Eleições brasileiras de 2020

Voto crítico nas candidaturas do PSTU e repúdio aos recuos oportunistas de PSOL, PCR/UP, PCB e PCO!

Novembro de 2020

Em 2016, ano das últimas eleições municipais no Brasil, nós do Reagrupamento Revolucionário escrevemos um documento que, além de declarar nossa posição naquela situação em especial, também serviu para sistematizar o programa que adotamos durante as eleições burguesas. A linha defendida naquele texto ainda se aplica hoje, em 2020, o qual, apesar da Pandemia de COVID-19, que já ceifou e ainda está ceifando a vida de milhares de trabalhadoras e trabalhadores, continua sendo um ano eleitoral no Brasil e em breve serão eleitos os novos prefeitos e vereadores dos milhares de municípios que existem ao longo de toda a dimensão do território nacional. Novamente, como em qualquer ano eleitoral, os mais diversos candidatos da burguesia vem às ruas, telas de TV, jornais, revistas e redes sociais pedir o voto dos trabalhadores para ocuparem cargos na administração do Estado burguês. Em paralelo, também é o momento da grande mídia celebrar a “festa da democracia” e propagar a ideologia de burguesa de que o maior poder da classe trabalhadora reside no voto.

A posição política de qualquer organização que se considere socialista revolucionária deveria ser construir candidaturas classistas, que tenham como mensagem fundamental denunciar que o Estado é um órgão a serviço dos patrões e que os interesses principais dos trabalhadores não serão conquistados através das urnas e da “boa vontade” de políticos, sejam eles quais forem. Candidaturas que digam claramente que são os trabalhadores que devem governar, com seus próprios meios e métodos (em especial através de conselhos democráticos organizados nos locais de trabalho e moradia) e que a riqueza que nós geramos seja utilizada para garantir vidas dignas para nós, em vez de irem para os cofres dos empresários. Candidaturas, portanto, que denunciem o capitalismo e façam uma clara defesa do socialismo.

Às organizações menores, como é o caso do Reagrupamento Revolucionário, em virtude da falta de condições materiais para organizar candidaturas próprias, cabe o papel de apoiar as candidaturas proletárias existentes de forma crítica, apontando as falhas e limitações nos seus programas, construindo debates e expondo as diferenças existentes na esquerda, com o intuito de organizar e politizar a classe em torno de um programa revolucionário e socialista. Essas candidaturas, para serem de fato classistas, além de uma mensagem clara de denúncia do capitalismo e defesa de sua superação, devem ter independência financeira e organizativa dos partidos e candidatos que defendem o capitalismo, inclusive daqueles que defendem um utópico “capitalismo mais humano” e que espalham a ilusão de que é possível “governar para todos” (trabalhadores e patrões).

Porém, em virtude do gigantesco grau de desorganização e confusão ideológica do proletariado brasileiro, as posições da imensa maioria da esquerda brasileira que se reivindica socialista estão baseadas na colaboração de classe com a burguesia, através da defesa de candidaturas que não questionam a ordem capitalista, mas apenas querem melhorá-la um pouco. Esse tipo de candidatura predomina entre as candidaturas do PSOL ao executivo, cujo objetivo é gerir o capitalismo brasileiro de forma “humanizada”, em vez de combater nossos exploradores. Em muitos lugares, o PSOL inclusive está coligado com o PT e PCdoB, que há muito se tornaram partidos burgueses em termos do seu programa e vínculos com a classe dominante, apesar da presença nos movimentos sociais. Também tem coligações com partidos que nem sequer na sua origem eram partidos da classe trabalhadora, como PDT, Rede e PSB, além de muitos municípios em que estão coligados com partidos de aluguel da burguesia. A reboque da colaboração de classes e do programa social-liberal que domina o PSOL vão seus grupos internos que se dizem socialistas (Resistência, LSR, CST, MES) e também o PCB e o PCR (este por meio de sua recém-fundada legenda eleitoral, a UP), de forma que a atuação desses grupos na atual eleição não pode ser considerada consistentemente classista, mesmo que em alguns casos eles apresentem candidaturas próprias à vereança com um conteúdo de crítica do capitalismo. Chamamos esses partidos e seus apoiadores a romper com o apoio aos candidatos pró-capitalistas dos PSOL, condição sob a qual essas candidaturas poderão apresentar perante os trabalhadores uma mensagem consistente de que são os trabalhadores que precisam governar, e que para isso não podem se aliar nem conciliar com a burguesia.

PSOL: Coronel da PM candidato a vice-prefeito no Rio de Janeiro e colaboração de classes por todo o Brasil

O PSOL foi fundado por militantes que foram do PT em 2003 por se oporem a reforma da Previdência do então governo Lula (PT). Desde sua origem, o partido surge com a intenção clara de ser um “PT honesto”. Isto é: de forma moralista, criticam o PT pela corrupção, mas não tanto pela raiz da questão que é a sua postura de governar mantendo o capitalismo, de conciliação de classes que busca canalizar as lutas dos trabalhadores para dentro da ordem institucional da burguesia e assim esvaziá-las de qualquer radicalidade e ameaça à classe dominante. Porém, diferentemente do PT, o PSOL nunca foi um partido com inserção profunda na classe trabalhadora, sendo hoje um partido muito mais fortemente ligado com a intelectualidade pequeno-burguesa, com a aristocracia operária e com setores de juventude influenciados por um pós-modernismo romântico, como visível em suas campanhas eleitorais, que chamam pela ideia abstrata da luta do “amor contra o ódio”, do que com a massa da classe trabalhadora.

Essa falta de orientação proletária do partido vem provocando recuos incríveis em seu programa, numa tentativa desesperada de conquistar os votos de parcelas da população sem nunca adentrar à defesa de um programa proletário, de enfrentamento real à classe dominante. Em vez disso, propagam a ideia de uma administração humana do Estado e do sistema, respeitando a lei (burguesa) e dando demonstrações claras aos poderosos de que não são seus inimigos. Uma consequência disso é no Rio de Janeiro, onde o candidato à vice-prefeito na chapa psolista, encabeçada por Renata Souza, é ninguém menos que Íbis Pereira, um coronel da Reserva da Polícia Militar do estado. Íbis, em sua apresentação como candidato, declarou que um dos problemas vividos pelos trabalhadores é uma “polarização extrema” e que é preciso “equacionar a questão da segurança pública nos moldes democráticos”. Ou seja, para o PSOL, é possível colocar um coronel de uma organização cuja principal função é matar negros e trabalhadores nas periferias das grandes cidades brasileiras, que fora durante os 21 anos da Ditadura Militar (e continuou sendo depois da redemocratização) um dos principais atores da repressão do regime burguês contra os movimentos sociais como vice da sua chapa, sem qualquer contradição. Muito pelo contrário, para os psolistas, errado é polarizar com a polícia, denunciar seu caráter assassino, na fútil esperança de que os assassinos de aluguel do estado burguês possam ser equacionados em moldes democráticos e cumpram algum papel cívico. Ao acender uma vela para Deus e outra para o Diabo, o PSOL não só não conseguirá solucionar o problema da violência policial, tampouco politizar os membros dessa corporação sanguinária, como também despolitiza o proletariado, ao difundir ilusões com as instituições do Estado burguês que mascaram seus verdadeiros papéis no sistema capitalista.

Ao contrário do PSOL, um partido revolucionário deveria chamar nesse momento pela auto-organização da segurança pública, pelo direito dos movimentos dos trabalhadores de portar armas, e organizar comitês de bairro para que os trabalhadores possam se defender da violência que sofrem por parte da polícia, do tráfico de drogas e das milícias. Diferentemente do que os conciliadores de classe pregam aos quatro ventos, as soluções para todos os problemas do povo trabalhador não virão do Estado dos patrões e sim da organização da própria classe. Ao invés disso, o PSOL insiste em, por um lado, difundir ilusões sobre o real papel das PMs, e, por outro lado, propagar um pacifismo pequeno-burguês antiarmamentista.

Mas não é só no Rio de Janeiro que o PSOL comete as mais espúrias traições à classe operária: em São Paulo, maior cidade do país, o candidato a prefeito é ninguém menos que Guilherme Boulos, ex-candidato à presidente pelo partido e sua maior figura pública atualmente. Boulos, em entrevista concedida ao jornal ao El País, declarou que “Os empresários têm que investir na cidade, mas não arrancando o couro do trabalhador. Tem que ter contrapartidas sociais para a cidade. É o que eu defendo. E tem uma parte importante do setor empresarial que compreende isso e que estaria disposta a construir mecanismos nesta direção”. Em outro momento, num discurso na Associação Comercial de São Paulo, declarou: “Não esperem de mim demonização do setor privado”. O presidente da associação, um burguês, comentou: “Seu discurso é tão redondo, parece até candidato de direita”. Não é para menos! Ou seja: o candidato do PSOL normaliza a exploração dos trabalhadores pelos patrões. Isso é deixar claro que a sua candidatura não tem o menor interesse de mostrar para os trabalhadores a necessidade de romper com os limites do capitalismo e construir uma nova sociedade, sem patrões e sem exploração. Portanto, não temos que estranhar que Boulos se esforça para conquistar o eleitorado mais abastado da Faria Lima, região rica da capital paulista, afirmando não ser contra a propriedade privada.

Além dos sérios problemas de programa das candidaturas no Rio de Janeiro e São Paulo, em várias outras cidades importantes a falta de compromisso do PSOL com a independência de classe fica ainda mais evidente pelo fato de ter aberto mão de candidatura própria para apoiar candidaturas do PT. Apesar da sua origem na classe trabalhadora e do seu ainda importante peso entre o movimento sindical e demais movimentos sociais, o PT (e seu “sócio menor”, o PCdoB) há muito perderam qualquer independência política e financeira da burguesia, bem como qualquer orientação anticapitalista. O PT hoje é o que o setor majoritário do PSOL quer ser tornar amanhã: um partido “progressista” da ordem , ou seja, um gestor “de esquerda” do capitalismo brasileiro. O fato do grosso da burguesia ter rompido com o PT em 2016 não diminui o caráter burguês desse partido. Dessa forma, é absurda a submissão do PSOL a ele, e um claro aprofundamento do seu giro à direita, para se apresentar como um partido “não radical”. Esse giro à direita do PSOL é ainda mais claro pelo crescimento dos casos em que fez alianças com partidos burgueses de aluguel, que tem ampla ficha corrida de ataques à classe trabalhadora, como PDT, PSB, Rede (que a direção do PSOL tem tratado como aliados estratégicos desde 2016) e até mesmo PSDB, MDB, DEM e PSC.

Perguntamos agora aos comunistas militantes do PSOL, o que é melhor para a preparação política dos trabalhadores e trabalhadoras: que recuemos em uma das pautas centrais do movimento comunista, a abolição da propriedade privada, ou que não tenhamos vergonha de dizer “somos contra a propriedade privada dos meios de produção”. Da mesma forma, deveríamos dizer que somos contra a presença de policiais no nosso movimento, de deixar claro que essa corporação é nossa inimiga de classe e que deve ser destruída. Se os comunistas continuarem com vergonha de defenderem tudo aquilo que define nosso movimento, quanto tempo nos restará até que a única coisa que nos diferencie dos neoliberais sejam as pautas democráticas identitárias? Nossa recusa em votar no PSOL (e o tom enérgico com que o fazemos) não se origina em qualquer sectarismo ou disputa clubista entre as correntes da esquerda, mas sim na urgência de lutar para que grande parte da esquerda não caminhe ainda mais para um lugar no qual qualquer programa proletário revolucionário se torne impensável, uma “fantasia”.

Também é preciso dizer que, mesmo onde grupos socialistas do PSOL apresentaram candidatos próprios e dotados de um programa classista, não é possível apoiá-los criticamente por estarem subordinados a essa política de colaboração de classes que predomina nas chapas ao executivo. Se quiserem ser coerentes com seu discurso socialista, correntes internas como Resistência, LSR, CST, Revolução Brasileira e Esquerda Marxista devem romper publicamente com as candidaturas de colaboração de classes do setor majoritário, deixando claro que elas são incompatíveis com os interesses da classe trabalhadora. Apenas sob tal condição, suas candidaturas classistas a vereança podem ser apoiadas criticamente pelos revolucionários.

Antes o PSOL estivesse caminhando sozinho para o abismo do conciliacionismo de classes, mas, como já dito antes, junto com eles caminham o PCB e o PCR/UP, que se coligam às candidaturas do PSOL sem qualquer crítica, muito pelo contrário: tratam as campanhas do PSOL como campanhas alinhadas com os interesses da classe trabalhadora. Dessa forma, não apoiamos as candidaturas de nenhum desses partidos (PCB, UP e PSOL). Além disso, chamamos toda a vanguarda da classe trabalhadora a não votar nessas candidaturas e denunciar os absurdos recuos programáticos desses partidos.

PCO: corrente externa do PT

Outro partido de esquerda que também não oferece um programa proletário é o PCO. Desde 2016, o partido vem adotando uma linha progressivamente mais petista, e agora em 2020 adotou como slogan para suas candidaturas “Votar e lutar com o PCO por Fora Bolsonaro e Lula candidato” e chamam os trabalhadores a lutar “pela restituição dos direitos políticos de Lula e por sua candidatura presidencial, única capaz de unificar as organizações de luta dos explorados e tirar a esquerda da divisão e defensiva atuais”. Duas coisas precisam ser ditas: em primeiro lugar, não hesitamos em dizer que o impeachment de Dilma em 2016 foi um golpe antidemocrático da burguesia para aumentar a série de ataques, tampouco em reconhecer que a prisão de Lula em 2018 foi uma manobra para impedir sua candidatura para presidente no mesmo ano. Porém, ao mesmo tempo que reconhecemos esse cenário, também reconhecemos que Lula e Dilma em seus governos realizaram uma série de ataques ao proletariado a e não merecem um grama de confiança por parte de qualquer trabalhadora ou trabalhador. Longe de um giro isolado, basta olhar a página inicial do site do Diário da Causa Operária, jornal do PCO, para perceber que o partido se converteu em uma corrente externa do PT, que defende a vitória eleitoral de Lula no pleito para presidente em 2022 como a solução de todos os problemas da classe trabalhadora. Essa posição significa diluir o movimento dos trabalhadores nessa miragem da candidatura de Lula. Dessa forma, estendemos nosso repúdio às candidaturas de PSOL/PCB/UP ao PCO, que tampouco merece nenhuma confiança ou apoio de qualquer um que se considere comunista. Afinal das contas, os comunistas não podem validar um projeto messiânico em torno de um político da burguesia como a solução mágica para o grave cenário político atual.

PSTU: posição classista no Brasil e apoio a candidato burguês na Bolívia

O PSTU, diferentemente dos demais partidos dos quais falamos antes, vem apresentando um programa proletário (ainda que contraditório) para as eleições municipais. Em seu programa eleitoral, fala da necessidade de uma revolução socialista para resolver os problemas da classe trabalhadora e chama pela construção de Conselhos Populares para governar as cidades brasileiras. Também deixam claro que é impossível governar para todos e afirmam que, se eleitos, governarão para os trabalhadores. É um programa radical com o qual concordamos e que, de fato, pode ser usado como ferramenta de organização da classe trabalhadora.

Porém, se aqui no Brasil os morenistas acertam nesse elemento básico, na Bolívia, onde mês passado ocorreram as eleições para presidente, o cenário foi outro. No país vizinho, o Grupo Lucha Socialista, partido irmão do PSTU, membro da LIT (Liga Internacional dos Trabalhadores), chamou voto em Luis Arce, candidato do MAS, partido do antigo presidente Evo Morales. O MAS, tal como o PT no Brasil, é um partido de conciliação de classes, usado pela burguesia para controlar as demandas da classe trabalhadora, e, tal como o PT, sofreu um golpe (num nível muito mais elevado de violência e repressão) em 2019, que resultou na saída de Morales e na ascensão de um governo de direita tradicional. Ainda que as principais candidaturas no pleito de outubro fossem candidaturas neoliberais e portanto inimigas dos trabalhadores, tampouco o MAS era uma candidatura que merecia o voto dos comunistas. É importante notar que essa não foi a primeira vez que o PSTU chama voto em políticos burgueses. Em 2018, no 2º turno das eleições para presidente, chamou voto em Haddad, do PT, para supostamente “derrotar a direita” de Bolsonaro.

Se o PSTU, fosse coerente com sua posição na Bolívia, e com a que adotaram no 2º turno de 2018, chamaria voto nas candidaturas petistas para se opor às demais candidaturas burguesas, para supostamente “derrotar a direita” (com a qual o PT regularmente governa quando está no poder). Porém, contraditoriamente, aqui no Brasil os morenistas tomaram uma posição minimamente classista, diferentemente dos demais partidos da esquerda. Resta agora saber se manterão a coerência no 2º turno dessas eleições. Casos anteriores indicam que isso não acontecerá. Todavia, enquanto o PSTU se mantém com uma postura classista, apoiamos criticamente suas candidaturas, apesar dos ziguezagues do partido e de seu centrismo sobre várias questões, pelo fato de o programa apresentado para essas eleições ser um programa que levanta centralmente a necessidade de um governo da classe trabalhadora.

ADENDO 1: É importante acrescentar que, onde não houver uma candidatura da classe trabalhadora concorrendo de forma independente dos patrões, seus políticos e partidos, defendemos o voto nulo. Tudo indica que essa será a situação no segundo turno em todas as grandes cidades. Não se trata aqui de purismo, mas de delimitar o movimento dos trabalhadores de todos os candidatos burgueses e da ideia nociva (defendida inclusive pelos candidatos principais do PSOL) de que é por meio das eleições que os trabalhadores irão conquistar uma vida melhor e as suas demandas. Em vez disso, apontamos que no caso de vitória de qualquer das chapas burguesas, os trabalhadores devem se preparar para ficar em oposição e organizar sua luta para arrancar conquistas.

ADENDO 2 (12/11/2020): Quando esta nota já estava escrita, recebemos informação de que o PSTU estava dando apoio eleitoral crítico ao PSOL em Salvador e Guarulhos, como uma orientação nas cidades em que o PSTU não conseguiu lançar candidatos. Essa informação só confirma aquilo que apontamos em nosso texto: a completa inconsistência de independência de classe do PSTU e de sua corrente internacional. Em vez de votar em candidaturas que o próprio PSTU reconhece que pretendem gerir o Estado burguês e “governar para todos” (incluída a aí a burguesia), os comunistas devem votar nulo quando não houver uma opção da classe trabalhadora. Chamamos os militantes honestos do PSTU a repudiar essa postura do partido e a não defender apoio algum às candidaturas com programa pró-capitalista do PSOL.