesia, como Moreno fez incontáveis vezes, e como o PSTU fez três vezes nas eleições presidenciais brasileiras entre 1989 e 2002 ao votar em Lula, sempre em alianças com grandes partidos burgueses.

PSTU chama voto em Lula – Capa do Opinião
Socialista 
em fins de 2002. Foi “tático” ajudar a

colocar um governo burguês no poder. (pstu.org.br)
“O que sim é uma traição” – diz Moreno – “é apoiar eleitoralmente uma frente popular ou um movimento nacionalista burguês sem denunciar que sua existência é uma traição ao movimento operário. Ou seja, o voto em si é para nós um problema tático e não principista; o que é principista é a política, e esta deve ser de denúncia implacável de qualquer frente popular ou nacionalista onde a classe operária esteja, como uma traição dos partidos operários reformistas que a promovem.” (Um Documento Escandaloso – Uma resposta a Germain, 1973).

A citação de Nahuel Moreno apresentada pelo PSTU foi produzida numa polêmica com os mandelistas do antigo Secretariado Unificado. Nos anos 60 e 70, Moreno era parte do SU junto com Ernest Mandel (Germain), com quem conviveu na mesma organização por mais de 15 anos, seguindo todas as suas traições, e contra quem rompeu depois. Moreno acusou os seguidores de Mandel de votarem em frentes populares. Os mandelistas replicaram dizendo que também os morenistas votavam ou entravam em frentes populares, como foi o caso do Frente Amplio uruguaio, no começo dos anos 70 e que por isso essas críticas eram aplicáveis a eles próprios. Foi por isso que Moreno, defendendo as decisões dos seus companheiros uruguaios, explicou que é “tático” apoiar frentes populares desde que “denunciando que são uma traição”. Moreno queria sustentar a sua própria política oportunista enquanto criticava quando isso era feito por seus adversários dentro do SU. No fundo, ambos capitularam à frente popular.

Essa justificativa incoerente para se diferenciar de outros oportunistas do seu tempo, o PSTU está repetindo numa tentativa vergonhosa de se diferenciar dos demais partidos oportunistas dos dias de hoje. A contradição é evidente. Em 2010, por exemplo, o PSTU criticou aqueles que votaram em Dilma, sucessora de Lula:

“Na verdade, a ‘tática’ do ‘mal menor’ faz um mal maior que é a não construção de uma alternativa independente dos trabalhadores. Sempre estaremos dependentes de um ‘setor’ progressista da burguesia”.
“É preferível apresentar de forma clara uma alternativa aos dois blocos, chamando o voto nulo. Um peso significativo do voto nulo enfraqueceria o novo governo eleito. Assim, estaríamos começando a preparar a luta contra eles (…)”. (Nem Serra, nem Dilma. Opinião Socialista 413, novembro de 2010).

Em outro artigo dessa época, o PSTU afirmou que os candidatos burgueses “Não serão eleitos em nosso nome.” (Site do PSTU, 5/10/2010). Muito correto, é verdade; mas isso perde totalmente a consistência quando o PSTU nos diz que isso foi apenas “tático”. Em outras palavras, se tivesse sido “tático” para o PSTU em 2010 votar em Dilma, como foi “tático” votar em Lula em 1989, 1994 e 2002 (e neste último podemos dizer que Lula foi eleito “em nome do PSTU”), ele o teria feito. Os militantes do PSTU que não desejam que governos burgueses “sejam eleitos em seu nome” devem estar atentos aos próximos desenvolvimentos em Belém, assim como para as próximas vezes em que for “tático” para os dirigentes morenistas votarem em frentes populares.

Contra isso, os verdadeiros trotskistas dizem que a frente popular não merece nenhum apoio político – nem nas ruas, nem nas urnas – em nenhuma ocasião. Para nós isso não é uma questão tática. Combater e denunciar, sem jogo duplo, os diversos setores da burguesia é uma questão estratégica para a vitória da classe trabalhadora. A tática é um componente da estratégia, e ainda que flexível, não pode estar em contradição com a primeira.

Sem dúvida Moreno realizou as mais oportunistas piruetas em sua história política, sempre dizendo que estava “mantendo a independência política”. Em 1955, por exemplo, seu grupo na Argentina fundiu com peronistas (populistas burgueses) “de esquerda” e formou o grupo “Movimiento de Agrupaciones Obreras” que publicava o jornal “Palabra Obrera”, que na capa definia a si próprio como um “Órgão do Peronismo Operário Revolucionário” que estava “Sob a Disciplina do General Perón e do Conselho Superior Peronista”. De certo que também desta vez os morenistas tinham sua “independência”… em suas cabeças e em nenhum outro lugar.

A independência de um autêntico partido leninista se faz recusando entrar nesses blocos podres com um programa burguês, assim como também recusando qualquer apoio “tático” eleitoral a frentes populares. A independência partidária se faz denunciando implacavelmente a classe dominante e aqueles que buscam o ninho do Estado burguês; os revolucionários fazem isso com o objetivo de ensinar aos trabalhadores os caminhos da independência de classe. A frente que os trotskistas reivindicam é aquela da unidade na luta, por um objetivo pontual, e dentro da qual eles se diferenciam claramente dos partidos oportunistas, sem assinar nenhum programa político conjunto. Em outras palavras, frente única ― bater juntos, marchar separados.

Palabra Obrera – Capa do órgão editado pelo
 grupo de Moreno na Argentina entre 1955
e 1963, “sob a disciplina do Gal. Perón”.

Um programa eleitoral é um compromisso programático entre os seus firmantes. No caso de Belém, com Edmilson/PSOL e o PCdoB, um compromisso de gerir o Estado dos patrões, e com alguma chance de ser bem sucedido. Para os morenistas, cujo objetivo é empurrar os oportunistas na esperança de que estes cumpram um papel revolucionário, a independência de classe perde grande parte do seu significado. Ela se torna meramente um detalhe “tático”.


Edmilson/PSOL lidera as pesquisas e tem uma boa chance de vencer as eleições para prefeito de Belém. Não há a menor dúvida de que, assim como sua chapa é uma chapa com o objetivo de gerir o Estado dos patrões, um governo seu seria um governo burguês. O que o PSTU fará então, se isto realmente se concretizar? Vai romper essa aliança, ou será que vai continuar combatendo as “ideias erradas” de Edmilson “lá dentro” do governo de Belém com o PSOL e o PCdoB? Talvez uma pressão da própria base ou do restante da esquerda o impeça de ir tão longe, mas a lógica da posição dos dirigentes do PSTU indica claramente que estaria tudo bem “combater a burguesia” estando à frente do próprio Estado burguês, desde que com o objetivo de levar o PSOL a “romper com a burguesia”. Não nos interessa aonde irão esses senhores, desde que a vanguarda que quer lutar honestamente pela construção de um partido revolucionário tenha clareza de que o lugar para fazer isso não é dentro da frente de Belém, e nem dentro do PSTU.