LSR/CIT: centristas a serviço de Bernie Sanders

Contra todos os candidatos capitalistas, por um partido da classe trabalhadora nos EUA!

Icaro Kaleb, agosto de 2016

[O presente artigo começou a ser escrito quando as primárias ainda ocorriam. Portanto, não aborda posições mais recentes da LSR / CIT. Mas cabe ressaltar que não foi feita nenhuma autocrítica das posições aqui debatidas.]

Kshama Sawant, importante figura pública da CIT, abraçada com Sanders

As primárias para as eleições presidenciais de 2016 nos Estados Unidos chegaram ao fim. Pelo Partido Republicano foi escolhido Donald Trump, um figurão bilionário e estrela do reality-show empresarial “O Aprendiz”. Ele não faz questão de esconder seus preconceitos contra latinos, muçulmanos e tampouco seu machismo. Ao contrário, essas características repulsivas são habilmente manipuladas como atrativos para uma base de apoiadores reacionários, que tem feito algumas manifestações em seu apoio. Apesar de um receio de “instabilidade” por parte de setores do Partido Republicano devido a seu estilo tão abertamente reacionário e provocador, Trump é mais um candidato do grande capital e, apesar do seu grau de independência – ele pode, por exemplo, financiar sua própria campanha sem depender de doações milionárias de outros capitalistas – não terá problemas em se ajustar aos interesses da grande burguesia caso seja eleito.

O mesmo pode se dizer de Hillary Clinton, ex-Primeira Dama e ex-Secretária de Estado, que foi a escolhida pelo Partido Democrata. De todos os pré-candidatos, Clinton é a que contou com a maior confiança de Wall Street e do grande capital americano, por sua ficha corrida de serviços prestados. Tenta apresentar uma fachada mais progressista, mas tem apoiado acriticamente o atual governo – o que inclui a manutenção da política de “lamentar” pelos crimes racistas cometidos pela polícia sem que nenhuma mudança seja feita, a continuidade da situação de instabilidade e superexploração de milhões de imigrantes ilegais, o prosseguimento das intervenções armadas mundo afora, incluindo na Síria.

O principal adversário de Clinton nas primárias democratas foi Bernie Sanders que, sem dúvida, representou algo de diferente nessa disputa. Sanders se intitula um “socialista” e organizou sua campanha apenas em torno de doações pequenas, sem financiamento empresarial. Ele contou com amplo apoio de setores da juventude que rejeitam o machismo, racismo e homofobia que imperam na sociedade, além de serem críticos aos males gerados pelo sistema capitalista. Sanders usou como um de seus carros-chefes contra Clinton a sua oposição, na época, à guerra do Iraque e a defesa de um sistema de saúde e de educação públicos, os quais Clinton não defende. Sua campanha venceu em vários estados nas primárias do Partido Democrata. O que esse fenômeno demonstra é a abertura de setores da juventude a ideias que fogem da típica polarização de liberais/conservadores, que geralmente encarna a disputa entre os Partidos Democrata e Republicano. No contexto que se segue a grandes movimentos contra o racismo após repetidos assassinatos cometidos pela polícia e por “vigilantes” contra os negros, diante de uma percepção clara, após anos de crise econômica, de que o capitalismo “não está funcionando”, isso mostra que há perspectivas possíveis para a classe trabalhadora começar a construção de um partido revolucionário. Mas qual é a relação disso com Sanders e sua campanha?

Nós do Reagrupamento Revolucionário encaramos que, apesar de propostas progressivas defendidas por Sanders, como de aumento do salário-mínimo para $15 por hora, saúde e educação públicos, taxação maior dos ricos etc., sua campanha defendia a manutenção do sistema socioeconômico que é contrário a todas essas perspectivas e a antítese da igualdade social e fim das opressões, que é o capitalismo. O próprio Sanders gosta de deixar claro que o seu “socialismo” nada mais é que o modelo de capitalismo de certos países europeus. Embora seja possível, como resultado de grandes lutas da classe trabalhadora, realizar no capitalismo algumas das reformas que ele propagandeia, a manutenção do poder pela burguesia garante que os capitalistas serão capazes de usar a sua posição social para reverter essas conquistas importantes. Isso por si só já é motivo suficiente para não ter qualquer ilusão em seu projeto político e alertar seus apoiadores progressistas do beco sem saída que é a tentativa de “humanizar” o capitalismo.

Mas Sanders não é apenas um “progressista” com apoio popular. Sua campanha era por um dos dois partidos do grande capital imperialista americano e buscava recrutar tal apoio popular para dito partido, com o qual é comprometido em vários aspectos políticos que de progressistas não tem nada. Ele sempre foi um seguidor do Partido Democrata em todas as questões importantes enquanto foi senador, embora tenha sido eleito como independente. Assim, apesar de ter sido contra a guerra do Iraque, apoiou muitas outras guerras de rapina do maior exército imperialista do mundo, desde os bombardeios na Sérvia no fim dos anos 1990 e a ocupação do Afeganistão em 2001, assim como as ações do governo Obama na Líbia e na Síria, mais recentemente. A certa altura das primárias, inclusive, deixou claro que apoiaria a candidatura de Hillary Clinton caso ela fosse escolhida a candidata do partido – apoio esse reafirmado ao final das primárias – o que demonstra seu compromisso com o partido.

Por isso nós nos opomos firmemente a candidaturas capitalistas, mesmo aquelas com ares supostamente “progressistas” como a de Sanders. Assim como defendeu a Internacional Comunista de Lenin e Trotsky, acreditamos que os trabalhadores não podem mudar a sua situação subalterna por meio das eleições burguesas. O interesse dos revolucionários nelas é aproveitar a atenção que muitas vezes os trabalhadores dão a esses processos para denunciar a falsa “democracia” capitalista assentada em desigualdade entre explorados e exploradores, incluindo todos os candidatos do capital. Os revolucionários não devem ter expectativa de transformar o sistema capitalista ou seu Estado “por dentro”. Por mais que às vezes seja interessante aplicar a tática de “voto crítico” em uma candidatura comprometida com pautas da classe trabalhadora e que tenha independência em relação aos patrões e seus partidos, como uma forma de difundir essas pautas e também expor as limitações dos projetos reformistas e centristas, não era esse o caso com Sanders. Apoiar sua candidatura pelo Partido Democrata – cabe frisar, um dos dois partidos do grande capital imperialista – seria ajudar a submeter os setores da juventude e da classe trabalhadora a esse que, com frequência, é adequadamente chamado de “cemitério dos movimentos sociais”, pelo seu papel histórico de ter submetido à ordem capitalista movimentos de massas contestadores e potencialmente perigosos ao grande capital, como o movimento sindical (anos 1930), o movimento pelos direitos civis dos negros (anos 1960), o movimento anti-guerra (anos 2000) e tantos outros.

Além disso, caso fosse vitorioso, Sanders iria muito provavelmente rejeitar suas promessas progressistas de campanha, ou modificá-las ao gosto dos grandes capitalistas. Ele sempre deixa claro que seu projeto não está pelo fim dos “1%” mais ricos e tudo o que representam, mas que quer apenas “diminuir o seu poder”, o que, na verdade, não é possível enquanto eles detiverem o controle real na sociedade por meio da propriedade dos meios de produção, dos bancos, da burocracia de Estado, das polícias e forças armadas etc. Não há absolutamente nada sobre sua campanha que permita outra postura dos comunistas revolucionários que não seja a denúncia, alertando que a conquista de algumas das reformas propagadas por ele só podem ser obtidas por meio das lutas de massas. Mas essas mesmas conquistas só podem ser garantidas definitivamente com a obtenção do poder político pelos próprios trabalhadores. Mais do que nunca, agora que a classe trabalhadora americana está sensível a propostas mais radicais, é preciso romper com o Partido Democrata e construir um partido da classe trabalhadora, que lute pelos seus interesses imediatos e históricos: um socialismo muito diferente do “socialismo” capitalista de Sanders.

O Socialist Alternative (SAlt), seção americana do CIT (Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores, CWI na sigla em inglês), uma organização que se reivindica trotskista, se destacou como um dos grupos que fez campanha mais entusiasta por Bernie Sanders. Organizaram um “Movimento por Bernie” com o propósito de apoiar sua nomeação e declararam que, caso não a conseguissem, defenderiam que lançasse sua campanha assim mesmo, de forma independente, transformando-a em uma campanha por um “partido dos 99%”. Com isso, o SAlt / CIT prestou um completo desserviço à luta para construir um partido revolucionário dos trabalhadores nos Estados Unidos, pois ajudou a expandir o apoio da juventude e dos trabalhadores ao projeto enganoso de Sanders. Ajudou, portanto, a levar para um beco sem saída muitos jovens militantes que poderiam contribuir para a formação de uma vanguarda da classe trabalhadora americana. É claro que, ao fazer isso, o SAlt / CIT se revestiu de vários “argumentos” para se justificar diante daqueles que sabem da seriedade do que estava fazendo.

Sanders e o Socialist Alternative

A LSR/PSOL, seção do CIT no Brasil, publicou uma polêmica em resposta a críticas que recebeu do PSTU, tentando defender sua integridade como organização revolucionária (Os Socialistas e a Campanha de Bernie Sanders – um debate com o PSTU, de 4 de março de 2016).  A não ser que indicado o contrário, as citações utilizadas aqui foram retiradas desse artigo.

A LSR afirma que há duas possíveis armadilhas para a esquerda diante da campanha de Sanders. A primeira seria “uma postura acrítica e oportunista, sem criticar os erros de Sanders, alguns até tendo ilusões na possibilidade de girar o próprio Partido Democrata à esquerda”. Depois afirma que “O Socialist Alternative nunca escondeu seus desacordos com Bernie Sanders”. Segue-se a isso uma enumeração de certas críticas a ele, algumas muito parecidas com as que nós próprios fazemos, como a falsidade do seu “socialismo”. O SAlt / CIT fala que na política externa, Sanders “tem adotado posições mais complicadas e mesmo equivocadas” (nossa ênfase). Como nós chamamos as coisas pelo seu nome, dizemos que Sanders é um defensor da ação criminosa do imperialismo americano.

Mas será mesmo que o SAlt / CIT “nunca escondeu seus desacordos com Bernie Sanders”? Nos Estados Unidos, o SAlt / CIT tem uma vereadora eleita pela cidade de Seattle, Kshama Sawant, que tem usado sua popularidade para organizar várias manifestações do “Movimento por Bernie”, impulsionado pela sua organização. Uma dessas atividades foi uma recepção a Sanders nas primárias do estado de Washington, na cidade de Seattle. O discurso de apresentação de Sanders foi feito pela própria Sawant. Nesse discurso, lemos:

Seattle, vocês estão prontos para uma revolução política? Vocês estão prontos para receber Bernie Sanders na primeira grande cidade que conquistou os 15 dólares/hora de salário-mínimo? […] É disso que se trata o socialismo democrático: colocar as pessoas e o planeta acima dos lucros! Precisamos de um presidente que lute pelo povo trabalhador, pelos sindicatos e pelos imigrantes. Nós NÃO precisamos de uma presidente que tenha recebido milhões dos bancos de Wall Street! Por que como Bernie diz, o Congresso não regula Wall Street, Wall Street controla o Congresso. Grandes corporações financiam e controlam esses partidos políticos. Eu concordo com Bernie, nós precisamos pensar grande e fora da caixa […]. Eu quero estar com Bernie até novembro [data das eleições gerais], e vocês? Precisamos construir uma revolução que possa realmente tomar nosso país das mãos dos bilionários e o ponha nas mãos do povo trabalhador”.

Video: Socialist Kshma Sawant speaks at Bernie Sanders’s mass rally, 27 de março de 2016.

http://www.socialistalternative.org/2016/03/27/video-socialist-kshama-sawant-speaks-bernie-sanders-mass-rally/

Nesse discurso, assim como em toda a sequência de declarações entusiastas de apoio a Sanders do “Movimento por Bernie”, nenhuma crítica a ele foi colocada. Ninguém encontrará nesse discurso uma só linha crítica a Bernie Sanders. Ao contrário, o SAlt / CIT parece fazer um amálgama entre os interesses dos trabalhadores, como uma revolução para “tomar o país das mãos dos bilionários” e a sua candidatura, que claramente não representava isso. Será que em momentos como esse, quando se encontrava diante de multidões de jovens e trabalhadores, não seria importante que os pretensos revolucionários do SAlt / CIT criticassem a falsidade do “socialismo” de Sanders, denunciassem seu silêncio e apoio velado ao governo Obama, seu apoio às intervenções imperialistas dos EUA e sua disposição declarada de votar em Hillary Clinton caso não ganhe as primárias? Será que com essas características, Sanders poderia ser “um presidente que lute pelo povo trabalhador”? Nada disso, é óbvio, está presente nos mais importantes discursos de Sawant ou declarações do SAlt / CIT.

A afirmação feita pela LSR de que “não esconde as críticas a Sanders” enquanto o apoia é uma mentira deslavada. Não passa de uma tentativa de se blindar de críticas pela esquerda dos que percebem a sua capitulação descarada à candidatura de Sanders. O máximo que faz o SAlt / CIT é divulgar críticas muito brandas (onde as traições e oportunismos de Sanders são chamados de “equívocos”) em textos de menor circulação, como é o caso do que citamos. Nas suas declarações públicas, discursos para as massas, panfletos e outros textos de maior circulação, essas críticas são completamente “esquecidas”.

Sanders e a luta por um partido dos trabalhadores nos EUA

O texto da LSR diz que “O Socialist Alternative vem desde o início colocando abertamente sua posição: defendemos a construção de um novo partido dos trabalhadores, um partido que defenda os 99%”. Mas existe aí uma contradição, já que ao mesmo tempo em que diz defender essa perspectiva, estava apoiando um candidato interno do Partido Democrata, um dos partidos da burguesia imperialista (do “1%”, por assim dizer). O SAlt / CIT defendeu que Sanders rompesse com os democratas e que impulsionasse a campanha por um partido político independente, mas também declarou que apoiaria sua campanha se ela fosse lançada pelo Partido Verde dos Estados Unidos, que também não é um partido da classe trabalhadora e cumpre o papel de atrair parte da população que é crítica aos dois grandes partidos burgueses:

Temos que reconhecer os riscos com a campanha de Sanders. O Socialist Alternative defendeu desde o começo que Sanders deveria ter lançado sua candidatura como independente, para não gerar ilusões nos democratas, que é um partido da classe dominante dos EUA. Uma campanha independente de Sanders, ou através de alguma formação radical menor, como o Partido Verde, seria um passo importante para a construção de uma alternativa dos trabalhadores. Mas diante do fato consumado, com o lançamento da campanha de Sanders, os socialistas tinham que tomar uma posição. A posição do Socialist Alternative foi que a campanha de Sanders atrairia um grande apoio, especialmente da juventude, onde uma maioria diz preferir ‘socialismo’ ao ‘capitalismo’, é claro que ainda com grandes confusões sobre o que seria o ‘socialismo’.”

Mas apesar de reconhecer a contradição entre defender a criação de um partido da classe trabalhadora, que não existe nos Estados Unidos, e apoiar um candidato de um partido da burguesia, isso não impediu o SAlt / CIT de lançar seu movimento de apoio a Sanders, porque este “atraiu um grande apoio”. Mas não se pode falar seriamente de romper com o Partido Democrata enquanto se apoia a candidatura Democrata de Bernie. Em cada edição do seu jornal, o SAlt / CIT defende “romper com os dois partidos do grande capital”. Mas nos últimos meses, apoiou um candidato de um desses partidos.

Além disso, há a questão do apoio a Sanders independente de qual fosse a sua filiação partidária (Partido Democrata, Partido Verde, independente). A mudança dessas afiliações não mudaria as posições dúbias, pró-imperialistas, de colaboração de classes de Sanders, nem o seu “socialismo” capitalista. O apoio a Sanders, independente do partido pelo qual se lançasse, ou sem partido, constituiria uma capitulação. Que o SAlt / CIT tenha seguido com essa política mesmo diante do fato de que Sanders escolheu o Partido Democrata é sintomático de quão longe estava disposto a ir.

SAlt / CIT está agora apoiando a candidata do Partido Verde, Jill Stein, ao mesmo tempo em que pressiona Sanders para concorrer como independente e começar a construção de um novo partido “dos 99%”.

É por isso que o Socialist Alternative está chamando Bernie a continuar concorrendo até novembro como independente se ele for impedido pelo processo viciado de primárias. Perdendo ou ganhando nas eleições gerais, uma campanha independente de Sanders poderia ganhar milhões de votos e estabelecer as bases para um novo partido dos 99%. Por outro lado, se apesar de todos os truques sujos contra ele, Sanders permanecer leal ao Partido Democrata e apoiar Hillary Clinton nas eleições gerais, isso significaria a desmoralização e desorganização do nosso movimento.”

Ainda há tempo para Sanders concorrer como independente ou faz um chamado a Jill Stein e ao Partido Verde para se unirem à sua candidatura. Enquanto os verdes têm permanecido alheios à campanha de Sanders, Stein tem indicado repetidamente que está aberta a colaborar com Bernie se ele romper com os Democratas.”

Time to launch a new Party for the 99%, 28 de abril de 2016.

http://www.socialistalternative.org/2016/04/28/time-bernie-launch-party-99/

(Como comentário à parte, podemos dizer que até o Partido Verde, que sequer é um partido que se reivindica marxista ou revolucionário, teve mais princípios do que o SAlt / CIT e condicionou o seu apoio a Sanders a uma ruptura prévia dele com o Partido Democrata.)

O SAlt / CIT relaciona diretamente a campanha de Sanders com um chamado para que ele impulsione um partido político. Os trotskistas chamam pela construção de um forte partido da classe trabalhadora como forma de se contrapor aos partidos da classe dominante. Queremos que o partido da classe trabalhadora pelo qual lutamos assuma um programa revolucionário, que represente não apenas os interesses imediatos dos trabalhadores e defenda melhorias das suas condições de vida no capitalismo, mas represente também a luta histórica pelo socialismo. Se surgisse um movimento por um partido operário, por exemplo, os trotskistas participariam lutando pelo seu próprio programa contra quaisquer variantes de reformismo ou centrismo que se apresentassem. Isso foi muito bem explicado por Trotsky em seus escritos sobre a demanda por um partido dos trabalhadores nos EUA, quando havia um movimento para a sua criação nos anos 1930:

Seria absurdo dizer que nós defendemos um partido reformista. Nós podemos dizer aos líderes da LNPL [Liga Trabalhista Não-Partidária, movimento político ligado à federação sindical CIO – Congresso das Organizações Industriais]: ‘Vocês estão fazendo desse movimento um puro apêndice oportunista para os Democratas’. É uma questão de exposição pedagógica. Como poderíamos nós defender a criação de um partido reformista? Nós dizemos: vocês não podem alcançar seus objetivos com um partido reformista, mas apenas com um partido revolucionário. Os stalinistas e liberais querem fazer desse movimento um partido reformista, mas nós temos nosso programa, queremos fazer dele revolucionário. […] Eu não vou dizer que o partido operário só pode ser um partido revolucionário, mas nós faremos de tudo para tornar isso possível. Em cada reunião, eu vou dizer: Eu sou o representante do SWP [seção americana da Quarta Internacional]. Eu considero-o o único partido revolucionário. Mas eu não sou um sectário. Vocês estão agora tentando criar um grande partido dos trabalhadores. Eu vou ajudá-los, mas eu proponho que vocês considerem um programa para esse partido. Eu faço tais e tais propostas. Eu começaria assim. Sob essas condições, isso seria um grande passo à frente. Por que não dizer abertamente as coisas? Sem nenhuma camuflagem, sem qualquer diplomacia.”

Leon Trotsky, On the Labor Party Question in the United States, abril-junho de 1938.

https://www.marxists.org/archive/trotsky/1938/04/lp.htm

Ao chamar por um “partido dos 99%” com base na campanha de Sanders, o SAlt / CIT está conferindo autoridade ao programa dessa candidatura, em vez de denunciar que ele não pode servir aos trabalhadores. Além disso, a confiança depositada em Sanders chega ao ponto de afirmar que se ele apoiar Clinton nas eleições gerais, isso significaria “a desmoralização e desorganização do nosso movimento”. Não deveriam os revolucionários se antecipar, e dizer aos trabalhadores que não devem contar com Sanders para construir um partido que defenda seus interesses? E mais, não deveriam alertar que o programa de sua candidatura definitivamente não pode servir aos mesmos? Há mais do que “limitações” ou “equívocos” em Bernie: sua perspectiva é burguesa, de realizar algumas reformas no capitalismo, mas manter a burguesia como classe dominante explorando os trabalhadores e impondo o controle do imperialismo americano pelo mundo. A defesa feita pelo SAlt / CIT de um partido com base na política de Sanders atrapalha, em vez de ajudar, a luta por um partido da classe trabalhadora.

Um partido “dos 99%” organizado ao redor da campanha de Sanders muito provavelmente não seria um partido que falaria em nome da classe trabalhadora ou do socialismo. Mas mesmo nessa hipótese, o SAlt / CIT estaria desde já colocando essa demanda a serviço do programa reformista-burguês. No caso bastante improvável de que isso acontecesse e Sanders decidisse lançar um partido que apelasse aos trabalhadores, o SAlt / CIT estaria ajudando-o a fortalecer sua posição enganosa.

Algo de novo sobre Sanders?

Os seguintes trechos da mencionada polêmica da LSR/PSOL com o PSTU são ilustrativos da coleção de erros e contradições da política do CIT, de como ela é fruto, ao mesmo tempo, de falsas expectativas em Sanders e cinismo para fingir que não vê as suas posições traiçoeiras.

O apoio a Sanders reflete uma situação nova. Existe uma crítica profunda aos poderosos nos EUA, baseada na crise econômica e a fraca recuperação que trouxe aumento de renda para os ricos. A postura do PSTU, e outros da esquerda, é que nada mudou. Sanders é mais uma figura entre outras da esquerda dos democratas que já vimos antes, tem uma trajetória que vai ‘claramente da esquerda para a direita’ e vai ser domesticado como os candidatos de esquerda anteriores.

Lições históricas são importantes, mas não substituem uma análise concreta da situação. Se adotamos uma postura de que a história sempre vai se repetir, corremos o risco de ter revolucionários que se tornam conservadores. […]

Por que o Sanders seria diferente? Por que a situação é diferente. O apoio ao modelo capitalista está em crise e Sanders pode se dizer ‘socialista’ e defender uma ‘revolução política’ e isso é algo atrativo, não um obstáculo para obter apoio, especialmente na juventude. […]

A direção do partido democrata está ficando nervosa com a candidatura de Sanders. Quando ele lançou sua campanha, Clinton estava anos-luz à frente. A candidatura dele não era vista como um problema, pelo contrário, ajudaria a mobilizar para as primárias e avaliavam que ele no final iria apoiar a candidata majoritária, como ele sempre fez. De fato, ele declarou desde o início que iria apoiar Clinton se perdesse as primárias. […]

O fato é que ele agora é visto como uma verdadeira ameaça e tem uma alta popularidade na população em geral […]. Essa contradição vai crescer para quem apoia Sanders. Vai ficar cada vez mais claro que sua vitória só é possível derrotando o aparato partidário, que faz parte da mesma estrutura de poder que ele mesmo tanto critica. Uma camada importante não vai aceitar apoiar Hillary Clinton e estará aberta a romper com o partido, mesmo se Sanders apoiar Clinton.”

O CIT afirma que o apoio da juventude a Sanders representa uma “situação nova” em razão da crise do capitalismo. Mas o próprio SAlt / CIT reconhece em outros momentos, apesar de suas meias palavras, que Sanders é uma variante desse mesmo sistema capitalista (não à toa, fala do seu “socialismo” entre aspas). Isso não impede, é claro, que o SAlt / CIT o apoie de forma entusiasta. Em seguida, o trecho aponta que quando Bernie se diz “socialista” e fala em “revolução política”, atrai o apoio da juventude, e isso mostra a “novidade” da situação, pois a juventude recebe bem a esses termos. Mas ora, não é precisamente porque existe essa recepção positiva que seria mais necessário mostrar a falsidade com que Sanders se apropria dessas palavras? Que essas ideias angariem popularidade, de forma alguma prova que a campanha de Sanders represente uma perspectiva “nova” (que impediria sua colaboração com os Democratas).

Em seguida, temos o reconhecimento de que Sanders “declarou desde o início que iria apoiar Clinton se perdesse as primárias”. Será, então, que ele é uma “ameaça” tão grande assim ao Partido Democrata? Esse dado por si só não prova que Sanders “tem uma trajetória que vai ‘claramente da esquerda para a direita’ e vai ser domesticado como os candidatos de esquerda anteriores”? (coisa que o SAlt / CIT afirma que não acontecerá). Para nós isso parece evidente. Aqui, o SAlt / CIT está claramente ignorando “uma análise concreta da situação”.

Por fim, a última parte do trecho destacado aponta que Sanders não pode vencer se apoiando na estrutura do Partido Democrata, “que ele tanto critica” (mas, aparentemente nem tanto). Diz então que um setor dos que apoiam Sanders não apoiará Clinton, mesmo que Sanders a apoie. Não seria benéfico para os trabalhadores que os revolucionários desde o início denunciassem amplamente o apoio que Sanders havia prometido dar a Clinton caso perdesse? Denúncia essa, como vimos há pouco, que o SAlt / CIT não fez durante as primárias? O quanto a autoridade do marxismo seria reforçada entre esse setor mais radical se os revolucionários previssem desde antes que Sanders se adaptaria completamente à máquina do Partido Democrata a ponto de apoiar a “candidata de Wall Street”, Hillary Clinton? Isso é uma forma tremenda de mostrar que, afinal de contas, Sanders não é assim tão contra a “classe bilionária” e o “establishment”. Mas o SAlt / CIT preferiu negar que Sanders seja “mais uma figura entre outras da esquerda dos democratas que já vimos antes”. Nada mais falso.

Certamente há algo de “novo” em Sanders aos olhos de toda uma geração de jovens e trabalhadores, para não mencionar alguns mais velhos que não fizeram nenhuma experiência com candidatos que tem uma postura de aparente crítica ao capitalismo. É evidente que Sanders representa, para muitos, algo de “novo” na política americana. Mas para os marxistas, a retórica cheia de contradições, a falsidade do reformismo de Sanders não significa nada de novo. Os revolucionários deveriam servir como alertas para esses outros trabalhadores. Em vez disso, os dirigentes do SAlt / CIT endossaram a confiança deles em Sanders.

Um dos argumentos preferidos do CIT, sempre que questionado, é acusar de sectários todos os que não embarcaram na sua capitulação de apoiar Sanders. Como eles disseram: “Simplesmente dizer que os apoiadores de Sanders estão apoiando o ‘inimigo’, fecharia qualquer diálogo com centenas de milhares de jovens radicalizados, que estão abertos a discutir o que é socialismo e como chegar lá.” Certamente, um espantalho como esse é fácil de atacar. Estava claro que Sanders não era um candidato “tradicional”, tanto por seu discurso contra a “classe dos bilionários” quanto por se reivindicar um “socialista”. Os revolucionários devem se aproveitar disso, questionando a contradição entre esses elementos do seu discurso e os meios que ele propõe para realizá-los, suas posições pró-capitalistas, suas posições reacionárias etc. Mas o SAlt / CIT afirma que, para abrir diálogo com esse setor da juventude, seria necessário se iludir sobre o significado da campanha de Sanders:

Alguns grupos na extrema esquerda não tem feito nada além de denunciar Sanders, sem perceber as oportunidades inerentes na situação, com milhões de jovens e trabalhadores recentemente radicalizados.”

Sanders and the left: what is the role of Socialists?, 1o de março de 2016.

http://www.socialistalternative.org/2016/03/01/sanders-left-role-socialists/

É precisamente porque havia um setor da juventude que encarava Sanders como parte de um processo de rejeição ao sistema e aos partidos capitalistas, que os revolucionários deveriam ser mais diretos e honestos sobre a sua campanha, e criticar duramente todos os seus compromissos com o capitalismo e com o Partido Democrata em particular. Isso não significa tratar os jovens e trabalhadores que apoiavam Sanders como “inimigos”. Não há razões que impedissem um diálogo com os apoiadores honestos de Sanders, que viam sua candidatura como uma expressão progressiva. Mas isso deveria ser feito para convencer tais apoiadores da sua contradição, não de seguir apoiando-o, como fez o CIT. Se muitos desses companheiros seguissem com Sanders, os revolucionários deveriam explicar que discordam, mas que esperam que esses companheiros percebam eventualmente a justeza da política marxista. Mas se o SAlt / CIT tem medo de ser temporariamente impopular, o que vai construir não é um partido revolucionário da classe trabalhadora, mas um partido que segue na onda de qualquer saída burguesa que tenha suficiente popularidade. Torna-se a retaguarda da classe trabalhadora, não sua vanguarda.

A tática de disputa dos apoiadores honestos de Sanders contra a política de Sanders é um elemento que depende de dizer qual é o verdadeiro significado da sua campanha. Em nenhum momento o SAlt / CIT se coloca como um concorrente de Sanders pelo apoio desses jovens e trabalhadores (e como poderia?). “Estar com as massas”, como a LSR/PSOL reivindica que os revolucionários devem fazer, tem um significado positivo quando quer dizer estar na linha de frente das lutas dos trabalhadores e dos oprimidos, chamando-os a construir um programa e um partido revolucionário anticapitalista. Mas essa frase “estar com as massas” assume um conteúdo oportunista quando implica aceitar as ideias retrógradas ou reformistas que existem entre os trabalhadores sob o capitalismo. As boas intenções dos apoiadores não podiam mudar o conteúdo da candidatura de Bernie Sanders. Essa contradição só poderia ser resolvida por meio de um rompimento com o seu programa, coisa que o SAlt / CIT fez de tudo para impedir, em vez de facilitar.

CIT, as “novas formações” e a revolução socialista

Feitas essas críticas, cabe questionar qual a raiz do apoio dos supostos trotskistas do CIT a Sanders, uma vez que trotskismo historicamente significou a antítese de todo e qualquer projeto de colaboração de classes – e, conforme visto, Sanders não só representa um projeto desses, mas ainda de preservação da supremacia do imperialismo norte-americano sobre o resto do globo. O seguinte trecho da mencionada polêmica da LSR/PSOL é revelador a esse respeito:

Hoje existe um processo que é internacional de reconstrução de ferramentas políticas da classe trabalhadora, para substituir aquelas que perdemos após a queda do stalinismo no começo dos anos 1990, o que inclui o PT. O neoliberalismo perdeu o brilho dos anos 1990, quando dominava o cenário político, mas o processo de reconstrução da esquerda tem sido complicado e tortuoso. Partidos novos surgiram, como Die Linke na Alemanha, Bloco de Esquerda no Portugal, Syriza na Grécia, Podemos na Espanha, ou até mesmo o PSOL no Brasil. O processo passou também por figuras como Hugo Chávez ou Evo Morales. São processos que expressam a busca de uma nova esquerda radical, mas que traz muito elementos dos erros da esquerda antiga: reformismo com mudanças só por dentro do sistema, oportunismo eleitoral (com rebaixamento do programa, alianças com partidos da burguesia, etc.), vacilação nos momentos decisivos diante da mobilização da classe trabalhadora que não leva a luta a uma ruptura com o sistema, etc. etc. É um processo cheio de conflitos e contradições […]. Temos que entender esses fenômenos como parte de um processo, uma luta entre forças vivas […].”

Há algo de muito errado na definição feita pela LSR / CIT dos partidos e líderes burgueses ou reformistas como “ferramentas políticas da classe trabalhadora”. A começar pelos partidos que “perdemos” (?) com a queda do stalinismo. Não negamos que esses partidos tivessem, em alguns casos, influência de massas entre os trabalhadores. Mas eram agências contrarrevolucionárias no seu interior. As “novas formações” não são diferentes. Chávez, apesar das nacionalizações de certas indústrias (medida que deveria ser defendida e estendida pelos trabalhadores) e conflitos com o imperialismo americano, sempre fez de tudo para impedir um questionamento ao capitalismo e a emergência de um movimento independente e democrático do proletariado. Em menor escala, já que nunca chegaram a ter a mesma influência, o mesmo pode ser dito do Bloco de Esquerda português ou do PSOL brasileiro. A própria experiência do CIT dentro desses partidos mostra isso, já que é obrigado a reconhecer suas posições como “reformismo com mudanças só por dentro do sistema, oportunismo eleitoral, vacilação nos momentos decisivos diante da mobilização da classe trabalhadora”.

O problema com o CIT é que ele insiste em apresentar sempre uma outra cara: de falar nessas formações como expressões de um processo progressivo. Certamente todos esses fenômenos surgem de um processo de questionamento de setores da classe trabalhadora ao sistema capitalista. Mas isso não significa que, a partir disso, a consolidação de um partido ou movimento burguês/reformista seja algo progressivo. Ao contrário, é um desvio. É uma forma de impedir que esses setores que se radicalizaram possam chegar a conclusões revolucionárias, assim como fez a candidatura de Sanders com a juventude americana. É essa distinção fundamental que o CIT quer ignorar. É verdade que todo processo político envolve “conflitos e contradições” e é uma “luta entre forças vivas”. Mas o CIT precisa decidir de que lado fica dessa contradição e dessa luta: do lado que expõe abertamente as traições e oportunismos de alguns líderes e partidos, para que os trabalhadores rompam com seu programa reformista-burguês; ou do lado dos que preferem ignorar isso para “apoiar” um processo que é, na realidade, uma maneira de conter as aspirações dos setores da classe trabalhadoras que nele se envolvem. Em todos esses casos antigos e recentes, a postura do CIT tem sido a segunda. Vejamos o caso do Syriza, na Grécia, por exemplo. O CIT afirma que:

[…] o partido foi visto como uma ferramenta para tentar uma saída política e ganhou as eleições em 2015. O seu líder Tsipras poderia ter sido empurrado a ir além do que planejava, e com o referendo em julho abriu a brecha que o povo grego queria para dar o troco na classe dominante na Europa, com a grande vitória do ‘não’ ao acordo que impunha mais um pacote de austeridade contra o povo grego. Diante da tarefa e o mandato histórico do povo, Tsipras recuou. Foi uma batalha e derrota importante para classe trabalhadora, que vai trazer lições importantes, como a derrota da primeira Revolução Russa de 1905-06.”

Acontece que Tsipras não poderia “ter sido empurrado a ir além do que planejava” pois estava à frente de um governo de coalizão com a burguesia. Toda a sua trajetória e seus laços, suas posições, o prendiam ao Estado burguês. Foi isso que os revolucionários disseram na época, ao contrário do CIT, que nutriu ilusões com a possibilidade de que Tsipras cumprisse um papel progressivo. A afirmação de que a derrota da Revolução Russa de 1905-06 trouxe lições é verdadeira, mas aparentemente não ensinou nada para o CIT. O que mostrou essa revolução, segundo um de seus maiores intérpretes (Trotsky), é que nem sequer para transformações democráticas radicais a burguesia serve. Só do proletariado dependem as transformações socialistas e democráticas sérias, e mesmo reformas mais profundas. Ao sustentar que Tsipras, Sanders, Chávez etc. podem ser “empurrados” para posições importantes que sejam do interesse da classe trabalhadora, o CIT ignora as lições da Revolução Russa de 1905 e de todas as outras revoluções subsequentes. O que sempre foi necessário, em vez de esperar que eles pudessem ser “empurrados”, era criar alternativas a esses demagogos. E isso só pode ser feito denunciando amplamente seus oportunismos e suas intenções.

Em todos os casos recentes de “ressurgimento” de alguma tendência reformista-burguesa diante da crise do capitalismo, é preciso, sem dúvida, estar na luta de classes com os trabalhadores que acreditam nessas saídas, ouvi-los, dialogar com eles, apontar seus erros, prever a trajetória dos partidos ou líderes traidores. Isso tudo com o objetivo de facilitar a chegada desses trabalhadores a posições revolucionárias, e não “apoiar” as “novas formações” que buscam, na realidade, domar o seu espírito de revolta contra as injustiças do capitalismo.

A afirmação mais nociva feita pelo CIT é de que “A postura de Lenin e Trotsky na Revolução Russa foi muito mais rica e cheia de nuances e levou ao crescimento do partido bolchevique de 8 mil em fevereiro a superar 200 mil em outubro”, implicando que eles agiram diferente de denunciar inflexivelmente os enganadores da burguesia e os reformistas que se subordinavam a eles. Mas lembremos a postura de Lenin ao chegar na Rússia diante daquele governo burguês que fazia tantas promessas e mesmo algumas reformas democráticas:

Nenhum apoio ao Governo Provisório, explicar a completa falsidade de todas as suas promessas, sobretudo a da renúncia às anexações. Desmascaramento, em vez da ‘exigência’ inadmissível e semeadora de ilusões de que este governo, governo de capitalistas, deixe de ser imperialista.”

Reconhecer o fato de que, na maior parte dos Sovietes de deputados operários, o nosso partido está em minoria, e, de momento, numa minoria reduzida, diante do bloco de todos os elementos oportunistas pequeno-burgueses, sujeitos à influência da burguesia e que levam a sua influência para o seio do proletariado, desde os Socialistas Populares e os Socialistas Revolucionários até o CO [menchevique].”

Vladimir Lenin, Teses de Abril, 1917:

https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/04/04_teses.htm

O crescimento do Partido Bolchevique se deu precisamente em razão de suas previsões e alertas sobre esse governo (em que tantos trabalhadores e “socialistas” tinham ilusões) terem se confirmado completamente. Isso nada tem a ver com as supostas “nuances” oportunistas do CIT, que significam não criticar abertamente, mas apoiar e ter a expectativa de que os partidos e dirigentes que colaboram com a burguesia possam ser “empurrados” para a esquerda. Como será que teria se posicionado o CIT em 1917 se considerarmos sua atual metodologia? Não foram poucos, mesmo dentro do Partido Bolchevique, que buscavam “aprofundar a revolução democrática”, “apoiando criticamente” o Governo Provisório burguês – e contra esses Lenin e Trotsky travaram uma batalha encarniçada, encarando que a revolução seria derrotada caso tal linha prevalecesse entre os trabalhadores. Com base nisso, os apoiadores e militantes honestos do CIT devem refletir sobre como sua organização se posicionará também nas revoluções futuras. Sua política atual é incapaz de ajudar a construção de um partido revolucionário dos trabalhadores e dos oprimidos.

Apêndice
PSTU vs. CIT sobre “Estar com as massas”

Em resposta à crítica que recebeu do PSTU, a LSR esteve errada em praticamente todos os pontos. Mas em determinado momento, não deixou de dar um forte golpe nas credenciais supostamente revolucionárias do PSTU. O PSTU criticou a ação do SAlt / CIT, considerada oportunista, de se adaptar às posições erradas dos trabalhadores para “estar com as massas”. A LSR respondeu a essa crítica da seguinte forma:

Podemos aqui citar o próprio Zé Maria, no seu editorial ‘Fala Zé Maria’ no Opinião Socialista de 26 de outubro de 2002, sobre a posição do PSTU para o segundo turno das eleições presidenciais. O título era ‘PSTU chama voto em Lula’ e dizia: ‘Porque os trabalhadores acreditam em Lula e, sobretudo, querem a derrota eleitoral de Serra, candidato de Fernando Henrique, o PSTU se soma à classe trabalhadora e chama o voto em Lula.’ Isso não foi ‘estar com as massas’?”

Nós, que sempre criticamos todas as posições na esquerda de apoio a frentes de colaboração de classes com a burguesia ou candidaturas burguesas em geral, não podemos discordar. Repetidas vezes o PSTU cometeu essa traição, desde seu apoio a Lula nos anos 1990 e em 2002, até seus blocos mais recentes com o PSOL em chapas que receberam financiamento empresarial, ou mesmo certa vez numa chapa conjunta com o ex-governista PCdoB (Belém, 2012). O argumento de “estar com as massas” tem sido usado pelo PSTU também para justificar o seu apoio às várias forças militares “rebeldes” no Oriente Médio, que tal partido chama de “revoluções”, mas que são forças a serviço da burguesia, e por vezes do imperialismo. O problema dessa resposta da LSR, é que ela tem pleno acordo com o PSTU e não aponta essa posição com a intenção de criticá-lo, mas de justificar sua política oportunista sobre Sanders:

Achamos que a postura do PSTU foi correta, por que era importante estar com a classe trabalhadora no momento de derrotar a política neoliberal do FHC e na eleição do primeiro presidente operário no país, mesmo alertando para o caráter que esse governo teria. ‘O papel dos revolucionários é apoiar-se nas expectativas para combater as ilusões no governo e desenvolver as mobilizações’, dizia o artigo do Opinião Socialista que analisava como seria o novo governo. Isso não pode valer para a campanha de Sanders? O PSTU mudou de opinião desde então?”

Exatamente: enquanto o PSTU se contradiz nessa questão de “estar com as massas”, a LSR / CIT é bastante consistente na sua postura oportunista de apoiar as ilusões das massas em líderes enganadores.