Teoria: Considerações acerca do socialismo

Rafael Ferreira – Setembro de 2019

Devido a constantes dúvidas, questionamentos, acusações e provocações que o socialismo/comunismo recebe, e tendo em mente que muitas das pessoas que as reproduzem o fazem como uma dúvida ou uma indignação sincera para com algo que lhes parece absurdo, apesar de haver os que o fazem por má-fé, e para desmerecer uma posição porque têm seus interesses atrelados a outra, decidi escrever esse texto esclarecendo algumas concepções a respeito da teoria socialista.

Antes de qualquer coisa, é importante deixar claro que esse texto pretende ter tanto um linguajar quanto uma abordagem simples, logo ele não se aprofundará em muitas questões e outras não terão suas origens demonstradas. Ele não esgota e nem pretende esgotar o debate a que se propõe, mas apenas apontar caminhos para uma compreensão melhor do socialismo, o que é essencial até para quem dele discorda.

A crítica marxista ao capitalismo

Começaremos abordando então algumas das críticas e falas mais comuns sobre socialismo/comunismo que são clássicas: “o socialismo só funcionaria se as pessoas não fossem individualistas e já pensassem no bem-estar de todos”, que por vezes aparece associada com menção a uma “natureza humana egoísta ou individualista”; “socialismo na teoria é lindo, mas na prática não funciona”; e a mais repetida das perguntas “onde o socialismo deu certo?”.

Antes de tratar desses assuntos propriamente ditos, convém definir rapidamente o que é socialismo e o que é comunismo, o que por sua vez implica citar a crítica marxista do capitalismo. Ao analisar o sistema capitalista, este em que ainda vivemos e no qual os meios de produção (fábricas, máquinas, ferramentas) são propriedades privadas de uma minoria da sociedade em que uma maioria se sujeita a trabalhar por sua sobrevivência, Marx constatou a existência de duas classes sociais principais: burguesia e proletariado.

A burguesia, dona dos meios de produção, emprega o proletariado nos processos produtivos pagando por tal serviço um salário, sendo esse o ganho econômico dos trabalhadores em tal processo, enquanto que os ganhos da burguesia se dão na forma de lucro após a venda das mercadorias produzidas em um dado processo produtivo. No processo produtivo, alguns gastos devem ser considerados, os quais contribuem no valor de troca de uma mercadoria. São eles o custo com as máquinas, instalações e suas manutenções, o custo com a matéria-prima e finalmente o custo com a mão de obra (o trabalhador).

Na tentativa de reduzir seus custos e consequentemente maximizar seus lucros, o burguês tenta gastar o mínimo possível com tais fatores, mas o valor a ser pago por máquinas, matéria-prima, instalações (água, luz, aluguel) são de difícil controle para o capitalista, uma vez que não é ele que define o preço de tais elementos, os quais são muitas vezes determinados por outros capitalistas ou mesmo pelo Estado (impostos, por exemplo). Entretanto, o salário de seus funcionários é algo mais palpável para ele, algo que ele tem maior poder de intervenção visto que a oferta é feita por ele e cabe a um trabalhador aceitar ou não. Assim, notamos uma tensão, um conflito de interesses entre patrão e trabalhador, enquanto o primeiro pretende pagar o mínimo possível para maximizar seu lucro, o segundo, pelo contrário quer ganhar o maior salário que conseguir; eis aqui um princípio do que Marx caracteriza como luta de classes.

A disputa de interesses entre o burguês e o proletário não se dá em condições de igualdade, a burguesia é uma minoria na sociedade enquanto o proletariado é numeroso, portanto o burguês tem maior poder de barganha na medida em que caso um trabalhador não aceite dadas condições, existem outros que poderiam aceitá-la. Já o trabalhador depende do emprego e do salário para sobreviver, não tendo muitas opções além de aceitar o que lhe é proposto ou ficar desempregado. Essa disparidade é agravada em momentos de alto desemprego, onde o número de trabalhadores disponível é ainda maior. Essa limitação ao trabalhador se impõe porque os meios de produção pertencem à burguesia, ou seja, se não aceitar submeter-se a um burguês, um proprietário de tais meios, ele não terá formas de produzir bens que atendam suas necessidades por si só.

Nesse momento podemos nos perguntar: mas se é tão bom ser burguês assim, por que o trabalhador não se torna um deles? Por que não começa seu próprio negócio?

Porque isso é muito difícil, adquirir meios de produção requer muito capital, muito dinheiro, o qual um trabalhador geralmente não dispõe. A grande maioria dos trabalhadores se endivida porque seu salário não é o suficiente para suprir suas necessidades, então uma poupança para abrir seu próprio negócio é algo praticamente impossível. Além disso, é preciso conhecimento para realizar investimentos, criar uma empresa e iniciar a produção de mercadorias, coisa que depende de certo acesso à educação especializada, o que muitas vezes a condição de pobreza do proletariado o impede de acessar.

Evidentemente que uma minoria de membros do proletariado, depois de muito esforço e superar muitas dificuldades, consegue ascender à classe burguesa, mas essas são raras exceções (embora a mídia as noticie com certa frequência para justificar a ideologia da meritocracia). E mesmo aqueles que conseguem criar seus negócios encontram muitas dificuldades para concorrer com produtores grandes, já estabilizados no mercado, com tecnologia e produtividade superior à dos “novos burgueses”, o que acaba sendo um dos fatores para a falência de muitas pequenas empresas e empreendimentos.

Por fim, mesmo uma ascensão bem-sucedida de um trabalhador à grande burguesia não significa que os proletários são livres, bastando a eles se esforçarem; pelo contrário, na posição de burguês a pessoa que ascendeu socialmente passa agora a explorar outros trabalhadores, portanto essa possibilidade de ascensão individual (que é pequena) não resolve o problema da luta de classes, nem liberta a classe trabalhadora. Inclusive ela não poderia ser fácil e acessível à maioria das pessoas, pois, se assim fosse, surgiriam muitos patrões e faltariam trabalhadores, o que resultaria em um encarecimento da mão de obra e a inviabilidade do sistema capitalista.

A exploração, citada anteriormente, se dá através do processo produtivo via extração de mais-valia, o que muito superficialmente, corresponde ao não pagamento integral por parte do patrão do produto gerado pelo trabalhador. Por exemplo, é como se em uma jornada de trabalho hipotética um operário produzisse mercadorias no valor de R$ 100,00 (contando só o valor que seu trabalho atribui à mercadoria, ou seja, sem contar os valores adicionados por máquinas e matéria-prima), mas recebesse como pagamento por isso R$ 80,00; nesse caso a mais-valia foi de R$ 20,00.

A mais-valia é possível porque o funcionário é pago por seu tempo de serviço e não por seu trabalho, assim o patrão trata de fazer com que seus funcionários produzam o máximo possível dentro de sua jornada de trabalho. Assim, podemos representar a mais-valia como horas de trabalho não pagas ao trabalhador. A mais-valia pode ser absoluta ou relativa, e é a base da qual provém o lucro da burguesia, já que não se pode aumentar a produtividade da máquina (que tem um limite) e da matéria-prima sem pagar mais por isso, mas pode-se aumentar a produtividade do trabalhador, seu ritmo de trabalho, sem que isso necessariamente resulte em aumentos salariais para ele. É possível ainda reduzir seu salário e manter a mesma intensidade de trabalho, o que também resulta em um aumento na taxa de expropriação de mais-valia.

A mais-valia, sua apropriação pela burguesia, como se transforma em lucro e a relação disso tudo com o mercado são assuntos complexos para o qual esse texto não pode mais contribuir. Recomenda-se o estudo de obras da economia marxista.

Conclui-se então, que a análise e o projeto marxista de sociedade não estão focados na superação individual de uma situação de exploração e opressão, pois a ascensão individual ainda manteria a exploração de uma classe sobre a outra, mas sim a superação da sociedade de classes. Marx identifica como principal fator que desenvolve a desigualdade, pobreza e exploração, a propriedade privada dos meios de produção.

O desenvolvimento econômico ocorrido e estimulado pelo próprio capitalismo já nos coloca em condições de produzir bens para garantir uma vida adequada para todas as pessoas, já é capaz de manter um alto grau de produtividade com poucas horas de trabalho para cada pessoa e consequentemente libertar o ser humano do excesso de trabalho (ao mesmo tempo em que elimina o desemprego), o que permitiria a ele desenvolver suas potencialidades e interesses. Contudo, por tais meio produtivos serem privados, eles não servem à humanidade, mas sim aos interesses individuais de algumas pessoas e seus privilégios, os quais para serem mantidos resultam em fome enquanto muita comida é jogada fora, jornadas de trabalho extenuantes desnecessárias, pobreza, doença e miséria em uma era na qual nossa produtividade é tão alta que já corremos o risco de um dia esgotar as matérias-primas que o planeta nos dá.

Nas formações econômico-sociais anteriores, aconteciam crises quando a produtividade era insuficiente, quando faltavam alimentos, terras ou pessoas para trabalhar. Já no capitalismo, com sua economia de mercado e sua mercantilização de praticamente tudo, as crises surgem mesmo quando, ou até mesmo principalmente, quando se produz mais do que o suficiente. Para resolver isso é preciso que o capitalismo seja derrubado, que a luta de classes seja superada, que os meios de produção sejam pertencentes e acessíveis a todos; enfim, é preciso o comunismo; mas a burguesia como classe dominante do capitalismo não abrirá mão de seus privilégios, de forma que resta ao proletariado, aqueles que “nada tem a perder além de suas correntes”, promover sua superação, o que é possível apenas por meios revolucionários.

Sociedade de transição, socialismo e comunismo

Diante do exposto anteriormente, podemos passar a definições iniciais sobre o que seria então comunismo e socialismo. O comunismo seria justamente essa fase de desenvolvimento econômico, político e social no qual a alocação dos meios de produção seria determinada de acordo com as necessidades de toda humanidade, ou seja, ele supõe não apenas a derrota da burguesia, mas o fim de toda diferença de classes, o que significa que o próprio proletariado deixaria de existir como tal. Sem a existência de diferentes classes e, portanto, sem a luta de classes, muitas instituições perderiam com o tempo a razão de existir como, por exemplo, o Estado. As decisões poderiam ser tomadas através de assembleias, conselhos, sem a necessidade de um poder central coercitivo.

Como deve ter ficado evidente, a sociedade comunista pressupõe que as pessoas tenham superado a escassez de bens e produtos, caso contrário tenderia a haver disputa e concorrência entre as pessoas para o atendimento de necessidades básicas; e também que as pessoas tenham até mesmo uma mentalidade diferente da que encontramos hoje, algo como um sentimento mais de comunidade em contraposição ao individualismo, egoísmo e consumismo típicos da sociedade capitalista.

Justamente por isso é que o comunismo jamais poderia ser gerado diretamente da sociedade capitalista. Uma determinada organização social influencia e é influenciada pelos modos de agir e pensar das pessoas que nelas vivem em uma relação dialética, e a passagem de uma sociedade a outra não implica em abandono imediato de concepções e ações que eram realizadas na precedente.

Na sociedade capitalista, o individualismo e o fetiche com o dinheiro e com a posse de bens são reforçados constantemente por propagandas, programas de TV, até mesmo por meios educacionais. Isso é feito por tantos anos e com intensidade tal que tendemos a naturalizar esse comportamento, acreditar que eles são próprios dos seres humanos. Porém, isso é um erro, é a adoção de uma ideologia, uma interpretação incorreta da realidade que serve ao interesse de um determinado grupo da sociedade, nesse caso a burguesia. A naturalização do individualismo serve como justificativa para a naturalização do capitalismo e consequentemente para a negação sumária de tentativas de superá-lo, perpetuando assim seu sistema exploratório. Aqui estamos nós, já abordando a questão da “natureza humana” ou a necessidade da superação do individualismo para se chegar ao comunismo.

Cabe pontuar que as pessoas não são meramente determinadas pelo meio, a ideologia, a propagação do individualismo e dos fetiches capitalistas influencia sim no comportamento das pessoas, mas ainda persiste certo grau de liberdade, de negação dessas características e até mesmo do desenvolvimento de posturas opostas, ainda que tais coisas ocorram de forma minoritária. Todavia, o conhecimento e a compreensão das estruturas que buscam exercer influência sobre os indivíduos é o que lhes dá melhores condições de se livrar-se delas; por extensão, quanto maior a compreensão da sociedade, seu funcionamento, suas divisões e ideologias, maior a possibilidade das pessoas se libertarem das estruturas que as aprisionam, ou seja, maior a chance da tomada de consciência de classe por parte dos trabalhadores e de promover uma luta contra o capitalismo.

Caso o marxismo fosse determinista ou mecânico, como muitas vezes ele é apresentado por marxista vulgares ou por não-marxistas com conhecimento limitado sobre o tema, não faria sentido a proposta revolucionária que ele defende. Como poderíamos querer que o proletariado se levantasse frente à burguesia se os trabalhadores fossem meros fantoches determinados estruturalmente? Por isso é importante se atentar à dialética, muitas vezes negligenciada por um materialismo simplista que em muito se afasta do método do materialismo histórico desenvolvido por Marx e Engels.

Apesar de todo o esforço empreendido até aqui nessa seção, ainda ficou parecendo que o comunismo pressupõe pessoas com outra mentalidade, e de fato, ele precisaria, inclusive sequer seria possível dizer que se chegou ao comunismo se as pessoas ainda preservassem atitudes exacerbadamente egoístas, individualistas, consumistas, etc. Mas é justamente reconhecendo o desenvolvimento complexo, dialético de uma sociedade que os marxistas não esperam alcançar o comunismo após a derrubada da burguesia; antes dele é necessário um período de transição socialista.

O socialismo seria um período transicional do capitalismo ao comunismo com uma duração longa, mas que não pode ser medida de antemão (depende de condições objetivas concretas, dos desafios da realidade e não de elaborações abstratas). Nesse período seria promovido o desenvolvimento de elementos necessários ao comunismo. Num primeiro momento, essa sociedade de transição precisa combater a reação burguesa, que certamente tentaria retomar sua hegemonia social; caberia também expropriar os meios de produção, isto é, retirá-los da burguesia e colocá-los sob o controle dos trabalhadores organizados como nova classe dominante. Uma vez com tais posses, os trabalhadores iriam centralizar a produção visando tanto satisfazer as necessidades da população, quanto as do desenvolvimento econômico socialista, buscando promover a superação de desigualdades sociais, promover acesso à educação, saúde e moradia para todos e uma série de outras ações. A derrota definitiva da burguesia inicia o período do socialismo, com plena participação dos trabalhadores em todas as esferas da vida, mas que ainda assim não é ainda a sociedade comunista acabada. [1]

No decorrer do socialismo, conforme se obtenha êxitos, a mentalidade do capitalismo tenderia a ficar cada vez mais no passado, visto que já não existiria o reforço de tais hábitos por parte da sociedade, do Estado burguês, mídia burguesa e afins. É importante frisar que no comunismo não haveria Estado, mas no socialismo a sua necessidade ainda persistiria, para resguardar alguns limites do consumo, redistribuir parte dos frutos do trabalho para áreas sociais e direcionar o desenvolvimento econômico rumo ao comunismo, ao mesmo tempo em que amplia mais e mais o controle sobre essas funções entre o conjunto dos trabalhadores.

Portanto, chegamos a seguinte constatação: primeiro, que socialismo e comunismo são partes diferentes de um processo, sendo o comunismo possível apenas após a transição socialista; segundo, que o socialismo não pressupõe pessoas prontas com uma mentalidade altruísta, elevada ou comunitária; na verdade, ele parte com as pessoas tal como são no capitalismo. Nas palavras de Lênin: “nós queremos a revolução socialista com pessoas como as de agora, que não poderá passar sem subordinação, sem controle, sem ‘administradores’.” (O Estado e a Revolução, p.72).

Como pontuou Lênin, a revolução deve ser feita com as pessoas de agora, por isso mesmo é necessário algum controle, administradores, por isso que os marxistas pretendem construir um Estado para a transição e depois um período relativamente longo de transição socialista. Nisso, divergem dos anarquistas, que procuram estabelecer uma sociedade sem Estado e sem elementos de transição logo após a derrubada do Estado burguês. Contudo, o Estado que os marxistas desejam no primeiro passo da transição ao socialismo não é qualquer Estado, ele é composto de organizações de trabalhadores e tem um funcionamento específico. Para que isso seja compreensível, é preciso proceder a uma breve análise sobre o que é o Estado e qual seu papel no capitalismo e na transição ao socialismo.

O Estado burguês

O que é o Estado? Para responder essa questão vamos a mais uma citação de Lênin:

“O Estado é o produto e a manifestação do caráter inconciliável das contradições de classe. O Estado surge onde, quando e na medida em que as contradições de classe não podem objetivamente ser conciliadas. E inversamente: a existência do Estado prova que as contradições de classe são inconciliáveis.” (O Estado e a Revolução p.29).

Sob a perspectiva marxista, o Estado é um órgão de dominação de uma classe sobre a outra, é uma instituição que diante do antagonismo da luta de classes tem como função manter a “ordem”, isso é, a ordem vigente que beneficia a classe dominante. Nesse sentido se dá o próprio surgimento do Estado, originado da divisão em classes de uma sociedade onde o antagonismo de interesses entre elas fomenta uma luta. Para evitar que tal luta leve a sociedade ao colapso, o Estado é criado como forma de manter sob controle, dentro de certos limites, esses enfrentamentos. O Estado é geralmente o Estado da classe dominante visto que ela, a classe mais forte, é que tem o poder para impor normas jurídicas para o conjunto da sociedade.

O Estado pode assumir muitas formas, pode ser monárquico ou republicano, ditatorial ou representativo (democrático), mas independente da forma que assuma, ele responde aos interesses de uma classe social. É assim que podemos falar de um Estado burguês no capitalismo, visto que essa é a classe dominante nesse sistema.

O Estado burguês tem entre as suas funções a proteção da propriedade privada dos meios de produção, a manutenção da ordem para o funcionamento das relações capitalistas; e para realizar tais ações, conta com um destacamento especial armado (exército e polícia), os quais promovem também a repressão contra membros do proletariado que se levantem contra tal dominação. Somente o Estado tem o direito de manter grupos armados. Essa é uma condição especial para a manutenção da dominação de uma classe sobre a outra; se a classe dominada pudesse ter armas, nas mesmas condições que o Estado, um acirramento da luta de classes poderia se constituir em séria ameaça ao Estado e à classe dominante.

Apesar de surgir na sociedade, o Estado vai tomando uma posição de liderança nela, como se estivesse acima da mesma, ainda se coloca como um suposto regulador “neutro”, que concilia interesses conflitantes da sociedade, visando o “bem comum”. Contudo, como já afirmamos, o Estado é um instrumento de dominação e tem um caráter de classe, no nosso caso burguês; assim sendo, nos cabe dizer como que a burguesia mantém seu controle sobre ele.

Para a manutenção de um poder acima da sociedade, são necessários recursos. Assim, para manter o Estado ocorre arrecadação de impostos; ao serem os responsáveis pela arrecadação dos impostos e administrarem a força pública, os funcionários do Estado acumulam privilégios e autoridade, colocando-se também acima da sociedade. Logo se criam leis que reforçam a autoridade e prestígio desses membros. Em nossa sociedade atual, podemos pegar como exemplo o crime de desacato à autoridade. É uma lei que garante um direito especial para um membro do Estado o qual não é aplicável para outras pessoas; também podemos citar certas imunidades que parlamentares têm para dizerem e defenderem coisas que se fossem ditas por outras pessoas poderiam resultar em sanções ou punições.

Tais leis são justificadas diante de uma “necessidade” de reforço da autoridade e respeito para tais membros para que eles possam cumprir sua função supostamente benéfica à sociedade, ou para garantir a liberdade de expressão política de um parlamentar. Porém, se as funções desempenhadas pelos funcionários do Estado fossem boas para toda a sociedade, não haveria motivo para que sua autoridade fosse questionada e, portanto, não haveria necessidade de nenhuma lei ou dispositivos em especial para desrespeito contra eles; e, no segundo caso, se é uma questão de liberdade de expressão política, ela deveria ser estendida a todas as pessoas, e não ser um privilégio dos governantes.

Com toda essa autoridade, os membros do Estado passam a ocupar um lugar de destaque na sociedade de classes, até por, originalmente, a burocracia estatal ter origens na própria classe dominante, ela dispõe de privilégios e benefícios que a tornam conveniente e interessada na manutenção desse funcionamento da sociedade. Assim garante-se que o Estado cumpra seu papel de preservação da ordem e atue como repressor de levantes da classe oprimida.

Não bastasse isso, ainda temos a questão da corrupção que pode ser direta, como o pagamento de propina por parte de uma empresa em troca de benefícios em licitações, ou indireta, como o financiamento de campanha de candidatos que, quando no poder, governam de acordo com o interesse de seus financiadores. Todas essas práticas muito comuns em diversos países no mundo, incluindo o Brasil, ainda tem um tipo de corrupção mais sutil que é a concessão de benefícios a membros de Estados por empresas após o fim de seu tempo na máquina pública. Por exemplo, quando um ministro que age de acordo com os interesses de grandes empresas ganha um cargo de destaque em alguma delas após o término de seu tempo como ministro, ou ganha prêmios, presentes, é convidado para fazer palestras caríssimas, etc.

Por isso, mesmo que o Estado fosse supostamente neutro num primeiro momento (o que em geral não corresponde à história da formação dos Estados), no capitalismo ele teria suas funções desviadas com fins de defender os interesses da burguesia contra o proletariado. É evidente qual das duas classes tem poder social e econômico suficiente para comprar candidatos, subornar funcionários do Estado e assim burlar leis e limitações. Portanto, o Estado na sociedade capitalista é um Estado burguês, seu caráter é mantido tanto em uma monarquia, democracia ou ditadura, e nem mesmo uma possível eleição de candidatos representantes da classe trabalhadora seria suficiente para abalar esse caráter. Além de poderem ser cooptados pelo sistema, ao poderem usufruir os já citados benefícios dos membros do Estado, ou receber proposta de propinas e outras formas de suborno, os candidatos da classe trabalhadora dificilmente seriam eleitos em quantidade suficiente para mudar tais características do Estado, muitos outros membros lutariam para preservá-las.

Além disso, caso esses representantes hipotéticos, uma vez instalados, quisessem efetivamente mudar algo, o Estado burguês ainda conta, com segurança, com um conjunto interminável de laços e posições que não podem ser alterados por vontade popular. A polícia, o Judiciário, as forças armadas, a burocracia de alto escalão, etc. podem ser usados para remover (seja de forma legal ou ilegal) aquelas figuras que forem consideradas indesejadas para o funcionamento do sistema, ou seja, que estejam atrapalhando a dinâmica do Estado, os lucros, a expansão de empreendimentos capitalistas, etc.

A república democrática é a forma mais segura para a dominação burguesa através do Estado, pois ela mascara melhor essa dominação, dando uma falsa ilusão de participação popular ou de representação de todos através do voto. Mas esse voto no máximo escolhe quem irá administrar a máquina do Estado burguês, de acordo com os interesses da burguesia, durante os próximos 4 anos. Isso por causa de todos os fatores relativos ao funcionamento do Estado já explicitados, quanto pelo fato de que a ligação entre políticos e o proletariado se dá apenas durantes as eleições. Somente nesse período eles precisam dar ouvidos a certo grau de demandas dos trabalhadores para obterem seus votos. Logo após, eles ocupam seu espaço especial, privilegiado no Estado e a classe trabalhadora não exerce praticamente nenhum controle sobre suas ações, visto que a duração de seu mandato é fixa, não podendo ser destituídos, e mudanças nisso são raras, além de dependerem de ações tomadas pelo Estado. Por outro lado, durante todo o mandato o político fica sujeito à pressão de grupos empresariais, influenciadores corruptos, ruralistas e demais setores com riqueza que os permitam corromper, comprar, enfim, influenciar as atividades dos políticos. Nas palavras de Lênin:

“A onipotência da ‘riqueza’ funciona, portanto, melhor em uma república democrática, uma vez que não depende de determinados defeitos do mecanismo político, do mau invólucro político do capitalismo. A república democrática é o melhor invólucro político possível para o capitalismo; por isso, o capital, tendo se apoderado desse melhor invólucro, fundamenta seu poder de modo tão sólido, tão seguro, que nenhuma substituição na república democrática burguesa, nem de pessoas nem de instituições, tampouco de partidos, abala esse poder.” (O Estado e a Revolução p.36).

Já em um regime ditatorial, pela pouca ou nenhuma participação popular, a dominação fica mais evidente. Se por um lado a repressão por parte do Estado é mais forte e direta, por outro ela pode despertar mais facilmente revoltas. Todavia, de forma alguma isso significa que os socialistas prefiram uma ditadura a uma república democrática. Quanto mais autoritário o regime, maior o controle que exerce sobre a população, menor a liberdade e espaço que os membros da classe trabalhadora têm para lutar por seus interesses e desenvolverem um pensamento crítico da realidade, assumir uma consciência de classe e tomar a tarefa de superação do capitalismo.

Assim, podemos ver que de acordo com a perspectiva marxista, aqui elucidada através de Lênin, o Estado burguês não serve para os interesses da classe trabalhadora. Subir ao poder do Estado burguês não seria o suficiente para a superação do capitalismo, a transição ao socialismo e a preparação para o comunismo. Por isso, existe a necessidade de um novo Estado, um Estado da classe trabalhadora, vejamos então como se desenvolveu essa concepção e como funcionaria esse Estado.

O Estado proletário

A teoria a respeito do caráter do Estado após uma revolução socialista foi abordada por Marx e Engels não de forma utópica, mas através da experiência concreta da luta de classes. Isto é, não tinham de antemão uma resposta a respeito de como organizar politicamente a sociedade pós-revolução, mas desenvolveram tal concepção através da análise dos desafios e problemáticas enfrentados pelos movimentos revolucionários de até então.

Lênin pontua que no “Manifesto do Partido Comunista” (1847), Marx e Engels afirmam que o Estado burguês deveria ser substituído pela elevação do proletariado como classe dominante ou ainda através da conquista da democracia. São apontamentos importantes, porém ainda não desenvolviam como isso poderia ser feito. Seria necessária uma experiência prática para que pudessem analisar de que forma o proletariado se organizaria como classe dominante.

Já em “A Guerra Civil na França” (1871) diante da experiência da Comuna de Paris, Marx desenvolve de forma mais concreta essas questões analisando as formas de organização política criadas pelos comunardos (os trabalhadores que construíram e defenderam a Comuna).  A organização básica de um Estado de transição para o socialismo se daria mais ou menos aos moldes da Comuna nos seguintes termos:

A Comuna era o órgão de deliberação política da cidade de Paris, seus membros eram representantes operários eleitos por sufrágio universal nos diversos distritos da cidade, seus mandatos eram revogáveis e seus salários eram equivalentes ao salário de operário. A mesma lógica se aplicou para os demais funcionários estatais; a polícia, agora colocada a serviço da Comuna, foi destituída de suas funções e recriada também com mandatos e cargos revogáveis. Essa organização política ultrapassa os limites do Estado burguês, através de um aprofundamento da democracia e do controle proletário sobre seus representantes, foram realizadas mudanças qualitativas que tornaram a Comuna o primeiro exemplo histórico de um Estado operário.

Tais medidas são defendidas pelos socialistas, de forma que o Estado operário/proletário seria baseado em comunas ou conselhos (em russo, sovietes) que elegeriam seus representantes para tomadas de decisões em âmbitos maiores, por exemplo, as comunas de uma cidade elegeriam seus representantes políticos para o estado ou até mesmo para o país. Esses representantes assumiriam suas posições para representar as demandas da região pela qual foram eleitos, com mandatos revogáveis a qualquer momento, suas ações se tornam limitadas pelo controle de sua comuna. Caso essa sinta que ele não esteja a representando bem, pode retirá-lo do poder e eleger outro representante.

O salário operário impede que o político tenha vantagens acima do restante da população, impedindo que ele se descole do corpo social e se torne uma autoridade acima da sociedade. Somado a essas medidas, ainda pode-se acrescentar a rotatividade das funções, o que significa que cada pessoa teria um tempo máximo no qual poderia ocupar certo cargo político, devendo ser substituída por outra após esse período. Assim, é inibida a criação de privilégios para governantes ou cargos de governo, visto que aqueles que o ocupam o farão por período temporário, seus mandatos são revogáveis a qualquer momento e seus vencimentos não são maiores que os dos demais trabalhadores.

Tais medidas surgiram a partir da análise concreta da realidade vivida pela classe operária no decorrer do século XIX, considerando as experiências das lutas da classe trabalhadora, especialmente da Comuna de Paris. Lembramos que o Estado continua sendo, sob a definição marxista, um instrumento de poder, uma forma de dominação de uma classe sobre a outra, por isso podemos dizer que, independente de sua forma, o Estado burguês é em última instância uma ditadura da burguesia sobre o proletariado. Analogamente o Estado operário seria, em última instância, uma ditadura do proletariado sobre a burguesia, daí o famoso termo marxista Ditadura do Proletariado.

Por mais irônico que possa parecer à primeira vista, quanto mais democrática a ditadura do proletariado, melhor e mais forte ela é. Essa democracia deve ser a mais ampla possível, mas tratando-se de um regime transicional para o socialismo após a derrota do capitalismo, ainda existe uma divisão de classes na sociedade. Assim, o proletariado assume a posição de classe dominante e inverte a lógica do regime burguês. Por isso o nome ditadura do proletariado é apropriado, visto que a burguesia, seus interesses e representantes devem ser excluídos das esferas do poder político.

A ditadura do proletariado é necessária principalmente por duas razões; a primeira é que a burguesia não aceitaria perder seus privilégios e benefícios sem lutar, mesmo derrotados por uma revolução os burgueses tratariam tão logo fosse possível de organizar uma retomada do poder, isso é, uma contrarrevolução. Portanto, um aparelho estatal é importante para organizar a defesa do regime proletário contra as investidas burguesas. A segunda razão se refere ao fato de que após anos de convivência no capitalismo é de se esperar que a ideologia, as atitudes, os costumes e os interesses desenvolvidos nesse sistema existam em muitas pessoas; assim, não podemos nos dar ao luxo de imaginar que após uma revolução estaríamos livres de egoísmos e interesses individualistas, da reprodução de opressões, da corrupção. Portanto, não é possível abrir mão de todas as formas de controle social de imediato. É nesse sentido que Lênin, se referindo aos objetivos do marxismo diz que:

“Em Marx não existe nem uma gota de utopia, no sentido de ter inventado, imaginado, uma sociedade ‘nova’. Não, ele estuda o nascimento da nova sociedade a partir da velha, as formas de passagem da segunda para a primeira como um processo de história natural. Toma a experiência real do movimento proletário de massas e esforça-se por tirar dela lições práticas. ‘Aprende’ com a Comuna, como todos os grandes pensadores revolucionários que não temem aprender com a experiência dos grandes movimentos da classe oprimida.” (O Estado e a Revolução, p.72).

Complementar a isso ele ainda afirma, em citação cujo um trecho já foi mencionado anteriormente:

“Não somos utópicos. Não ‘sonhamos’ com dispensar de uma só vez toda administração, toda subordinação; esses sonhos anarquistas, baseados na incompreensão das tarefas da ditadura do proletariado, são fundamentalmente estranhos ao marxismo e só servem para protelar a revolução socialista até o momento em que as pessoas forem diferentes. Não, nós queremos a revolução socialista, com pessoas como as de agora, que não poderão passar sem subordinação, sem controle, sem ‘administradores’.” (O Estado e a revolução, p.72).

O comunismo, enquanto objetivo final, só poderia ser alcançado após anos de socialismo, conforme tal regime fosse obtendo sucesso em superar as desigualdades, atender as necessidades econômicas da sociedade, promover uma educação libertadora e acessível a todos, o que permitiria cada vez mais pessoas tomarem parte nas atividades políticas e do Estado em desparecimento. E assim, mais distante ficaria a ameaça de um retorno do poder às mãos da burguesia, mais a diferença de classes iria desaparecer e, consequentemente, a ditadura do proletariado perderia a razão de existir. Não havendo uma classe opositora para reprimir, o Estado vai perdendo a função e sua tendência seria definhar e morrer por falta de uso. Nem todas as esferas estatais necessariamente deixariam de existir, mas suas funções de controle e administração tenderiam a se enfraquecer. A dinâmica que isso assumirá deve responder a situações específicas, as quais nós não podemos prever de antemão.

Portanto, muito das críticas tecidas ao socialismo, sobretudo a de que ele depende de “pessoas melhores”, se baseiam na incompreensão do que é e quais os objetivos dessa proposta política. Ela não demanda pessoas perfeitas, não é um sonho, é um projeto que parte da realidade atual, considerando suas imperfeições e problemas, traçando formas de superá-los com base nisso. Para que isso seja possível, a teoria política socialista não pode ser algo estático, parado no tempo, pensado idealmente de antemão, ela deve responder a situações práticas objetivas, muitas das quais nem o melhor teórico poderá prever. Assim a teoria socialista se constrói também na prática, através de um processo a que chamamos de práxis.

Práxis: a relação entre teoria e práticas

O marxismo reconhece a importância da teoria revolucionária, mas também a da prática revolucionária, seja ela realizada com base ou não em uma teoria. A teoria por si só é insuficiente ao projeto socialista: se nunca for colocada em prática, ela não terá muita serventia, no máximo será um método de análise da sociedade. Como já denunciava Marx em suas famosas “Teses sobre Feurbach”: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém é transformá-lo”.

Todavia, a prática revolucionária, embora muitas vezes oriundas de insatisfações justas e desenvolvidas a partir das experiências e vivências pessoais de muitos trabalhadores, terá maiores chances de derrota se não considerar o que foi abordado até então pela teoria. A própria teoria surge da prática, ela representa a análise de um acúmulo de experiências de lutas, vitoriosas ou derrotadas, das quais podemos e devemos tirar importantes lições.

Porém, a teoria, por mais bem desenvolvida que se encontre, dificilmente será capaz de abordar todas as nuances de problemas práticos que podem surgir. Por isso é importante que ela possa ser transformada, atualizada ou até mesmo corrigida mediante aspectos da realidade concreta. Portanto, temos um processo no qual a teoria acumulada até então serve de base para uma prática revolucionária mais eficiente, ao mesmo tempo em que essa prática e seus problemas concretos impõem novos elementos sobre os quais a teoria deve trabalhar. Logo, a teoria influencia a prática ao mesmo tempo em que a prática influência a teoria, é justamente nessa relação dialética que consiste a práxis.

Por tudo isso é que o maior legado deixado por Marx foi seu método; por mais que suas análises sobre a sociedade capitalista e meios de superá-la sejam de grande valia e em muitos aspectos se mantenham atuais, outros elementos surgiram, tornaram mais complexa a realidade social e cabe a nós considerarmos essas novas relações na elaboração teórica e na atividade prática revolucionária. Por exemplo, o advento da informática, da rede mundial de computadores, traz novos desafios; se por um lado amplia possibilidades de comunicação, também tornam mais efetivos métodos de espionagem e repressão contra movimentos revolucionários, tal como potencializam a divulgação da ideologia burguesa e informações falsas sobre o socialismo; assim, seria um erro grotesco por parte dos socialistas de hoje apegarem-se somente as teorias passadas sobre questões de segurança, autodefesa e divulgação.

Dessa forma, fica claro que não existe oposição entre teoria e prática no marxismo, isso porque o marxismo trabalha através de um método dialético e não formal, ele não pressupõe uma idealização pura da realidade em oposição a realidade objetiva, ou seja, não é idealista; pelo contrário ele parte do materialismo, da situação concreta em transformação constante, sendo dela que emerge e nela que exerce sua teoria. Por fim, ele também é histórico, pois considera que mesmo a realidade material atual não surgiu do nada, ela foi construída historicamente, ela chegou a tal ponto mediante transformações, contradições e ações promovidas pela humanidade no decorrer de sua história. Logo, não faz sentido dizer que na teoria é lindo, mas na prática “não funciona”: analisar sob essa perspectiva é reduzir o socialismo marxista a uma interpretação formal e idealista que não condiz com ele, em outras palavras é desconhecer a própria teoria.

A Revolução Russa de 1917

Quem chegou até essa parte do texto pode já ter pensado na URSS, Cuba, China e afins, imaginando o número de mortos nesses regimes e pensado em infames piadas sobre fome e pobreza. Não iremos aqui tratar de tantas revoluções mais ou menos distantes entre si tanto no tempo, quanto no espaço e na conjuntura política na qual ocorreram. Cada uma delas ocorreu em um país diferente, com demandas diferentes, embora em outros aspectos se aproximassem. Porém, cabe fazer alguns apontamentos a respeito do socialismo e da experiência russa, a primeira revolução que conseguiu erguer um Estado operário que perdurou por vários anos.

Considerando que o socialismo é um processo de transição ao comunismo, tendo, portanto, que combater as desigualdades, suprir as necessidades da sociedade, diminuir a exploração e promover uma nova forma de organização política e social, é necessário que ele tenha meios materiais de realizar tais tarefas, o que trocando em miúdos significa que o socialismo precisa de forças produtivas avançadas, ao menos no nível do país capitalista mais tecnologicamente desenvolvido, pois só assim disporia de meios de atender as necessidades econômicas de sua sociedade. Por isso, e pelo fato do grande número de operários, que Marx acreditava que a revolução fosse estourar mais provavelmente na Inglaterra; Engels, que viveu por mais tempo que Marx, passou a apostar na ascendente economia dos EUA como local de uma possível revolução.

Outro ponto para ser levado em consideração é que tanto o socialismo como o comunismo são projetos internacionalistas, isto é, não pretendem e nem podem se desenvolver isoladamente em uma única região. Isso se deve ao fato da grande interligação entre as economias mundiais e ao fato de que dificilmente um país poderia alcançar a autossuficiência produtiva em todos os setores. Não foi por menos também que o movimento socialista se organizou através de internacionais revolucionárias. Isso de forma alguma significa que deve acontecer uma revolução mundial ao mesmo tempo, Marx e Engels já consideravam que ela ocorreria primeiramente em algum país, e posteriormente se seguiria em outros. Por isso também a importância do país onde a revolução fosse vitoriosa ter forças produtivas avançadas, pois poderia resistir melhor até que demais movimentos revolucionários obtivessem sucesso.

Porém o que não era previsto por Marx e Engels de forma alguma é que a revolução ocorreria primeiramente na Rússia, um país tecnologicamente atrasado e que naquele momento se encontrava arruinado economicamente pela Primeira Guerra Mundial. Não vamos entrar nas razões de ter ocorrido na Rússia e não em outro país, não é o ponto aqui; vamos apenas apontar alguns desafios, problemas e medidas tomadas pelos líderes marxistas da revolução socialista russa, os bolcheviques, diante da conjuntura que enfrentaram.

Na Rússia, às vésperas da revolução existiam organizações de trabalhadores e soldados chamadas de sovietes; eles existiam tanto por regiões, bairros quanto que por funções. Os sovietes eram o elemento político da Rússia que se aproximavam da comuna na experiência parisiense. Após a Revolução de Outubro, que marca a chegado dos bolcheviques ao poder, o grupo liderado por Lênin buscou aplicar a teoria marxista na realidade russa e encontraram aí novas dificuldades com as quais tiveram de lidar.

O primeiro grande problema se encontrava no próprio atraso econômico russo, sua situação drástica piorada pela guerra e, portanto, a impossibilidade do governo em prover as necessidades de toda a sociedade. Ainda assim, os meios de produção foram expropriados da burguesia, as terras foram divididas entre camponeses (pequenos proprietários de terras) e medidas com o objetivo de promover uma distribuição mais igualitária de bens foram tomadas, o que nem sempre foi suficiente ou satisfatório. Soma-se a esse problema a contrarrevolução que se insurgia contra os bolcheviques, exércitos brancos defensores de interesses burgueses e mesmo restauradores da monarquia czarista pretendiam retomar o poder. Esses contaram também com o apoio das potências capitalistas que até pouco tempo atrás estavam envolvidas na Primeira Guerra Mundial.

A Rússia revolucionária foi invadida por exércitos contrarrevolucionários, muitos deles estrangeiros, que temiam o desenvolvimento e a possibilidade de crescimento do socialismo. Dentre eles se encontravam Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Estados Unidos, Império Otomano e o Japão. Para resistir, os bolcheviques criaram o Exército Vermelho, um grupo de combatentes a serviço da revolução que lutaria contra os invasores e restauradores do capitalismo. Os combates desse conflito ficaram conhecidos como Guerra Civil Russa.

No contexto dessa nova guerra travada em território russo, a economia se deteriorou ainda mais e foi necessária a coleta forçada de alimentos, passando por cima da circulação em mercados, para suprir as tropas, o que gerou insatisfação entre muitos camponeses e o governo bolchevique. A atuação de forças opositoras na situação de guerra fez com que fosse necessário aos bolcheviques fecharem cada vez mais o regime, instituindo o que ficou conhecido como Comunismo de Guerra. Muitos avanços conquistados após a revolução foram retirados, houve censura à imprensa e o comando político ficou totalmente na mão dos membros do Partido Comunista.

A princípio, o governo russo seria composto pelos sovietes que elegeriam seus membros da forma como foi indicado acima, como exemplo da Comuna de Paris. Muitos bolcheviques eram líderes de sovietes e eles contaram efetivamente com o apoio dos sovietes para a tomada do poder. Com base nessa organização através dos sovietes, ou conselhos, foi que o país mudou posteriormente seu nome para União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Porém, a situação econômica calamitosa e as invasões estrangeiras ocasionaram mais caos econômico e político e não deixou muitas escolhas para os bolcheviques além de fechar o regime para combater com todas as forças os inimigos ou perderem o poder, sem o tempo necessário para os debates e deliberações democráticas que abrem caminho ao aprendizado da classe trabalhadora na posição de classe dominante.

Com o fim da guerra civil, o Comunismo de Guerra foi abandonado e foi adotada a NEP (Nova Política Econômica), a qual com fins de reorganizar economicamente o país e estimular a produção, permitiu certo grau de capitalização da economia, investimentos e empreendimentos privados e o desenvolvimento de pequenos comércios na cidade, embora os setores fundamentais e grandes indústrias se mantivessem sob controle do Estado proletário. A requisição forçada no campo foi abandonada, permitindo que os camponeses vendessem suas produções na cidade. Essa medida permitiu o crescimento da pequena-burguesia que eram pequenos proprietários, não chegavam a se constituir como a burguesia tradicional, nem tinham o poder que outrora a burguesia teve, pois seus empreendimentos eram relativamente pequenos e sua capacidade de influir politicamente menor.

A NEP também permitiu o investimento do grande capital industrial estrangeiro no país, através de parcerias com o Estado proletário. Essas políticas atingiram seu objetivo, a economia soviética se estabilizou e passou a crescer, apesar de ter sido necessário fazer concessões a elementos de origem capitalistas. A necessidade disso se deve ao atraso econômico e a destruição na qual se encontrava a própria Rússia. Como já foi dito, após uma revolução, os costumes e atitudes oriundas da sociedade de classes burguesa não desaparecem do nada, assim o interesse individual se manifestou entre muitas pessoas e foi necessário considerar isso nas medidas econômicas tomadas pelos bolcheviques.

Sem uma produtividade alta, não poderiam os bolcheviques esperar um desenvolvimento do socialismo na Rússia, tampouco a adesão voluntária de elementos pequeno-burgueses, como os camponeses e donos de pequenos comércios, a produzirem pensando no desenvolvimento do socialismo. Por isso que a requisição forçada realizada durante o comunismo de guerra fez com que muitos camponeses passassem a produzir o mínimo para sua subsistência. Os bolcheviques foram forçados pelas circunstâncias econômicas e políticas daquele momento recuar em alguns pontos, mas não poderiam manter o regime tão fechado para sempre, sob o perigo de que revoltas antissocialistas estourassem, especialmente entre os camponeses, mas também entre os trabalhadores.

O recuo feito pelos bolcheviques não significava uma desistência ou a incapacidade do socialismo em se organizar economicamente, mas uma necessidade de um momento transitório de um país cujas capacidades produtivas eram muito inferiores aos países capitalistas desenvolvidos. A NEP era transitória, cedo ou tarde teria de acabar caso o governo pretendesse avançar de fato ao socialismo propriamente dito.

Outro problema sério que teve de ser enfrentado na URSS foi a falta de formação de sua população, a gigantesca maioria das pessoas eram analfabetas. Essa limitação impedia que elas pudessem assumir funções no Estado, pouco a pouco o tornando obsoleto, o que é um elemento crucial para a transição ao socialismo. Por causa disso, muitas funções foram concentradas em membros do partido bolchevique, que tiveram de ocupar por longos períodos importantes posições no Estado, de forma que cada vez mais Estado e partido se confundiam; esse foi um dos fatores que com o tempo favoreceram o desenvolvimento da burocratização dentro do partido. Burocratização, para nós, significa concentração de poder excessivo na mão de burocratas, funcionários de Estado, que possuem controle de cada passo ou ação. Aqui, isso quer dizer que as organizações dos trabalhadores, principalmente os sovietes, foram sendo cada vez mais postas de escanteio na organização do poder político.

As mortes de importantes dirigentes e teóricos marxistas na guerra civil também piorou esse quadro. Muitos dirigentes morreram e tiveram de ser substituídos por outros membros do partido que nem sempre tinham a mesma clareza que os anteriores, outros importantes dirigentes foram chamados a ocupar tais cargos no Estado e com isso perderam contato com sua base de trabalhadores. O distanciamento entre membros do partido e sua base torna mais difícil a elaboração de políticas que levem em consideração a realidade concreta, pois agora os dirigentes ficavam aos poucos cada vez mais afastados dela.

Por fim, a necessidade da criação de um exército e a hierarquia militar também favoreceu a burocratização do partido e do Estado soviético. Mas como bem apontou Trotsky em sua obra “A Revolução Traída”, todos esses elementos não foram naturais da revolução russa, em grande parte eles foram situações impostas pelas invasões estrangeiras e a extrema pobreza do país desde o período da Primeira Guerra Mundial. É importante considerar que a URSS sofria boicote econômico dos países capitalistas que, ao não conseguirem destruí-la militarmente, optaram pelo sufocamento econômico, que ficou conhecido como “cordão sanitário”.

Por fim, cabe citar que originalmente os bolcheviques esperavam que uma revolução ocorresse na Alemanha e em toda uma série de países. A Alemanha em especial passava por intensas crises no contexto pós-guerra, mas de toda forma era um país desenvolvido que poderia ajudar a Rússia com tecnologia, com a qual pretendia superar seu atraso econômico. Embora a Revolução Alemã tenha ocorrido com importante participação da Liga Espartaquista, comandada por Rosa Luxemburgo, ela foi derrotada pela socialdemocracia alemã com a ajuda de grupos paramilitares de direita, dos quais muitos membros posteriormente iriam aderir ao nazismo.

A Rússia então se viu isolada e nenhuma outra revolução parecia na iminência de acontecer e vencer. Pelo contrário, o medo do socialismo propagado entre os países capitalistas e a perseguição sofrida pelos comunistas em várias partes do mundo, em conjunto com as crises e instabilidades políticas na Europa, abriram caminho para a ascensão de propostas políticas reacionárias, de extrema direita, que se consolidariam com o fascismo de Mussolini e, depois, o nazismo de Hitler.

A morte de Lênin, principal dirigente da Revolução Russa, em 1924, não foi um fator que ajudou na situação dos socialistas russos. A nova camada de burocratas privilegiados, com Stálin como seu representante político, para coroar seu descompromisso com a ideia de avançar para o socialismo, apesar de toda pompa com que defendia abstratamente esse ideal, também passou a propagar que a Rússia poderia chegar ao socialismo por esforço próprio, sem revoluções nos outros países. Isso significava uma esperança vazia de não entrar mais em atrito com a burguesia numa escala internacional, confiando na diplomacia e na coexistência com o sistema capitalista global.

Com o isolamento da União Soviética, as tendências burocráticas surgidas no partido bolchevique se desenvolveram ainda mais e resultaram até mesmo na perseguição de opositores internos que não concordavam com o rumo que ia sendo tomado. Muitos bolcheviques da “velha guarda” que fizeram a revolução foram acusados de traições, enviados para os campos de prisioneiros, trabalhos forçados, ou mortos. Muitos dos membros da liderança bolchevique da época de Lenin foram perseguidos. Dos 139 membros do Comitê Central em 1934, 98 haviam sido presos três anos depois. O próprio Trotsky, presidente do conselho de trabalhadores da cidade mais industrializada na época da revolução (Petrogrado) e organizador do Exército Vermelho, foi expulso do país, depois falsamente acusado de colaborador nazista e, quando se refugiou no México, foi assassinado a mando do regime soviético pelo combate que fazia à burocratização do regime.

Afinal, onde o socialismo deu certo?

Apesar de todos os problemas, especialmente do ponto de vista político, economicamente a URSS obteve um grande sucesso, ainda que com contradições. O analfabetismo foi totalmente superado, o país se desenvolveu em poucos anos o que muitos países capitalistas levaram décadas ou séculos, saiu de um país semifeudal para segunda potência mundial, com direito a financiar projetos espaciais. Apesar de crises de fomes enfrentadas no início, principalmente na época da guerra civil, posteriormente a URSS conseguiu garantir o básico para a sobrevivência em preços acessíveis e estáveis para sua população até quase sua queda em 1991. Serviços públicos relacionados à saúde, educação, moradia eram bons e, em que pese a falta de luxo, no aspecto das necessidades básicas a população esteve quase sempre bem suprida, o que não acontece para alguns setores da sociedade mesmo nos países capitalistas mais avançados (vide o número de mendigos nos EUA). Claro que a desigualdade ainda existia, membros do governo acumulavam com o tempo mais privilégios, tinham acessos a caros produtos importados e tinham grande poder, mas isso não diminui os méritos dos pontos positivos.

Muitos socialistas, inclusive o próprio Lênin, afirmam que a URSS não chegou a ser plenamente socialista. Apesar de o regime ter tido elementos de transição ao socialismo, ele ainda não pôde ser alcançado. Como foi dito antes, o socialismo pressupõe um nível de produtividade maior ou igual ao dos países capitalistas avançados, além de uma integração internacional democrática da economia. Como um dos passos para alcançar o socialismo é desenvolver as forças produtivas, muitas ações dos bolcheviques foram tomadas nesse sentido, inclusive aquelas que “davam um passo para trás”, como a NEP, com o objetivo de depois dar “dois passos para frente”.

Alguns dizem que a URSS foi um “capitalismo de Estado”. Mas nós, como Trotsky, preferimos falar em um regime intermediário, nem capitalista, nem socialista. Não era capitalista porque a burguesia tinha sido expropriada e não detinha o poder; e não era socialista porque tampouco o proletariado conseguiu avançar para a superação do Estado ou contar com vitórias revolucionárias nos países capitalistas desenvolvidos. O poder acabou majoritariamente nas mãos de uma burocracia estatal que, embora impedisse o desenvolvimento capitalista e gerisse a economia estatizada, não correspondia diretamente aos interesses da classe trabalhadora e se distanciava dela. Segundo Trotsky, essa situação era contraditória e poderia caminhar tanto para o desenvolvimento do socialismo, quanto a um retorno do capitalismo. Para alcançar o socialismo, seria necessária uma revolução política que desse o poder político ao proletariado contra a elite burocrática, e que contasse com o apoio da revolução internacional. Mas a manutenção da situação tal como estava tenderia a favorecer uma limitação no desenvolvimento soviético e o fortalecimento de tendências restauradoras, muitas no interior da própria burocracia, o que em última instância acabaria resultando no retorno do capitalismo e a perda das conquistas sociais. Do nosso ponto de vista, foi a segunda que acabou acontecendo. Mas de forma alguma isso prova o “fracasso do socialismo”. Prova apenas a instabilidade daquelas sociedades de transição.

Apesar de todos os problemas, as conquistas alcançadas pela Revolução Russa não foram poucas e muitas delas superaram problemas que até hoje atingem boa parte dos países capitalistas, como a miséria, o analfabetismo, a falta de moradia e de acesso a tratamentos de saúde, etc. Tudo isso conquistado nas circunstancias adversas expressas aqui, com direito a bloqueio econômico e invasão militar. O que não seria capaz o socialismo em um país tecnologicamente mais desenvolvido?

Não há como fazer previsões exatas, mas a tendência é que obtivessem mais sucesso em sua empreitada. Não é sem motivos que até hoje, apesar de tanto proclamarem a morte do socialismo e dizerem que ele não funciona, os capitalistas e seus meios de comunicação insistem em difamá-lo e acusar de comunismo diversas coisas que nada ou pouco tem a ver com ele. O mais comum é que as pessoas nem sequer saibam o que é socialismo ou comunismo de fato, em grande parte, isso se deve à campanha de difamação e calúnia que ele sofre. Isso cresceu ainda mais com a queda do bloco soviético no início dos anos 90.

Outros países, como Cuba, também obtiveram grandes sucessos, especialmente na área da saúde e educação, apesar de ser apenas uma pequena ilha e até hoje sofrer com bloqueios econômicos; a China passou de território ocupado por diversos países no decorrer do século XIX e início do XX, para o país que mais cresce por ano hoje em dia, rivalizando economicamente com os EUA. Em outros países menos conhecidos do Leste Europeu e da Ásia, onde houve regimes de caráter similar, também houve superação de elementos políticos absolutistas, semifeudais, o reconhecimento de direitos das mulheres e muitos outros avanços. Se o “socialismo real” não conseguiu sequer ser socialista de fato, ao menos ele cumpriu um papel de romper com estruturas políticas arcaicas por onde passou. Compare-se a situação socioeconômica da Índia e da China; ou de Cuba e qualquer outra nação capitalista do Caribe e América Central, e logo fica evidente o potencial que mesmo elementos de transição ao socialismo são capazes. A burocracia que comanda esses Estados, obviamente, deforma em muito os potenciais da economia e da sociedade. Mas mesmo assim, os marxistas consideram importante defende-las contra a restauração do capitalismo. [2]

Como ficou claro pela exposição, apesar dessa defesa contra a restauração do capitalismo, os marxistas são críticos dessas sociedades de transição, e principalmente das direções e partidos políticos que estão à frente do Estado. É muito distinto, portanto, de fantasiar que tais países foram ou são perfeitos e maravilhosos. Trata-se de reconhecer o mérito que muitas vezes é negado aos elementos que superaram o capitalismo, como o planejamento econômico centralizado. É preciso também dizer que nos países capitalistas, muitos direitos trabalhistas e outras conquistas parciais da classe operária, que foram conseguidos com muita luta dos trabalhadores, foram ajudadas pelo medo que o “comunismo” e a perspectiva de expropriação causava aos governantes e capitalistas.

Portanto, se precisamos responder à pergunta “onde o socialismo deu certo?”, diremos na Rússia, especialmente nos primeiros anos pós-revolução, com a experiência dos sovietes e de organização da classe trabalhadora; não esqueceremos também os bem-sucedidos elementos de transição para o socialismo presentes em sociedades como Cuba, China e Coréia do Norte; e também citaremos o papel que essas sociedades tiveram em inspirar medo aos capitalistas do mundo inteiro, auxiliando as lutas parciais do proletariado internacional. E isso apesar das confusões, erros e traições realizados pelos governantes desses regimes burocráticos.

Mas o socialismo não foi ainda vitorioso, não alcançou seu objetivo final e muito disso se deve a feroz luta que a burguesia do mundo todo travou e ainda mantém contra ele. Porém, os marxistas buscam aprender com os erros e acertos da classe trabalhadora da qual são parte, suas vitórias e derrotas e, através da práxis revolucionária, estamos cada vez mais aptos a fazer o socialismo ressurgir, mais forte e mais protegido dos problemas já enfrentados. Mas nada disso é possível sem a ação do proletariado. A libertação da classe trabalhadora será obra da própria classe trabalhadora, não de apenas um partido, não de intelectuais. Eles podem e devem ajudar, é claro, mas só o proletariado tem de fato o poder de construir um novo mundo.

Para que isso ocorra é preciso que os trabalhadores tomem consciência de classe, reconheçam a posição que ocupam na sociedade e consequentemente identifiquem a contradição entre os interesses burgueses e o seu, livrando-se assim da ideologia burguesa e agindo por interesse próprio, não individual e egoísta, mas seu interesse enquanto classe. Espero que esse texto contribua de alguma forma para isso.

Referências:

No decorrer do texto fiz várias citações de um livro do Lênin, para fins de consulta trata-se da seguinte versão:

LÊNIN, Vladimir Ilyich. O Estado e a Revolução. São Paulo: Boitempo, 2017. Tradução de: Paula Almeida.

Notas:

[1] Alternativamente a socialismo e comunismo, Engels costumava também chamar esses dois momentos de fase inferior e fase superior do socialismo. Ambos se seguem à derrota mais ou menos completa da burguesia na sociedade de transição, com a ditadura do proletariado à frente. Depois disso, a ditadura do proletariado tende a desparecer, processo que se concluirá na fase superior do socialismo.

[2] Sobre as crises de fome, é verdade que elas ocorreram em países ditos “socialistas”, mas geralmente por conjunturas de bloqueio econômico, guerras que destruíram as capacidades produtivas desses países e tornaram difícil a produção de alimentos em quantidades suficientes, ou ainda por se tratarem de regiões com baixa capacidade produtiva. Todavia, no capitalismo, temos fome mesmo havendo capacidade produtiva suficiente para atender a todos, enquanto uns comem do lixo e vivem de esmolas, outros jogam alimentos fora para provocar uma subida nos preços, grande exemplo disso é o tomate no Brasil, e um punhado que se farta em banquetes e desperdiça aos montes.