Reagrupamento Revolucionário n. 04

É com felicidade que anunciamos aos nossos leitores o lançamento do quarto número de nossa revista Reagrupamento Revolucionário. Disponível em formato PDF ou com nossos militantes. Boa leitura!

Nova publicação no Arquivo Histórico

A Escola Stalinista de Falsificação Revisitada
Uma Resposta ao Guardian
Chamamos a atenção de nossos leitores para a nova publicação disponível em nosso Arquivo Histórico: um conjunto de artigos escritos em 1973 pela então revolucionária Liga Espartaquista e publicado na forma do livro A Escola Stalinista de Falsificação Revisistada. Os artigos foram escritos em resposta a um ataque contra o trotskismo publicado no jornal maoísta Guardian e são uma excelente introdução aos conceitos essenciais do combate revolucionário contra o revisionismo stalinista/maoísta. A tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em dezembro de 2012.

Desmoronamento e enchentes no estado do Rio de Janeiro

O fenômeno é natural, a catástrofe é social 
Desmoronamento e enchentes no estado do Rio de Janeiro
Ante as chuvas que voltam a afetar drasticamente a população pobre do Rio de Janeiro, publicamos como parte de nosso Arquivo Histórico este artigo escrito por Rodolfo Kaleb e originalmente publicado no Hora de Lutar No.15 (abril de 2010), órgão do então revolucionário Coletivo Lenin.

No começo do mês de abril, fortes chuvas atingiram o estado do Rio de Janeiro. Na noite do dia 5 deste mês, caiu em apenas 12 horas o volume de água esperado para dois meses. Essa chuva causou uma catástrofe devido à ausência de uma infra-estrutura urbana planejada para atender às necessidades dos trabalhadores, mas feita para reduzir os custos dos patrões e do Estado.


Vários bairros da cidade sofreram com enchentes dos rios ou simplesmente inundações pluviais. Até agora foram registradas mais de 200 mortes em todo o estado do Rio e o número aumenta sem parar. Além dos mortos, cerca de 500 pessoas saíram feridas e mais de seis milhões foram afetados de alguma maneira. O número total de desabrigados (aqueles que tiveram que deixar suas casas e não tinham onde ficar) passou dos sete mil. O número de desalojados (os que tiveram que deixar suas casas, mas encontraram abrigo com amigos ou parentes) chegou aos vinte e cinco mil. Em um dos locais mais atingidos, o Morro do Bumba, em Niterói, cerca de 50 casas foram completamente destruídas por um desmoronamento na encosta.

Diante dessa situação, a resposta dos governos foi unânime: pôr a culpa da tragédia na chuva e nos trabalhadores pobres que, sem opção, vivem em locais de risco, como o Morro do Bumba. O Governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), expressou de maneira clara sua opinião: “Não é possível a construção irregular continuar. Se você pegar essas pessoas que morreram, quase todas estavam em áreas de risco”, disse ao prometer medidas duras contra as ocupações existentes. Para o Governador, é preciso ampliar as medidas de “limpeza” urbana como desocupação de favelas e o Choque de Ordem realizado pelo Prefeito da cidade do Rio, Eduardo Paes (também do PMDB). Uma opinião semelhante foi proferida por Lula quando voltava de sua viagem ao Rio.


A Catástrofe é programada socialmente pelos governos

A ocupação desordenada do espaço urbano e a falta de infra-estrutura necessária, tanto no dia-a-dia quanto para evitar esse tipo de tragédia, são situações socialmente programadas. No que diz respeito à ocupação de morros e encostas, obviamente não é uma ação baseada na imprudência, ou na irresponsabilidade ingênua. Ninguém mora em condições como essas porque quer! No Brasil, o déficit habitacional urbano ultrapassa sete milhões de moradias. Esse é o número de lares que seriam necessários para retirar pessoas das ruas, de locais de risco, de habitações sem infra-estrutura básica, condições impróprias e de locais onde o gasto com aluguel ultrapassa 30% da renda das famílias. 

Assim, todos os anos milhares de pessoas são forçadas a ocupar esses territórios devido ao desemprego, o aumento da miséria e, sobretudo, da exclusão da população mais pobre de áreas destinadas à especulação imobiliária (valorização de bairros luxuosos, expulsando trabalhadores mais pobres). Nas mais de mil favelas do Rio de Janeiro, já moram cerca de um milhão e trezentos mil pessoas, número de cresceu 22% na última década. Nos últimos oito anos, o número de favelas em Niterói cresceu 200%. Um exemplo de como a especulação imobiliária causa essas relações é que a prefeitura do Rio tem planos de realizar obras no Centro da cidade com o objetivo de construir um pólo turístico para as Olimpíadas, com hotéis de luxo e grandes empresas. Para fazer isso, Eduardo Paes pretende acabar com ocupações de prédios fora de uso, onde vivem trabalhadores sem-teto, moradias populares e de baixa renda, e pequenas empresas familiares. Isso vai ser feito seja através da força, com a repressão policial e jurídica aos sem-teto e camelôs, seja pelo aumento do custo de vida dos moradores do Centro. O Governador também já prometeu o despejo de moradores de inúmeras favelas até o ano de 2012. Dessa forma, haverá irremediavelmente uma debandada de milhares de trabalhadores que, sem outra opção para viver perto do Centro, onde fizeram sua vida e onde trabalham, irão ocupar novas áreas impróprias. 

O mesmo objetivo está por trás da política do Choque de Ordem: expulsar trabalhadores pobres das suas casas e dos seus locais de trabalho (no caso dos camelôs) para favorecer a especulação imobiliária. Esse é o interesse daqueles que realmente mandam na prefeitura e em todo o Estado, os donos das grandes empresas (inclusive as de turismo, imobiliárias e de construção civil) pouco se preocupando com os trabalhadores vitimados por tais ações. Não ouvimos falar em nenhuma passeata puxada pelo Governador ou pelo Prefeito para exigir que o dinheiro dos royalties do petróleo do Rio de Janeiro seja empregado em habitação e saneamento. Isso ocorre porque a gigantesca maioria dos recursos não é usada para trazer uma vida melhor aos trabalhadores, mas para aumentar o lucro dos empresários, ainda que a custa das vidas dos primeiros. 

Em Niterói a situação dos recursos públicos não é diferente. Muito se falou da incompetência da Prefeitura de Jorge Roberto da Silveira (PDT) para justificar a catástrofe no Morro do Bumba e em outras localidades. Essas críticas estão em parte corretas, mas não se trata de uma questão de incompetência, e sim dos interesses do Prefeito, que são perpetuar o funcionamento do sistema. Ao longo do ano de 2009, aprefeitura de Niterói gastou menos de 1% do seu orçamento com saneamento básico. Dos mais de dois milhões previstos para a área de habitação, foram gastos 2,8% (66 mil reais). Somente com as despesas da câmara legislativa, foram gastos três vezes mais. Como atesta a nota do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação de Niterói (SEPE/Niterói): “… a dimensão da disparidade entre a prioridade dada aos aliados políticos da Prefeitura, e os investimentos sérios nas áreas em que nossa população realmente precisa, é gigantesca”. 

A ciência permite, mas o capitalismo impede a solução!

Hoje em dia, a gigantesca maioria dos fenômenos naturais que ocorrem com frequência pode ser inofensiva à ocupação humana. O que é necessário é ter estrutura física preparada para resistir. Enchentes de rios são fenômenos que tem um papel natural importantíssimo, inclusive, na agricultura [em certas regiões do mundo], por que as terras inundadas nas margens se tornam extremamente férteis no período logo após a enchente. Nas cidades, basta existir uma estrutura de escoamento suficientemente grande para evitar que as enchentes causadas pelas chuvas alaguem bairros inteiros. O mesmo pode-se dizer sobre desmoronamentos. Não haveria razão para que pessoas construíssem casas em locais de risco quando se pode determinar com precisão a segurança das instalações. Somente um sistema segregacionista como o capitalismo obriga os trabalhadores a viver nessas condições. A ciência e a técnica nos permitem uma dominação sem precedentes sobre os efeitos danosos dos fenômenos naturais, mas as condições em que somos mantidos pelo capitalismo não conseguem resolver nossa situação. 

Mesmo quando falamos de terremotos, países como Japão têm modelos de construção anti-sísmica capazes de resistir até mesmo a tremores de nível médio para alto sem nenhum dano grave. Com a estrutura necessária, a tragédia no Haiti [seguida ao terremoto de 2010] poderia ter sido evitada quase por completo. A “ajuda internacional” do exército de invasão da ONU liderada pelo Brasil e agora pelos Estados Unidos, entretanto, parece nunca ter se preocupado com isso.

A verdade é que essas tropas cumprem no Haiti um papel semelhante ao que os Estados Unidos têm no Iraque e no Afeganistão: manter a ordem política e social que lhes interessa (ou seja, a ordem que permitirá à suas empresas realizar investimentos para explorar o trabalho do povo haitiano com um mínimo de direitos e condições de vida para gerar menos custos aos capitalistas). Por isso as tropas lutam contra os trabalhadores organizados em resistência ao golpe que derrubou a frente popular do país, do presidente Bertrand Aristide. Esse era um governo “populista”, como o de Lula, que permitia ao capital explorar sem piedade os trabalhadores haitianos, mas lhe dava algumas migalhas, acelerando um pouco a distribuição precária de terras aos camponeses e realizando medidas assistencialistas como o vale-roupa. Nem isso a direita haitiana, em aliança com os interesses do imperialismo americano, pôde aceitar pagar. E realizou um golpe, seguido de resistência popular, cujas tropas da ONU foram combater sob o slogan de “manter a paz e a ordem”. 

A origem social da falta de infra-estrutura

O problema central quando falamos da catástrofe causada por fenômenos naturais que sofremos ao longo dos anos é a condição social que permite a destruição e que direciona seus efeitos de forma desigual. Com isso queremos dizer que tragédias como a que atingiu o estado do Rio de Janeiro são questões sociais e que, portanto, têm caráter de classe. Como mostramos, já existe técnica suficiente para prevenir grande parte de catástrofes de origem natural. Essa técnica não é aplicada hoje, imediatamente, por interesses da classe dominante na sociedade capitalista: a burguesia, composta pelos patrões e banqueiros. 

Em todos os países capitalistas, os gastos com a infra-estrutura produtiva (transportes, energia, esgoto, escoamento, saúde, educação) são em grande parte financiados pelo Estado burguês. Ao contrário do que possa parecer, isso não é uma vantagem para os trabalhadores, mas uma forma de a burguesia (que necessita dessa infra-estrutura para a produção) dividir, com os trabalhadores o seu custo através dos impostos. Não estamos dizendo que não devemos lutar para que o Estado gaste mais com melhoria da saúde e da educação, pois isso interessa aos trabalhadores, mas sim que a origem social destes gastos é a incapacidade da burguesia de financiá-los por si própria. Ela faz isso para diminuir o gasto com o capital constante (a quantidade de dinheiro gasta obrigatoriamente na manutenção de máquinas, transportes e na vida dos trabalhadores) e aumentar o lucro. Portanto, é impossível resolver os problemas de infra-estrutura por completo sem que o modo de produção mude, acabando com o lucro e expropriando a burguesia, garantindo gastos maiores com as condições de vida dos trabalhadores. Ou seja, só é possível resolver o problema por completo no socialismo! 

O caráter de classe dessas catástrofes fica óbvio quando vemos que são sempre os trabalhadores aqueles os que mais sofrem com elas, sejam eles do Haiti, do Brasil, dos Estados Unidos ou de qualquer outro lugar do mundo. Muitas delas atingem posses materiais da burguesia, como empresas e portos. Isso causa um dano que é de imediato, maior aos trabalhadores, que ficam sem emprego e fonte de renda, do que aos patrões, que têm capital acumulado e podem “sobreviver” por muito mais tempo. E ainda mais porque os subsídios que o Estado normalmente oferece à reconstrução das empresas aos patrões que tiveram perdas são muito maiores que aos trabalhadores, que muitas vezes têm destruídas suas casas e que ficam sem empregos por longo período. 

Conclusão: a necessidade de destruir e superar o capitalismo

Por tudo o que dissemos, somos levados à conclusão de que a única solução real para o problema são obras estruturais de saneamento e construção de moradias nos centros urbanos até que todos possam viver em condições dignas e sem riscos. Um plano de obras como esse poderia, ao mesmo tempo em que resolve o perigo de nova destruição, diminuir o desemprego. São essas as demandas que os trabalhadores devem buscar através de seus sindicatos e centrais, organizações de moradores e de trabalhadores sem-teto. Devem todos estar juntos nessa luta e se valer de protestos e greves para buscar esse interesse comum. Caso isso aconteça, serão levados à conclusão, cedo ou tarde, da incapacidade do Estado burguês e do capitalismo brasileiro de resolver tal problema. Apenas um governo direto dos trabalhadores, comandado por assembléias, poderá direcionar a riqueza produzida nas empresas para a construção das sete milhões de moradias urbanas que os trabalhadores brasileiros precisam, além de realizar as obras de infra-estrutura para impedir novas situações trágicas como a que vivemos este mês. 

Diversos sindicatos, organizações estudantis e associações de moradores convocaram um ato para o próximo dia 15 de abril às 16 horas em frente à prefeitura de Niterói. Essa manifestação irá reunir largos setores da classe trabalhadora, para protestar contra o descaso e os ataques dos governos. 

São essas as exigências que chamamos os trabalhadores a buscar até as últimas consequências neste ato, pois só elas irão resolver a questão:

Pela construção, sob supervisão de assembléias de moradores, de novas moradias em locais adequados para TODAS as vítimas, desabrigados e desalojados por causa da catástrofe! 

Imposto progressivo a cada ano sobre as grandes empresas para pagar um plano de infra-estrutura e obras públicas!

Que o lucro das empresas que exploram o petróleo brasileiro, além dos royalties, seja fortemente taxado para garantir habitação digna e bem localizada, com acesso a saúde e educação de qualidade para todos os que precisam! 
Pelo fim do Choque de Ordem! Que as organizações e assembléias de trabalhadores sem-teto tenham total liberdade para usar como habitação improvisada prédios públicos e privados que estejam fora de uso!

Postagem de Fim de Ano

A Ordem Reina em Berlim 

Seguindo a tradição, todo final de ano postamos um material histórico de estímulo à determinação e à vontade revolucionária de nossos militantes, leitores e simpatizantes. O presente editorial foi o último artigo conhecido escrito por Rosa Luxemburgo, após a derrota da rebelião Espartaquista e horas antes de sua prisão e assassinato pelas mãos do governo alemão. Originalmente publicado em Rote Fahne em 14 de janeiro de 1919. Esta versão foi copiada de marxists.org.

A ordem reina em Varsóvia, anunciou o ministro Sebastini na Câmara francesa quando, depois de um terrível assalto sobre o bairro de Praga, a soldadesca de Suvarov entrou na capital polonesa para começar o seu trabalho de carrascos contra os insurgentes.

“A ordem reina em Berlim!”, proclama triunfalmente a imprensa burguesa entre nós, bem como os ministros Ebert e Noske e os oficiais das tropas vitoriosas, para quem a gentalha pequeno-burguesa de Berlim agita os lenços e emite os seus hurras. A glória e a honra das armas alemãs estão a salvo perante a história mundial. Os que combateram miseravelmente no Flandres e em Argonne podem agora restabelecer o seu nome mediante a brilhante vitória atingida sobre trezentos espartaquistas que lhes resistiram no prédio do [jornal socialdemocrata] Vorwaerts. As primeiras e gloriosas irrupções das tropas inimigas na Bélgica e os tempos do general Von Emmich, o imortal vencedor de Lieja, tornaram-se pálidos ao serem comparados com este das façanhas efetivadas pelos Reinhardt e os seus “camaradas” nas ruas de Berlim. Os delegados dos sitiados no Vorwaerts, enviados como parlamentares para tratarem da sua rendição, foram destroçados a pancadas de garrote pela soldadesca governamental, e isto aconteceu até tal ponto que não foi possível reconhecer os seus cadáveres. Quanto aos prisioneiros, foram pendurados dos muros e assassinados de tal maneira que muitos deles tinham o cérebro fora do seu crânio. Quem lembraria ainda, depois destes fatos gloriosos, nas vergonhosas derrotas impingidas aos alemães pelos franceses, os ingleses e os americanos? Spartacus é o inimigo e Berlim o campo de batalha em que somente sabem vencer os nossos oficiais. Noske, “o operário”, é o general que sabe organizar a vitória ali onde Lundendorff fracassa.

Como não pensar aqui na matilha vitoriosa que impunha anos antes “a ordem” em Paris, nessa bacanal da burguesia sobre os cadáveres dos combatentes da Comuna? Era a mesma burguesia que acabava de capitular vergonhosamente face aos prussianos e que tinha abandonado a capital do país ao inimigo de fora para fugir ela própria como covardes abjetos. Então é que puderam mostrar a sua viril coragem os filhinhos-de-papai e toda a “juventude dourada” que mandava em Versalhes face aos proletários parisienses mal equipados e sem armas, contra as suas mulheres e os seus filhos! Estes filhos de Marte, pregados até o dia anterior ante o inimigo estrangeiro, souberam de repente ser cruéis e bestiais em face de umas vítimas sem defesa, em face de umas centenas de prisioneiros e moribundos.

“A ordem reina em Varsóvia!”, “A ordem reina em Berlim!”. Eis como proclamam as suas vitórias os guardas da “Ordem” através de todos os exércitos que se estendem de um lado para outro da luta histórica mundial. A destituição dos vencedores não indica mais do que o final de uma etapa da “Ordem” que deve ser mantida e proclamada periodicamente, mediante toda a classe de sangrentos assassinos, sem deter-se na sua marcha para o seu destino histórico, quer dizer, para o seu fim.


O quê tem agregado esta semana aos nossos ensinamentos? Em primeiro lugar, ainda no meio da luta e dos gritos vitoriosos da contrarrevolução, os proletários revolucionários puderam chegar a medir os acontecimentos e os seus resultados com a grande medida da história. E isto aconteceu assim porque resulta que a Revolução não tem tempo a perder e, em consequência, persegue a sua vitória por cima das tumbas e por baixo das habituais vitórias e derrotas.

Reconhecer as suas linhas de orientação e seguir os seus caminhos com plena consciência é a tarefa fundamental de todos os que lutam pela vitória do socialismo internacional.

Era possível esperar uma vitória definitiva do proletariado revolucionário, na sua luta contra os Ebert—Scheidemann, para aceder a uma ditadura socialista? Decerto que não, sobretudo se se considerarem devidamente todos os fatores chamados a decidir sobre a questão. O ponto vulnerável da causa revolucionária neste momento é a política imatura da grande massa de soldados que ainda permitem aos seus oficiais que os mandem contra os seus próprios irmãos de classe. De resto, o não amadurecimento do trabalhador-soldado não é mais do que um sintoma da imaturidade geral em que ainda se acha imersa a revolução alemã.

O campo, que é donde procedem a maioria dos soldados, fica tanto depois como antes fora do campo de influência da revolução. Berlim é até o presente, face ao resto do país, algo assim como um ilhéu. Os centros revolucionários da província (os de Renânia, Wasserkant, Brunschwitz, Saxe e Wurtemberg nomeadamente) estão de corpo e alma do lado do proletariado berlinense, mas polo momento falta uma concordância direta na ação, que é a única que pode proporcionar uma  incomparável eficácia ao arranque e a combatividade dos operários de Berlim. Além disso, a luta econômica (que é origem de verdadeiras fontes vulcânicas em que se alimenta a revolução) acha-se ainda numa fase claramente inicial.

Disso tudo pode deduzir-se claramente que não é razoável contar polo momento com uma vitória de tipo decisivo. A luta destas últimas semanas teve como desenlace o resultado das citadas insuficiências. Sempre há um disparo inicial, mas qual era na realidade o ponto de partida da última semana de luta? Como já aconteceu em casos precedentes, como já aconteceu no 6 de Dezembro, como já aconteceu no 24 de Dezembro, desta vez também esteve a origem numa provocação brutal pela parte do governo. Como no caso do assassinato dos manifestantes desarmados, como no caso da matança dos marinheiros, desta vez foi o atentado da Prefeitura da polícia a causa originária de todos os acontecimentos. E é que a revolução nem sempre tem hipóteses de agir seguindo as suas livres decisões, em terreno descoberto e depois de um bom plano de manobras idealizado por algum bom estratega. Os seus inimigos tem também a sua iniciativa, e por vezes inclusive são eles quem a tomam, que por certo é o que se passa geralmente.

Porém, ante o fato da insolente provocação do governo Ebert—Scheidemann, os operários revolucionários estavam forçados a pegarem nas armas. Com efeito, para a revolução, pode dizer-se que era uma questão de honra responder o mais rapidamente possível e com todas as forças ao ataque, porque se assim não fosse teria sido impulsada à contrarrevolução, a uma nova etapa repressiva, com o que teriam resultado comovidas as fileiras revolucionárias e diminuído o crédito moral da revolução alemã.

A resistência surgiu tão espontaneamente, com uma energia tão evidente, do mesmo seio das massas berlinenses, que do primeiro momento pode dizer-se que a vitória moral esteve do lado da rua. Uma lei interior da revolução é a da impossibilidade de esperar na inatividade depois de que se deu um passo para a frente. A melhor manobra é uma boa viragem inesperada e audaciosa. Esta regra elementar de toda a luta é que rege com maior razão todos os passos da revolução. Nesta ocasião haveria de demonstrar, aliás, o são instinto, a força interior sempre fresca do proletariado berlinense e uma combatividade do mesmo que não se limitou a reintegrar Eichorn nas suas funções (como tinha demandado), mas que impulsionou a massa para ir em busca de outros redutos da contrarrevolução, como é a imprensa burguesa, representada de primeira mão pelo Vorwaerts. Se todas estas iniciativas surgiram espontaneamente da massa é porque esta sabia que a contrarrevolução não se havia de conformar com a derrota e que havia de procurar a provocação como fosse uma batalha onde se mediram todas as forças de ambos os combatentes.

Aqui também depararemos com uma das grandes leis históricas da revolução, contra a qual estilhaçam todas as sutilezas próprias dos pequenos maquiavélicos “revolucionários” ao estilo do U.S.P.D., que em cada ocasião de lutar não procuram mais do que o seu correspondente pretexto para se bater em retirada. O problema fundamental de toda revolução (neste caso é o da queda do governo Ebert—Scheidemann) surge em cada caso com toda a atualidade, porque cada episódio da luta descarta, com a fatalidade das leis naturais, todo compromisso com a calmaria ou com as gargalhadas da politicagem reformista, exigindo em todo o  momento o máximo por pouco maduras que forem as circunstâncias… Abaixo o governo de Ebert—Scheidemann! Esta é a palavra-de-ordem que emerge como inevitável de cada episódio da nossa atual crise, tornando na única fórmula capaz de exprimir o senso e o significado de todos os conflitos parcelares, e de levar a luta até o seu ponto culminante.

O resultado desta contradição entre o agravamento do objetivo e as insuficiências prévias para o seu cumprimento tem como concreção o estabelecimento da fase inicial do desenvolvimento revolucionário, no decurso do qual as lutas parciais sempre acabam com uma “derrota” formal. Mas a revolução é a única forma de “guerra” em que (por lei de vida que lhe é própria) a vitória final apenas pode ser atingida através de uma série de “derrotas” prévias.

O quê é que nos mostra se não toda a história das revoluções modernas e do socialismo? O primeiro facho que iluminou a luta de classes na Europa foi a insurreição dos sedeiros de Lyon em 1831, que terminou com uma flagrante derrota. O movimento dos Cartistas na Inglaterra concluiu também com uma derrota. O levantamento do proletariado em Paris, durante as jornadas de 1848, desembocou igualmente numa esmagadora derrota. E a Comuna de Paris teve semelhante desenlace… Todo o caminho do socialismo está efetivamente asfaltado de derrotas, apesar do qual vemos que a história do mesmo avança inexoravelmente, passo a passo, para a vitória que há de ser definitiva. Onde estaríamos hoje sem estas “derrotas” das que tiramos a experiência histórica que nos permite reconhecer a realidade das coisas em toda a sua dimensão? Na atualidade, quando temos conseguido chegar já ao limiar da batalha final, é precisamente quando melhor podemos reconhecer que é sobre todas essas “derrotas” sobre as que nós ficamos em pé. Não podemos prescindir de nenhuma delas, porque cada uma das mesmas faz parte da nossa força atual.

Este é justamente o contraste e a aparente contradição que diferencia as lutas revolucionárias das lutas parlamentares. Na Alemanha contamos com quarenta anos de “vitórias” parlamentares, de forma que pode dizer-se que durante todo este tempo estivemos marchando de vitória em vitória, sendo o resultado a grande prova histórica de 4 de Agosto de 1914: a derrota política e moral mais catastrófica e inesquecível.
As revoluções, polo contrário, não nos tenham achegado mais do que contínuas derrotas, mas inevitáveis estas derrotas são a melhor garantia da nossa vitória final… Claro que isso tudo entranha uma condição! E é a de sabermos em que circunstâncias teve lugar cada derrota, quer dizer, se esta foi o resultado de umas massas imaturas que se lançam à luta, ou de uma ação revolucionária paralisada no seu interior pela indecisão, a fraqueza e a falta de radicalismo.

Dois exemplos típicos de ambos os casos poderiam ser a revolução francesa de Fevereiro e a revolução alemã de Março. A ação heroica do proletariado de Paris em 1848 converteu-se na energia mais vivificadora que cabe para o proletariado de todo o mundo, enquanto os lamentáveis desfalecimentos da revolução alemã de Março, do mesmo ano, viram-se metamorfoseados numa espécie de pesada cadeia para todo o desenvolvimento histórico ulterior da Alemanha, cujos efeitos regressivos podem ser rastejados mesmo nos acontecimentos mais recentes da nossa revolução e na crise dramática que acabamos de viver.

Como será vista, em tal caso, a derrota da nossa Semana de Spartacus à luz da mencionada perceptiva histórica? Como o resultado de uma audaz energia revolucionária perante o insuficiente amadurecimento da situação, ou como o desenlace de uma ação empreendida sem a necessária convicção revolucionária?

De ambas as formas! Porque a nossa crise tem, com efeito, um duplo rosto, o  da contradição entre uma enorme decisão ofensiva por parte das massas e a falta de convicção por parte dos chefes berlinenses. Falhou a direção. Mas este é o defeito menor, porque a direção pode e deve ser criada pelas massas. As massas são com efeito o fator decisivo, porque são a rocha sobre a que será edificada a vitória final da revolução. As massas cumpriram com a sua missão, porque fizeram desta nova “derrota” o elo que nos une legitimamente à cadeia histórica de “derrotas” que constituem o orgulho e a força do socialismo internacional. Podemos ter a certeza de que desta “derrota” também há de florescer a vitória definitiva.

A ordem reina em Berlim!… Ah! Estúpidos e insensatos carrascos! Não reparastes em que a vossa “ordem” está a alçar-se sobre a areia. A revolução se alçará amanhã com a sua vitória e o terror irá pintar nos vossos rostos ao ouvir-lhe anunciar com todas as suas trombetas: ERA, SOU E SEREI!

Arquivo Histórico: Trabalhadores Sacodem o Brasil dos Generais

Terceiro Round: 400 mil metalúrgicos em greve
Trabalhadores Sacodem o Brasil dos Generais

[Originalmente publicado pela Liga Espartaquista em Workers Vanguard No. 256, de 16 de maio de 1980. Acompanha uma nota publicada em Workers Vanguard No. 278, de 10 de abril de 1981. Tradução para o português realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em dezembro de 2012]. 
O que foi potencialmente a mais explosiva greve em uma década e meia de regime militar no Brasil encerrou-se em 12 de abril, com dezenas de milhares de trabalhadores metalúrgicos retornando ao trabalho em São Paulo. Seus líderes ainda estão presos e 40 mil encaram a demissão após 41 dias em greve contra gigantes “multinacionais” como Ford, Chrysler, Volkswagen e Volvo.

A batalha começou em 1º de abril, quando 400 mil marcharam no mais industrializado dos estados do país exigindo um aumento de 15%. Vendo o perigo para os generais – esse foi o terceiro round em muitos anos de greves de massas contra a ditadura – de início os militares responderam com uma mão pesada: helicópteros sobrevoando reuniões de greve, veículos blindados para o transporte de tropas patrulhando as ruas, líderes grevistas presos. E a repressão policial cobrou seu preço: primeiro as áreas periféricas do estado voltaram ao trabalho, depois um por um foram os subúrbios industriais de São Paulo, finalmente deixando isolada a fortaleza dos trabalhadores metalúrgicos de São Bernardo. 
A ameaça ao regime autoritário de João Figueiredo foi evidente: a queda do ditador português Caetano em 1975 e a subsequente radicalização da classe trabalhadora em Lisboa continuam frescas na mente de todos. Então, até mesmo antes dos trabalhadores abaixarem seus punhos, surgiram divisões no seio da classe dominante brasileira sobre como lidar com a greve. Apesar de ter sido acordado de os metalúrgicos receberam apenas 1,9 por cento de aumento sob a política salarial do governo, os empregadores ofereceram 5 por cento de imediato e uma mesa de negociação regional ordenou 7 por cento. A mesa também se recusou a declarar a greve ilegal. Mas, em 19 de abril, a polícia invadiu as casas dos líderes sindicais e prendeu Luís Inácio da Silva, o principal líder sindical do país, além de 16 outros. Dois mil protestantes se juntaram para combater a prisão de da Silva, popularmente conhecido como “Lula”, e foram espancados por tropas do exército com equipamentos de choque.
Essa brutalidade não quebrou a força de vontade dos grevistas – 40 mil se juntaram no estádio de futebol para proclamar que a luta prosseguiria: “Ninguém trabalha até que Lula seja solto!”, eles gritaram. No Primeiro de Maio, após um mês de greve, milhares de trabalhadores desafiaram uma proibição do governo para organizarem uma marcha começando na principal igreja de São Bernardo. E, em 5 de maio, quando eles novamente votaram para continuar a caminhada, a polícia atacou violentamente, deixando 53 grevistas feridos. Quando os estádios foram cercados para evitar reuniões de greve, o arcebispo de São Paulo, [Dom Evaristo] Arns, anunciou que as igrejas estariam disponíveis para reuniões de greve. Então o Presidente Figueiredo acusou o cardeal paulista de incitar a greve. Quando o bispo emitiu um chamado por um novo “pacto social”, Figueiredo declarou que a conferência episcopal não mais estava autorizada a falar pela igreja brasileira. Quanto aos interesses do capital, um vice presidente da Ford Motors falou à imprensa que a disputa poderia ser facilmente resolvida se o governo se mantivesse fora dela.
A simpatia pela greve se estendeu muito além da classe trabalhadora. A fábula do “milagre econômico” brasileiro está claramente acabada, e o desencantamento se espalhou para as classes médias e setores da burguesia. Por mais de uma década a ditadura militar se manteve no poder através da repressão brutal dos trabalhadores e da garantia de super-lucros aos capitalistas. Conforme as dificuldades econômicas foram se aprofundando, o regime tentou evitar uma explosão através de uma série de pseudo-reformas políticas e contendo os temidos “esquadrões da morte”. Mas apaziguamento não funcionou. Pelos últimos três anos o país entrou em erupção de novo e de novo, em longas ondas de greve em desafio direto ao governo. O forte proletariado brasileiro de muitos milhões está fervendo e provavelmente irá produzir no futuro próximo uma revolta sindical de grandes proporções, que irá sacudir o continente. O que ele carece é de uma liderança revolucionária capaz de transformar a luta para derrubar a ditadura em uma luta contra a ordem capitalista.
O “milagre econômico” vira fumaça
O presente regime teve início com a derrubada de João Goulart em 1º de abril de 1964 e a instalação de uma junta militar apoiada pelos EUA. A “Revolução de Março” teve lugar com unidades da Marinha e da Força Aérea norte-americana aguardando caso fosse necessário entrar em ação, e foi apoiada por virtualmente toda a burguesia brasileira. Supostamente, ela se deu para salvar o país do comunismo, da corrupção e dos 81% de inflação. Em um primeiro momento, o novo regime buscou desmontar o controle estatal e o protecionismo legal herdado de 30 anos de governos populistas. Essa foi a primeira aplicação por parte de uma ditadura latino-americana das políticas econômicas de direita da “Escola de Chicago”, que posteriormente se tornou notória como conselheira para o programa de fome em massas de Pinochet, no Chile. O Ministro do Planejamento brasileiro, Roberto Campos, era tão pró-americano que ele foi comicamente chamado de “Bob Fields”. Mas o crescimento econômico do período 1964-67 foi pouco mais do que nos anos de crise sob o governo Goulart, quando empresários estavam levando a cabo um boicote.
Então, na década seguinte, a economia brasileira subitamente “decolou” em um ritmo que superou o de todos os outros países capitalistas “subdesenvolvidos”, exceto aqueles baseados em petróleo. De 1968 a 1977, o produto interno bruto brasileiro, ajustado pela inflação, cresceu 10 por cento ao ano. Isso era para ser a história de sucesso do “mundo livre”, confirmando as teorias dos economistas burgueses imperialistas, do keynesiano da CIA, W. W. Rostow, ao monetarista dos generais, Milton Friedman. Mas a economia do “milagre” do Brasil estava longe de um “mercado livre” desembaraçado – as políticas do Ministro da Fazenda, Delfim Neto, seriam melhor descritas como um controle militar tecnocrata do Estado. E a principal fonte de financiamento do boomfoi um massivo influxo de investimentos imperialistas, aumentando por 25% ao ano desde 1970. Consequentemente, corporações “multinacionais” não só controlam totalmente as indústrias automobilísticas e farmacêuticas, como também dominam tradicionais setores do capital brasileiro, como o têxtil, de bebidas e maquinário (Le Monde Diplimatique, janeiro de 1979).
A base fundamental do boom financeiro foi a superexploração de uma classe trabalhadora impedida de se defender da baioneta dos soldados. De 1964 a 1974, os salários reais caíram por 30%, um drástico corte nos padrões de vida. Atualmente o salário mínimo compra apenas metade do que comprava em 1959; e, enquanto a renda da parcela 50 por cento mais pobre da população caiu de 18 para 12 por cento durante 1960-77, os 5 por cento mais ricos aumentaram sua fatia de 28 para 39 por cento (Economist, 4 de agosto de 1979). Mas a economia capitalista só pode ir tão longe através de um contínuo empobrecimento da classe trabalhadora. A crescente população das favelas provêem um reservatório de mão de obra barata, mas não muito de mercado interno. E mesmo que o mago financeiro Delfim Neto tenha agora sido trazido de volta, a inflação nos últimos 12 meses subiu 83 por cento, excedendo o pior ano sob Goulart. Como resultado, setores da burguesia brasileira estão exigindo mudanças fundamentais na política econômica, e alguns não ligariam muito se os trabalhadores metalúrgicos de fato fossem vitoriosos em sua greve.
Revolta operária
O arrocho dos salários reais após o golpe de 1964 foi possível graças à supressão brutal do movimento sindical, então já atrelado ao Estado das mãos aos pés, através da estrutura paternalista estabelecida pelo Estado Novo de Getúlio Vargas nos anos 1940. Moldado segundo a Carta del Lavoro de Mussolini, os sindicatos verticalizados não tinham direito a greve ou negociação coletiva; todas as disputas eram submetidas a tribunais trabalhistas do Governo. De forma semelhante ao regime peronista na Argentina, militantes de esquerda eram duramente expurgados dos sindicatos e substituídos por capatazes do Governo (os pelegos). Os sindicatos eram financiados por uma taxa de desconto obrigatória, mantida em cofres estatais, e seus secretários eram pagos diretamente pelo ministério do trabalho; o governo possuía o direito de dissolver qualquer organização sindical ou remover seus lideres sem reparação. Coroando essa estrutura corporativista, estava o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de Vargas, para amarrar politicamente os trabalhadores ao regime populista.
Após a repressão inicial que se seguiu ao golpe de 1964, os militares logo puseram os sindicatos em suas mãos ao colocar seus próprios pelegos nos altos cargos. Os generais também adicionaram novas ajudas legais à patronal, como a rotatividade, através da qual uma empresa poderia demitir toda a sua força de trabalho ao alegar dificuldades econômicas e repô-la com novos trabalhadores, com menores salários. Sem liderança, removida de todos os direitos e morrendo de fome, a classe trabalhadora brasileira conseguiu sobreviver esses primeiros anos apenas através de jornadas de trabalho de 60-70 horas por semana e mandando mulheres e crianças às fábricas. Mas a rápida industrialização provocou um resultado que é potencialmente letal para ditadura: um proletariado em crescimento. E o maior crescimento foi em novas indústrias de produção em massa, tais como a automobilística, onde a força de trabalho não está viciada em uma longa tradição de tutela governamental. Assim, começou a surgir na última década um eclético movimento conhecido como oposição sindical (OS), liderado por uma nova camada de militantes que se opõem ao controle dos pelegos sobre os sindicatos.
As OS tem se concentrado nos trabalhadores metalúrgicos de São Paulo, particularmente no assim chamado cordão industrial do ABC (os subúrbios de Santo André, São Bernardo e São Caetano), e esse setor combativo é onde as séries de greves aguerridas têm explodido recentemente. A primeira onda tomou lugar no final de 1977, após protestos estudantis terem surgido em praticamente todas as principais cidades brasileiras no começo do ano (confira Lutas Estudantis Engolem o Brasil, Young Spartacus No. 56, de julho/agosto de 1977). Os trabalhadores metalúrgicos estavam exigindo um aumento salarial de 34%, e, por volta do começo de 1978, dezenas de milhares estavam em greve em São Paulo e no ABC, o maior centro industrial da América do Sul. O Governo foi incapaz de suprimir os trabalhadores automobilísticos e, por volta de agosto daquele ano, novas greves estavam ocorrendo em uma média de três por dia.
Temendo as consequências de uma forte repressão contra estudantes, grevistas e liberais burgueses, o então presidente Ernesto Geisel inaugurou uma série de falsas reformas em seus últimos meses de mandato. Mas isso apenas aguçou o apetite dos trabalhadores e, quando Figueiredo assumiu em abril de 1979, ele imediatamente se defrontou com uma greve de 215.000 trabalhadores metalúrgicos exigindo 70 por cento de aumento salarial. A administração de apenas 9 dias chamou então a polícia para cercar as sedes dos sindicatos para que oficiais do governo pudessem expulsar líderes sindicais, particularmente Lula, que havia ganho proeminência nacional como o líder das greves de 1977-78. Contudo, quando o regime atingiu um “acordo” com seus pelegos, ele foi rasgado pelo combativo líder grevista Bendito Marchio, presidente do sindicato de metalúrgicos de Santo André. O governo conseguiu uma “trégua” de 4 dias e, em 12 de maio, pôde negociar um “acordo de compromisso”. Os trabalhadores metalúrgicos não conseguiram seu aumento; contudo, o governo anunciou que Lula outros líderes sindicais seriam reempossados.
Os lacaios de Figueiredo espalharam que a “paz social” havia sido restabelecida no ABC, mas isto era apenas uma calmaria no meio da maior onda grevista desde o golpe militar de 1964. Dois dias depois, 200.000 funcionários públicos e professores do estado de São Paulo marcharam para fora de seus locais de trabalho e, conforme as greves se tornavam cada vez mais combativas, o exército e a polícia militar recuaram para os quartéis. Em meados de julho, o governo propôs uma nova política salarial de moderados aumentos trimestrais, mas os trabalhadores não aceitaram. Alguns dias depois, trabalhadores da construção civil em Belo Horizonte votaram entrar imediatamente em greve, em prol de um aumento salarial de 110 por cento. Sob a liderança de Lula, os trabalhadores da construção civil alcançaram uma vitória em 3 de agosto, quando o Tribunal Trabalhista dobrou o salário mínimo, mesmo com a greve tendo sido declarada ilegal. Greves pipocaram por todo o Brasil. Caminhoneiros fizeram bloqueios de ruas em algumas regiões e, em 16 de outubro, cem pessoas se feriram em confrontos entre seguranças e trabalhadores da construção civil no centro metalúrgico de Volta Redonda.
Enquanto a mídia americana e europeia tem minimizado a importância das greves no Brasil, a mídia empresarial está crescentemente alarmada. Business Week (de 17 de março) resumiu: “Em 1979, sindicatos brasileiros realizaram cerca de 300 greves, uma mudança social fundamental em um país onde 15 anos de repressão governamental aos trabalhadores e sindicatos fez das paralisações uma raridade […] Pela primeira vez desde a revolução militar de 1964, corporações operando no Brasil precisam aprender a viver com negociações coletivas oficialmente sancionadas – mas as tensões resultantes sobre a economia do Brasil podem gerar um retorno das medidas repressivas.” E o Economist (de 26 de abril) questionou “Eles Conseguem Calar Lula?”:
“O poder no Brasil continua firmemente centralizado nas mãos do governo. Mas uma tentativa de destruir Lula […] poderia ricochetear. Com pouco ou nenhuma ideologia para lhes dar apoio, sucessivos governos militares tem dependido de progresso econômico para seduzir as classes média e trabalhadora. Agora, com a inflação mordendo mais forte e o desemprego crescendo, uma tentativa de punir um homem muito popular poderia dar bastante errado.”
Abertura” – Maquiagem para a Ditadura
A mídia imperialista tenta apresentar o desmonte da ditadura militar brasileira como um plano por parte dos poderosos de “abrir” o regime à influência civil. Bussiness Week escreveu: “Em uma surpreendente virada, líderes brasileiros estão soltando algumas das amarras sobre o movimento sindical enquanto um passo necessário em seu esforço para estabelecer uma democracia política [!]. […] o processo de liberalização política – chamado de abertura – é um concomitante de reformas econômicas que estão sendo implementadas para transformar o Brasil em uma moderna nação industrial.”.
A tagarelice de abertura por parte da ditadura militar não é nada além de isca para liberais crédulos, e dificilmente qualifica os presidentes Figueredo e Geisel como “oficiais de inclinações democráticas”, como o Economist os classificaria. Ela está em curso desde os anos ‘60, quando o governo permitiu a formação de dois “partidos”, o pró-regime ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e a “oposição” domada, MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Enquanto isso, sob o Ato Institucional nº 5, decretado em 1968, foi permitido ao presidente suspender o Congresso à sua vontade, expedir novas leis, demitir oficiais e suspender os direitos políticos de qualquer um por dez dias. Jornais foram censurados e banidos; críticos do governo foram presos e exilados; esquerdistas foram violentados, torturados, assassinados. Um movimento de guerrilha urbana que surgiu no final dos anos ‘60 foi destruído pelo exército usando os mais brutais métodos de terror à disposição.
Propostas de “liberalização” extensiva só começaram de fato com as agitações estudantis e operárias de 1977-78. Em junho de 1978, Geisel anunciou um pacote de reforma incluindo a abolição do Ato Institucional nº 5, da pena de morte, da prisão perpétua e do banimento político. Enquanto ele se preparava para deixar o gabinete em março seguinte, Geisel declarou o fim das prisões políticas, da tortura, da censura e do poder absoluto do presidente sobre o Congresso e as cortes. (Claro que ele podia continuar fazendo tudo isso através da simples declaração de um estado de emergência). Seu sucessor, Figueiredo, foi ex-chefe do serviço secreto que orquestrou os notórios esquadrões da morte. Uma das frases mais famosas de Figueiredo é “Eu prefiro o cheiro de cavalos ao cheiro das pessoas”. Mas, pelos padrões do exército brasileiro, ele seria qualificado como uma “pomba da paz”. Além de ameaçar delicadamente a onda de greves de 1979, Figueiredo declarou uma anistia geral para exilados políticos (esperando que isso pudesse dispersar a oposição frouxamente aglutinada em torno do MDB). Todos, exceto 200 presos políticos, foram libertados, e 5000 exilados tiveram seu retorno aceito.
O estratagema da anistia não funcionou. Os cavalos de batalha de 15 anos atrás despertaram pouco entusiasmo nas massas brasileiras, e certamente eles não foram de uso algum em tirar dos trilhos os movimentos grevistas. O ex-líder do PTB, Leonel Brizola, o latifundiário milionário e governador populista do Rio Grande do Sul que distribuiu armas para a população para conter um levante do exército contra Goulart em 1961, chegou em setembro virtualmente sem ser noticiado. Quando Brizola apontou para a conciliação com o governo, outro líder populista, Miguel Arraes (ex-governador de Pernambuco), fez nome como um crítico do regime e mobilizou uma multidão de 60.000 em seu retorno. Entretanto, ele chamou a oposição a permanecer unida em torno do MDB, em um momento em que as classes médias estão saturadas de falsos oposicionistas que têm jogado conforme as regras da junta, fazendo nada para ameaçar o mando dos generais, mesmo quando eles haviam ganhado duas vezes as fraudulentas eleições. Havia uma aura de expectativa em torno do retorno do líder do Partido Comunista (PCB), o idoso de 81 anos Luiz Carlos Prestes, mas o PCB alinhado a Moscou chamou pela manutenção da “unidade do MDB”, a válvula de escape do regime!
O movimento do Partido dos Trabalhadores
Enquanto isso, o Partido Comunista está em meio a rachas. Depois de líderes do PCB terem retornado da Europa, uma ala “eurocomunista”, liderada por José Salles (que estava exilado na França), tomou o controle e, em diversas ocasiões, rebateu publicamente declarações do secretário geral Prestes à imprensa, declarando por fim que ele não estava mais autorizado a falar em nome do partido. Salles ganhou notoriedade ao chamar por uma “assembleia constituinte com João [Figueiredo]” – juntando-se aos planos do governo por mais uma falsa cobertura parlamentar para o mando dos militares. Mas, com a classe trabalhadora brasileira cada vez mais direcionada a contestar o regime, Prestes respondeu em uma “Carta aos Comunistas”, no começo de abril, declarando que a política do PCB estava “longe da realidade do movimento dos trabalhadores e do povo de hoje em dia” (O Trabalho, 8-14 de abril). Prestes denunciou a atual liderança do partido de oportunista, carreirista e sem princípios.
A presente situação no Brasil lembra momentos similares da fase de decomposição dos regimes bonapartistas, de Portugal ao Peru. Os PCs locais desenvolvem um modus vivendi com a ditadura (como na Cuba de Batista) e, conforme ela desmorona, os stalinistas se encontraram flanqueados na esquerda por grandes movimentos dos trabalhadores. No Peru, isso levou a um racha no partido em 1978, quando líderes sindicais do PC tentaram se desvincular da junta de Morales Bernardez e suas cada vez mais odiadas políticas de austeridade. Em Portugal, durante os últimos anos do regime de Caetano/Salazar, o PC atuou apenas nos sindicatos verticalizados, logo ele foi deixado para trás em 1974-75 pelas combativas “comissões de trabalhadores”, que surgiram no cordão industrial de Lisboa. No Brasil, o PCB também se recusou a atuar por fora dos sindicatos corporativistas, e nas greves de massas dos trabalhadores metalúrgicos eles emblocaram com os pelegos pró-governo, contra a dominante Oposição Sindical.
Enquanto isso, o movimento grevista foi acompanhado por um crescente movimento pela fundação de um partido operário, o Partido dos Trabalhadores (PT), liderado por Lula e outros militantes das OS. Ao lançar o PT janeiro passado, José Ibrahim, líder da greve de trabalhadores metalúrgicos de 1978, declarou que ele seria “um partido dos trabalhadores, não um partido para os trabalhadores”. Com os stalinistas ainda tentando atrelar os trabalhadores à carcaça do MDB (agora chamado de “PMDB”), e com os herdeiros da tradição de Vargas tentando em vão ressuscitar o “Partido Trabalhista Brasileiro” de araque, a aparentemente entusiástica resposta ao movimento por um partido operário entre os sindicatos combativos indica uma bem-vinda ruptura com décadas de populismo corporativista. Mas qual é a orientação política do novo PT? Acaso ele possui um programa capaz de mobilizar a classe trabalhadora em encarar com sucesso as lutas revolucionárias que esperam por ela? Qual é sua política frente a ditadura?
O manifesto inaugural do novo partido fala apenas de “uma democracia mais profunda”, “igualdade social e econômica” e um “regime multipartidário livre”. Ele sequer chama por “Abaixo a ditadura”! O documento conclui: “o PT pretende chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática” (Movimento, 14-20 de janeiro). Na melhor das hipóteses, essa é uma variável de direita da social democracia, uma versão insípida criada especialmente para as condições brasileiras. Ele expressa o fato de que o movimento grevista de massas e o nascente PT são liderados por um grupo de militantes sindicais com perspectivas políticas limitadas. (Recentemente, em junho, durante uma reunião das forças de oposição, Lula se opôs a formação de um partido operário). Suas visões se aproximam dos “Economicistas” russos da virada do século, que queriam apenas “emprestar à luta econômica um caráter político”.
Mas, apesar das perspectivas reformistas dos líderes do PT, no contexto da presente convulsão operária no Brasil, um amplo movimento por um partido trabalhista poderia escapar ao seu controle e assumir proporções explosivas. Alguns dos burocratas originalmente associados ao projeto do PT já foram empurrados para fora (Por outro lado, alguns parlamentares do MDB pegaram carona na ascendente estrela do PT). Qual, então, deveria ser a atitude dos proletários revolucionários frente a esse contraditório movimento pelo partido operário? Obviamente os stalinistas, do pró-Moscou PCB ao pró-Albânia PCdoB e vários outros grupos menores, simplesmente deram de ombros, uma vez que seu objetivo é atingir algum tipo de aliança frente-populista com as forças capitalistas.
Entre os que reivindicam o trotskismo, que chamam pela independência da classe trabalhadora perante a burguesia, a resposta tem sido variada. A Convergência Socialista [principal grupo fundador do PSTU], um grupo associado internacionalmente com a Fração Bolchevique de Nahuel Moreno [atual LIT-QI], parece mais interessada em correr atrás dos populistas que restaram. Quando Miguel Arraes aterrissou em Recife, eles carregavam uma faixa que dizia “O povo está com Arraes” – isso para o homem que liderou a repressão contra as radicais Ligas Camponeses de 1963-64 (lembram de Julião? [1])! A Organização Socialista Internacionalista (OSI) [atual Corrente O Trabalho do PT], atrelada internacionalmente à OCI francesa de Pierre Lambert, está promovendo uma política socialdemocrata de esquerda, de pressionar a liderança Lula/Ibrahim do PT. Durante a greve dos trabalhadores metalúrgicos eles simplesmente chamaram o PT a “assumir seu lugar” na liderança.
Mas o centro da política da OSI é sua palavra de ordem de “Abaixo a ditadura! Por uma assembleia constituinte!”. Sequer uma vez nos números mais recentes de O Trabalho, ligado à OSI, eles chamam por um governo dos trabalhadores e camponeses. Seu programa é inequivocamente etapista: democracia burguesa agora – é cedo demais para o socialismo. Isso coloca a OSI apenas marginalmente à esquerda da própria liderança do PT, e certamente não prepara os setores combativos da classe trabalhadora brasileira para as tarefas por vir. Uma genuína liderança trotskista teria, desde o começo da luta dos trabalhadores metalúrgicos, chamado por organizarem concretamente uma greve geral; a OSI só levantou essa demanda quatro semanas depois, e nos mais vagos termos. E, enquanto chamariam por uma assembleia constituinte revolucionária como parte de seu programa pra varrer a ditadura assassina, os bolcheviques alertariam que, enquanto um governo operário e camponês não for estabelecido, sustentado não pelo parlamentarismo burguês, mas por órgãos de poder proletário, o que espera pelos trabalhadores brasileiros é a perspectiva de uma “contrarrevolução democrática”.
O ciclo de greves combativas e o movimento pelo partido operário apontam para uma morte prematura do mando dos generais. Comparado a outros ascensos recentes em setores marginais da América Latina (Nicarágua, El Salvador), a batalha que está se formando no Brasil será centrada nos trabalhadores – em um país de 120 milhões, com o maior proletariado industrial dentre os países de capitalismo atrasado.* As possibilidades revolucionárias são manifestas e a necessidade de um partido trotskista para liderar a luta não poderiam ser mais claras. Isso será conseguido não através da diluição do programa trotskista na consciência sindicalista/socialdemocrata dos atuais líderes, mas através da luta pelo Programa de Transição em sua totalidade e pelo renascimento da Quarta Internacional.
(*) Correção: O artigo Trabalhadores Sacodem o Brasil dos Generais se refere ao proletariado industrial brasileiro como o maior dentre os países de capitalismo atrasado; entretanto, ao menos a Índia excede o Brasil nesse quesito. [Correção publicada em Workers Vanguard No. 258, de 13 de junho de 1980]
***
Líder sindical brasileiro condenado
Tirem as Mãos de Lula!
[Workers Vanguard No. 278, de 10 de abril de 1981] 
Em 25 de fevereiro, uma corte militar condenou o mais conhecido líder sindical do Brasil, Luís Inácio da Silva (“Lula”), a três anos e meio de prisão. Outros dez líderes sindicais também receberam sentenças variando de dois a três anos e meio. Lula foi preso por liderar uma greve de seis semanas de trabalhadores metalúrgicos outono passado, na qual trabalhadores em luta exigiram não só grandes aumentos salariais, como também maior independência de seus sindicatos frente ao aparato estatal.
Os réus e seus advogados boicotaram o julgamento em protesto contra seu anúncio de apenas 48 horas de antecedência e contra as medidas estritamente repressivas que foram tomadas para esmagar qualquer protesto da classe trabalhadora. Esse julgamento de mentirinha não foi nada além de uma nítida tentativa de decapitar a oposição sindical brasileira, que existe por fora da estrutura de controle estatal imposta ao sindicalismo brasileiro pela ditadura de Figueiredo. O julgamento foi também um golpe por parte dos generais direcionado ao recém fundado Partido dos Trabalhadores (PT). Apesar do programa reformista e moderado do PT, os militares temem que o popular Lula e seus partido possam se tornar um ponto de convergência para o explosivo descontentamento dos trabalhadores.
Está sendo erguida uma campanha internacional contra esse ultraje. O New York Times (de 3 de abril) declarou que a repressão contra da Silva está fora de propósito frente à “presente política de gradualmente retornar o país às instituições democráticas”. Não de todo. A política de “abertura” da ditadura de Figueiredo foi formulada visando fornecer uma válvula de escape ao permitir uma limitada liberalização parlamentar, ao mesmo tempo em que mantivesse o movimento sindical sob estrito controle. Mas os trabalhadores enxergaram através disso. Agora Figueiredo se vê forçado a novamente acionar os velhos métodos de flagrante e indisfarçada repressão. Não se pode permitir que a ditadura militar brasileira se safe desse crime! Libertem Lula e os demais líderes sindicais condenados! Pelo direito de greve sem represálias!
Notas da tradução
[1] Francisco Julião, advogado e proeminente liderança das combativas Ligas Camponeses. Foi preso em 1964 e libertado em 1965, quando foi forçado a se exilar. Ao retornar ao Brasil em 1979, se aliou a Brizola na fundação do PDT.

Arquivo Histórico: Portugal 1974

Convidamos nossos leitores a conferirem as novas publicações em nosso Arquivo Histórico. Estes artigos foram originalmente publicados em 1974 em Workers Vanguard, jornal da então revolucionária Liga Espartaquista dos Estados Unidos. Eles foram traduzidos para o português durante as grandes lutas de classe que abalaram Portugal nesse período:
Partido Comunista português se alia com Spínola e contra greves (9 de Junho de 1974) / Derrotada a greve do correio português (25 de Junho de 1974).

Marxismo e Questão Negra

É com felicidade que anunciamos aos nossos leitores o novo livreto temático do Reagrupamento Revolucionário. Boa leitura!
 

Marxismo & Questão Negra 

(Documentos 1920-1987)

Resenha do Filme “Terra e Liberdade”

O que ficou de fora de “Terra & Liberdade”
Espanha: Guerra e Revolução
A presente resenha sobre o filme Terra & Liberdade foi publicada pela Tendência Bolchevique Internacional em 1917″ No. 18 (1996). Sua tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em setembro de 2012, a partir da versão disponível em http://bolshevik.org/1917/no18l&f.pdf.

Terra & Liberdade, um filme do diretor Ken Loach sobre a Guerra Civil Espanhola, é memorável ao mesmo tempo pelo seu ponto de vista e pelo assunto que aborda. Ganhador de dois prêmios no Festival de Cinema de Cannes em 1995, o filme dá vida a uma das maiores lutas de classes deste século. Após 60 anos, a Guerra Civil Espanhola retém o seu brilho romântico como uma luta heroica que pôs trabalhadores e camponeses comuns, ajudados por jovens idealistas de esquerda vindos do estrangeiro, contra os exércitos do General Francisco Franco, a classe dominante espanhola e as legiões militares fascistas despachadas por Hitler e Mussolini. É um conflito no qual é fácil escolher um lado.

Durante a guerra civil, os stalinistas se juntaram a socialdemocratas, pacifistas e liberais ao propagandeá-la enquanto uma luta para preservar a “democracia” espanhola. Mas havia muito mais em jogo do que isso – a questão fundamental era se a sociedade seria organizada de acordo com as necessidades dos capitalistas e proprietários de terra da Espanha ou dos seus trabalhadores e camponeses.

Há muitos paralelos entre os eventos na Espanha em meados dos anos 1930 e aqueles que aconteceram na Rússia depois da derrubada do Czar em fevereiro de 1917. As origens imediatas do conflito espanhol podem ser rastreadas até a queda da monarquia em 1931 e a proclamação de uma república encabeçada por uma coalizão de liberais burgueses e socialdemocratas. O líder dos liberais era Manuel Azaña, que Trotsky apelidou de “o Kerensky espanhol” em menção ao chefe do breve Governo Provisório russo. Assim como Kerensky, Azaña não recebeu a confiança dos grandes capitalistas e proprietários, e dependia do apoio de partidos dos trabalhadores (primeiro os Socialistas, e depois também os Comunistas) para se manter no poder. Assim como Kerensky, a base social de Azaña esperava que ele realizasse mudanças muito mais radicais do que aquelas que ele estava disposto a tolerar.

O resultado foi uma crescente série de embates entre os trabalhadores e o Estado ao longo dos anos 1930. Em 1933, um breve levante anarquista em Cádiz foi esmagado. Conforme a luta se aprofundou, esquadrões da morte assassinaram proeminentes líderes dos trabalhadores. Elementos da extrema direita lançaram um partido fascista, a Falange Espanhola. Quando o governo de Azaña foi substituído em 1934 por uma coalizão de direita encabeçada por Alejandro Lerroux, o geralmente legalista Partido Socialista, empurrado por sua ala esquerda, começou a falar em comprar armas para distribuir aos seus membros.

Em outubro de 1934, em meio a uma greve geral contra o governo, os mineiros das Astúrias declararam uma comuna socialista. O governo despachou Franco, à frente do seu Exército marroquino na África, para esmagar o levante. As tropas de Franco massacraram 5.000 trabalhadores e prenderam outros 30.000. Mas isso não acabou com a resistência.

Em janeiro de 1936, Lerroux foi forçado a renunciar em meio a um escândalo financeiro, e novas eleições foram realizadas. Pela primeira vez, os líderes anarquistas da Confederação Nacional do Trabalho (CNT – a maior central sindical da Espanha), que contava com cerca de um milhão e meio de membros, e também a Federação Anarquista Ibérica (FAI – a organização anarquista clandestina) abandonaram seu princípio de abstenção eleitoral e apoiaram os candidatos da Frente Popular, uma coalizão de partidos liberais burgueses com Socialistas e Comunistas. A maré foi tão forte que Partido Operário da Unificação Marxista (POUM – uma aliança de ex-trotskistas liderados por Andrés Nin e o Bloco Operário e Camponês dirigido por Joaquín Maurín), antes mais à esquerda e que previamente havia denunciado tal colaboração de classe, chamou pelo voto em Azaña, e assinou o manifesto eleitoral da Frente Popular. Em um artigo de janeiro de 1936, intitulado “A Traição do POUM”, Trotsky denunciou o apoio deles a essa aliança de colaboração de classes como “uma traição ao proletariado”.

Nos primeiros meses depois da sua eleição, Azaña fez todo o possível para garantir à classe dominante espanhola que a Frente Popular não apresentava nenhuma ameaça aos seus interesses essenciais. Ele se opôs ao armamento dos trabalhadores, ignorou os eloquentes relatos de que direitistas no exército estavam preparando uma revolta, e recusou sugestões de depurar o corpo de oficiais. Essa passividade encorajou os reacionários. Em 17 de julho de 1936 o exército realizou um levante no Marrocos que rapidamente se espalhou para outras guarnições pela Espanha. Ele foi imediatamente apoiado pela Igreja Católica e por virtualmente toda a burguesia. O governo da Frente Popular respondeu tentando conciliar os rebeldes. Azaña rejeitou propostas de armar a população:

“Mas os trabalhadores tinham tirado suas próprias conclusões e, sem dar a menor atenção aos sermões da Frente Popular sobre a autoridade governamental e parlamentar, ajudaram a si próprios. Eles espontaneamente se lançaram nos exércitos rebeldes, ao confraternizar com os soldados, desarmaram-nos e esvaziaram os arsenais e depósitos de armas em Barcelona, Madrid e Valência. Em uma palavra, eles responderam à insurreição fascista organizada pelo exército ‘Republicano’ com uma insurreição proletária.”
― Jean Rous, ‘‘Spain 1936-39: The Murdered Revolution,’’ Revolutionary History Vol. 4, Nos. 1/2

Por toda a Espanha legalista, trabalhadores tomaram fábricas e terras que a burguesia havia abandonado ao fugir para se juntar aos franquistas. Logo a classe trabalhadora começou a organizar a produção sem os patrões. Milícias rapidamente organizadas dos partidos dos trabalhadores foram despachadas para combater no front, enquanto na retaguarda patrulhas de trabalhadores substituíram a antiga polícia.

Em Homenagem a Catalunha, o clássico escrito em 1937 por George Orwell relatando suas experiências na milícia do POUM na frente de Aragão, ele descreve as possibilidades para a humanidade que ele vislumbrou nesse levante revolucionário:

“Eu tinha chegado mais ou menos por acaso na única comunidade na Europa Ocidental em que a consciência política e a descrença no capitalismo eram mais normais que seus opostos… Em teoria havia perfeita igualdade, e mesmo a prática não estava distante disso. Há uma noção de que seria verdade dizer que se estava experimentando uma prévia de socialismo, o que significa que a atmosfera mental que prevalecia era aquela do socialismo. Muitos dos aspectos normais da vida civilizada ― ostentação, apego ao dinheiro, medo do patrão, etc. ― tinham simplesmente deixado de existir. A divisão normal de classe da sociedade tinha desaparecido ao ponto em que é impensável para a atmosfera mesquinha da Inglaterra… Estávamos em uma comunidade onde a esperança era mais natural do que a apatia ou o cinismo, onde a palavra ‘camarada’ significava camaradagem e não, como em muitos países, uma forma de chamar a atenção de alguém. Respirávamos o ar da igualdade… Aquilo que atrai os homens comuns para o socialismo e os faz querer arriscar suas vidas por ele, a ‘mística’ do socialismo, é a ideia de igualdade; para a vasta maioria dos povos, ou socialismo significa uma sociedade sem classes ou ele não significa nada.”

Um dos grandes méritos do filme de Loach é que captura esse espírito. A história é contada através dos olhos de David, um jovem desempregado membro do Partido Comunista de Liverpool, Inglaterra, que viaja para a Espanha para se juntar às Brigadas Internacionais, e acaba por acaso entrando numa unidade militar do POUM. As experiências de David gradualmente transformam as suas visões políticas desde a aceitação acrítica da linha do Partido Comunista para uma compreensão de que, ao manter a luta nos limites aceitáveis para os capitalistas, os stalinistas estavam traindo a revolução e pavimentando o caminho para a vitória de Franco. David aparentemente foi baseado em Stafford Cottman, o membro mais jovem da unidade militar de Orwell, “que tinha entrado na Liga da Juventude Comunista depois de ter saído da Guilda do Partido Trabalhista, mas que apesar de tudo tinha entrado no POUM (as linhas divisórias não estavam muito bem definidas no começo)”. (George Orwell A Life, Bernard Crick). Crick relata qu,e quando Cottman finalmente voltou da Espanha, “havia um piquete na sua casa feito por membros locais do Partido Comunista, que o denunciavam como fascista”.

As questões levantadas pela Guerra Civil Espanhola continuam reverberando hoje em dia. De acordo com Freedom (10 de junho de 1995), uma publicação anarquista britânica, Santiago Carrillo, ex-líder do Partido Comunista Espanhol (PCE), denunciou Terra & Liberdade no jornal de Madrid, El País, no dia antes da estreia do filme. Ele reclamou que ele reduzia “um dos grandes épicos da luta pela liberdade deste século” a um pequeno conflito entre o POUM e o PCE. Loach respondeu apontando que, na época, Carrillo estava entre aqueles que caluniaram o POUM por supostamente estar em colaboração com Franco. Os comentários de Carrillo foram ecoados por Paul Preston, um historiador britânico, na matéria de capa de 16 de fevereiro do New Statesmen. De acordo com Preston, “Terra & Liberdade de Loach deve ser visto como um trabalho marginal, se não perverso” porque ele é mais “um  anti-stalinista do que uma homenagem àqueles homens e mulheres espanhóis e estrangeiros que deram suas vidas na luta contra Franco e seus aliados do Eixo”.

Para o crédito de Loach, ele explica o contexto internacional da política de frente popular de Moscou. Um ponto alto do filme é a discussão, que inclui a unidade da milícia e os camponeses de uma vila que eles tinham libertado, sobre coletivizar ou não a terra. Um stalinista norte-americano intervém, defendendo que a coletivização poderia assustar os potenciais aliados democráticos capitalistas da República Espanhola. E foi de fato em busca de um pacto de defesa com a Grã-Bretanha e a França que Stalin insistiu em sacrificar a Revolução Espanhola no altar da Frente Popular. O principal defeito político da apresentação de Loach, entretanto, é a ausência de críticas às políticas do POUM. Poder-se-ia, com base no seu filme, ter a impressão de que o POUM, oposto aos stalinistas, buscou um curso revolucionário consistente. Não foi bem assim.

Em um artigo escrito duas semanas depois do início da Guerra Civil, Leon Trotsky, líder do vitorioso Exército Vermelho na Guerra Civil Russa, observou:

“Numa guerra civil se combate, todos o sabem, não apenas com exércitos, mas também com armas políticas. De um ponto de vista puramente militar, a Revolução Espanhola é muito mais fraca que seu inimigo. A sua força está na habilidade de trazer as grandes massas para a ação. Ela pode até mesmo tirar o exército das mãos de seus oficiais reacionários. Para conseguir isso, é necessário apenas lançar seria e corajosamente o programa da revolução socialista.”
“É necessário proclamar que, de agora em diante, a terra, as fábricas, e as lojas passarão das mãos dos capitalistas para as mãos do povo. É necessário se mover de uma vez em direção à realização desse programa naquelas províncias onde os trabalhadores estão no poder. O exército fascista não poderia resistir à influência de um programa como esse por 24 horas; os soldados iriam amarrar as mãos e os pés dos seus oficiais e leva-los assim até o quartel mais próximo das milícias de trabalhadores. Mas os ministros burgueses não podem aceitar um programa como esse. Ao conter a revolução social, eles compelem os trabalhadores e camponeses a derramar dez vezes mais do seu sangue na guerra civil. E para coroar isso tudo, esses senhores esperam desarmar os trabalhadores novamente depois da vitória para força-los a respeitar as leis sagradas da propriedade privada. Essa é a verdadeira essência da política da Frente Popular.”
― “A Lição da Espanha”, 30 de julho de 1936

A capitulação do POUM e da CNT/FAI anarquista à Frente Popular ― ou seja, à concepção de que os interesses dos trabalhadores e camponeses tinham que ser subordinados àqueles dos capitalistas “progressistas” ― estabeleceu a base para a derrota da revolução e, em última instância, do lado republicano. Uma vez que os partidos dos trabalhadores aceitavam a necessidade de manter o bloco com os capitalistas “progressivos”, a luta tinha, portanto, que respeitar a propriedade privada e garantir as posses coloniais da Espanha. É por isso que o campo republicano se recusou a  proclamar a independência do Marrocos, apesar do fato de que isso teria tido um poderoso efeito desestabilizador nas tropas marroquinas, que constituíam um importante elemento do exército de Franco. O governo também se recusou a legalizar a expropriação das terras dos latifundiários e se esforçou para tranquilizar os capitalistas ao “regularizar” o aparato estatal, desarmando os trabalhadores e liquidando os órgãos de poder popular que haviam surgido em julho de 1936.

O POUM condenou essas medidas, mas se recusou a romper com a Frente Popular em cima delas. O melhor que Nin pôde fazer foi oferecer um palavreado “revolucionário” em sua aparência. Apesar de suas críticas à esquerda à traição dos stalinistas e da Frente Popular, o POUM capitulou politicamente numa conjuntura muito importante. Ele apoiou a Frente Popular eleitoralmente e, em setembro de 1936, entrou no governo burguês da Catalunha. Uma das primeiras tarefas do novo governo foi dissolver os órgãos de duplo poder proletário que haviam surgido paralelamente aos órgãos oficiais de governo. O Comitê Central das Milícias de Trabalhadores foi dissolvido, e as suas funções foram assumidas pelo Ministro da Defesa, enquanto os conselhos antifascistas locais (dominados pelas organizações de trabalhadores) foram substituídos pelas administrações municipais indicadas pelo governo.

Além disso, enquanto o POUM mantinha o seu portfólio ministerial, a classe trabalhadora estava desarmada. Passou-se uma lei exigindo que todas as armas fossem entregues ao ministério da defesa dentro de 8 dias: “No fim do período citado, aqueles que retenham tais armamentos serão considerados fascistas e julgados com o rigor que a sua conduta exige.” (citado em Revolução e Contrarrevolução na Espanha, de Felix Morrow). O decreto foi publicado na edição de 28 de outubro de 1936 de La Batalla, o jornal do POUM. Tendo emprestado o seu prestígio ao desarmamento dos trabalhadores e à erradicação dos seus comitês, em 12 de dezembro de 1963 o POUM foi de forma pouco cerimoniosa expulso do governo. A CNT, que era bem maior e mais flexível que o POUM, conseguiu ficar no governo até julho de 1937, quando ela também foi descartada.

Conforme a guerra progrediu, o punho stalinista apertou com mais força o aparato de Estado republicano. Dentro do governo de Frente Popular, os Comunistas defenderam os interesses dos capitalistas com uma determinação implacável. Em um discurso de março de 1937 para o plenário do Comitê Central do PCE, José Díaz, o secretário geral do partido afirmou isso sem ambiguidades:

“nós não devemos perder a cabeça e saltar sobre a realidade, tentando realizar experimentos de ‘comunismo libertário’ (anarquista) ou ‘socialização’ nas fábricas ou no campo. O estágio de desenvolvimento da revolução democrática pelo qual nós estamos passando requer a participação de todas as forças antifascistas, e esses experimentos só podem resultar em afastar uma seção muito importante dessas forças.”
“Se no começo as várias tentativas prematuras de ‘socialização’ e ‘coletivização’, que eram o resultado de um entendimento pouco claro do caráter da presente luta, pode ter se justificado pelo fato de que os grandes proprietários de terras e industriais tinham abandonado as suas terras e fábricas e que era necessário a todo custo continuar a produção, agora pelo contrário elas não podem se justificar de nenhuma forma. No presente momento, quando há um governo da Frente Popular, no qual todas as forças engajadas na luta contra o fascismo estão representadas, tais coisas não apenas não são desejáveis, mas absolutamente inadmissíveis.”
― A Internacional Comunista, maio de 1937

Nesse discurso, Diaz antecipou ameaçadoramente a vindoura repressão stalinista. Primeiro, numa clara tentativa de isolar o POUM, ele desmentiu relatos de que a CNT/FAI seria atingida:

“Nossos inimigos lançam rumores de que confrontos sangrentos são inevitáveis entre anarquistas e comunistas, e que a questão de quem vai esmagar o outro vai surgir inevitavelmente. Deve-se declarar que aqueles que espalham tais rumores são nossos inimigos e inimigos dos camaradas anarquistas.”

Ele declarou que era necessário lançar uma “luta implacável contra o trotskismo”, e deixou claro que a eliminação do POUM era uma prioridade máxima:

“Nosso maior inimigo é o fascismo, contra o qual nós concentramos nosso fogo e todo o ódio do povo. Mas o nosso ódio é dirigido com igual força contra os agentes do fascismo, contra aqueles que, como o POUM, esses trotskistas disfarçados, se escondem atrás de uma fraseologia pseudo-revolucionária para melhor cumprir seu papel como agentes do inimigo em nosso país. Para destruir a ‘Quinta Coluna’, nós devemos destruir todos aqueles que defendem os slogans políticos do inimigo. Mas os slogans do nosso inimigo são contraa república democrática, contra a Frente Popular antifascista, contra o governo da Frente Popular…”.

O confronto veio dois meses depois, em maio de 1937, quando os stalinistas lançaram um ataque contra a estação telefônica de Barcelona, controlada pala CNT. Milhares de trabalhadores armados, liderados pelos militantes da CNT e do POUM, responderam a essa provocação saindo às ruas e construindo barricadas. Os trabalhadores tiveram superioridade nos combates iniciais. Centenas de policiais do governo foram capturados e desarmados, e a maior parte da cidade logo estava sendo controlada pelos trabalhadores. Terra & Liberdade mostra essa batalha. O que fica de fora, entretanto, é o fato de que a liderança do POUM foi pega de surpresa – por ambos o ataque dos stalinistas e a resistência dos trabalhadores. E então, ao invés de usar a sua vantagem inicial para expulsar o governo e estabelecer o poder proletário direto, eles tentaram contemporizar com Azaña. Apenas o pequeno Grupo Bolchevique-Leninista, de orientação trotskista, e os anarquistas de esquerda “Amigos de Durruti” chamaram por um rompimento com a Frente Popular e pelo estabelecimento do poder dos trabalhadores. Os trotskistas lançaram um manifesto chamando pelo desarmamento da polícia republicana e pelo armamento dos trabalhadores. Eles alertaram que: “Esse é o momento decisivo. Logo será tarde demais… Apenas o poder proletário pode garantir vitória militar”. Os anarquistas de esquerda lançaram declarações similares. Mas o POUM e os líderes anarquistas concordaram, ao invés disso, a deixar as armas e mandar os trabalhadores para casa em troca da promessa por parte do governo de que não haveria represálias. Dentro de semanas o POUM era posto fora da lei, suas milícias desmontadas, seus quadros presos e seus líderes assassinados.

Longe de fortalecer o lado republicano, o sucesso dos stalinistas em esmagar a esquerda apenas acelerou a vitória de Franco. A questão crítica sobre a qual dependia o resultado final da Guerra Civil era o interesse de classe. A classe dominante espanhola sabia isso desde o início. Eles apoiaram Franco porque eles sabiam que se ele vencesse os sindicatos seriam esmagados, a esquerda aniquilada e uma ditadura militar instalada para garantir o poder capitalista. Mas não havia um apelo de classe equivalente do lado republicano. Os stalinistas exortavam os trabalhadores e proletários rurais a arriscar suas vidas para que, depois da vitória, eles pudessem continuar suas vidas sob o domínio “democrático” desses mesmos capitalistas.

Fenner Brockway, líder do parlamentarista Partido Trabalhista Independente (ILP) não era certamente nenhuma revolucionário. No entanto, depois de visitar a Espanha em junho e julho de 1937, ele concluiu:

“é evidente que o recuo de uma posição revolucionária pelo governo está encorajando a desilusão e mesmo a indiferença quanto à guerra. A experiência da Espanha mostra que uma guerra efetiva contra o fascismo também deve ser uma guerra pela revolução social. Essa é a dinâmica do entusiasmo, e conforme a contrarrevolução na Espanha prossegue, a paixão pela luta contra Franco diminuiu.”
― “Relato Pessoal da Visita à Espanha”, circular mimeografada [1937].

Terra & Liberdade vividamente ilustra quão perto a Espanha esteve em meados dos anos 1930 de uma revolução proletária, e capta a confusão dos militantes diante da situação, a forma como eles lentamente passam a perceber que estão sendo traídos. O desarmamento da unidade militar do POUM de David no clímax é a cena mais dolorosa do filme. No entanto, a ausência de qualquer explicação para a capitulação do POUM e da CNT/FAI pode levar os espectadores a tirar conclusões desnecessariamente pessimistas. Isso porque, a parte da questão da liderança política, a situação na Espanha em 1936 era muito mais favorável do que aquela na Rússia em 1917, quando os trabalhadores triunfaram. O proletariado espanhol de 1936 tinha um peso social muito maior e era politicamente mais avançado do que eram os trabalhadores russos em 1917. Além disso, ao contrário do campesinato predominantemente pequeno-burguês da Rússia, a população rural na Espanha era composta principalmente de proletários sem-terra e semiproletários que se identificavam com os seus pares urbanos. As massas espanholas lutaram magnificamente, mas sem uma liderança revolucionária coerente, foram incapazes de superar a coalizão de membros do POUM, stalinistas, anarquistas e socialdemocratas apoiando a Frente Popular. Nas palavras de Trotsky: “Não pode haver maior crime do que uma coalizão com a burguesia num período de revolução socialista”. Aqueles que aceitam o esquema da frente popular devem necessariamente considerar a revolução socialista como um erro.

A diferença entre a vitória na Rússia e a derrota na Espanha esteve inteiramente na qualidade da liderança política na ala esquerda do movimento dos trabalhadores. Os bolcheviques defenderam Kerensky, o líder do Governo Provisório de colaboração de classes, contra o golpe reacionário do General Kornilov, assim como na Espanha Trotsky chamou pela defesa de Azaña contra Franco. Mas, enquanto Lenin firmemente se recusou a apoiar Kerensky politicamente, e agressivamente defendeu os interesses independentes da classe trabalhadora contra a frente popular, o POUM e o resto da esquerda espanhola se curvaram diante do governo de coalizão para evitar o isolamento.

Os contorcionismos resultantes das tentativas do POUM de conciliar a sua análise formalmente marxista com o seu comportamento oportunista seria difícil de captar em uma produção cinematográfica. Loach ao menos merece o crédito por dizer a verdade conforme ele a conhece. Um dos méritos políticos do filme é que ele indica que a chave para o resultado da guerra Civil Espanhola estava nas lutas por dentro do campo republicano.

Loach não gosta da Frente Popular, mas ele não a explica suficientemente. Nesse sentido, a história completa da derrota da revolução espanhola ainda espera para ser contada para um público de massa. Entretanto, em um período de completo desprezo e cinismo pela política no cinema, Terra & Liberdadeé valioso ao menos por sugerir para uma nova geração que vale a pena considerar algumas das possibilidades históricas não realizadas dessa revolução traída.

O Morenismo e a Posição da CST (UIT) na Síria

Movimento dirigido pela oposição burguesa ou “revolução democrática”?
O Morenismo e a Posição da CST (UIT) na Síria

Leandro Torres
Outubro de 2012

Recentemente publicamos uma declaração [1] sobre o conflito que vem se desenvolvendo na Síria entre a ditadura de Bashar al-Assad e as tropas armadas da oposição burguesa organizada no Conselho Nacional Sírio (CNS), que tenta se impor enquanto uma liderança para o país. Em nossa declaração, insistimos na importância fundamental de organizar um movimento da classe trabalhadora, em oposição a todos os setores da burguesia — inclusive os rebeldes dirigidos pelo CNS. Compartilhamos imenso ódio contra a ditadura burguesa de Bashar, mas acreditamos que a vitória de um movimento armado dirigido pela oposição burguesa da Síria não pode representar nenhum tipo de interesse (nem democrático e nem social) para classe trabalhadora.

A Unidade Internacional dos Trabalhadores (UIT) e sua seção brasileira, a Corrente Socialista dos Trabalhadores (CST) – corrente interna do PSOL à qual é ligado o ex-parlamentar Babá – defendem uma política bem diferente disso. A explicação para essa divergência está no abismo existente entre o programa trotskista e o programa formulado e defendido historicamente pelo dirigente argentino Nahuel Moreno. A UIT surgiu em 1995, a partir de um racha na Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT), a organização internacional dirigida pelo PSTU e fundada por Moreno. A própria CST é um racha mais tardio do PSTU brasileiro e segue reivindicando o legado teórico de Moreno.

A “revolução democrática” morenista

Esse conceito é uma pedra angular da teoria revisionista criada por Nahuel Moreno para justificar seus próprios ziguezagues oportunistas. Em seu livro As Revoluções do Século XX (1984), Moreno realiza uma verdadeira distorção do conceito de revolução, para encaixá-lo em suas próprias necessidades de enxergar nas lutas contra as ditaduras da América Latina (então em desenvolvimento) possíveis “revoluções democráticas triunfantes” que teriam sido lideradas por setores da burguesia. O conceito de revolução defendido por Moreno acaba por esvaziá-lo de seu conteúdo classista e revolucionário:

“O que Trotsky não colocou, apesar do paralelo que fez entre o stalinismo e o fascismo, foi que também nos países capitalistas era necessário fazer uma revolução no regime político: destruir o fascismo para reconquistar as liberdades da democracia burguesa, ainda que fosse no terreno dos regimes políticos da burguesia, do Estado burguês. Concretamente, não colocou que era necessária uma revolução democrática que liquidasse o regime totalitário fascista,como parte ou primeiro passo do processo até a revolução socialista, e deixou pendente este grave problema teórico.”

 As Revoluções do Século XX, Nahuel Moreno, 1984 (ênfase nossa).

Delineando uma estratégia semietapista para o combate às ditaduras em geral e a realidade latino-americana da época em particular, Moreno precisou falsificar deliberadamente o pensamento de Trotsky, que foi muito claro ao lidar com a questão das tarefas dos revolucionários frente a uma ditadura burguesa (no caso, o fascismo). O programa trotskista encarava que a derrubada de ditaduras burguesas deveria se dar através de uma revolução proletária, capaz de erguer um Estado da classe trabalhadora, e de expropriar inclusive os setores “democráticos” da burguesia. Ou seja, nada de “revolução no regime político” como “primeiro passo do processo até a revolução socialista”. O pensamento de Trotsky e da Quarta Internacional eram justamente a antítese de todo e qualquer etapismo:

“Isso significa que a Itália [fascista] não pode, por certo tempo, novamente se tornar um Estado parlamentar ou se tornar uma ‘república democrática’? Eu considero – em perfeito acordo com vocês, eu acho – que essa eventualidade não está excluída. Mas então, não seria fruto de uma revolução burguesa, mas sim o aborto de uma revolução proletária insuficientemente madura e prematura. No caso de uma profunda crise revolucionária e de batalhas de massas no curso das quais a vanguarda proletária não tome o poder, possivelmente a burguesia irá restaurar seu domínio sobre bases ‘democráticas’.”

Problems of the Italian Revolution, Leon Trotsky, 1930 (ênfase nossa). Disponível em inglês em:

Já Moreno preferiu definir como “revoluções vitoriosas” processos políticos hegemonizados pela burguesia, deixando o programa da revolução proletária para os dias de festa e defendendo vergonhosamente a necessidade de uma etapa (“primeiro passo”) democrático-burguesa que precedesse a revolução socialista na luta contra regimes ditatoriais burgueses. Durante essa luta, caberia aos morenistas apoiar os movimentos dirigidos por forças burguesas e leva-las ao poder, deixando para um futuro incerto a necessidade concreta da revolução socialista. Na realidade, portanto, essa “revolução democrática” no regime burguês, a ser liderada por partidos de outras classes, nada mais é do que uma receita para manter o proletariado iludido de que está conquistando “vitórias revolucionárias” enquanto na verdade permanece sob o domínio da burguesia e do imperialismo.

As tarefas revolucionárias na Síria e a posição da CST

No que tange às tarefas revolucionárias na Síria, defendemos em nossa declaração a necessidade de criar um amplo movimento do proletariado, politicamente independente das forças burguesas. Através de demandas transitórias, caberia a esse movimento combinar um combate aos efeitos da crise econômica (como o crescimento do desemprego e do preço dos alimentos), com uma luta consequente por liberdades democráticas e pelo socialismo. Apontamos também que a burguesia síria está umbilicalmente ligada ao “arcaísmo” existente hoje no país, cuja face mais evidente é o fundamentalismo religioso de muitas de suas frações e a submissão política e dependência estrutural de toda essa classe com relação às burguesias imperialistas. O sucesso de uma luta pelos direitos democráticos na Síria, que incluem a emancipação das mulheres, da minoria curda, a distribuição da terra e a libertação do país contra o imperialismo passam necessariamente pela expropriação dos capitalistas.

A direção da UIT às vezes cria a impressão de que defende os mesmos princípios gerais que acabamos de expor. Por exemplo:

“Fraternalmente nós dizemos ao heroico povo sírio que apenas um governo baseado em suas próprias organizações insurgentes de base, como os Comitês Locais de Coordenação e organizações operárias e populares, o rechaço à intervenção imperialista e a ruptura e expropriação do imperialismo e do clã de Assad, pode leva-los a conquistar seus objetivos democráticos e sociais de fundo.”

—     Siria: ¡basta de masacres al pueblo!, de março de 2012. Disponível em espanhol em:

Porém, analisando com mais cautela tal declaração, logo ficam evidentes duas importantíssimas diferenças. A primeira delas diz respeito aos Comitês Locais de Coordenação, que a UIT chama a comporem um governo junto a “organizações operárias e populares”. A princípio, um governo composto de “organizações operárias e populares” poderia ser entendido enquanto um governo direto dos trabalhadores – um governo de tipo soviético, assentado sobre um Estado proletário. Mas acontece que os “Comitês Locais”, que vêm transmitindo notícias sobre os conflitos e ajudando na convocação e organização dos atos de ruas, compõem a coalização da oposição burguesa proimperialista, o citado Conselho Nacional Sírio.

Nesse sentido, esse órgão está politica e organizativamente submetido à mesma burguesia que tem pedido repetidamente para que a ONU realize um intervenção armada no país, o que só serviria para apertar ainda mais a corda imperialista que já sufoca o pescoço do povo sírio. Um governo composto por tal organização seria, necessariamente, não um governo direto dos trabalhadores, mas o governo de um braço subordinado do CNS.

Considerando que a UIT compôs no último 1º de maio uma reunião de “solidariedade internacional ao povo sírio e à revolução”, realizada em Regueb (Tunísia) [2], não podemos ter dúvidas que estes não sabem dessa submissão dos “Comitês Locais” ao CNS. Como veremos mais adiante, seu apoio aos “Comitês”, a “ala esquerda” do CNS burguês, não é um equívoco derivado da falta de informações, mas sim uma política consciente.

Quanto à segunda diferença, essa diz respeito à tarefa revolucionária de se expropriar a burguesia enquanto classe. A declaração da UIT chama pela “expropriação do imperialismo e do clã de Assad”, o que sem dúvidas colocaria nas mãos do proletariado importantes recursos agrônomos, industriais e tecnológicos. Mas e quanto à burguesia nativa que não é parte do “clã Assad”? Acaso os empresários proimperialistas do CNS merecem o perdão do proletariado por anos de conivência com Assad e de exploração dos trabalhadores só porque decidiram deflagrar um conflito armado e governar por si próprios o país?

A ausência de um chamado claro para a expropriação de toda a burguesia síria (incluindo os supostos “líderes” burgueses da suposta “revolução”), somada ao apoio aos “Comitês Locais de Coordenação” nos diz muito sobre a posição da UIT na Síria. Essa posição só faz sentido se sairmos do campo do trotskismo e nos embrenharmos na oportunista tradição morenista.

A UIT, embora criticando os líderes do CNS, disfarça o caráter burguês do movimento armado que ele dirige na luta pelo poder. Esse malabarismo não é ao acaso: serve para disfarçar o apoio dado pela UIT a esse movimento, com a esperança de que ele represente um “primeiro passo” para a vitória da classe trabalhadora. Considerando implicitamente que o conflito na Síria seria uma “revolução democrática” contra um regime ditatorial, a UIT:

“(…) chama a mais ampla unidade de ação mundial, a todos os sindicatos, movimento populares, correntes de esquerda, democráticas e anti-imperialistas para parar os massacres e apoiar incondicionalmente a rebelião popular para derrubar a ditadura de Al Assad. Reivindicamos dos governos a ruptura de relações com a ditadura síria. Convocamos a repudiar todo intento de intervenção imperialista! Que os povos e a juventude dos países árabes, em especial do Egito, Líbia e Tunísia, se mobilizem para exigir de seus governos que enviem armas e voluntários ao povo rebelde sírio!”

Seguindo a lógica de que o conflito sírio é uma “revolução” ao estilo morenista, não se faz necessário falar em classes, mas sim em “povo sírio” em geral (que aliás, não parece incluir a minoria curda e também minorias religiosas que temem e desconfiam da oposição). Não vale a pena compreender qual força de classe é a direção política do movimento oposicionista, ou qual é o seu programa, mas sim “apoiar incondicionalmente a rebelião popular”. Não vale a pena defender a criação de um movimento proletário politicamente independente da oposição burguesa e de seus braços, como os Comitês Locais de Coordenação, mas sim “exigir dos governos que enviem armas e voluntários ao povo rebelde sírio”.

Marxistas não agem dessa forma. Frente a todo e qualquer processo de luta, analisamos as classes envolvidas. No caso da Síria, os setores diretamente em luta são a odiosa oposição burguesa proimperialista do CNS, que dirige o movimento rebelde, e a igualmente odiosa burguesia ditatorial representada por Assad. Defendemos um programa próprio do proletariado. Por isso dizemos claramente que a vitória de qualquer um dos lados burgueses não significa nenhum “passo” ou um avanço com relação à perspectiva revolucionária.

A nota de um grupo com o qual a UIT mantém relações fraternais e que foi reproduzida no seu site, indicando uma concordância política em termos gerais, corretamente reconhece que:

“A falta da intervenção ativa da classe trabalhadora na revolução e a carência de uma direção política revolucionária cria uma situação de ‘empate’ e faz com que os que buscam uma saída em uma intervenção do imperialismo ganhem terreno dentro da oposição.”

La ONU y Bashar contra la revolución Siria, de abril de 2012. Disponível em espanhol em:

Entretanto, a ausência da classe trabalhadora organizada e a falta de sua “intervenção ativa” não impedem que a UIT considere o processo como “revolucionário”. Então qual classe “revolucionária” está à frente de um processo caracterizado como tal? Apesar de criticar o CNS, a UIT parece tirar a conclusão de que um movimento “sem a intervenção ativa da classe trabalhadora”, que age sob o seu programa burguês, segue a sua liderança e nutre ilusões nas suas promessas, poderia representar os interesses revolucionários da classe trabalhadora.

Seguindo a cartilha morenista, a UIT se coloca do lado da oposição burguesa liderada pelo CNS, caracterizando seu movimento como “revolução”, e não tira dessa situação de guerra civil a conclusão da necessidade urgente de construir um partido revolucionário, capaz de levar as massas trabalhadoras a cumprir um papel protagonista em uma luta contra a ditadura burguesa e também em oposição ao CNS pró-imperialista. Esse seria o único processo, diferentemente do atual, merecedor do nome de revolução. Na nota dos colaboradores internacionais da UIT, afirma-se que:

“Construção de comitês de solidariedade com a Revolução síria; cooperação destes comitês de solidariedade com os Comitês Locais de Coordenação, que são auto-organizações de massas que lideram as mobilizações; fornecimento de armas, munição e material de saúde para as forças revolucionárias; daria um impulso enorme à Revolução síria.”

Idem.

Da mesma forma que seus companheiros da UIT, o “Comitê Internacional de Enlace” [3] que assina tal nota embeleza os “Comitês Locais” submissos ao CNS, defende o fortalecimento das “forças revolucionárias” armadas (que não podemos entender senão enquanto o fortalecimento do Exército Livre da Síria, braço armado do CNS financiado por países burgueses vizinhos e potências imperialistas) e secundariza ou mesmo ignora a necessidade de um partido revolucionário e mesmo de um proletariado que se diferencie politicamente da burguesia e das “massas” em geral.

Diferente da UIT, nós nos baseamos no legado de Leon Trotsky, e não no de Moreno, opostos pela raiz. Para nós na Síria hoje, um governo do CNS ou mesmo da sua “ala esquerda”, os Comitês de Locais de Coordenação, não seria senão “o aborto de uma revolução proletária insuficientemente madura e prematura”. Uma vez no poder, estes dirigentes burgueses virariam as armas do seu Exército “Livre” contra qualquer um que ousasse organizar uma oposição proletária e falar em expropriação da burguesia ou ruptura com o imperialismo. Traição e derrota: é exatamente isso que espera o proletariado sírio no caso de este apoiar uma vitória do CNS, seja este a governar diretamente, ou mesmo os Comitês Locais de Coordenação a ele subordinados. A UIT, como tantos outros grupos na esquerda, está preparando o clima para que os trabalhadores sírios sejam arrastados a uma armadilha.

NOTAS

[1] Conferir O Conflito Sírio e as Tarefas dos Revolucionários, de setembro de 2012. Disponível em:
http://reagrupamento-rr.blogspot.com.br/2012/09/o-conflito-sirio-e-as-tarefas-dos_5523.html

[2] Conferir Llamamiento de Regueb-Tunez en apoyo al pueblo sirio. Disponível em espanhol em:

[3] Composto pelos grupos Luta Internacionalista, da Espanha, e Frente Operária, da Turquia.

Arquivo Histórico: Destruição da Alemanha Oriental

Relatos de uma Testemunha Ocular
O Colapso da RDA
Os dois artigos a seguir foram originalmente impressos em “1917” #8, jornal da então revolucionária Tendência Bolchevique Internacional, no primeiro semestre de 1990. A tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em setembro de 2012.

10 DE MARÇO ― Uma das coisas mais impactantes sobre os eventos na RDA [República Democrática Alemã] é a quase completa ausência de atividade dos trabalhadores com alguma consciência de classe, ou seja, enquanto trabalhadores. Para entender o porquê, é preciso saber algo sobre a realidade sócio-política na RDA. Parece que a consciência elementar dos trabalhadores enquanto classe é muito menor na RDA do que na República Federal [RFA].

Muitos trabalhadores da RDA não tem ideia de como o capitalismo funciona, ou que trabalhadores e capitalistas tem interesses contrários. Uma pesquisa recente mostrou que 56 por cento das pessoas na RDA acreditam que apenas limitações legais mínimas deveriam ser impostas aos capitalistas. Na RFA apenas 39 por cento achavam que controles legais mínimos eram o suficiente. A oposição organizada, os protestos de massas, o “movimento dos cidadãos” após novembro e os partidos políticos em gestação não tem um caráter proletário independente. A liderança de todos os partidos, da esquerda à direita, estava e continua estando nas mãos da pequeno-burguesia: médicos, acadêmicos, pastores, artistas e advogados. Mesmo os ativistas da Esquerda Unida [Vereinigte Linke (VL)] são estudantes ou acadêmicos. A onda de greves que ocorreu no fim de janeiro e no começo de fevereiro se desarticulou. As reivindicações eram limitadas e variáveis: salários mais altos, exigências pela destituição de administradores do SED (o partido stalinista) e por separação das fábricas da Kombinat e do controle econômico (interesses proletários setoriais).

A restauração capitalista e o sindicalismo na RDA

Alguns conselhos de trabalhadores foram formados, mas eles são ou como associações ou então formações sindicais nascentes. O nível máximo de organização proletária até agora foi um raivoso e confuso crescimento de atividade sindical. A FDGB (corpo sindical dominado pelos stalinistas) rapidamente se livrou da sua velha liderança (muitos se demitiram sem pressão), e está tentando reconstruir um movimento sindical com um programa sindicalista limitado, defensivo.

A desconfiança com a velha FDGB (que não havia feito nada por 40 anos) levou ao surgimento de sindicatos aburguesados com interesses restritos. Professores, policiais e trabalhadores ferroviários começaram a pedir para se tornarem Beamtenstatus (como na RFA). Essa é uma categoria especial de trabalhadores públicos que aceitam perder seus direitos de greve em troca de salários fixos e estabilidade no emprego. Quando o sindicato independente dos professores pediu proteção social garantida pelo Estado, ou seja, plano de saúde, auxílio creche e custo de vida (apenas para si próprios), ele recebeu a rude resposta do novo vice-ministro da educação de que os trabalhadores só têm essas garantias no socialismo, e de que socialismo significa ditadura. A ideologia do movimento sindical é copiada diretamente da DGB [movimento sindical da RFA] e do SPD [partido socialdemocrata da RFA], que estão guiando diretamente e tentando controlar o movimento sindical na RDA.

A DGB está aparentemente tendo algum sucesso em persuadir a FDGB de que os delegados sindicais devem se desligar da base e ter representantes pagos pela empresa, não pelo sindicato, em tempo integral. Isso é racionalizado como se fosse dar amplo escopo à democracia proletária, mas na realidade tem o objetivo de separar os funcionários sindicais da base, e limitar as reuniões nos locais de trabalho (sejam reuniões da direção ou de todos os trabalhadores) a assuntos econômicos. É um mecanismo para estabelecer uma estrutura sindical extremamente burocratizada, alheia a qualquer controle da base, que iria realizar reuniões sem nenhuma frequência.

O parlamento da RDA fez uma emenda à proposta de lei básica proibindo os locautes e garantindo o direito irrestrito à greve. A lei consagra Mitbestimmung, que não significa simplesmente que trabalhadores e empregadores devam sentar e conversar, mas também que ambas as partes tem interesses comuns em uma produção eficiente e sem interrupções, e devem agir juntas para a paz social. Essa é a base legislativa e ideológica do movimento sindical na RFA. A lei proposta sobre o movimento sindical na RDA incluía frases que implicavam poder de veto sindical sobre prerrogativas administrativas como joint-ventures, venda de fábricas, entrada das empresas na bolsa de valores, etc. Isso foi rejeitado pelo parlamento. Esse direito de veto, por sinal, é o programa sindical máximo levantado pelo SPD da Alemanha Ocidental e pela DGB. A legislação, que se tornou parte da constituição da RDA pelo voto de dois terços do parlamento, passou apesar das objeções de alguns parlamentares da UDC (RDA) [democracia cristã].

A lei sindical da RDA tem alguns paralelos com o Ato Norris La Guardia dos Estados Unidos (também chamado Carta Magna do Trabalho) aprovada nos anos 1930. O PC norte-americano, assim como o SWP [Partido dos Trabalhadores Socialistas, então seção da Quarta Internacional] se opuseram à lei como uma extensão do “direito” do Estado capitalista de intervir e exercer controle sobre as lutas dos trabalhadores. O PC rapidamente capitulou, mas o SWP trotskista não. É claro que a situação aqui é diferente porque ainda se trata de um Estado operário deformado.

O fato de que a nova lei não impõe limites ao direito de greve resultou em uma tempestade de raiva dos capitalistas da RDA, e ameaças de que não dariam “ajuda” econômica a não ser que a lei mudasse para garantir ao menos as restrições existentes na lei da RFA (que em alguns sentidos é mais restritiva que a dos Estados Unidos). O candidato do SPD a primeiro ministro na RDA, Boehm, declarou vagamente que essa lei será “sujeita a discussão”. Há um grande ódio no que é visto como uma tentativa do PDS (antigo SED) de atender a interesses da classe trabalhadora e impedir a rápida restauração do capitalismo.

Mas o avanço restauracionista parece muito forte. Se, depois das eleições, um governo pró-capitalista se consolidar e a propriedade estatal for privatizada, novas emendas à lei sindical serão rapidamente impostas para diminuir o espaço de ações proletárias defensivas “legais”. A Mitbestimmung estabelece o mecanismo de colaboração de classes envolvendo os sindicatos. Um tipo de precedente para isso já existe na RFA. Representantes eleitos dos trabalhadores frequentemente tem acesso legal aos arquivos e relatórios financeiros e comerciais do empregador, mas são proibidos de dizer aos trabalhadores de base ou oficiais sindicais. A violação disso pode levar a punições severas.

O legado do stalinismo prussiano

Por que isso aconteceu? Quarenta anos de stalinismo resultaram em uma profunda despolitização da classe trabalhadora na RDA. Os trabalhadores não tinham nem organizações independentes e nem os mais limitados direitos sindicais. Todos os benefícios vinham de cima, do partido. O principal bordão do SED não envolvia o “proletariado”, mas sim “Volk”, que pode ser traduzido como “povo”, mas também carrega conotações extremamente nacionalistas de raça, cultura e sangue. Tudo era o Volk: parlamento do povo, exército do povo, polícia do povo. De fato, o velho elitismo prussiano foi levado a todas as instituições. Acadêmicos e profissionais parecem ter tido muito mais influência do que os trabalhadores no aparato econômico e estatal; graduandos de universidade automaticamente se tornavam oficiais. Os trabalhadores só podiam aspirar a serem soldados. Acadêmicos com doutorados ocupavam quase todas as posições de liderança, exceto por um punhado de membros do Politburo.

Era um Estado com um estilo de organização não-capitalista prussiano e de intolerância e presunção pequeno-burgueses. A pequeno-burguesia é bem significativa. Oitenta mil pequenos estabelecimentos privados (limitados a dez trabalhadores) estão em operação, desde bares e restaurantes e pequenos serviços de conserto até pequenas fábricas. Há cerca de um milhão de pessoas na RDA trabalhando para negócios privados fora do setor da economia de propriedade coletivizada. Esses pequenos empresários, junto com clérigos e acadêmicos, constituíam os quadros dos movimentos e partidos que lutavam pela reunificação e restauração capitalista. A eles se juntaram rapidamente a maioria dos administradores e burocratas da área econômica.

A ideologia política não existia na RDA exceto na forma crua do stalinismo prussiano. Poucas pessoas (incluindo os membros do SED) defendiam completamente ou sequer acreditavam nessa visão de mundo. As pessoas simplesmente foram para casa assistir à TV da RFA (a não ser nos arredores de Dresden). Enormes pressões sociais haviam sido erguidas, e quando os protestos de massa começaram, uma quantidade de escritores e intelectuais tentou dar expressão a uma visão de “socialismo democrático” para o futuro da RDA. Essa visão muito rapidamente foi varrida e substituída com uma visão da economia de mercado e reunificação capitalista como o caminho a seguir.

O regime virtualmente desmoronou. O secretariado político (Politburo) do SED se demitiu, e a conferência do SED removeu todo o comitê central sem indicar substitutos. Muitos funcionários do SED deixaram o partido e abandonaram seus postos no governo. Surgiu um vácuo político e econômico. O mais importante ministério, o ministério da economia, deixou de funcionar. O planejamento central (ou mesmo ministerial) entrou em colapso ou foi abandonado. A Kombinat e a administração do trabalho foram deixadas sem poder ou sem instruções; corpos de governo regionais caíram por demissão ou por falta de “legitimidade”. No campo político, muitos funcionários estatais do SED foram inicialmente substituídos por ministros dos quatro partidos do bloco, e ministros sem pasta foram indicados desde a Mesa Redonda da oposição. Estes vieram principalmente dos partidos de “centro”. O PDS está em minoria no conselho de ministros. Um número significativo de partidos está batendo na porta do SPD.

A maior parte dos administradores econômicos e industriais começou a pedir pela legalização da propriedade capitalista. Alguns poucos administradores da Kombinat estão fazendo apelos hesitantes em defesa do patrimônio público na indústria pesada, mas claramente sujeito às pressões do mercado. Em toda a parte, formações de Mesa Redonda surgiram e estão assumindo poderes administrativos. Estas frequentemente incluem o PDS, que parece sempre capitular à maioria. Essas formações de Mesa Redonda indicaram grupos de trabalho para estudar, fazer recomendações, e assumir o controle de funções administrativas, construções, comunicações, imprensa e da propriedade da antiga Stasi [a polícia secreta na RDA, que foi desmontada].

O canto inicial “nós somos o povo” foi rapidamente substituído pelo slogan “nós somos um povo”. A orgia nacionalista é mais difundida e histérica do que na RFA. O vácuo ideológico programático está preenchido quase completamente a partir da RFA. Capitalismo, reunificação nacional e slogans anticomunistas, assim como expresso pelos partidos da RFA, foram adotados por completo, e estão refletidos em forma de palavras de ordem simplistas por quase todos os grandes partidos influentes da RDA. O nacionalismo alemão domina. “Nossos irmãos e irmãs alemães não nos permitirão sofrer, mas irão rapidamente nos incorporar no bem sucedido capitalismo da RFA, com os seus extensivos amortecedores sociais. Afinal, somos todos alemães!”. A televisão mostra reuniões de fábrica e em locais de trabalho na RDA onde os trabalhadores pedem conselhos sobre como construir o capitalismo, ou então os trabalhadores estão apaixonadamente atacando os membros do antigo SED e dizendo: “Só poderemos avançar quando nos livrarmos de tudo que é vermelho”. Parece que, no momento, as condições na RDA estão mais favoráveis para um crescimento rápido de grupos e ideologia neofascistas do que na RFA. O regime da RDA sempre foi extremamente nacionalista. O fascismo era sempre caracterizado como primariamente anticomunista. Na região do campo de concentração de Buchenwald, não há memóriais ou informações sobre o grande número de judeus que foram aprisionados ou mortos. Na escola, as crianças aprendem muito pouco sobre o Holocausto. O regime de Ulbricht era abertamente antissemita. Um número considerável de comunistas judeus voltou para a RDA depois de 1945. Muitos foram perseguidos, e muitos judeus deixaram a RDA nos anos seguintes. A RDA supostamente tem apenas 400 pessoas com antecedentes judeus (o pai de Gysi [líder do PDS] era um comunista judeu alemão). Cerca de 0,8 por cento da população é composta de residentes não-alemães, a maior parte estudantes ou trabalhadores do Vietnã, Polônia, Moçambique, Angola e Cuba. Crianças não-alemãs nascidas na RDA não tem direitos de cidadania e aparentemente é impossível para não-alemães adquirir cidadania. Os trabalhadores estrangeiros são limitados ao máximo de cinco anos de residência. Não há exceções. A plataforma eleitoral do PDS não faz menção sobre permitir a trabalhadores estrangeiros permanecer depois de cinco anos e Christa Luft, vice-premier, membro do PDS e ministro (sem ministério) da economia, aparentemente despachou os trabalhadores vietnamitas de volta para o Vietnã.

Trabalhadores e estudantes estrangeiros, especialmente em Leipzig e Dresden, estão vivendo com medo. Eles ficam em casa durante os protestos, e os elementos fascistas cada vez mais ousados estão exigindo a expulsão de todos os não-alemães. Quando um pequeno grupo de estudantes (alemães e estrangeiros) levantou um pequeno cartaz contra o racismo e a hostilidade contra os estrangeiros durante um dos regulares protestos de segunda-feira em Leipzig, as pessoas negaram a existência do racismo, mas disseram que os estrangeiros deveriam ser mandados para casa ou completamente segregados.

Übersiedler (as pessoas que estão deixando a RDA para ir para a RFA) exigem que milhões de turcos na RFA sejam deportados para abrir espaço e empregos para “verdadeiros” alemães. Toda manhã milhares de pessoas vão até Berlim Ocidental para exigir os empregos ocupados pelos turcos, e se oferecem para trabalhar por menos do que o salário mínimo legal ou que o decidido pelo acordo sindical. Mães de crianças negras ou asiáticas na RDA temem pela segurança de seus filhos.

A Mesa Redonda recomendou que o Partido Republicano (neofascista) fosse proibido na RDA. O parlamento da RDA adotou a lei proposta, mas ninguém a aplica. Skinheads neonazistas fazem protestos públicos gritando “Fora Vermelhos!” e “Fora Estrangeiros!” e cantando o refrão do velho hino nacional alemão que fala de uma Grande Alemanha desde o Memel (um rio na URSS) até o Maas (um rio que passa pela França, Bélgica e Holanda) e o Etsch (um rio no Norte da Itália). A televisão da RFA realizou muita cobertura do movimento do Partido Republicano na RDA, incluindo reuniões para estabelecer novas filiais.

Quando um pequeno grupo de antifascistas (associados com o movimento Autônomo) tentou confrontar um grupo de skinheads, a Volkspolizei (a “polícia do povo”) protegeu os fascistas. Jornalistas da Alemanha Ocidental foram ao escritório do procurador de justiça de Leipzig. Eles mostraram alguns vídeos de reuniões do Partido Republicano estabelecendo o partido em Leipzig e tiros disparados em seus protestos lá. O procurador respondeu negando terminantemente que tal atividade estava acontecendo. Ele também comentou que o vídeo não havia sido produzido pela televisão da RDA!

A comissão eleitoral na RDA se recusou a registrar o Partido Republicano para as eleições de março. Essa ação foi provavelmente feita porque um grande número de votos nos neofascistas teria alarmado muitos na RFA (especialmente a base do SPD) e aumentado a resistência à reunificação em outros países da Europa. Os capitalistas da RFA ainda não precisam dos fascistas. De fato, o crescente voto dos fascistas está derrubando o voto na UDC/USC [União Democrata Cristã / União Social Cristã] e colocando em risco as administrações do governo de Estado, das cidades e dos distritos – especialmente nos seus redutos nos estados no sul da RFA. A necessidade da USC e da UDC de formar coalizões de governo com os neofascistas poderia prejudicar as coalizões de governo da UDC/PDL [Partido Democrata Livre]. Depois da Anschluss[Reunificação], claro, o Partido Republicano será legalizado – a ideia de uma confederação alemã com um sistema legal e uma constituição em separado na RDA levanta problemas demais para uma restauração capitalista rápida. Os partidos liberais e de direita são a favor de uma rápida e total unificação sob a constituição e a lei da RFA. O Partido Republicano da RDA é composto principalmente de trabalhadores, com alguns elementos pequeno-burgueses. Ele inclui muitos antigos membros do SED. Depois do PDS, os neofascistas são o partido que tem a base e o perfil mais próximo dos setores populares.

Eu não vi nenhuma menção ou cobertura dos protestos ou atividades neonazistas na TV da RDA. A cobertura na televisão da RDA dos protestos de Leipzig cuidadosamente evita mencionar os neofascistas, o que não é surpresa, já que o rádio e a TV estão largamente nas mãos das forças de direita e do SPD na Mesa Redonda. Os partidos da RDA que estão aliados com os partidos da RFA são bem financiados e adotaram ou então lançaram jornais novos. As maiores editoras da Alemanha Ocidental formaram um consórcio de penetração massiva de revistas e jornais na RDA, incluindo o pior tipo de tabloide de rua de direita (mulheres nuas, assassinatos cometidos por estrangeiros e conspirações comunistas/terroristas). A imprensa de melhor qualidade, como o Frankfurter Rundschau, a revista semanal de alta qualidade Der Spiegel, e o diário de esquerda Tageszeitung (TAZ) estão, é claro, excluídos desse consórcio.

Todos os antigos partidos do bloco e quase todos os partidos recém-formados se moveram rapidamente para a direita no período de dois meses. Por exemplo, o partido do bloco UDC (RDA), que costumava defender o “socialismo”, está agora em uma aliança eleitoral que se opõe a todas as formas de propriedade econômica de natureza coletiva ou pública. O movimento de oposição “Despertar Democrático” começou defendendo o “socialismo democrático”, depois tentou um bloco com o SPD e, quando isso falhou, acabou no mesmo bloco com a UDC e o ainda mais direitista DSU.

O vácuo econômico, político, ideológico e programático está sendo quase completamente preenchido pela RFA. Discussões na mídia refletem uma versão pouco sofisticada, aguada, do pensamento político e socioeconômico da RFA. Isso é mais aparente na arena econômica. Parece que todo acadêmico da RDA com um diploma em economia está trabalhando noite e dia para explicar como o capitalismo laissez-faire amadureceu até um capitalismo responsável; como apenas a bolsa de valores é realmente democrática; como as forças do mercado automaticamente resultam em flexibilidade e numa eficiente economia produtiva; e como a própria ideia de uma economia planificada é anticientífica. De acordos com os economistas acadêmicos, dois terços de todos os negócios na RFA e nos Estados Unidos são pequenos ou médios (“desmontem as Kombinats!”); a maioria dos negócios bem sucedidos nos Estados Unidos teria começado com um ou dois homens numa garagem, e rapidamente teria crescido (“você também pode enriquecer!”), etc. Eles são igualmente aptos em explicar como propriedade coletivizada só pode significar “propriedade do partido” e também que só pode operar através de autoritarismo de cima para baixo. Em contraste, eles afirmam que a livre empresa não pode ser autoritária porque ela deve operar de acordo com os desejos dos consumidores.

Tudo isso é vergonhosamente ingênuo e as pessoas na RFA são muito mais cínicas sobre como o mercado “democrático” realmente é. Uma proporção muito maior dos trabalhadores da RFA acredita que apenas fortes partidos de trabalhadores e sindicatos podem forçar os capitalistas a dividir uma grande quantia de todo o produto social para manter o seu atual padrão de vida.

As coisas não são só flores para os capitalistas, e o fluxo constante de pessoas da RDA indo para a RFA (10 a 15 mil por semana) é uma fonte de considerável tensão social. O custo de mantê-los é astronômico. A constituição da RFA considera todas essas pessoas como alemães plenos (ou seja, cidadãos das RFA) que são automaticamente aptos ao auxílio social, escola, seguro desemprego e benefícios de aposentadoria. Em adição, as leis obrigam a RFA (ou os governos estaduais) a ajudar a mobiliar suas casas, pagar as despesas e conseguir empregos. A RFA já tem uma severa escassez de moradia e quase dois milhões de desempregados. A maior parte dos Übersiedler está atualmente sem casa, em galpões esportivos, navios, contêineres, trailers ou quartéis do exército. O alcoolismo e o vício em drogas são um problema sério. Há muitos relatos de brigas entre cidadãos da RDA e poloneses de descendência alemã. Além disso tudo, mesmo muitos dos cidadãos capacitados e escolarizados da RDA não conseguem empregos. Eles não estão acostumados com o ritmo ou com a disciplina de trabalho capitalista. A não ser que eles recebam ordens diretas, eles costumam jogar baralho ou ficar ociosos.

Eles esperam que se exija deles apenas a realização de uma tarefa simples, ou tem o hábito de chegar tarde e largar cedo. O comportamento rude, egoísta e machista de muitos deles aparentemente tem causado problemas com colegas de trabalho, assim como a sua extrema intolerância para com normas de vestuário, comportamento ou estilo de vida que sejam minimamente diferentes daquelas na RDA. Os pais não estão acostumados à ausência de creches acessíveis, baratas e razoáveis. Tem havido relatos de alguns deles simplesmente chegando nas creches e deixando as crianças sozinhas, sem registro. Já há evidência de desmoralização entre muitos daqueles que esperavam que um carro novo, um apartamento bom e barato e um emprego fácil eram parte do pacote do “mundo livre”.

O custo da restauração do capitalismo será bastante alto. Antes da economia ser reorientada para o lucro, tratar a RDA como simplesmente uma colônia de exploração significaria que o grosso de uma população de 16 milhões debandaria para a RFA. Eles têm esse direito constitucional! Os empregadores na RFA estão dizendo aos trabalhadores que uma semana laboral mais curta ou que um aumento de salário significativo está fora de questão. Os capitalistas dizem aos trabalhadores que eles terão de se sacrificar para ajudar aos seus irmãos e irmãs do Leste, ou seja, os impostos irão aumentar e os benefícios sociais serão reduzidos. A DGB e o SPD podem vir a desenvolver diferenças agudas com o governo da RFA sobre a questão de quem vai pagar pela reunificação. O sindicato dos metalúrgicos com dois milhões de membros está se organizando em torno da demanda da semana de 35 horas somada a um aumento salarial de 8,5 por cento. O sindicato dos gráficos e da imprensa tem reivindicações similares. Pode haver uma grande onda de greves na RFA por volta da primavera. O entusiasmo inicial pela reunificação está claramente recuando do momento anterior em que todos os partidos na Bundestag (exceto parte do Partido Verde) apoiaram a reunificação.

A economia planificada foi efetivamente abandonada na RDA. Os administradores econômicos, confrontados pela ansiedade dos trabalhadores sobre empregos e salários, pediram ajuda de forma impotente e argumentaram que só a privatização rápida pode fornecer uma negociação. O programa do PDS se limita a um apelo ocasional para reter como propriedades públicas algumas minas e indústrias pesadas. O regime está recuando rapidamente em todas as frentes, especialmente na questão da propriedade coletivizada. Mas os capitalistas da Alemanha Ocidental estão mantendo a exigência da remoção de todas as leis na RDA que de alguma forma restrinjam as atividades capitalistas, incluindo a redução dos (antes altos) impostos para pequenos e médios negócios. Propositalmente, toda a terra e propriedade confiscada dos pequenos negócios em 1972 foi recentemente devolvida.

A contrarrevolução capitalista vai resultar em um desemprego massivo, aluguéis mais altos e no desmonte dos programas sociais. A realidade do “capitalismo realmente existente” resultará em uma tremenda ansiedade social, que poderá ser expressa em tudo, desde greves até massacres anticomunistas. A intolerância social é bem alta na RDA, e o stalinismo prussiano ensinou ao povo da RDA que luta política significa suprimir os seus oponentes. Conforme a realidade do capitalismo se torna clara para mais amplas seções da população, o PDS, cumprindo o papel traidor de socialdemocracia de esquerda, poder oferece liderança a essa consciência de classe elementar, mas limitá-la ao trade-unionismo (simples sindicalismo) burguês e ao parlamentarismo.

Em anexo está uma cópia da carta de apoio crítico, que nós distribuímos na campanha do Spartakist-Arbeiterpartei Deutschlands [SpAD – organização alemã afiliada à Liga Espartaquista dos Estados Unidos, de Jim Robertson], que lida com a afirmação deles de que tem ocorrido uma revolução política na RDA nos últimos meses.

Para fazer tais afirmações, a TLD/SpAD simplesmente fecha os olhos para a realidade política. Nenhum conselho de trabalhadores está lutando pelo poder. Nenhuma formação proletária que é, ou mesmo que aspire ser, um organismo de duplo poder se desenvolveu na RDA. Os conselhos de soldados estão limitados a simplesmente discorrer sobre as condições de “trabalho” dos soldados, ou então representam grupos de pressão para o pessoal militar especializado, e são dominados por oficiais.

O SpAD deve estar passando por uma crise de expectativas. A sua moral parecia baixa quando nós os vimos. A única coisa que eles fizeram bem – distribuir centenas de milhares de panfletos e jornais – aparentemente não poderá continuar. A orientação deles em direção à base desmoralizada e despolitizada do SED/PDS não gerou frutos. Eles não tem mais base em Leipzig e, fora de Berlim, a única base deles é em Greifswald, região das grandes plantas de energia nuclear. A exposição da condição perigosamente deteriorada dessas plantas de tecnologia de ponta tipo-Chernobyl fez com que duas delas fossem desativadas. O SpAD interviu com a linha de que o perigo relatado tinha sido inventado pelo Ocidente. Mas quase ninguém acreditou nisso. Até mesmo o PDS concorda que má construção, gerenciamento ineficiente e idade avançada tornam uma planta inutilizável. Os argumentos do SpAD de que apenas os trabalhadores da planta poderiam tomar a decisão provavelmente não vai lhes dar muita audiência.

Para conseguir eleger um membro para o parlamento, que nesse momento é provavelmente o seu cenário mais otimista, o SpAD terá que ganhar 0,25 por cento dos votos ou um voto a cada 400 por representação proporcional.

21 DE MARÇO ― O SpAD ganhou menos votos do que o esperado; menos do que a União dos Bebedores de Cerveja Alemães, que só concorreu em Rostock. Seu total, 2.396 votos, é muito pequeno. É claro que a maré estava fortemente a favor da reunificação, mas eu acredito que a inabilidade deles de ajustar a propaganda eleitoral às mudanças na realidade também lhes prejudicou. Quando ficou claro que os votos iriam esmagadoramente para a restauração capitalista e unificação, eles deveriam, sem se comprometer sobre essa questão chave, ter tentado também levar em conta as questões mais imediatas de defesa da classe trabalhadora e especialmente questões básicas sindicais e da luta de classes. A Esquerda Unida (VL), com algumas centenas de membros, discutiu sobre questões sindicais dentro do contexto de defender a classe trabalhadora e terminou ganhando um posto no parlamento, com 0,18 por cento dos votos. Apoiadores da VL também intervieram ativamente no movimento sindical e em seus organismos dirigentes.

Nós vimos uma discussão na TV da RDA com um participante do SpAD. Foi um desastre embaraçoso. O espartaquista era uma caricatura da Nova Esquerda em estilo e aparência, e uma caricatura de um trotskista politicamente. Ele simplesmente leu uma série de slogans, e pareceu ser incapaz de responder de qualquer forma que fosse às questões sobre reestruturação econômica, aluguéis, auxílio maternidade, desemprego, subvenções e a reforma monetária.

Essas foram todas boas aberturas de discussão, que poderiam ter sido conectadas com a necessidade do poder da classe operária e as formas de propriedade coletivizada. Sobre o parlamentarismo, ele disse: “Nós vamos esmagar este parlamento com conselhos de trabalhadores e milícias operárias”, enquanto ignorou completamente a questão dos direitos sindicais, e o possível curso das lutas dos trabalhadores no futuro próximo. Ele foi pior do que o mais inexperiente recruta da SYL [antiga juventude da Liga Espartaquista] nos anos 1970. O estilo do SpAD é professoral e arrogante, assim como o velho estilo do SED. O panfleto eleitoral do SpAD enfatizou a defesa da URSS, mas em nenhum momento descreveu a URSS como um Estado operário degenerado! Outros partidos na discussão na televisão simplesmente ignoraram o porta-voz do SpAD.

Os resultados eleitorais mostram que o programa “capitalismo já / unificação já / nenhuma interferência dos sindicatos” da conservadora Aliança pela Alemanha ganhou seu principal apoio do sul fortemente industrializado e de pequenas cidades e vilarejos. Em áreas onde mais de 45 por cento das pessoas trabalham na indústria, a Aliança conseguiu 56 por cento dos votos; onde serviços e agricultura dominam a economia, a Aliança conseguiu de 30 a 42 por cento. 58 por cento daqueles que se consideram “trabalhadores” votaram pela Aliança. Apenas 32 por cento daqueles que se intitulam como “intelectuais” votaram pela Aliança; uma porcentagem equivalente desse grupo votou no PDS e no Bündnis 90. Esse último grupo inclui os três “movimentos dos cidadãos”, que lideraram amplamente a “revolução de novembro”. Em cidades com 200.000 ou mais, a Aliança conseguiu apenas 26,5 por cento dos votos, contrastando com o voto das cidades com 2.000 ou menos, onde ela conseguiu mais de 56 por cento. O lugar onde a Aliança conseguiu menos votos foi, é claro, Berlim (22 por cento), aonde eles chegaram em terceiro atrás do SPD e do PDS. A Aliança também não obteve maioria nas regiões do Norte de Rostock, Schwerin e Neubrandenburg, nem nas áreas de Potsdam (RDA central) e Frankfurt no Oder.

O SPD, que começou há dois meses com mais de 50 por cento de apoio na RDA, jogou a carta do nacionalismo, e ganhou o jogo! Os intelectuais que lideraram a “revolução”, mas que não puderam discorrer sobre questões econômicas com a menor claridade, ganharam muito pouco apoio.

Os trabalhadores da RDA se acostumaram a receber benefícios e instruções de um Estado autoritário e poderoso. Parece que nas eleições eles transferiram a sua aceitação passiva para o establishmentda RFA. Os trabalhadores ainda estão amplamente inconscientes das dificuldades à frente para tentar transformar a RDA em uma parte completamente desenvolvida do capitalismo alemão.

Nas últimas semanas da campanha eleitoral, mesmo o SPD e os outros partidos considerados à esquerda do centro (como Bündnis 90) e os Verdes, estavam receosos de ir às ruas de Leipzig. Qualquer um carregando uma bandeira da RDA nessa cidade provavelmente seria atacado. Mesmo em Berlim, gangues de skinheads atacaram grupos fazendo campanha pela lista alternativa da juventude. Jovens de extrema direita invadiram centros da juventude e bateram em pessoas lá dentro. Dezenas de ameaças a bomba contra militantes de esquerda foram ignoradas na RFA, exceto pela TAZ. O resultado mais surpreendente da eleição foram os 16,33 por cento de votos no PDS. Há dois meses, o partido estava desmoralizado e na época teria conseguido no máximo 5 por cento. Nas eleições, apenas 26 por cento dos antigos membros do SED votaram pelo PDS! Muitos altos e médios funcionários se demitiram, mas repentinamente muitas pessoas jovens entraram no PDS, e ele rapidamente começou a construir um perfil de defesa dos padrões de vida, das garantias sociais e dos direitos sindicais. O PDS até mesmo afirma defender o setor estatal da economia ― mas, é claro, dentro do contexto das condições de mercado.

Todo o estilo deles mudou. Os representantes do PDS surgem como pedagógicos, ultrademocráticos e humildes. Os seus candidatos e outras pessoas públicas estavam provavelmente menos contaminados pela antiga colaboração com a Stasi do que os candidatos e funcionários da Aliança. Eles tomaram a dianteira em emendar a Constituição da RDA para incluir o direto a um emprego, o direito à moradia, o direito ilimitado à greve, e uma proibição constitucional a locautes. O PDS é agora baseado em Hamburgo. Gregor Gysi, secretário do PDS, diz que as próximas eleições da RFA verão o PDS no parlamento. Isso poderia significar uma base real para a socialdemocracia de esquerda na RFA.

O parlamento recém-eleito não pode mudar a constituição ou a lei básica sem colaboração entre os socialdemocratas e a Aliança. O compromisso dos socialdemocratas a uma reestruturação rápida e restauração capitalista provavelmente irá leva-los a emblocar com os capitalistas da RFA, que estão mantendo amplos investimentos na economia da RDA até que a lei e a constituição sejam mudadas para garantir um domínio capitalista completo. Os capitalistas da RFA estão rapidamente devorando os setores mais importantes e mais produtivos da economia da RDA, tais como a produção de maquinário pesado, a construção de locomotivas, eletrônicos, ótica e montagem de veículos, ou “raspando a cobertura do bolo”, como se diz.

A economia da RDA antes da “revolução de novembro” apresentava um quadro contraditório. Embora a RDA fosse o décimo país no ranking da produção mundial de produtos e serviços, a produção por trabalhador ficava atrás de todos os países da Comunidade Econômica Europeia [CEE] exceto Grécia e Portugal. A agricultura ofereceu um superávit para exportação, mas teve apenas metade da produtividade por pessoa do que na CEE. Muitas indústrias operavam com equipamento obsoleto. A indústria química tem largamente tecnologia dos anos 1930, e a infraestrutura de transportes e comunicação precisa seriamente ser substituída e modernizada. As poluições do ar, da distribuição de água, da comida e do ambiente levaram a uma queda na saúde, e a uma subida crescente nas doenças. A mortalidade infantil é maior do que em qualquer país industrial. A saúde e a segurança no trabalho eram provavelmente ainda piores que nos Estados Unidos. Não havia mecanismos pelos quais os trabalhadores podiam levantar demandas para diminuir os riscos de saúde no trabalho, já que o SED afirmava que todas essas reclamações vinham de uma propaganda capitalista, antioperária e de estilo de vida pequeno-burguês…

Uma vez que a fronteira caiu, a RDA efetivamente perdeu controle da sua moeda. A erosão do monopólio do comércio exterior tornou a produção da RDA vulnerável a forças de mercado do Ocidente, assim como uma abrupta queda no comércio com os países da Comecon e um aumento de problemas comerciais com a URSS estavam inutilizando amplos setores da economia com base para exportação. A considerável dívida externa e o crescente desequilíbrio do comércio exterior confrontaram o SED com a necessidade de reduzir severamente as importações e as condições de vida. Nesse contexto, as esperanças de muitos no período imediato pós-novembro, por uma RDA “socialista democrática” ― aspirações expressas por praticamente todos os partidos e movimentos ― foi rapidamente substituída por um senso de fatalismo, falta de esperança e impotência. Nenhum grupo apresentou uma solução crível ou realizável para os problemas econômicos, e as pessoas logo concluíram que uma “terceira via” não era possível. Hoje na RDA, “socialismo” é uma das palavras mais sujas que se pode usar. Ela é amplamente associada com repressão stalinista e comandismo. A massiva campanha de desestabilização da RFA preencheu o vácuo programático com nacionalismo e com a mágica expressão “economia de mercado social”. Os capitalistas ganharam, e ganharam grandemente até agora. Mas o regime de Kohl não pode cumprir as suas promessas à população da RDA. Conforme os aspectos desagradáveis do “mercado social” se manifestarem nos dias à frente, vai se tornar claro que realizar uma contrarrevolução social exige mais do que simplesmente comprar uma eleição.
TB Visita a Filial do SED/PDS
Um Relance para Dentro da ‘Fortaleza’

7 DE FEVEREIRO ― Nós recebemos um convite para falar aos membros do PDS [Partido do Socialismo Democrático, antes conhecido como Partido da Unidade Socialista (SED), o partido stalinista dominante na República Democrática Alemã (RDA)] em Finsterwalde, a meio caminho entre Berlim e Dresden. Obviamente nós decidimos ir. Uma chance como essa não se desperdiça. Ela abriu nossos olhos para a verdadeira situação do PDS/SED, ao menos nessa área…

Quando chegamos lá, nós percebemos que a maior parte das casas estava muito bem conservada. Isso deve ser difícil, considerando o nível de poluição do ar. Eu nunca fui obcecado por ecologia, mas o Trabbi [carro da RDA] é um poluidor nojento. Você consegue ver fumaça preta saindo da traseira da maioria deles. Mas isso não é nada comparado à fumaça imunda que sai aos montes das chaminés das fábricas – todas as quais pareciam se localizar bem no meio dos quarteirões residenciais! O carvão marrom que elas queimam produz vapores venenosos de dióxido de enxofre. É literalmente insuportável.

Nós chegamos logo depois do espetacular discurso de Modrow capitulando à reunificação. Isso foi como um terremoto para os membros do SED.

No Sábado, nós visitamos o que restava da liderança local do PDS/SED. Eles nunca tinham falado com ninguém do lado ocidental. Mesmo membros do PC da RFA [República Federal Alemã], alguns dos quais tinham a permissão de visitar parentes na RDA (geralmente membros do SED), nunca eram autorizados a visitar os escritórios do SED ou ir às suas reuniões e fóruns. Até novembro, mesmo reuniões informais entre membros do SED e o PC da Alemanha Ocidental eram proibidos.

Cerca de dois meses atrás, havia em torno de cinco mil membros do SED nessa área. Nesse momento eles ainda dizem possuir mil e novecentos, mas o número real é bem menor. Quando me disseram que não tinham sido capazes de entrar em contato com muitos dos líderes da filial na localidade nem por carta, nem por telefone, eu sugeri que talvez isso indicasse que o número nominal de membros de mil e novecentos incluía alguns que simplesmente não tinham se importado sequer em devolver os pertences do partido. Isso foi respondido com silêncio.

Esse ano, a convocação do ato de rua anual Luxemburgo/Liebknecht, em janeiro, foi feita rabiscando um aviso no quadro negro do escritório do partido. Trezentas pessoas apareceram. Mas não houve cartas, nem telefonemas, nenhum pôster ou panfleto. Eles disseram que hoje em dia eles têm dificuldade em colocar anúncios no jornal. Parece que o Neues Deutschland [ND, o jornal diário do PDS/SED] está tão ocupado com as grandes notícias que ele só lança anúncios de protestos em Berlim. A máquina quebrou.

Os líderes do PDS (e membros) parecem totalmente despreparados para as próximas eleições. Eles não parecem capazes de produzir um panfleto, um texto ou mesmo um anúncio de imprensa. Antes de novembro, eles diziam para que as pessoas ligassem para o departamento de propaganda do partido e eles mandariam o que você quisesse. Eu ouvi que frequentemente eles mandavam coisas que ninguém queria; e às vezes nem era preciso ligar. Mas naquela época, o SED não tinha como perder eleições, então por que se preocupar?

Quando nós tivemos a chance de fazer uma apresentação para um setor da filial local, pareceu logo de cara que nós tínhamos impactado alguns elementos de esquerda. Mas nós logo começamos a nos perguntar por que não havia discordância aparecendo. Afinal, stalinistas supostamente tem diferenças consideráveis com trotskistas, não tem? Foi tudo um tanto estranho. Eles concordavam com a necessidade de conselhos operários (embora depois tenha ficado claro que os que eles tinham em mente eram apenas os sindicatos de colaboração de classe no modelo da RFA). Eles concordaram que uma Alemanha reunificada naquele momento só podia significar uma perigosa potência imperialista (mas eles infelizmente não tinham muita noção do que “imperialista” significava, a não ser algo do qual você chama as pessoas de quem você discorda). Eles concordaram com tudo na nossa declaração publicada na edição em alemão de 1917 [publicação da Tendência Bolchevique]. Mas nenhuma dessas concordâncias significava muito – eles dificilmente pareciam preparados para discordar. Ninguém nunca tinha ouvido falar de Gramsci, nem ninguém tinha nunca ouvido falar de sovietes antes. Nunca tinham sido parte das leituras exigidas! Finalmente eu pedi para que levantassem as mãos aqueles entre os presentes que haviam lido o Manifesto Comunista. Todos ficaram sentados parecendo envergonhados.

Na RDA, parece que a atitude em relação a Marx e Lenin é a mesma que a atitude dos meus colegas de classe na escola quando tiveram que ler poetas clássicos alemães como Schiller, e odiavam. A maioria deles nunca descobriu o grande escritor que ele era. Quando eu perguntei sobre onde comprar uma grande coletânea das obras de Marx e alguns volumes de Luxemburgo, as pessoas pareceram genuinamente impressionadas que alguém estivesse interessado nesse tipo de coisa.

Se você quer falar de política com alguém, com raras exceções, tudo tem que ser limitado a um nível bastante elementar. Você deve presumir que as pessoas não leram nada dos fundadores do nosso movimento. A maioria dos membros do SED leem ND e tiram a sua política daí. Aqueles com memórias decentes puderam recitar, de forma mais ou menos inteligente, os últimos discursos ou diretivas do partido – mas isso foi tudo. Apenas um de todos os membros do PDS/SED com quem eu falei tinha cópias das obras de Marx/Engels e de Lenin em seis volumes cada. Ele também era o único que tinha lido todo O Estado e a Revolução (que só tem 120 páginas!) e Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo. Que grande trabalho fizeram os stalinistas ao erradicar qualquer tipo de tradição marxista na RDA, especialmente considerando o número de velhos comunistas vivendo lá. Eu ainda estou um tanto abalado por esse nível político apavorante.

Depois de um tempo, ficou claro que a preocupação imediata dos membros do PDS/SED não era realmente política, mas organizativa. Eles pareciam não ter absolutamente nenhum tipo de experiência partidária da forma como nós a entendemos; eles não conseguiam reunir todos os seus membros no mesmo lugar e hora certos; eles parecem não ter ideia sobre como criar células funcionais. (Eles parecem não ter mais células agora, já que as organizações por local de trabalho e local de moradia desapareceram). Os membros que ainda se reúnem, o fazem quase que casualmente, no trabalho ou nas unidades residenciais. Muitos membros do PDS que nós encontramos pareciam ansiosos para organizar as coisas, mas era evidente que eles não compartilhavam um determinado conjunto de ideias (programa) ao redor do qual se reorganizar. Eles não sabiam se eram capazes de concordar com um determinado programa, e geralmente pareciam acreditar que, sob as atuais circunstâncias, era melhor evitar possíveis pontos de controvérsia, porque isso poderia levar a um racha. Absolutamente coisa de louco.

O Conflito Sírio e as Tarefas dos Revolucionários

O Conflito Sírio e as Tarefas dos Revolucionários 

Leandro Torres
Setembro de 2012

Há cerca de 18 meses se iniciou um conflito armado envolvendo o regime da Síria, que é chefiado por Bashar Al-Assad e o partido Ba’ath. O regime construído pelo clã familiar Assad, como outros representantes históricos do Ba’ath (como o antigo regime de Sadamm Hussein no Iraque) se baseia largamente no tripé secularismo, regime ditatorial e discurso nacionalista. Contra o caráter ditatorial do regime, tiveram início alguns protestos em março de 2011. Tais protestos foram em grande parte motivados pela influência das mobilizações da chamada “Primavera Árabe”. Também devem ser levados em conta os efeitos da crise econômica mundial no país, destacadamente o desemprego e a alta no preço dos alimentos.

Desde o início, tais protestos foram brutalmente reprimidos. Contrariando as expectativas do regime, isso só fez se intensificarem as mobilizações de rua. Passado algum tempo, começaram a ocorrer ataques a prédios governamentais e, após mais de um ano de conflito, os protestos de rua se intensificaram, a oposição ganhou corpo e criaram-se organizações de liderança que incluem até mesmo um braço armado próprio. 

Em algumas cidades, principalmente Homs, a oposição organizada conseguiu uma correlação de forças favorável, ainda que não tenham obtido seu controle. Nos locais onde a oposição armada e os protestos de rua contra o regime têm se mostrado mais intensos, as tropas de Assad, junto a grupos paramilitares que o apoiam (as chamadas “shabiha”), têm perpetrado verdadeiros massacres como forma de represália, levando a um alto número de mortes.


Conselho Nacional Sírio: núcleo da oposição organizada

Ao longo desses meses de conflito, os setores organizados em oposição a Assad se unificaram. O Conselho Nacional Sírio (CNS) é a coalização que congrega mais setores da oposição, entre eles os chamados Comitês Locais de Coordenação e o grupo armado “Exército Livre da Síria”. As principais lideranças do CNS possuem um longo histórico de participação em partidos e grupos de oposição (como a Irmandade Muçulmana), alguns legais e outros clandestinos, desde antes do conflito. Portanto esse Conselho representa uma coalizão anti-Assad bastante ampla. A maioria de seus líderes encontra-se há algum tempo exilada em países vizinhos, principalmente no Líbano, e é por isso chamada de “oposição no exílio”. Além disso, muitos deles possuem laços estreitos com setores da burguesia síria e, principalmente, com representantes de potências imperialistas.

O braço armado do CNS, o “Exército Livre da Síria”, é formado por dissidentes das forças armadas do governo, mas relatos afirmam que tais dissidências não afetaram gravemente as mesmas, que ainda mantêm sua cadeia de comando unida em defesa de Assad e de seu regime. Segundo tais relatos, não foram oficiais ligados ao comando das tropas que romperam com Assad, mas sim do ramo técnico – indício de que as forças armadas mantém sua coesão apesar das rupturas [1]. Além disso, o ELS (cujos comandantes encontram-se exilados na Turquia) tem encontrado grande dificuldade para se tornar um corpo bem estruturado, tanto em termos organizativos quando no que tange a treinamento e equipamentos. Não obstante, suas tropas vêm recebendo armas dos governos da Turquia, Quatar e Arábia Saudita [2], integrantes do chamado “Amigos da Síria” – um bloco de governos árabes anti-Assad, com participação das potências imperialistas.

Já os Comitês Locais de Coordenação, importante fator no conflito, permanecem ainda cercados de certo mistério, uma vez que parte considerável de sua organização se dá de forma clandestina. Desde cedo, eles têm atuado largamente em transmitir notícias do conflito através de seu site (lccsyria.org), mas também possuem envolvimento na convocação e organização dos protestos de rua que têm ocorrido em algumas das grandes cidades. Seus representantes são jovens militantes, muitos dos quais já participavam de algum tipo de grupo de oposição antes do conflito armado ter início. O caráter de tais atos de rua tem sido abertamente pacífico, em um claro intuito de se diferenciar da oposição armada e também de evitar a repressão direta do regime de Assad – o que não tem se provado uma tática eficaz. Os Comitês não são uma organização centralizada nacionalmente, mas sim a soma de diversas células autônomas espalhadas pelo país [3].

O CNS certamente é um bloco diversificado, porém é inegável que ele possui um caráter de classe burguês, que acaba sobressaindo sobre as possíveis diferenças internas e determinando seu programa político geral. Ele é decisivamente comprometido a defender a ordem burguesa do capitalismo sírio. Um de seus diversos “braços” deixa claro tal caráter de classe. Criado em 8 de março, o “Conselho Sírio de Negócios” se auto define como “uma ampla coalizão de empresários e empresárias que decidiram tomar uma firme posição contra o regime de Assad e oferecer um forte comprometimento em assegurar a estabilidade financeira para uma transição segura para fora de seu regime.” [4]. Sendo um grupo opositor cuja política se define pelos interesses de setores da burguesia síria, o CNS também se demonstra fundamentalmente pró-imperialista. Apesar de hipocritamente afirmar entre seus princípios a “proteção da independência e da soberania nacional, e a rejeição de intervenção militar estrangeira, o Conselho declarou em junho que:

“… urge ao Conselho de Segurança da ONU convocar uma reunião de emergência para discutir os fatores que levaram ao massacre ocorrido [em Homs] na presença dos observadores das Nações Unidas… O CNS declarou que considera a comunidade internacional primariamente responsável por tomar decisões que poderiam proteger o povo sírio. Uma dessas decisões seria levar à frente uma resolução do Capítulo 7 [da Carta das Nações Unidas] que permitiria o uso da força para proteger o povo sírio dos crimes do regime de Assad.”

CNS Demanda Por Intervenção Urgente da ONU e Declara 3 Dias de Luto, Disponível, em inglês, em:

Requisitar que seja aplicado ao país o capítulo 7 da “Carta das Nações Unidas” e chamar a ONU para que faça “uso da força” significa nada menos do que pedir por uma intervenção armada no país. Uma intervenção desse tipo daria abertura para que as potências imperialistas utilizassem suas forças militares para derrubar Assad, mascarando a ação como uma “intervenção humanitária” no estilo da que vimos acontecer na Líbia, e que terminaria por fortalecer a dominação do capital imperialista no país.

A ameaça de uma intervenção armada do imperialismo

Entretanto, imersos em uma complicada crise econômica e ainda arcando com os custos de guerras ou ocupações lançadas contra outros países semicoloniais, os imperialismos norte-americano e europeu não atenderam de imediato a esses chamados do CNS.

O próprio presidente da comissão de observadores da ONU enviada para investigar o massacre ocorrido na cidade de Houla, o brasileiro Paulo Pinheiro, reiterou em diversas entrevistas que “A Síria não uma Líbia”, afirmando também que “O Exército da Síria tem 300 mil homens. Só para você ter uma ideia, este é o número das Forças Armadas Brasileiras, só que nós somos 200 milhões de pessoas.” [5]. Por essa declaração, fica claro que uma intervenção imperialista geraria altos custos, humanos e financeiros,  os quais os Estados imperialistas até esse momento, apesar de tomarem diplomaticamente a defesa da oposição síria, tiveram receio de lançar devido aos seus riscos políticos e militares. Além da questão militar, há de se levar em conta que “a Síria não é uma Líbia” também no que diz respeito às suas reservas naturais. O país não possui o mesmo potencial de extração de petróleo e outras matérias primas que tanto aguçam os apetites imperialistas, fazendo com que uma intervenção direta não apresente o mesmo tipo de retorno financeiro do que o visado na Líbia.

Outro fator importante são as relações comerciais que o regime de Assad mantém com a Rússia e a China. A Rússia, por exemplo, possui importantes contratos de fornecimento de equipamento militar que rende lhe enormes lucros. Consequentemente, tais países vetaram sistematicamente resoluções de sanções econômicas e outras posturas mais agressivas contra seu parceiro comercial no Conselho de Segurança da ONU, bloqueando a possibilidade de uma intervenção “legal” [6]. Esse impasse tem limitado a ONU a enviar missões de observação, enquanto os “Amigos da Síria” cuidam de providenciar suporte ao CNS por debaixo do pano.

Assim, sem um apoio financeiro e militar direto do imperialismo e com um “Exército Livre” em grande parte mal articulado e mal treinado frente a uma poderosa e ainda coesa máquina estatal, o CNS não obterá uma vitória semelhante àquela que o “Conselho Nacional de Transição”, apoiado pela intervenção armada da OTAN, atingiu na Líbia contra o regime ditatorial de Kadaffi. Não à toa, mesmo passado mais de um ano do início do conflito, a ditadura de Assad se mantém firme no poder, enquanto o CNS/ELS tem logrado amargas derrotas. Mas independente da momentânea indisposição do imperialismo para uma agressão armada contra a Síria, os trabalhadores com consciência de classe em todos os países devem dizer Imperialistas: tirem as mãos da Síria! Pois uma intervenção desse tipo em um país que já é subordinado ao capital imperialista só faria intensificar a exploração do proletariado em uma nação oprimida. Se os imperialistas intervierem militarmente para apoiar o CNS/ELS, nossa atitude no conflito será tomar o lado militar da nação oprimida, desejando a derrota (ainda que pelas mãos do governo Assad) dos imperialistas e de seus apoiadores nativos.

Nenhum apoio à oposição burguesa do CNS e ao seu “Exército Livre”!

Frente ao impasse no conflito e às dificuldade enfrentadas pela oposição liderada pelo CNS, a ONU tem buscado sistematicamente firmar acordos para uma transição compactuada, que retire Assad do poder, mas mantenha os principais pilares econômicos e militares de seu regime intactos [7].

A luta do CNS contra Assad se pauta por um programaburguês, onde as alas da burguesia síria nele representadas se enfrentam com Assad em busca de um regime que melhor atenda às suas  necessidades. Sob o manto da luta pela democracia e buscando demagogicamente se apoiar nas aspirações justas daqueles que têm tomado as ruas desejando uma vida melhor, o CNS e a “oposição no exílio” nada mais buscam do que uma forma mais eficaz, a seu ver, de explorar o proletariado sírio. Aproveitam-se de um clima generalizado de protestos pró-democracia na região para evitar que a classe trabalhadora tome consciência de seus interesses objetivos e vá além do domínio do capital.

A empreitada liderada pelo CNS não é pela “democracia”, mas sim pela gestão do Estado burguês e pelo atendimento de seus interesses próprios enquanto fração da classe dominante, não importando tanto se isso se dará sob uma máscara democrática ou ditatorial. Portanto, as investidas políticas e militares do CNS contra o governo Assad não merecem o menor apoio ou simpatia por parte do proletariado. Elas estão a serviço de um projeto igualmente explorador e submetido às burguesias imperialistas, não obstante a sua demagógica fachada de “luta pela democracia”.

O caráter armado do conflito não impõe a defesa de algum dos campos armados em luta, mas apenas a obrigação de combater politicamente ambas as frações dessa disputa onde somente estão em jogo os interesses estreitos da burguesia síria. A tarefa atualmente posta na Síria é a criação de movimento da classe trabalhadora que se contraponha aos interesses da burguesia e tome para si a defesa da democracia e do socialismo.

Portanto, não obstante o caráter altamente reacionário e violento do regime de Assad, os “rebeldes” do “Exército Livre” comandado pelo CNS não merecem nenhum apoio por parte do proletariado sírio e dos revolucionários. Tampouco o merecem os “Comitês Locais”, aparentemente mais à esquerda que a “oposição no exílio” à frente do CNS. Os “Comitês”, ao estarem organizando massivos protestos de rua, poderiam apresentar um caráter progressivo apenas se fossem instrumentos que atuassem de forma independente da burguesia. Mas ao integrarem o CNS, submetendo-se ao seu programa, acabam indo a reboque deste e de seus projetos – tal qual os “rebeldes” armados.

As tarefas colocadas para os revolucionários

Uma luta consequente em torno da democracia e da libertação nacional da Síria implica, necessariamente, o choque com os interesses do capital nacional e imperialista, que foram os responsáveis pela manutenção do regime ditatorial por tantos anos. Uma transição pactuada ou dirigida pelo CNS, mesmo que esse seja encabeçado por elementos burgueses que se opõem ao regime de Assad, tratará de manter a exploração da classe trabalhadora e a continuidade de uma série de aparatos repressivos, que permanecerão voltados contra o proletariado – a única classe que realmente representa uma ameaça aos seus interesses.

Encaramos assim, que a tarefa colocada para os revolucionários na Síria é de intervir em todos os protestos de rua pró-democracia que tenham um caráter mais à esquerda, buscando convencer a juventude e demais elementos que se inspiram nos “Comitês Locais de Coordenação” de que o CNS e seus braços auxiliares não são capazes de garantir uma verdadeira democracia, além de buscar prioritariamente expandir esse convencimento ao proletariado.

Concretamente, se faz necessário proteger os protestos de rua contra os massacres de Assad, através da urgente organização de comitês de autodefesa dos trabalhadores. A defesa dos protestos contra os ataques do ditador é uma medida básica para garantir o direito da classe trabalhadora e outros setores oprimidos de se reunir, discutir política e lutar contra o governo. Mas essa defesa deve ser feita com os métodos independentes do proletariado, e combinada com uma campanha implacável de denúncia contra o CNS, e de sua meta proimperialista, como parte de uma luta mais ampla para ganhar o proletariado sírio para um programa de ruptura com o capitalismo.

Está na ordem do dia começar a construção de uma organização revolucionária dos trabalhadores da Síria. Este partido deverá ser o núcleo de uma luta verdadeiramente revolucionária dos trabalhadores do país, capaz de pautar a luta pelo fim do capitalismo através do enfrentamento aos efeitos da crise econômica sobre os trabalhadores sírios, visando uma melhoria radical das suas condições de vida, tornando o proletariado a classe dominante. Um partido que lute pela construção de uma revolução socialista, e não de uma variante do regime burguês.

Opressão nacional e religiosa

Duas outras questões importantes impõem-se ainda no conflito sírio e merecem grande atenção dos revolucionários. Elas dizem respeito a formas específicas de opressão que acabam por dividir a luta dos trabalhadores em marcos sectários e, consequentemente, são instrumentalizadas pela burguesia no intuito de se fortalecer enquanto classe dominante.

Na síria existem diversas seitas ligadas ao credo islâmico. A elite governante é largamente ligada à facção alauíta, um subgrupo dos muçulmanos xiitas que são minoria no país (cerca de 10% da população), e defensores de uma forma de governo mais próxima da laicidade. Já o CNS é majoritariamente composto por muçulmanos sunitas, seita que congrega a maior parte da população. Através da Irmandade Muçulmana, uma das maiores forças dentro do Conselho, este acaba se ligando à defesa fundamentalista de que a legislação do país esteja de acordo com a Sharia, um código de leis dentro do islã – uma posição intrinsicamente reacionária [8].

Como consequência do conflito entre tais seitas, os “rebeldes” ligados ao CNS vêm perpetrando atos de  perseguição religiosa contra membros de outros credos nas cidades onde têm atingido maior expressão, visando impor uma supremacia sunita [9]. A minoria cristã presente no país, por exemplo, tem demonstrado amplo apoio à Assad, alegando medo de que um provável governo sunita libere uma onda de perseguição religiosa [10]. Como esses senhores do CNS podem ser “defensores da democracia”, ou diferentes de Assad, se sequer defendem uma Constituição laica? Isso só reforça o papel reacionário que as religiões tendem a cumprir no contexto da luta de classes. Elas obscurecem a consciência do proletariado enquanto classe e o dividem em grupos opostos com base em marcos alheios aos seus interesses objetivos, que acabam por aproximá-los da burguesia e apagar suas diferenças de interesses, fortalecendo assim o capital. Por isso é fundamental que os revolucionários ensinem aos trabalhadores que eles são irmãos de classe independente de qualquer credo e que seu único inimigo verdadeiro é a burguesia, garantindo a segurança daqueles que têm sido atacados por conta de sua crença. E mais do que isso, os revolucionários devem combater as diversas formas de ideologias obscurantistas propagadas pelas religiões, uma vez que apenas uma compreensão materialista da realidade é capaz de levar a um programa político coerente e correto.

Há também uma opressão de caráter nacional na Síria. Uma parte da população se identifica enquanto um grupo nacional à parte, os curdos. Estes sistematicamente tiveram sua nacionalidade negada através de um processo de assimilação forçada, que buscou e continua a buscar a supressão da sua identidade através da proibição da sua língua e de outras manifestações culturais próprias.

Devido à existência de tal opressão, as próprias lideranças burguesas da oposição curda à Assad deixaram o CNS em 6 de abril, por não se sentirem contempladas dentro da hierarquia de decisões do Comitê [11]. Tais lideranças, assim como os demais setores burgueses, não merecem confiança do proletariado, pois só estão interessadas em manter a exploração econômica dos trabalhadores curdos, o que reforça a necessidade de uma via classista para assegurar uma democracia real no país, que seja capaz de acabar com essa opressão nacional.

Para ganhar a confiança dos trabalhadores curdos da Síria, é fundamental que os revolucionários lutem por seus direitos nacionais, ao mesmo tempo em que lutam para que estes tenham os mesmos direitos e condições sociais que os demais trabalhadores sírios. Mas essa batalha deve se dar em conjunto com uma denúncia dos interesses do nacionalismo burguês, que são antagônicos aos dos trabalhadores.

A atualidade da Teoria da Revolução Permanente

A incapacidade da oposição burguesa à ditadura de Assad de garantir o estabelecimento de uma democracia verdadeira, que contemple os direitos nacionais da minoria curda, que garanta a liberdade religiosa aos diferentes credos e também um Estado laico, e que rompa com a dominação imperialista sobre o país, demonstra a enorme atualidade da Teoria da Revolução Permanenteformulada por Leon Trotsky:

“Para os países de desenvolvimento burguês retardatário e, em particular, para os países coloniais e semicoloniais, a teoria da revolução permanente significa que a solução verdadeira e completa de suas tarefas democráticas e nacional-libertadoras só é concebível por meio da ditadura do proletariado, que assume a direção da nação oprimida e, antes de tudo, de suas massas camponesas.”

A Revolução Permanente, Leon Trotsky. Disponível em:

“Para os partidos revolucionários dos países atrasados da Ásia, América Latina e África, a compreensão clara da relação orgânica entre a revolução democrática e a revolução socialista internacional é uma questão de vida ou morte.”

90 Anos do Manifesto do Partido Comunista, Leon Trotsky. Disponível em:

A vinculação estrutural da débil burguesia síria ao imperialismo faz com que essa seja incapaz de garantir direitos democráticos e de independência nacional frente ao capital imperialista. A burguesia síria, inclusive os seus setores organizados no CNS, não só não deseja uma “revolução democrática”, como objetivamente não pode se dedicar a uma. Como já afirmamos, uma transição do regime de Assad dirigida pelo CNS ou qualquer outro setor burguês não daria conta de resolver nenhum dos problemas democráticos e nacionais da Síria, pois para isso seria necessário um ataque feroz a muitos dos pilares do capitalismo no país: a submissão ao capital imperialista, a opressão nacional aos curdos, a opressão aos diferentes credos religiosos e a democratização do acesso à terra.

Para os países que se industrializaram de forma extremamente tardia, em um cenário de integração a um mercado capitalista mundial, a força social que mantém tais resquícios de arcaísmo no país é uma burguesia nacional organicamente vinculada ao capital imperialista e dele dependente.

Cabe ao proletariado, portanto, implementar tais tarefas democráticas e nacional-libertadoras. A derrubada do regime sírio só  vai ser capaz de solucionar as tarefas democráticas e nacionais pendentes no país se significar também a derrubada da classe burguesa, que permitiu a um tirano como Assad governar durante tanto tempo. Caso contrário, a esperança dos trabalhadores sírios não será materializada em conquistas democráticas e sociais, mas desviada para um pântano de ilusões no CNS, e as massas oprimidas serão enganadas pelos novos candidatos a tiranos, que tratarão de logo de garantir a sua dominação do país e a satisfação dos seus interesses burgueses.

Expropriar a burguesia e construir um governo direto dos trabalhadores é a única saída viável para garantir uma democracia real na Síria, conectando a luta democrática com a luta pelo socialismo de forma direta e ininterrupta.

NOTAS

[1] Intervenção militar na Síria será catastrófica. O Globo, 2 de junho de 2012.

[2] Munição para a guerra civil síria. O Globo, 14 de junho de 2012.

[3] Coalition of Factions From the Streets Fuels a New Opposition in Syria.

[4] Conferir descrição do Conselho Sírio de Negócios, em inglês, em:

[5] Intervenção militar na Síria será catastrófica. O Globo, 2 de junho de 2012.

[6] O que acontece na Síria é uma guerra civil? Disponível em:

[7] Líderes propõem órgão de transição na Síria, com governo e oposição. Disponível em:

[8] A Irmandade Muçulmana é a principal força política da oposição síria e o pior inimigo de Assad. Disponível em: http://m.noticias.uol.com.br/midiaglobal/lavanguardia/2012/04/05/a-irmandade-muculmana-e-a-principal-forca-politica-da-oposicao-siria-e-o-pior-inimigo-de-assad.htm

[9] Relatório de observadores da ONU relata que (…) a Comissão registrou um número crescente de incidentes nos quais as vítimas parecem ter sido alvos de ataques por seu grupo religioso”. Trecho disponível em:

[10] Família cristã expulsa de Homs apoia ditador. O Globo, 6 de junho.

[11] Kurdish opposition quits Syrian National Council. Disponível, em inglês, em:

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Arquivo Histórico: A Liga Espartaquista e a Guerra do Afeganistão

A Liga Comunista Internacional (LCI) sobre a Guerra do Afeganistão

A seguir estão reproduzidas duas intervenções realizadas por Samuel Trachtenberg quando era membro da Tendência Bolchevique Internacional em reuniões públicas convocadas pela Liga Espartaquista (SL) dos Estados Unidos (seção da Liga Comunista Internacional) em 2002. Os fóruns discutiram a guerra imperialista lançada contra o Afeganistão em 2001. A SL justificou em seu jornal (Workers Vanguard) a sua posição de não chamar pela derrota militar dos Estados Unidos, afirmando que:

“Desde uma perspectiva marxista, entretanto, não existe forma de ‘derrotar’ o inevitável avanço dos capitalistas em direção à guerra, a não ser que eles sejam expulsos do poder através de uma revolução operária vitoriosa…”.

― Workers Vanguard No. 767, 26 de outubro de 2001.

Duas semanas depois, em uma polêmica com o Grupo Internacionalista (IG), que nessa ocasião levantou corretamente a bandeira pela derrota militar dos Estados Unidos, a SL sustentou que:

“(…) Assim, o chamado pela derrota militar dos EUA é, nesse momento, ilusório e a mais pura demagogia e ladainha ‘revolucionária’ – e que deriva do abandono da perspectiva de mobilização do proletariado dos EUA com o objetivo de conquistar o poder de Estado.”

“Diferente do IG, a SL está comprometida em romper a classe trabalhadora norte-americana e os oprimidos da sua ligação de colaboração de classes com o Partido Democrata, e a forjar um partido revolucionário de trabalhadores para derrubar o imperialismo norte-americano através de uma revolução socialista…”.

― Workers Vanguard No. 768, 9 de novembro de 2001.

Em ambas as reuniões onde foram feitas as intervenções, os líderes espartaquistas não responderam politicamente às polêmicas direcionadas ao fato de que estes se recusaram a chamar pela derrota militar dos EUA, criando uma falsa contraposição entre essa demanda principista e a perspectiva da luta de classes nos Estados Unidos. Tal artimanha já havia sido utilizada anteriormente por outras organizações revisionistas, como a Workers League (hoje SEP) de David North, da qual Samuel Trachtenberg havia sido membro e com a qual rompeu em razão de uma recusa semelhante dessa organização em chamar pela derrota dos EUA na Guerra do Golfo, lançada contra o Iraque no início dos anos 1990. As intervenções buscaram fazer um paralelo entre essas posições.

As intervenções foram reimpressas no Boletim Trotskista #8, “Afeganistão e a Esquerda”. A tradução para língua portuguesa foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em 2012 com base na versão disponível em http://bolshevik.org/TB/tb8contents.html.
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LCI no Afeganistão: Healyistas de segunda-mão?

[A seguir está uma reconstrução, a partir de anotações, da intervenção de Samuel Trachtenberg em um fórum da Liga Espartaquista (SL) na cidade de Nova Iorque em 9 de fevereiro de 2002. Trachtenberg fez um paralelo entre a recusa da SL em chamar pela derrota do imperialismo dos EUA no ataque contra o Afeganistão em 2001 e a posição adotada pela Workers League de David North uma década antes, quando o Iraque estava sob ataque].

Eu falo em nome da Tendência Bolchevique Internacional. Muitos camaradas nesta sala tem acompanhado as trocas de polêmicas entre nós, o Grupo Internacionalista e a SL com relação ao recente abandono da SL da política de derrotismo revolucionário no Afeganistão – quer dizer, a sua recusa em chamar pela derrota do imperialismo dos EUA. Para muitos camaradas mais jovens, os argumentos da SL em defesa dessa nova linha podem soar novos e originais, mas para mim eles não parecem muito originais.

Durante o período da Guerra do Golfo, eu era um membro adolescente da Workers League de David North [WL – hoje Partido da Igualdade Socialista (SEP)]. Na época, os seguidores de North também decidiram abandonar o chamado pela derrota do imperialismo norte-americano [a WL tinha inicialmente chamado pela derrota dos Estados Unidos antes do início dos conflitos, mas abandonou o slogan quando o ataque começou]. Eu gostaria de ler algumas citações do livro em que eles defendem a sua posição [contra as críticas de outros fragmentos do antigo “Comitê Internacional” de Gerry Healy]:

“Derrotismo revolucionário não é nem um slogan agitativo e nem uma tática especial para obter a derrota militar de sua ‘própria’ burguesia, mas a continuação, em tempo de guerra, da perspectiva pela qual o partido revolucionário luta sob todas as condições…”.

“Ambos Pottins e Athow rejeitam essa perspectiva. Eles substituem a mobilização da classe trabalhadora por ações de outras forças de classe – no caso de Pottins e [Cliff] Slaughter, o movimento dos protestos da classe média; no caso de [Sheila] Torrance e Athow, o regime burguês de Saddam Hussein.”
“A retórica de Athow sobre a possibilidade de uma vitória militar iraquiana foi criminosamente irresponsável. Uma derrota militar completa da coalizão dominada pelos EUA não era apenas improvável, mas virtualmente impossível, dado que o Iraque, uma nação de 17 milhões de pessoas, estava isolada e sob bloqueio, enquanto se via diante de uma coalizão de todos os principais países imperialistas, equipados com um poder aéreo inconteste e um vasto arsenal de armas nucleares. Enquanto a luta permanecesse sendo puramente militar, o seu resultado não poderia estar em dúvida. Apenas a intervenção da classe trabalhadora nos Estados Unidos e internacionalmente poderia ter evitado a derrota avassaladora do Iraque, que aconteceu entre 16 de janeiro e 28 de fevereiro.”

— Desert Slaughter: The Imperialist War Against Iraq, Labor Publications, 1991, pp. 370-72

David North respondeu de uma forma similar às críticas da SL e da Revolutionary Workers League:

“Derrotismo revolucionário não é algum tipo de ladainha radical. Não é sair por aí gritando de forma falida, vazia e completamente sem sentido, pela derrota militar do imperialismo norte-americano. Nós não confiamos a outros a tarefa que somente a classe trabalhadora, armada com uma liderança revolucionária, pode alcançar. Isto é, a nossa concepção de derrotismo revolucionário não é lutar até o último iraquiano. Não é agir como líderes-de-torcida para as forças militares de Saddam Hussein.”

― Idem, p. 474

Esses argumentos irão, é claro, soar muito familiares para aqueles que leram Workers Vanguard nos últimos meses.

Os camaradas nesta sala que estavam presentes nos anos 1960 também provavelmente vão se lembrar de muitos argumentos pseudo-ortodoxos similares usados pelo Socialist Workers Party como forma de encobrir a sua recusa em chamar pela vitória militar da FLN [Frente de Liberação Nacional] no Vietnã. Ao usar esse tipo de argumento, a SL está seguindo os passos de uma longa fileira de outras organizações que abandonaram o marxismo.

Há uma década, a SL me recrutou da Workers League ao me convencer completamente de que todos esses “argumentos” eram na realidade racionalizações para traições e para “impulsos de outras classes”. Uma década depois, a SL está usando essencialmente as mesmas racionalizações para as suas próprias traições.

* * *
LCI no Afeganistão: Sabichões ‘Realistas’

[O texto a seguir é uma reconstrução, feita a partir de anotações, da intervenção realizada por Samuel Trachtenberg em um encontro do Spartacus Youth Clubs (SYC), o grupo de juventude da Liga Espartaquista dos Estados Unidos (SL), em Nova Iorque em 12 de fevereiro de 2002].

O camarada do SYC mencionou que a organização dele defende o Afeganistão, mas sem discutir porque, então, eles não chamam pela derrota do imperialismo dos EUA. O que significa defender o Afeganistão sem chamar pela derrota do imperialismo dos EUA? – que a SL “defende” o Afeganistão apenas buscando minimizar o dano infligido sobre esse país? Já que a SL afirma não chamar pela derrota dos EUA porque diz que a luta dos afegãos seria militarmente inútil, essa é a única conclusão que eu posso tirar.

Se nós aceitarmos a premissa que a SL adota sobre a inutilidade militar de qualquer luta dos afegãos, o que a SL sugere que eles façam? Permitam que os EUA tomem completamente o país?

Marx acreditava que os trabalhadores que lançaram a Comuna de Paris estavam condenados à derrota de um ponto de vista puramente militar; ainda assim ele chamou pela vitória deles [1].

Na atual edição de “1917”, nós citamos os comentários de Lenin em “O Socialismo e a Guerra”:

“ ‘Uma classe revolucionária não pode fazer nada além de desejar a derrota do seu governo em uma guerra reacionária, e não pode falhar em ver que o revés militar deste governo deve facilitar a sua derrubada’; e em uma guerra do Marrocos contra a França, ou da Índia contra a Grã-Bretanha, ‘qualquer socialista desejaria a vitória dos Estados oprimidos, dependentes ou em nível de desigualdadecontra as ‘grandes potências’ opressoras, escravizadoras e predatórias”. [ênfase adicionada]

Lenin chamou pela derrota do imperialismo em colônias tão subdesenvolvidas como o Afeganistão é hoje. A luta entre o imperialismo e o Terceiro Mundo sempre foi desigual, mas apenas os kautskistas mais miseráveis usam isso como um desculpa para se absterem de uma posição de derrotismo revolucionário, ao contraporem a isso à “luta de classes em casa” [2]. Ao levantar a questão nesses termos, a SL está apenas realizando uma evasiva oportunista. Quer seja o imperialismo forçado a se retirar pela resistência dos afegãos, pela classe trabalhadora dos EUA, ou como resultado da luta de classes em outras partes do mundo, uma derrota é uma derrota.

Sobre como, teoricamente, a “ralé fundamentalista” poderia expulsar os EUA “sem terem nem mesmo um exército”? Bom, o “Jihad Islâmico” expulsou os EUA do Líbano explodindo o quartel dos fuzileiros navais em 1983. É claro que, nesse caso, a SL covardemente recuou e negou que isso fosse um ataque militarmente apoiável contra o imperialismo.

Para concluir, eu gostaria de relatar uma conversa interessante que tive hoje com uma amiga que, nos anos da escola, também foi parte do grupo de juventude da organização dirigida por David North [os Young Socialists, afiliado à Workers League, hoje conhecido como Partido da Igualdade Socialista (SEP)]. Quando eu deixei o grupo de David North com base na recusa deles em chamar pela derrota do imperialismo dos EUA durante a Guerra do Golfo, ela e outro membro da juventude deixaram o grupo junto comigo. Infelizmente, ambos ficaram muito desgastados pela sua experiência com a versão de North do Healyismo para quererem continuar na política, mas eles foram assinantes de Workers Vanguard por mais alguns anos depois que eu entrei para o SYC/SL. Não tendo acompanhado a SL por muitos anos, minha amiga examinou essa nova posição sobre o Afeganistão e, lembrando-se da posição sobre derrotar o imperialismo dos EUA na época que ela deixou o grupo de North, comentou “Uau, parece que a SL realmente perdeu a cabeça”.

NOTAS

[1] Em 1907, Lenin escreveu o seguinte:

“Marx, em Setembro de 1870, seis meses antes da Comuna, tinha advertido francamente os trabalhadores franceses: a insurreição seria uma loucura, disse ele no famoso Manifesto da Internacional. Denunciou antecipadamente as ilusões nacionalistas sobre a possibilidade de um movimento no gênero do de 1792. Soube dizer, não depois dos acontecimentos, mas muitos meses antes: ‘Não se deve pegar em armas’.”

“E qual foi a posição de Marx quando esta empreitada desesperada, segundo a sua própria declaração de Setembro, começou a tomar corpo em março de 1871? Terá Marx aproveitado a ocasião (como Plekhanov em relação aos acontecimentos de dezembro) somente para ‘humilhar’ os seus adversários, os proudhonianos e os blanquistas que dirigiam a Comuna? Ter-se-á posto a rabujar como um bedel: ‘Bem vos tinha dito, bem vos tinha prevenido, aí tendes onde levam o vosso romantismo, os vossos delírios revolucionários’? Terá dirigido aos comunardos, como Plekhanov aos combatentes de dezembro, o seu sermão de filisteu satisfeito consigo mesmo: ‘Não se devia ter pegado em armas’?
“Oh! Como teriam, nessa altura, troçado de Marx os nossos ‘realistas’, os nossos sabichões do marxismo, que na Rússia de 1906-1907 vituperam contra o romantismo revolucionário! Como teriam troçado do materialista, do economista, do inimigo das utopias que admira a ‘tentativa’ de tomar o céu de assalto! Quantas lágrimas de compaixão ou risos condescendentes não teriam proferido estes homens esclerosados perante essas tendências revoltosas, esse utopismo, etc., etc...”.
“Na sua resposta a Marx, Kugelmann manifestou, provavelmente, algumas dúvidas, aludindo ao caráter desesperado da empreitada, ao realismo em oposição ao romantismo…”.

“Marx, imediatamente (em 17 de Abril de 1871), dá uma severa réplica a Kugelmann:”

“‘Seria, evidentemente, muito cômodo fazer a história universal, se somente com infalíveis probabilidades de êxito se travasse a luta.’”

“Marx também sabia ver que há momentos na História em que uma luta encarniçada das massas, mesmo por uma causa sem perspectiva, é indispensável para a educação ulterior dessas massas, para prepara-las para a luta seguinte.

Do “Prefacio à Tradução Russa das Cartas de K. Marx a L. Kugelmann”, Obras Completas.

[2] Lenin não tinha nada além de desprezo por aqueles autoproclamados socialistas que zombaram do Levante de Páscoa em Dublin (Irlanda), em 1916, como um “putsch” condenado ao fracasso em razão da força esmagadora do imperialismo britânico. Ele comentou:

“A dialética da história é tal que as pequenas nações, desprovidas de poder como um fator independente na luta contra o imperialismo, desempenham um papel como um dos fermentadores, um dos bacilos, que ajudam a verdadeira força anti-imperialista, o proletariado socialista, a aparecer em cena.”

― “Discussão sobre a Autodeterminação” (1916), Obras Completas.

A Frente de Belém (PSOL-PSTU-PCdoB) na Lógica do Morenismo

PSTU “justifica” seu bloco com PSOL e PCdoB
A Frente de Belém na Lógica do Morenismo

Por Rodolfo Kaleb, Agosto de 2012

Prevendo que a sua aliança eleitoral com o PCdoB seria rechaçada por setores da sua própria militância, a direção do PSTU escreveu uma nota tentando justificar a sua ação oportunista de se aliar com este partido e com o PSOL nas eleições para a prefeitura de Belém do Pará. O rompimento de quatro militantes do PSTU no Maranhão em cima disso, militantes que há cerca de um ano haviam rompido com o PSOL por condenar esse mesmo tipo de aliança mostra que o bloco com o PCdoB será um sapo difícil de engolir para a militância de um partido que tenta se passar pelo representante brasileiro do legado de Lenin e Trotsky.

O programa da frente de Belém

Em primeiro lugar, não pode haver dúvidas de que a frente eleitoral de Belém (“Belém nas Mãos do Povo”) é uma frente com um discurso reformista, que busca a colaboração de classes e se propõe a administrar do Estado dos patrões. Fica evidente, ao analisarmos seus representantes e seu programa, assim como a disposição dos seus líderes em receber apoio da burguesia, que essa frente deve ser caracterizada como uma frente popular embrionária, que apesar de não ter conseguido apoio de grandes partidos burgueses, está disposta a colaborar com os patrões e quer o seu apoio. Em outras palavras, uma frente popular “com a sombra da burguesia”.

Quem a encabeça é Edmilson Rodrigues do PSOL, que quando era do PT foi prefeito da cidade entre 1997 e 2005. Em uma entrevista que Edmilson deu ao blog Ponto de Pauta fica claro o seu projeto de governar em aliança com o empresariado “honesto”:

“P [Entrevistador do Ponto de Pauta]: O PSOL vai impor alguma restrição para o recebimento de doações de campanha. O partido não causa certo temor aos empresários?”

“R [Edmilson Rodrigues]: Não causa. O PSOL é um partido simpático. A Heloísa Helena é aquela mistura de religiosidade, honestidade, aguerrimento.”

“P: Mas isso se traduzirá em doações de campanha?”

“R: O PSOL é a referência da militância aguerrida que faz campanha sem precisar receber dinheiro e, ao mesmo tempo, é uma militância alegre, festiva. O PSOL é a expressão do movimento social, autêntico, combativo, mas se você conversa com o empresariado de Belém, pode ouvir ‘não sou PSOL, mas tenho respeito pelo Edmilson’. Agora se você me perguntar se vou aceitar todo tipo de apoio, eu digo que não. De multinacionais envolvidas com a destruição da Amazônia, não aceitaremos. De empresários bandidos, de forma alguma. Qualquer empresário que, dentro da lei, quiser fazer doações, está chamado a contribuir e será recebido de bom grado.” (Entrevista: Edmilson, candidato do PSOL à Prefeitura de Belém).

O programa de Edmilson não foge do projeto “democrático e popular” que o PT formulou por décadas e do qual o PSOL ainda vive: aliança com setores “honestos” da burguesia, manutenção das relações de propriedade capitalistas, ligações com o movimento social com objetivo de mantê-lo preso ao reformismo, busca de concessões mínimas por dentro do Estado burguês, estratégia centralmente eleitoral, etc. Além disso, a presença do PCdoB choca por ser um partido da base de apoio do governo Dilma, a que o PSTU diz se opor, e que há 10 anos ajuda diretamente a sustentar o capitalismo e os ataques à classe trabalhadora por dentro do Governo Federal. Mas para Edmilson não é nenhuma novidade, já que quando foi prefeito teve esse partido em seu governo. O PSOL também tentou fazer alianças com vários grandes partidos burgueses (PV, PTdoB, PTN e PSC), mas acabou fracassando porque estes não quiseram uma chapa conjunta. E não é a toa que o empresariado de Belém “tem respeito pelo Edmilson”, já que este o serviu muito bem por 8 anos na Prefeitura da cidade.

Lado a lado – Cléber Rabelo (PSTU), Edmilson Rodrigues
(PSOL) e Jorge Panzera (PCdoB) fazendo campanha
em bairro de Belém. (cleber16123.blogspot.com.br)

É essa frente dominada por um candidato “simpático”, que “não causa temor aos empresários”, e que ainda por cima “qualquer empresário que quiser fazer doações dentro da lei” será bem recebido, que o PSTU está compondo. Entre esse programa, que o PSTU está apoiando quando se une a Edmilson, e o programa do marxismo, a necessidade da democracia proletária e da expropriação da burguesia, há um verdadeiro abismo.


Os argumentos “ortodoxos” do PSTU

O PSTU fica entre a cruz e a espada ao tentar ao mesmo tempo reivindicar o legado de revolucionários marxistas e defender a sua posição oportunista nessa situação, avessa ao que aqueles representaram. O uso das citações é talvez a armação mais ousada que alguns dirigentes do PSTU aplicam. Como não poderia ser diferente, saem-se mal.

O PSTU começa cauteloso, nos dizendo que “Em primeiro lugar, é preciso dizer que os acordos, compromissos e concessões sempre fizeram parte da tradição revolucionária. Esse é um fato que não se pode negar”. Para isso cita Lenin:

“Não se pode renunciar à ideia dos compromissos. A questão está em saber conservar, fortalecer, forjar e desenvolver a tática e a organização revolucionária, a consciência revolucionária, a decisão e a preparação da classe operária e de sua vanguarda organizada, o partido comunista”.

Certamente em Esquerdismo, assim como em outros textos, Lenin discute a importância tática da participação dos comunistas nas eleições burguesas para propaganda revolucionária, a tática de frente única, e os compromissos em geral que os comunistas realizam em todas as lutas parciais, como as greves, onde só é possível atingir concretamente alguns objetivos limitados. Entretanto, a Internacional Comunista liderada por Lenin, ou a Oposição de Esquerda e a Quarta Internacional, dirigidas por Trotsky, não realizavam “compromissos” ou “acordos” que implicassem submeter-se programaticamente a partidos oportunistas de qualquer tipo, tampouco com partidos que estivessem sustentando um governo burguês, como é o caso do PCdoB, ou que querem fazê-lo, como o PSOL. Lenin se refere aqui aos compromissos nas lutas por objetivos práticos, e que não implicam nenhum compromisso político-programático por parte por partido revolucionário.

O PSTU reconhece que nem todos os compromissos são válidos: “Isso significa então que todos os acordos são permitidos? Que ‘os fins justificam os meios’, como diz o senso comum? Não, não significa.” Mas então qual é o critério? O PSTU citou os seguintes trechos esclarecedores de Trotsky:

“A regra mais importante, melhor estabelecida e mais inalterável a ser aplicada em qualquer manobra diz: você nunca deve se atrever a fundir, misturar ou combinar sua própria organização partidária com uma estranha, mesmo que esta pareça muito ‘simpática’ hoje. Não assumir tais passos que levem direta ou indiretamente, aberta ou mascaradamente, seu partido à subordinação a outros partidos ou organizações de outras classes, ou que restrinjam sua liberdade de ação, ou que o torne responsável, mesmo que em parte, pela linha política de outros partidos. Você nunca deve misturar as bandeiras, não deve ajoelhar-se perante outra bandeira”.
“Nenhuma plataforma comum com a socialdemocracia ou com os chefes dos sindicatos alemães, nenhuma edição, nenhuma bandeira, nenhum cartaz comum: marchar separadamente, lutar juntos. Acordo apenas nisto: como combater, quem combater e quando combater? Nisto pode-se entrar em acordo com o próprio diabo e sua avó. (…) Com uma condição: conservar as mãos livres”. (Por uma Frente Única Operária Contra o Fascismo. Leon Trotsky, 1931).

Para qualquer marxista, esses trechos são um combate ao tipo de aliança realizada pelo PSTU em Belém, onde tem cartazes comuns em cima da candidatura de Edmilson, onde tem uma plataforma comum em cima do seu programa burguês. Mas a partir dessa citação, inacreditavelmente, os dirigentes do PSTU concluem que:

“Por que fechamos então um acordo que inclui o PCdoB em Belém? Por uma razão muito simples: porque este acordo não amarra em nada nossas mãos, não diminui em nada a crítica que faremos ao governo Dilma, não nos obriga a baixar nem um pouco o tom crítico ao próprio PSOL ou Edmilson, sempre que considerarmos que sua política está errada. Isto para nós é o decisivo.”

A “independência política”, assim como a “liberdade de ação”,  são belas palavras de ordem, mas como elas podem existir ao mesmo tempo em que há um tipo de acordo onde há “bandeira comum”, “cartaz comum”, “programa comum”, assinados por PSOL-PSTU-PCdoB, como é o caso da Frente de Belém? O PSTU pode até levantar suas próprias consignas mais à esquerda que o PSOL e o PCdoB por si próprio, em sua imprensa
 e em seus círculos mais próximos dentro do movimento. Mas na Frente, que tem uma repercussão muito maior e que chegará a muito mais trabalhadores através dos materiais de campanha, propaganda de TV, etc., está assumindo um compromisso com um programa de colaboração de classes, como nós expusemos acima. O programa da frente, que é dominada pelo PSOL, é necessariamente uma expressão da sua composição social e política.

Dessa forma, o PSTU pode lançar materiais criticando o PSOL e o PCdoB, como forma de ficar com a consciência tranquila. Mas na prática cotidiana está andando de braços dados com o PSOL e o PCdoB, fazendo campanha conjunta e se adaptando ao programa da sua aliança eleitoral. O programa com o PSOL e o PCdoB não foi fruto de uma convergência destes dois partidos oportunistas com o programa do PSTU, e muito menos com o marxismo autêntico. Foi o PSTU que aceitou formar essa frente sob o programa dominante do PSOL, um programa de colaboração ode classes.

Os revolucionários realizam acordos práticos pontuais nas lutas (ou seja, frentes únicas) com partidos reformistas e sem deixar de deles se diferenciar em nenhum momento, com o objetivo de atrair os setores dos trabalhadores que por eles são influenciados para o programa revolucionário. Entre isso e um bloco frente populista, que busca as graças de setores do empresariado, há uma grande diferença. No mesmo artigo de Trotsky citado pelo PSTU, o revolucionário russo sabiamente apontou que:

“Acordos eleitorais, compromissos parlamentares concluídos entre os revolucionários e a socialdemocracia servem, como regra, para a vantagem da socialdemocracia. Acordos práticos para a ação de massas, para propósitos de luta, são sempre úteis para o partido revolucionário”.

A frente de Belém é vantajosa para o PSOL e o PCdoB, que terá militantes do PSTU defendendo, na prática, o seu programa frente-populista enquanto fazem campanha para eleger Edmilson. O PSTU deixou essa citação de Trotsky de lado não apenas agora, mas desde o momento em que começou a realizar seus blocos eleitorais com o PSOL.

A dinâmica de uma campanha conjunta impede o PSTU, na esmagadora maioria das oportunidades, de realizar seriamente qualquer crítica ou diferenciação aos seus companheiros de bloco. Isso para não mencionar que ele evidentemente assina um programa conjunto repleto de ideologia burguesa com seus aliados de Belém. O que o PSTU está fazendo com relação ao PSOL é levar “direta ou indiretamente, aberta ou mascaradamente, seu partido à subordinação a outros partidos” e assim ele está se tornando “responsável, mesmo que em parte, pela linha política de outros partidos”.

Perto do fim da sua “justificativa”, o PSTU decide usar um argumento demolidor:

“Por isso dizemos: participar ou não desse tipo de frente ou organismo é tático. O decisivo é a política que se leva lá dentro. Ou os revolucionários não participam dos parlamentos burgueses? Sim, participam. E o que são esses parlamentos, se não um covil de bandidos e ladrões? Então o que fazem os revolucionários lá quando se elegem? Lutam contra os bandidos e ladrões, transformam a vida deles num inferno.” (ênfase nossa).

A conclusão do PSTU é de que não existe a menor contradição em um partido “revolucionário” entrar em uma frente oportunista, um projeto para gerir o Estado burguês, porque isso seria algo “tático” desde que ele, “lá dentro” (atente-se para a escolha das palavras) defenda uma política principista. “Afinal”, diz o PSTU, “os revolucionários não participam dos parlamentos?”.

Não há dúvidas de que os parlamentos burgueses são covis de bandidos, mas neles os revolucionários devem entrar quando eleitos por uma plataforma revolucionária e a sua participação lá dentro se dá sem fazer nenhum acordo político-programático com os partidos da burguesia. A comparação, portanto, é falsa. O parlamento burguês não funciona segundo um programa comum, e é apenas em razão disso que os revolucionários consideram tático estar dentro deles para denunciar a burguesia e fazer propaganda revolucionária, como um acessório para as lutas de classes.

A frente eleitoral de Belém parte do princípio de que seus firmantes concordam com o programa de Edmilson e se comprometem em aplicá-lo. De acordo com o raciocínio do PSTU, não existiria nenhuma frente popular com a burguesia, que os “revolucionários” supostamente não poderiam participar desde que “lá dentro” defendessem a política “revolucionária”, enquanto na prática se comprometem com os capitalistas.

Ao adentrarem no parlamento, os revolucionários o usariam como palanque para falar diretamente com a classe trabalhadora, e mostrar na prática as limitações da democracia burguesa, denunciando-a sem piedade. Mas “lá dentro” do bloco eleitoral com o PSOL e com o PCdoB, a quem o PSTU está denunciando a democracia burguesa e o capitalismo? Aos mesmos senhores que querem estar ou já estão nas graças do empresariado de Belém?

Para a esmagadora maioria da classe trabalhadora de Belém, o PSTU aparece publicamente como parte de um bloco que propõe a colaboração de classes, e não são artigos no Opinião Socialista ou rodas de debates para os militantes mais próximos que vão alterar essa imagem pública que será criada pela campanha. De nada adianta defender a revolução e o socialismo dentro de auditórios e salas de reunião, se em cartazes e programas de TV o partido estará associado àqueles que desejam governar com o empresariado “honesto” e fazem questão de dizer que não assustam e não querem assustar a burguesia.

Edmilson Rodrigues (PSOL) e Cléber Rabelo (PSTU):
 abraçados na base do programa de Edmilson
(pstueleicoes.wordpress.com)

Esse argumento de defender o programa revolucionário “por dentro” de um bloco político de colaboração de classes não é novo, assim como tampouco é nova a formação de blocos do PSTU com partidos que ele próprio reconhece como traidores. Na sua declaração, o PSTU diz: “(…) não é a primeira vez que participamos ou apoiamos uma frente eleitoral com a qual não temos nenhum acordo.” É algo típico de um partido que quer parecer “ortodoxo” quando lhe convém (no programa formal e nos “dias de festa”) enquanto na prática o papel que representa é de auxiliar de esquerda dos partidos oportunistas e frentepopulistas, aos quais confere o seu apoio político. 


Em suma, não existe no discurso do PSTU a menor coerência sob um ponto de vista leninista. Todas as citações dos clássicos marxistas que ele indevidamente reivindica, contradizem a sua própria ação. Ao publicar uma tentativa de se mostrar como “ortodoxo”, ele está insultando a inteligência dos seus próprios membros e da vanguarda trotskista. O PSTU diz manter a “independência”, mas assina um programa que promete a colaboração de classes, como aqueles que ele diz “combater”. De um lado, diz que o programa de Edmilson “está errado”; no outro, repercute as trocas de elogios entre Edmilson e seu candidato a vereador no seu site de campanha, percorre abraçado com ele os bairros de Belém. A meta do PSTU na coligação com o PSOL e o PCdoB não é fazer propaganda da política revolucionária (que é o motivo pelo qual os autênticos revolucionários participam das eleições burguesas). Se o objetivo do PSTU fosse esse, como faria isso abraçado (literal e politicamente) ao PSOL?

O verdadeiro objetivo do PSTU na frente de Belém

Nem nos passa pela cabeça que os dirigentes do PSTU estejam, ao aceitar compor a frente de Belém, cometendo um erro despercebido, ingênuo. Em primeiro lugar, os dirigentes do PSTU tem experiência o suficiente para saber que estão aceitando perder uma grande parte da sua independência política ao apoiar uma chapa eleitoral com PSOL e o PCdoB. Também sabem que o PSOL e o PCdoB aceitam dinheiro e apoio de setores da burguesia e que assim se construirá a sua campanha e um possível governo. Além disso, a escolha das citações de Trotsky mostra que a Direção Nacional sabeque está realizando uma “tática” que não pertence à tradição do trotskismo.

Existe, entretanto, uma tradição à qual esse tipo de “tática” de subordinação política e colaboração de classes pertence – a tradição do revisionismo formulado por Nahuel Moreno ou “morenismo”. Moreno foi um dirigente argentino que reivindicou o trotskismo e construiu sua carreira política desde fins dos anos 40. Assim com outros antes dele, Moreno buscou entender o fracasso sucessivo de diversas revoluções em potencial apontando como solução, não o fortalecimento do partido revolucionário e do programa marxista entre as massas, mas sim a secundarização de ambos. Ele formulou no decorrer de sua vida política uma compreensão segundo a qual em nossa atual etapa histórica, os trotskistas devem colocar seus esforços na luta por “revoluções de fevereiro” (conceito baseado em uma analogia com a revolução russa de fevereiro de 1917). De acordo com Moreno:

“Por sua dinâmica de classe e do inimigo que enfrentam ambas [Fevereiro e Outubro] são revoluções socialistas. A diferença entre elas reside no nível diferente de consciência do movimento de massas e, principalmente, na relação do partido marxista com o movimento de massas e o processo revolucionário em curso. Colocado de forma sucinta, a Revolução de Fevereiro é inconscientemente socialista, enquanto Outubro o é conscientemente.”
― Atualização do Programa de Transição (1980), Tese XV.

“A Revolução de Fevereiro é completamente diferente da de Outubro no nível de consciência e à sua direção. A de Outubro é caracterizada por possuir à sua frente uma direção revolucionária marxista; a de Fevereiro é liderada pelos aparatos burocráticos e pequeno-burgueses do movimento de massas. (…).”
― Idem, Tese XV

Para os bolcheviques-leninistas, as mais diversas situações revolucionárias internacionais – da Espanha nos anos 30 ao Chile de 73, da França de 68 à África do Sul nos anos 80 – foram situações potencialmente revolucionárias traídas por direções frentepopulistas ou oportunistas. Para Moreno, tratavam-se de “Revoluções de Fevereiro”:

“Passados sessenta e três anos desde a sua vitória, devemos reconhecer que a Revolução de Outubro foi uma exceção até o momento neste século; não houve outra com suas características. Não só entre as triunfantes, mas mesmo entre os processos revolucionários derrotados não houve semelhante. A Revolução de Outubro é até agora uma exceção.”
― Idem, Tese IV (ênfase nossa).

Assim, Moreno definiu claramente que o papel das organizações morenistas era colaborar com as direções oportunistas para realizar uma “revolução socialista inconsciente”, onde o papel central seria desempenhado por “aparatos burocráticos e pequeno-burgueses do movimento de massas”. O papel do partido trotskista seria se adequar a essa direção oportunista e intervir na “revolução de fevereiro” para coloca-la no poder, prestando atenção especial para “não pular essa etapa”:

“Os nossos partidos devem reconhecer a existência de uma situação pré-revolucionária de Fevereiro, para usar as palavras de ordem democráticas adequadas à existência das direções pequeno-burguesas que controlam o movimento de massas e a necessidade de unidade de ação o mais rápido possível para fazer a Revolução de Fevereiro. Devemos entender que é inevitável fazê-lo e não tentar pular essa etapa, mas tomar todas as conclusões necessárias estratégicas e táticas, como a vanguarda da revolução de Fevereiro, sendo os campeões da intervenção nela.” (ênfase nossa).
― Idem, Tese XXVI

Dessa forma, Moreno buscava “ser o campeão” de uma “revolução” a ser liderada por aparatos oportunistas à frente do movimento de massas, aparatos esses que sempre buscam as graças da burguesia. Isso é absolutamente divergente dos objetivos dos trotskistas, cuja recusa em participar de frentes populares e o combate contra os partidos oportunistas possuíam um claro objetivo: ser a liderança proletária à frente de novas revoluções de outubro.

“A acusação capital que a IV Internacional lança contra as organizações tradicionais do proletariado é a de que elas não querem separar-se do semicadáver da burguesia.”
“De todos os partidos e organizações que se apoiam nos operários e nos camponeses falando em seu nome, nós exigimos que rompam politicamente com a burguesia e entrem no caminho da luta pelo governo operário e camponês.”
― Programa de Transição, setembro de 1938

A “crise de direção do proletariado” baseia-se no fato de que inexiste uma organização internacional com influência de massas que possa liderar os trabalhadores e outros setores oprimidos rumo às vitórias revolucionárias. Pelo contrário, as grandes organizações dos trabalhadores buscam “acordos” e “compromissos” oportunistas com a burguesia. Moreno, ao contrário, nos diz que as correntes oportunistas e burocráticas do movimento podem liderar uma “etapa inconsciente” a qual “nós não devemos tentar pular” da revolução socialista. Moreno formula um papel para o partido revolucionário em sua “revolução de fevereiro” que é de auxiliar os aparatos reformistas ou frentepopulistas. E para dar um caráter concreto, vejamos como isso se aplica na atual frente de Belém.

Em uma entrevista publicada no jornal do PSTU, Opinião Socialista, o candidato a vereador do partido, Cléber Rabelo, explicou da seguinte forma os objetivos do PSTU dentro da frente de Belém:

“Temos várias diferenças com o PSOL de Edmilson. Fomos contrários à presença do PCdoB na Frente porque é um partido traidor e da base de sustentação do governo Dilma. Mas avaliamos que dentro da Frente, e não fora dela, seria a melhor forma de apresentar um programa de transformação radical para os trabalhadores, exigir que Edmilson avance em seu programa para a ruptura com a burguesia, além de denunciar o que significa o PCdoB para o movimento de massas.” (ênfase nossa).
Opinião Socialista 445, julho de 2012.

O objetivo “estratégico” do PSTU é tentar empurrar o PSOL para que realize as tarefas revolucionárias. A frente de Belém nada mais é do que uma “tática” muito bem apropriada a esse objetivo utópico. É por isso que, para o PSTU, “participar ou não participar” dessa frente não é a questão.

Para os trotskistas autênticos, a não-participação em frentes populares é uma questão chave porque eles buscam construir o partido revolucionário que, contra a pressão das forças reformistas e burocráticas que dominam o movimento de massas atualmente, vai lutar pela revolução socialista. Para um partido trotskista autêntico, portanto, a demarcação política com o oportunismo e a recusa à colaboração de classes é um aspecto central.

Para um partido morenista, cujo objetivo é intervir na “revolução de fevereiro” a ser liderada por um partido oportunista ou pequeno-burguês – identificado claramente nesse caso com o PSOL – estar dentro ou não de um bloco frentepopulista com esse partido é algo “tático”, que vai depender das condições, para melhor tentar (em vão) empurrar esse partido até a revolução.

Obviamente a concepção morenista reveste os partidos oportunistas de ilusões sobre a sua capacidade revolucionária (ainda que nessa “etapa de fevereiro”), pois parte precisamente da premissa de que tais partidos podem cumprir um papel progressivo ao estarem à frente do movimento de massas. Na mesma entrevista, Rabelo apontou que:

“Também vamos exigir de Edmilson que não repita os erros de seu governo quando ele estava no PT (1997-2004) e dizer para os trabalhadores que um possível governo PSOL-PCdoB só poderá, de fato, governar para nossa classe se implementar um programa de ruptura com a burguesia.”
― Idem.

Isso é uma completa ilusão em Edmilson. Um partido reformista que busca realizar alianças com partidos burgueses, que quer o apoio político e financeiro do “empresariado honesto”, que busca administrar o Estado burguês em Belém, etc. jamais vai romper com o capitalismo. Ele depende material e politicamente da manutenção do capitalismo. Do PSOL só se pode esperar aspirações de eleger parlamentares e prefeitos “populares”, que vão manter o sistema de exploração com pequenas concessões. O PSTU está apostando a sorte do proletariado – e mais significativamente aquelas porções do proletariado sobre as quais ele tem influência – na capacidade do PSOL de liderar a “revolução de fevereiro” no Brasil. O mesmo princípio estava por trás da “tática” da frente com Heloísa Helena em 2006. O mesmo princípio estava por trás do apoio às candidaturas frentepopulistas do PT até 2002. Desta vez, assim como das anteriores, esse esforço morenista vai resultar em fracasso e confusão.

De Perón a Edmilson Rodrigues: a tradição de colaboração de classes do morenismo

O morenismo tem como uma das suas características elementares depositar a esperança da revolução socialista em partidos de outras classes ou oportunistas, como nós expusemos acima. Por isso não há, para o morenismo, nada de estranho em se submeter na prática ao programa burguês de Edmilson. Outro exemplo levantado pelo PSTU, no seu anseio de se justificar, é a citação de Nahuel Moreno nos dizendo que é “tático” votar em frentes populares, blocos dominados pela burguesia, como Moreno fez incontáveis vezes, e como o PSTU fez três vezes nas eleições presidenciais brasileiras entre 1989 e 2002 ao votar em Lula, sempre em alianças com grandes partidos burgueses.

PSTU chama voto em Lula – Capa do Opinião
Socialista 
em fins de 2002. Foi “tático” ajudar a

colocar um governo burguês no poder. (pstu.org.br)
“O que sim é uma traição” – diz Moreno – “é apoiar eleitoralmente uma frente popular ou um movimento nacionalista burguês sem denunciar que sua existência é uma traição ao movimento operário. Ou seja, o voto em si é para nós um problema tático e não principista; o que é principista é a política, e esta deve ser de denúncia implacável de qualquer frente popular ou nacionalista onde a classe operária esteja, como uma traição dos partidos operários reformistas que a promovem.” (Um Documento Escandaloso – Uma resposta a Germain, 1973).

A citação de Nahuel Moreno apresentada pelo PSTU foi produzida numa polêmica com os mandelistas do antigo Secretariado Unificado. Nos anos 60 e 70, Moreno era parte do SU junto com Ernest Mandel (Germain), com quem conviveu na mesma organização por mais de 15 anos, seguindo todas as suas traições, e contra quem rompeu depois. Moreno acusou os seguidores de Mandel de votarem em frentes populares. Os mandelistas replicaram dizendo que também os morenistas votavam ou entravam em frentes populares, como foi o caso do Frente Amplio uruguaio, no começo dos anos 70 e que por isso essas críticas eram aplicáveis a eles próprios. Foi por isso que Moreno, defendendo as decisões dos seus companheiros uruguaios, explicou que é “tático” apoiar frentes populares desde que “denunciando que são uma traição”. Moreno queria sustentar a sua própria política oportunista enquanto criticava quando isso era feito por seus adversários dentro do SU. No fundo, ambos capitularam à frente popular.

Essa justificativa incoerente para se diferenciar de outros oportunistas do seu tempo, o PSTU está repetindo numa tentativa vergonhosa de se diferenciar dos demais partidos oportunistas dos dias de hoje. A contradição é evidente. Em 2010, por exemplo, o PSTU criticou aqueles que votaram em Dilma, sucessora de Lula:

“Na verdade, a ‘tática’ do ‘mal menor’ faz um mal maior que é a não construção de uma alternativa independente dos trabalhadores. Sempre estaremos dependentes de um ‘setor’ progressista da burguesia”.
“É preferível apresentar de forma clara uma alternativa aos dois blocos, chamando o voto nulo. Um peso significativo do voto nulo enfraqueceria o novo governo eleito. Assim, estaríamos começando a preparar a luta contra eles (…)”. (Nem Serra, nem Dilma. Opinião Socialista 413, novembro de 2010).

Em outro artigo dessa época, o PSTU afirmou que os candidatos burgueses “Não serão eleitos em nosso nome.” (Site do PSTU, 5/10/2010). Muito correto, é verdade; mas isso perde totalmente a consistência quando o PSTU nos diz que isso foi apenas “tático”. Em outras palavras, se tivesse sido “tático” para o PSTU em 2010 votar em Dilma, como foi “tático” votar em Lula em 1989, 1994 e 2002 (e neste último podemos dizer que Lula foi eleito “em nome do PSTU”), ele o teria feito. Os militantes do PSTU que não desejam que governos burgueses “sejam eleitos em seu nome” devem estar atentos aos próximos desenvolvimentos em Belém, assim como para as próximas vezes em que for “tático” para os dirigentes morenistas votarem em frentes populares.

Contra isso, os verdadeiros trotskistas dizem que a frente popular não merece nenhum apoio político – nem nas ruas, nem nas urnas – em nenhuma ocasião. Para nós isso não é uma questão tática. Combater e denunciar, sem jogo duplo, os diversos setores da burguesia é uma questão estratégica para a vitória da classe trabalhadora. A tática é um componente da estratégia, e ainda que flexível, não pode estar em contradição com a primeira.

Sem dúvida Moreno realizou as mais oportunistas piruetas em sua história política, sempre dizendo que estava “mantendo a independência política”. Em 1955, por exemplo, seu grupo na Argentina fundiu com peronistas (populistas burgueses) “de esquerda” e formou o grupo “Movimiento de Agrupaciones Obreras” que publicava o jornal “Palabra Obrera”, que na capa definia a si próprio como um “Órgão do Peronismo Operário Revolucionário” que estava “Sob a Disciplina do General Perón e do Conselho Superior Peronista”. De certo que também desta vez os morenistas tinham sua “independência”… em suas cabeças e em nenhum outro lugar.

A independência de um autêntico partido leninista se faz recusando entrar nesses blocos podres com um programa burguês, assim como também recusando qualquer apoio “tático” eleitoral a frentes populares. A independência partidária se faz denunciando implacavelmente a classe dominante e aqueles que buscam o ninho do Estado burguês; os revolucionários fazem isso com o objetivo de ensinar aos trabalhadores os caminhos da independência de classe. A frente que os trotskistas reivindicam é aquela da unidade na luta, por um objetivo pontual, e dentro da qual eles se diferenciam claramente dos partidos oportunistas, sem assinar nenhum programa político conjunto. Em outras palavras, frente única ― bater juntos, marchar separados.

Palabra Obrera – Capa do órgão editado pelo
 grupo de Moreno na Argentina entre 1955
e 1963, “sob a disciplina do Gal. Perón”.

Um programa eleitoral é um compromisso programático entre os seus firmantes. No caso de Belém, com Edmilson/PSOL e o PCdoB, um compromisso de gerir o Estado dos patrões, e com alguma chance de ser bem sucedido. Para os morenistas, cujo objetivo é empurrar os oportunistas na esperança de que estes cumpram um papel revolucionário, a independência de classe perde grande parte do seu significado. Ela se torna meramente um detalhe “tático”.


Edmilson/PSOL lidera as pesquisas e tem uma boa chance de vencer as eleições para prefeito de Belém. Não há a menor dúvida de que, assim como sua chapa é uma chapa com o objetivo de gerir o Estado dos patrões, um governo seu seria um governo burguês. O que o PSTU fará então, se isto realmente se concretizar? Vai romper essa aliança, ou será que vai continuar combatendo as “ideias erradas” de Edmilson “lá dentro” do governo de Belém com o PSOL e o PCdoB? Talvez uma pressão da própria base ou do restante da esquerda o impeça de ir tão longe, mas a lógica da posição dos dirigentes do PSTU indica claramente que estaria tudo bem “combater a burguesia” estando à frente do próprio Estado burguês, desde que com o objetivo de levar o PSOL a “romper com a burguesia”. Não nos interessa aonde irão esses senhores, desde que a vanguarda que quer lutar honestamente pela construção de um partido revolucionário tenha clareza de que o lugar para fazer isso não é dentro da frente de Belém, e nem dentro do PSTU.

Piquete Estudantil na UFRJ: Ir Além dos “10% do PIB”!

O panfleto reproduzido a seguir (Download PDF) foi distribuído pelo Reagrupamento Revolucionário na assembleia dos estudantes da UFRJ em 13 de agosto. A assembleia discutiu as perspectivas da greve estudantil e ocorreu durante a realização de um piquete com ocupação do campus do Largo São Francisco, no Centro do Rio de Janeiro. 

O piquete, do qual o RR participou e ajudou a organizar junto com outras forças políticas e militantes independentes, foi organizado pelos estudantes em resposta a uma decisão de cúpula de alguns professores do campus de retornar às aulas apesar da manutenção da greve dos professores, funcionários e estudantes que já atingiu 100% dos Institutos Federais de Educação.

O panfleto buscou dialogar com os ativistas de outras correntes políticas, e aqueles que participam da greve estudantil em geral, sobre como avançar rumo a um  programa capaz de confrontar diretamente o projeto educacional do governo Dilma e a estrutura social capitalista que ele sustenta.

Para além dos “10% do PIB já”…
Uma forma radical exige um conteúdo radical!
A resistência estudantil e a luta pela manutenção da greve contra ambas as ameaças do governo Dilma e as tentativas de sabotagem dos fura- greves são uma demonstração de coragem e energia. Com a perspectiva de endurecimento do governo Dilma, já declarada abertamente, assim como a tentativa de setores fura-greves em retornar às aulas, uma radicalização do movimento se fará essencial para que a greve dos professores, funcionários e estudantes se mantenha viva e forte. Os trabalhadores e estudantes da UFRJ devem permanecer firmes na luta pelas suas reivindicações já aprovadas nas assembleias de base.

Nesse momento decisivo da greve, assim como nos anteriores, os estudantes certamente não poderão contar com os representantes de Dilma dentro do movimento estudantil, a direção majoritária da UNE (PCdoB e PT), cujos membros fingem servir a dois senhores, enquanto já demonstraram que estão mais preocupados em garantir a estabilidade do governo do que ir até o fim com a luta dos estudantes. Esse também é o momento de fazer uma coisa que o Comando Nacional de Greve (CNG) estudantil se mostrou incapaz de fazer até agora, desde o começo da greve: contrapor o projeto do governo Dilma para a educação com um projeto anticapitalista que atenda às verdadeiras necessidades dos trabalhadores e estudantes. O CNG é uma representação das forças políticas que tem mais influência na base nesse momento e estão dirigindo a greve, o PSOL e o PSTU. Ele se pauta por um programa que podemos caracterizar como “economicismo estudantil”, cuja demanda central é exigir que o governo Dilma invista “10% do PIB já” na educação pública.

Apesar de diferenças táticas entre PSOL e PSTU (como ocupar ou não a secretaria do MEC em Brasília) esse bloco se mantém firme na base política de centrar os objetivos da greve estudantil nessa demanda. Essa demanda pelos “10% do PIB já”, que é a base do bloco mantido entre o PSOL e o PSTU, possui limitações sérias. São elas: (1) não questiona frontalmente o projeto liberal de educação do governo, se limitando a pedir que haja mais verbas na sua aplicação; (2) não questiona o caráter extremamente EXCLUDENTE da universidade, deixando de lado a demanda histórica pelo livre acesso e fim do Vestibular/Enem; (3) não vai à raiz dos problemas no fato de a universidade estar inserida numa estrutura social capitalista de extrema desigualdade. Ou seja, não declara guerra à ilusão de que a educação pode ser completa e saudável sob um sistema social extremamente doente.

Numa sociedade onde a classe trabalhadora, à frente das outras classes oprimidas, é a única capaz de resolver essas contradições a favor de uma educação plena, a luta dos estudantes e trabalhadores da educação deve apontar para uma forma de sociedade alternativa, controlada pelos trabalhadores e rumo ao fim da desigualdade social. A estratégia dos estudantes nessa greve deve apontar esse objetivo, buscando fazer uma ponte entre as reivindicações setoriais e específicas e a necessidade de lutar pelo socialismo. Assim, as lutas e as conquistas devem se constituir não como um fim em si mesmas, mas como um meio para um objetivo maior.

O bloco do PSOL/PSTU à frente do CNG, apesar de sua declaração de oposição ao governo Dilma e de suas reivindicações do marxismo, tem claramente mantido a luta dos estudantes num beco sem saída. Enquanto o “10% do PIB já” é uma demanda apoiável, ela não entra em choque com o capitalismo. Mesmo que os 10% do PIB sejam conquistados como investimento do governo na educação pública (e nada indica que esse valor seja suficiente para dar conta da demanda de recursos da educação), não serão os estudantes e trabalhadores a decidir sobre a sua aplicação, o que implica que pode continuar havendo uma maioria de investimentos que não correspondem ao interesse dos estudantes e trabalhadores da universidade (inclusive em fundações/cursos privados). Aestrutura de poder da universidade permaneceria, assim como permaneceria inalterada a estrutura da sociedade como um todo.

É hora de os estudantes formularem em debates desde a base um programa para a educação pública de enfrentamento direto ao capitalismo. Componente essencial desse programa deverá ser a luta pelo fim do Vestibular/Enem, e assim o acesso universal à educação pública superior. Essa demanda, se agitada corretamente, ganhará a adesão de milhões de estudantes que temem não conseguir passar pelo funil social e racial da universidade, assim como os estudantes obrigados a pagar altíssimas mensalidades para os tubarões do ensino privado, os quais foram tão beneficiados por Dilma e Lula nos últimos 10 anos.

Outra demanda capaz de alavancar o movimento é a de transporte, moradia e alimentação gratuitos para os estudantes conforme a demanda. A dificuldade dos jovens em conseguir empregos, o fato de que são sempre empurrados para os trabalhos pior remunerados, faz com que muitos oriundos da classe trabalhadora tenham dificuldades ou se sacrifiquem para arcar com os custos altíssimos do ensino, mesmo aqueles da universidade pública. Essa demanda vai de encontro a isso. Para as estudantes e trabalhadoras mães, o mesmo se aplica às creches e outras necessidades das crianças: devem ser disponibilizados gratuitamente pelas universidades conforme a demanda.

Junto a isso, a privatização da educação pública deve ser combatida com o programa de expropriação sob o controledos estudantes e trabalhadores das universidades privadas (para que se tornem públicas) e de fim da terceirização do trabalho, dando imediatamenteaos terceirizados estabilidade, condições e salários iguais aos dos efetivos. Essa luta precisa, inclusive passar por cima da legislação draconiana mantida pelo governo Dilma, que conduz à contratação de trabalhadores, em maioria mulheres e negros, sob um regime precário para trabalhar na universidade.


Do ponto de vista do CNG (PSOL/PSTU) essas demandas ficam em segundo plano diante dos “10% do PIB já”. Mas os “10% do PIB” cobrados do governo Dilma de forma nenhuma garantem a aplicação dessas demandas. Em todas as manifestações públicas do CNG, os “10% do PIB já” aparecem, não como uma demanda parcial aliada a reivindicações mais avançadas, mas como uma barreira, como “substituto” de um programa de confronto aberto com o capitalismo e com o governo Dilma. As demandas que apresentamos são apenas um esboço, que deve ser debatido e enriquecido através de discussões na base do movimento, para forjar, aliado à coragem e disposição de luta dos estudantes e trabalhadores, um programa para derrotar o governo Dilma e conseguir as conquistas mais avançadas possíveis, ao mesmo tempo em que orienta os grevistas sobre qual deve ser o seu objetivo estratégico.

Arquivo Histórico: Posadas, Cannon e Mandel

Queremos chamar a atenção de nossos leitores para três artigos postados na seção de Documentos Históricos em espanhol de nosso site. Os seguintes artigos foram escritos pela então revolucionária Liga Espartaquista dos Estados Unidos, nos anos 60 e 70. Eles fazem uma análise política crítica de três dirigentes históricos do trotskismo: J. Posadas, James P. Cannon e Ernest Mandel.
Leia também os artigos criticando o legado político de Nahuel Moreno.

Arquivo Histórico: A Quarta Internacional e a Juventude

A Conferência de Fundação da Quarta Internacional e sua “Resolução Sobre a Juventude”

O primeiro dos documentos a seguir foi escrito como uma introdução à Resolução Sobre a Juventude da Quarta Internacional (1938) e foi publicado na edição Nº 17 (maio/junho de 1973) de Revolutionary Communist Youth Newsletter (RCYN), jornal do então grupo de juventude da Liga Espartaquista dos Estados Unidos (SL). Sua tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em julho de 2012. Logo após, publicamos a Resolução Sobre a Juventude adotada na Conferência de Fundação da Quarta Internacional (1938) e uma resolução adotada na Pré-Conferência da Juventude em 1936, ambas traduzidas também pelo Reagrupamento Revolucionário a partir das versões em inglês disponíveis em marxists.org.

Trotsky sempre teve plena consciência do que ele chamou de o problema de gerações. Ele iniciou o Novo Curso(1923), seu tiro de abertura na luta contra a degeneração burocrática da Revolução Russa, com uma discussão da “questão das gerações do partido” e, no documento mais importante entre as resoluções de fundação da Quarta Internacional (QI), A Agonia Mortal do Capitalismo e as Tarefas da Quarta Internacional: O Programa de Transição, Trotsky apresentou o problema das gerações da seguinte forma:

“Quando se gasta um programa ou uma organização, se gasta a geração que os carregou sobre seus ombros. A renovação do movimento faz-se pela juventude, livre de toda responsabilidade pelo passado… Apenas o fresco entusiasmo e o espirito ofensivo da juventude podem assegurar os primeiros sucessos na luta; apenas esses sucessos podem fazer voltar ao caminho da revolução os melhores elementos da velha geração.”
[da versão disponível em marxists.org]

Trotsky não esqueceu a lição do colapso da Segunda Internacional e da construção da Terceira. Quando os partidos líderes da Segunda Internacional capitularam ao chauvinismo nacional da Primeira Guerra Mundial, foram os militantes concentrados principalmente na juventude Socialista e nos grupos de mulheres (representando um estrato mais oprimido da classe trabalhadora do que a aristocracia operária privilegiada – o mais influente componente dos partidos Socialistas do Ocidente Europeu) que carregaram a bandeira do internacionalismo contra a maré de chauvinismo. Foram esses militantes que, sob o impacto do Outubro Russo, forneceram os preciosos quadros da nova Internacional Comunista (IC). Com a destruição da IC enquanto um partido revolucionário mundial a partir dos fortes ventos do fracasso da Revolução Alemã, da degeneração burocrática da Revolução Bolchevique, da ascensão do fascismo e da iminente renovação da guerra imperialista mundial, as tarefas de se criar uma nova internacional foram postas na ordem do dia. Trotsky, um dos fundadores da IC que assinou seu manifesto de fundação, se virou para a geração de jovens trabalhadores, não amedrontados pelas derrotas e traições do passado. Consequentemente, o manifesto de fundação da QI termina com um firme chamado para dar “Lugar à juventude! Lugar às mulheres trabalhadoras!”.

A seriedade com a qual os trotskistas empreenderam essa necessidade histórica de encontrar o caminho à nova geração de revolucionários estava evidente no fato de que – apesar da fundação da QI ter ocorrido sob as mais difíceis condições, demandando sigilo e uma preparação cuidadosa, em um momento em que os trotskistas tinham escassos recursos e estavam sendo caçados ao redor do mundo pela polícia e agentes de todas as alas da burguesia, dos fascistas aos mais “democráticos” e, com especial veemência, pela polícia secreta de Stalin – ainda assim a Fundação de Conferência foi seguida pela “Conferência Mundial de Juventude da Quarta Internacional”. Ambas as Conferência ocorreram em setembro de 1938; nessa compareceram 21 delegados representando 11 países, enquanto na Conferência de Juventude compareceram 19 delegados representando 7 países (Polônia, Áustria, Bélgica, Holanda, Inglaterra, Estados Unidos e França). Houve uma considerável sobreposição nas delegações e, além disso, o Birô Internacional da QI, eleito na Conferência do partido, enviou três delegados à Conferência de Juventude. Além de adotar a “Resolução Sobre a Juventude”, a Conferência Mundial de Juventude endossou o Programa de Transição e votou sua filiação como a seção oficial de juventude da QI.

Conforme relatou Nathan Gould, o delegado de juventude dos Estados Unidos, no órgão mensal do então revolucionário Partido dos Trabalhadores Socialistas (SWP), Socialist Appeal (22 de outubro de 1938):

“A resolução sobre as relações entre as Internacionais jovem e a adulta aceitou a clássica concepção leninista dessas relações. A Internacional de Juventude, que aceita a liderança revolucionária proletária internacional de seu órgão adulto será politicamente subordinada e organizativamente autônoma em relação à Quarta Internacional”

Gould declarou então que todas as decisões e resoluções na Conferência de Juventude, incluindo a “Resolução Sobre a Juventude”, derivaram “das demandas e estão subordinadas às teses sobre a Agonia Mortal do Capitalismo [O Programa de Transição]”. De fato, a agonia mortal do capitalismo evolui com tamanha rapidez e agudez que a “questão da juventude” logo foi substituída pela “questão militar”. As principais preocupações da juventude da classe trabalhadora na vida civil sob o capitalismo – a falta de trabalhos, educação e igualdade social, problemas com os quais a “Resolução Sobre a Juventude” estava centralmente preocupada – estavam para ser logo transcendidas enquanto a guerra imperialista dava a esses jovens os “empregos”, a “educação” e a “igualdade social” dos quartéis. Dentro do contexto do militarismo universal, os trotskistas se portaram com bravura exemplar, por exemplo, construindo células revolucionárias dentro do Exército Alemão. Mas as condições objetivas forçaram a QI a temporariamente abandonar as tarefas colocadas pela “Resolução Sobre a Juventude” e a luta por uma internacional trotskista de juventude.

Ascensão do Pablismo

Após a Segunda Guerra Mundial, o movimento trotskista, dizimado pelo fascismo e pelo stalinismo, tentou se reagrupar e reorientar. Entretanto, a destruição de uma geração inteira de quadros trotskistas, incluindo o próprio Trotsky, deixou a QI desarmada teoricamente e isolada da classe trabalhadora. Os inexperientes e não testados quadros que subiram à liderança da QI, personificada por Michel Pablo, foram passados para trás pelos levantes pré-revolucionários do pós-guerra cujos cursos suas fracas forças não podiam influenciar significativamente. Tais quadros foram posteriormente desorientados pela aparente estabilização do capitalismo de um lado, e pelo crescimento do stalinismo e da socialdemocracia de outro (confira A Gênese do Pablismo). O pablismo significou o abandono da luta pela construção de partidos trotskistas independentes e a liquidação dos quadros trotskistas dentro das já existentes formações stalinistas e socialdemocratas que eram vistas como destinadas a desempenhar um papel revolucionário sob o impacto do “processo objetivo”. O corolário para a juventude trotskista era a ordem de que ela deveria se enterrar nos grupos de juventude stalinistas e socialdemocratas e esperar pelo “processo objetivo” se desdobrar.

Assim, a “Resolução Sobre a Juventude” e as perspectivas para uma internacional trotskista de juventude foram abandonadas quando a QI sucumbiu ao pablismo. Apesar de muitas das demandas e consignas específicas da “Resolução Sobre a Juventude” estarem obviamente desatualizadas, a resolução apresenta muito mais do que um interesse histórico. O documento, especialmente na seção XIV, intitulada “O Programa Revolucionário”, é uma valiosa reafirmação do critério programático que governou o trabalho na juventude conforme Lenin, Trotsky e a IC e QI dos primórdios o concebiam. Tal reafirmação é de particular importância hoje em dia, quando tantas tendências políticas afirmando serem trotskistas apresentam as mais elementares confusões sobre essa questão. A IC e a Internacional Comunista da Juventude dos primórdios, e a Conferência de Fundação da QI e sua correspondente Conferência de Juventude eram explicitamente insistentes de que o grupo de juventude Leninista-Trotskista deveria ser uma seção do partido de vanguarda que materializa a continuidade, a liderança politicamente testada e a clareza programática desenvolvida do movimento revolucionário. O programa da seção de juventude deve ser desenvolvido dentro do quadro do programa do partido, conforme a “Resolução Sobre a Juventude” afirma: “É no quadro do programa de transição da Quarta Internacional que o presente programa deve ser desenvolvido e aplicado.”. “Juventude” não é uma classe, não há “programa da juventude” como tal. O programa que se dirige às necessidades objetivas e à opressão especial da juventude é parte e parcela do programa pelo poder proletário. “A luta por essas demandas não podem ser separadas da luta pelas demandas dos trabalhadores como um todo, tanto empregados quanto desempregados.”.

Vanguardismo Jovem: SWP e WL

Todos os diversos pretendentes à bandeira do trotskismo rejeitam a abordagem de classe de Trotsky sobre a questão da juventude – nomeadamente, que esta questão de opressão e necessidades especiais da juventude deve ser subordinada e integrada ao programa revolucionário da classe trabalhadora, o Programa de Transição. O pablismo moderno, materializado em organizações como o SWP [Partido dos Trabalhadores Socialistas dos Estados Unidos], o Grupo Marxista Internacional na Inglaterra, a Liga Comunista na França e personificado por “teóricos” como Ernest Mandel e “ativistas” como Tariq Ali [seções e membros do Secretariado Unificado], depois de anos de auto-internação em organizações reformistas, recuaram de seu entrismo e tentaram, de diversas maneiras próprias, pular no trem da “radicalização internacional da juventude”. Partindo da ideia de que nós vivemos não na era da decadência imperialista, mas na era do “neocapitalismo”, isto é, das crises capitalistas estabilizadas pela intervenção estatal na economia (expansão da dívida, por exemplo), eles chegam à conclusão de que, consequentemente, o “epicentro” da revolução mundial se deslocou dos países industriais para os coloniais, ou da classe trabalhadora industrial para “setores” mais periféricos da força de trabalho, como os trabalhadores engravatados e os “aprendizes” engravatados (isto é, os estudantes). Eles enxergam a classe trabalhadora industrial como perdidamente burocratizada e aburguesada, atingível apenas através das “periferias” na guerra de guerrilhas nos países coloniais e pelo vanguardismo jovem e pequeno-burguês nos países industriais. O SWP ultrapassou o pablismo ao adotar uma ideologia não-proletária. Ele levantou a consigna de “autonomia cultural” dos Austro-Marxistas e a aplicou ao presente, fazendo com que cada “setor” oprimido da população se “autodetermine” de forma independente, rumo àquele paraíso de pura liberdade que, obviamente, é alcançável apenas no conforto dourado do campus de faculdade. Cada “setor” da sociedade (estudantes, negros, chicanos [imigrantes mexicanos], mulheres e, sim, até mesmo a classe trabalhadora) recebe dos revisionistas seu próprio programa “transitório”.

Se afastando do trotskismo e da revolução proletária por outra estrada, uma estrada aparentada com o stalinismo do “terceiro período”, está a Liga Trabalhista Socialista [SLL britânica, seção líder do Comitê Internacional], sua gangue nos EUA, a Liga dos Trabalhadores [WL], e seus correspondentes grupos de juventude, ambos chamados de “Jovem Socialista”. Partindo de uma perspectiva radical – de que as forças produtivas do capitalismo já não podem se desenvolver e, consequentemente, o capitalismo já não é mais capaz de garantir reformas de longa duração – eles tiram uma conclusão reformista, isto é, de que a luta por tais reformas é intrinsicamente revolucionária. Na verdade, isso não passa de socialdemocracia invertida – que o socialismo só pode ser conquistado através de lutas graduais por reformas. O Programa de Transição, por outro lado, levanta demandas que derivam das reais necessidades objetivas do proletariado, mas também prepara e mobiliza os trabalhadores para a luta revolucionária pelo poder proletário.

A forma como a WL trata a questão da juventude é completamente oportunista: ignorando a composição socialmente heterogênea da juventude, a WL convoca os jovens (toda a juventude) a pressionar os burocratas sindicais a construírem um partido operário, e apresenta demandas transitórias para juventude, enquanto uma massa indiferenciada, levar adiante. A linha da WL materializa o vanguardismo jovem sem perspectiva de classe. A ironia das constantes exortações da WL aos “jovens” para que construam um partido operário, criem greves gerais, etc., é que na propaganda da WL para a classe trabalhadora, ela constantemente “esquece” de mencionar o partido operário, bem como outras demandas transitórias centrais, como a nacionalização da indústria sob o controle dos trabalhadores. Seu grupo de juventude, além disso, não possui vida política, sendo uma colateral manipulada pela WL.

A Juventude Comunista Revolucionária [RCY], enquanto a seção de juventude da Liga Espartaquista, dá continuidade às tradições da IC e da QI dos primórdios, às tradições de Lenin e Trotsky, de que a seção de juventude deve ser programaticamente ligada e unida ao partido de vanguarda (“politicamente subordinada e organizativamente autônoma”), de que as demandas especiais que lidam com os problemas da juventude devem derivar do Programa de Transição e devem ligar as lutas dos jovens à luta pelo poder proletário.

— Comitê Editorial da RCYN
Resolução Sobre a Juventude
O Impasse Capitalista

I) O capitalismo, seja ele autoritário ou liberal, não admite a capacidade de trazer o mínimo alívio para a miséria e o sofrimento da juventude da classe trabalhadora. Os jovens querem um emprego, e quando (muito raramente!) ele consente em dar-lhes um, é apenas para acorrenta-los melhor a uma máquina que amanhã irá parar de funcionar e os deixará morrendo de fome ao lado das riquezas que eles próprios produziram. Os jovens querem trabalhar, querem produzir com suas próprias mãos, querem usar suas forças, e o capitalismo lhes oferece a perspectiva do desemprego ou da “execução de trabalho em condições distintas das condições normais de produção”, de acordo com a definição excelentemente hipócrita da Liga das Nações [1] para os campos de trabalho, ou da produção de armamento, que engendra a destruição ao invés do melhoramento. Os jovens querem aprender, mas o caminho à cultura está barrado para eles. Os jovens querem viver, e o único futuro oferecido a eles é aquele da morte por fome ou por apodrecimento no arame farpado de uma nova guerra imperialista. Os jovens querem criar um novo mundo, e eles são permitidos apenas a manter ou consolidar um mundo em apodrecimento que está caindo aos pedaços. Os jovens querem saber como o amanhã será, e a única resposta do capitalismo a eles é “Hoje você tem que afivelar seu cinto ainda mais apertado; amanhã, nós veremos… Em todo caso, talvez você não venha a ter um amanhã”.

Dar Um Futuro à Juventude, Dar Um Futuro ao Mundo

II) É por isso que a juventude irá marchar sob a bandeira daqueles que a trouxerem um futuro. Apenas a Quarta Internacional, por representar os interesses históricos da única classe que pode organizar o mundo sobre novas bases, apenas os Bolcheviques-Leninistas [2], podem prometer aos jovens um futuro no qual eles possam usar suas habilidades em toda sua extensão. Apenas eles podem dizer aos jovens: “Junto a vocês, nós queremos criar um novo mundo, no qual todos trabalham e se orgulham de trabalharem bem, de conhecerem seu trabalho até nos menores detalhes; um mundo no qual todos comerão de acordo com sua fome, pois a produção será regulada de acordo com as necessidades dos trabalhadores, e não do lucro; um mundo no qual é preciso aprender constantemente, para melhor subordinar as forças da natureza à vontade do homem; um mundo no qual, por incessantemente expandir o domínio da aplicação da ciência, o conhecimento teórico da humanidade irá crescer diariamente; um novo mundo, um novo homem que pode tornar realidade todas as esperanças e poderes que traz consigo.” É sob a bandeira de um novo mundo e de uma nova humanidade que a Quarta Internacional e suas organizações de juventude devem marchar para conquistar a juventude da classe trabalhadora; é sob essa bandeira que eles irão conquistar essa juventude.

A Luta Por Um Futuro, a Luta Por Pão

III) A promessa de um futuro melhor seria apenas demagogia se os Bolchevique-Leninista não estivessem lutando por uma melhoria imediata na situação da juventude da classe trabalhadora, se eles não estivessem formulando as demandas imediatas da juventude, se eles não estivessem divulgando a necessidade da juventude da classe trabalhadora de batalhar através da luta de classes para a satisfação dessas demandas, e se, através dessa luta e da base da experiência adquirida nela, eles não demonstrassem para a juventude explorada que suas demandas poderiam ser finalmente satisfeitas apenas através do estabelecimento da ditadura do proletariado, que a luta por essas demandas precisa ser transformada em uma luta pelo poder através de uma luta pelo controle e administração do sistema econômico.

Nós Exigimos o Direito a Trabalhar!

IV) Para os trabalhadores jovens envolvidos na produção, os Bolcheviques-Leninistas levantam consignas com o objetivo de (a) medir o trabalho realizado pelos jovens, não de acordo com o desejo de tirar deles o máximo possível de lucro, mas, ao contrário, de acordo com o nível de desenvolvimento físico deles; (b) assegurar a eles um padrão de vida igual ao dos adultos, assegurando assim também sua independência econômica; (c) elevar suas qualificações técnicas o máximo possível; (d) contra a igual oportunidade de jovens e velhos de serem explorados pelo capitalismo, assegurando a eles direitos iguais.

Para os jovens abaixo dos vinte anos, eles também formulam as seguintes demandas:

Redução da jornada de trabalho, com horários que permitam aos trabalhadores jovens praticarem esportes ao ar livre;

Férias pagas de ao menos um mês por ano;

Organização, por fábricas, ou conjunto de fábricas, de cursos de treinamento, pago pelo lucro dos patrões e sob controle dos trabalhadores;

Horários de treinamento profissional subtraídos da jornada de trabalho, e pago de forma regular;

Aplicação do princípio “igual salário para igual trabalho” sob controle dos trabalhadores;

Estabelecimento de um salário mínimo vital para os trabalhadores jovens; estabelecimento dos salários dos trabalhadores jovens sob o controle dos trabalhadores como um todo;

Proibição do trabalho noturno, de tarefas extasiantes, insalubres ou perigosas; controle dos trabalhadores sobre o uso do trabalho jovem.

Igualdade Para a Juventude na Legislação Social

V) Para que tomem a defesa de suas demandas em suas próprias mãos, os trabalhadores jovens devem ter o direito de escolher seus próprios delegados, cujas tarefas são, sobretudo, chamar a atenção dos representantes adultos e dos trabalhadores em geral para as demandas específicas dos jovens, para amarrar a luta por essas demandas particulares com a luta pelas demandas gerais da classe trabalhadora. Da mesma forma, em todos os ramos das organizações sindicais, comissões sindicais de juventude devem ser criadas e impostas à burocracia sindical, cuja tarefa deve ser de estudar as demandas da juventude e recrutar e educar trabalhadores jovens. A tarefa dos Bolcheviques-Leninistas é de assumir papel de liderança na organização de tais comissões. Para abrir as portas dos sindicatos à juventude explorada, os Bolcheviques-Leninistas demandam o estabelecimento de quotizações reduzidas para os trabalhadores jovens.

Nós Queremos um Emprego!

VI) Na luta contra o desemprego, as consignas de aumentar a idade escolar, organizar a aprendizagem, só fazem sentido na extensão em que os gastos disso sejam pagos não pela classe trabalhadora, mas pelos grandes capitalistas. Logo, os Bolcheviques-Leninistas tem a tarefa de formular as demandas da juventude da classe trabalhadora nesse campo, tais como:

Prolongamento da idade escolar para 16 anos, com uma bolsa de apoio à família para famílias da classe trabalhadora e de pequenos fazendeiros;

Reorganização da escola em cooperação com a fábrica: a escola deve preparar as crianças para a vida e para o trabalho; ela deve ligar a juventude às gerações mais velhas; daí a demanda de controle das organizações dos trabalhadores sobre a educação técnica;

Redução do período de aprendizagem obrigatório para no máximo dois anos;

Proibição de todo o trabalho não conectado à aprendizagem;

Estabelecimento, à custa dos patrões, de escolas de aprendizes em conexão com todos os negócios ou conjunto de negócios envolvidos em manufatura, mineração ou comércio, com uma presença mínima de pelo menos 3 por cento do pessoal empregado no negócio ou conjunto de negócios;

Escolha dos instrutores pelos sindicatos;

Controle dessas escolas por comissões mistas de delegados trabalhadores e delegados dos próprios aprendizes.

Nós Exigimos o Direito a Viver!

VII) A tarefa de salvar a juventude desempregada da miséria, do desespero, e da demagogia fascista, de coloca-los de volta na produção e, consequentemente, liga-los de perto com a classe trabalhadora, é uma tarefa vital para o futuro do proletariado. Os revolucionários devem lutar para forçar o capitalismo a (a) tomar a tarefa de retornar ao trabalho produtivo a juventude desempregada, através da organização de ensino e orientação técnica; (b) colocar a juventude desempregada de volta à atividade produtiva imediatamente; (c) organizar tal tarefa, não de acordo com métodos semimilitares, mas na base de salários regulares: abaixo os campos de trabalho, sejam eles voluntários ou obrigatórios!; (d) fornecer à juventude que ele está jogando à miséria os meios necessários para viver. Consequentemente, os Bolcheviques-Leninistas levantam as seguintes demandas:

Seguro-desemprego equivalente ao dos adultos para todos os jovens desempregados, manual ou intelectualmente, imediatamente ao fim da escola;

Forçar os grandes patrões a abrirem centros de reeducação técnica sob controle dos trabalhadores;

Reeducação técnica organizada de acordo com as necessidades da produção, sob o controle geral dos sindicatos e dos congressos de delegados trabalhadores;

Reabertura das fábricas falidas;

Início de trabalhos públicos de larga escala (hospitais, escolas, projetos de moradia popular, campos de esportes, estádios, piscinas, estações de energia elétrica), pagos de acordo com as escalas sindicais e sob controle dos trabalhadores de cima abaixo.

Pelos Nossos Irmãos no Campo!

VIII) A miséria da juventude no campo não é menor que a da juventude na indústria. Para a juventude do campo os Bolcheviques-Leninistas formulam as seguintes demandas gerais:

Estrita aplicação de todas as leis e medida sociais acima citadas no campo tal qual na cidade;

Supressão da exploração doméstica de crianças jovens;

Estrita aplicação particularmente do princípio: “Igual salário para igual trabalho”;

Organização distrital [municipal] da educação técnica à custa do grande capital financeiro dos donos de terras;

Alimentação e moradia saudáveis para os jovens trabalhadores do campo morando nas dependências dos patrões;

Crédito barato para pequenos fazendeiros, e especialmente para pequenos fazendeiros com responsabilidades familiares.

Pelo Nosso Campo

IX) A juventude na indústria e no campo são as partes mais exploradas de toda a juventude da classe trabalhadora. As organizações de juventude da Quarta Internacional devem prestar atenção especial às seguintes demandas:

Estrita aplicação do princípio: “Igual salário para igual trabalho!”;

Um dia livre extra por mês;

Direito à maternidade voluntária;

Licença-maternidade de seis meses;

Subsídio-maternidade para as mães jovens.

Abram as Escolas e as Universidades!

X) Uma das condições necessárias ao progresso da humanidade é que largas camadas da juventude da classe trabalhadora devam ter acesso à cultura e à ciência. Os Bolcheviques-Leninistas levantam as seguintes consignas:

Abram as escolas e as universidades para todos os jovens que queiram estudar;

Educação gratuita e suporte aos filhos e filhas dos trabalhadores do campo e da cidade.

Pão, Livros, e Direitos Civis Para os Trabalhadores Imigrantes!

XI) Em países coloniais e semicoloniais, a juventude trabalhadora é vítima de uma dupla exploração – capitalista e patriarcal. Nesses e nos países imperialistas, a defesa das demandas dos jovens trabalhadores e camponeses coloniais é a primeira tarefa na luta contra o imperialismo. Essa luta é levada adiante através da seguinte consigna: Pelos mesmos direitos para a juventude colonial tal qual para a juventude das metrópoles imperialistas.

Organização da higiene e cuidados similares em todos os vilarejos;

Organização de moradias para os trabalhadores jovens, camponeses e “coolies” [imigrantes], sob o controle de organizações operárias e nacionalistas;

Escolas para as crianças nativas; ensino na língua nativa;

Abrir a administração para a língua nativa;

Abrir a administração para intelectuais nativos;

Tomar os créditos financeiros necessários do orçamento para guerra, da polícia e dos privilégios imperialistas.

XII) A burguesia reconhece o direito da juventude trabalhadora de ser explorada; mas recusa a ela o direito de dizer qualquer coisa sobre essa exploração, e a priva de todos os direitos políticos; em certos países ela até mesmo proíbe jovens abaixo de 18 anos de ter qualquer atividade política que seja. A classe trabalhadora responde a essas medidas dizendo: Quem quer que tenha o direito de ser explorado também tem o direito de lutar contra o sistema que o explora. Plenos direitos políticos para os trabalhadores e camponeses jovens!

Direito de voto começando aos 18, tanto para eleições legislativas e municipais quanto para eleições de delegados;

Abolição de leis especiais que proíbem a juventude de se envolver em atividades políticas.

 

Nós Demandamos o Nosso Direito à Felicidade!

 

XIII) A necessidade da juventude da classe trabalhadora pelo lazer é utilizada pela burguesia ou para torna-la estúpida, ou para fazê-la submissa à uma disciplina ainda mais rígida. A tarefa da classe trabalhadora é de ajudar a criar uma juventude que seja forte e capaz de jogar toda a sua força física e mental na luta contra o capitalismo; de ajudar nisso utilizando toda forma de lazer que o capitalismo oferece para aprender a entender o mundo melhor, no sentido de melhor poder muda-lo. Portanto, os Bolcheviques-Leninistas demandam:

Acesso gratuito a todos os campos de esportes, estádios, museus, bibliotecas, teatros e cinemas para todos os jovens trabalhadores e desempregados;

A ordenação do seu lazer pelos próprios jovens desempregados;

A utilização de jovens intelectuais desempregados para a organização de aulas e discussões, etc., sobre física, química, mecânica, matemática, economia política, histórias do movimento operário, arte, literatura, etc.;

O estabelecimento de casas abertas à juventude trabalhadora e desempregada, onde os jovens possam não só ter a oportunidade de se divertir e ser instruídos, mas também estudar por conta própria os problemas sociais que estes encaram; essas casas devem ser geridas pela própria juventude da classe trabalhadora sob a supervisão de organizações sindicais locais.

O Programa Revolucionário

XIV) A luta por essas demandas não pode ser separada da luta pelas demandas dos trabalhadores como um todo, tanto empregados quanto desempregados. O desaparecimento final do desemprego entre os jovens está intimamente ligado ao desaparecimento do desemprego como um todo. A luta para aumentar a idade escolar e por reeducação técnica compulsória está intimamente ligada com a luta pela redução da escala de trabalho sem redução de salários. A luta para arrancar do capitalismo aquelas reformas voltadas para o desenvolvimento de uma consciência de classe para a juventude dos trabalhadores está intimamente ligada com a luta pelo controle operário sobre a indústria e pelos comitês de fábrica. A luta por trabalhos públicos está intimamente ligada com a luta pela expropriação dos monopólios, pela nacionalização do crédito, dos bancos, e das empresas-chave. A luta para esmagar todos os esforços de militarização está intimamente ligada com a luta contra o desenvolvimento de tendências autoritárias de governo e contra o fascismo, a luta pela organização de milícias operárias. É no quadro do programa de transição da Quarta Internacional que o presente programa deve ser desenvolvido e aplicado. É sob a bandeira da luta proletária pelo poder que a Quarta Internacional vai conquistar as demandas da juventude explorada.

Conferência Mundial de Juventude da Quarta Internacional
Lausanne, 11 de setembro de 1938
Resolução Trotskista Sobre a Juventude (1936)

Tradução para o português realizada a partir da versão em inglês disponível em

A época do declínio imperialista não pode oferecer nada à enorme massa de jovens proletários além do desemprego permanente, da fome e da miséria, e, como resultado final, da destruição da vida de milhões de jovens proletários em uma nova chacina imperialista de massas [a Guerra Mundial]. Dentro do quadro do capitalismo não há salvação para essa geração. A revolução proletária, que sozinha, através de uma transformação política e econômica da sociedade, é capaz de deixar a juventude satisfazer seu direito à vida em sua plenitude, por isso mesmo é, consequentemente, não uma questão de perspectiva distante, mas um problema imediato de vida ou morte.

O caminho da revolução proletária, a estrada ao socialismo, é, entretanto, bloqueada pelas políticas oportunistas e traiçoeiras da Segunda e Terceira internacionais, que levaram o proletariado a derrota atrás de derrota, e pela ausência de uma liderança revolucionária enraizada nas massas. Essa é a razão básica pela qual as tremendas possibilidades revolucionárias dos anos recentes permaneceram inutilizadas, e pela qual a energia revolucionária das massas irrompeu várias vezes apenas para ser frustrada. Essas derrotas desmoralizantes, além disso, tiveram o efeito de que hoje as camadas da juventude proletária passaram a ser alienadas de sua própria classe, perderam a fé nas revoluções e ficam de lado ou mesmo fornecem material para as tropas de ação do fascismo, o inimigo mortal do proletariado.

As políticas da SYI [Internacional da Juventude Socialista], a seção de juventude da Segunda Internacional, não são menos fatais do que aquelas da própria Segunda Internacional. A burocracia SYI continua a proclamar sua fé na Liga das Nações (capitalistas), cujo papel lamentável tornou-se agora manifesto até mesmo para os mais recuados dos pequeno-burgueses. A SYI não se envergonha de chamar essa Liga das Nações prostituída a organizar a paz que é impossível em um regime capitalista, e de defender a enganadora consigna do desarmamento, no momento em que o rearmamento segue em um ritmo febril em todos os países, incluindo aqueles onde a Segunda Internacional está representada no governo. A burocracia da SYI demanda o abandono do uso da força na luta de classes (e até mesmo da luta de classes em si) no exato momento em que a burguesia em todo lugar está soltando suas terroristas tropas fascistas contra o movimento operário.

Sob tais circunstâncias um papel ainda mais pernicioso é desempenhado pelos assim chamados líderes “de esquerda” da SYI (Godefroid, Chochoy, etc.), que hoje sob a pressão dos enormes movimentos de massas nos países do Oeste Europeu adotaram uma fraseologia revolucionária, mas na realidade apoiam por completo as políticas contrarrevolucionárias dos partidos reformistas de seus países. Nas palavras, esses líderes “de esquerda” da SYI defendem a revolução, a insurreição armada, a transformação da guerra imperialista em guerra civil, etc., mas ao mesmo tempo, através das suas políticas cotidianas, eles levam ou pedem aos jovens proletários para darem sua confiança aos ministros socialistas [socialdemocratas], que, tal qual Vandervelde, utilizam gás lacrimogênio contra os trabalhadores em greve, ou tal qual Leon Blum, utilizam o aparato policial burguês para perseguir os revolucionários proletários. Que as diferenças entre os líderes “de direita” e “de esquerda” da SYI não possuam nenhum caráter irreconciliável, mas apenas diferenças pontuais entre oportunistas de diferentes cores nacionais, também é indicado pelo plano ridículo de Godefroid e Cia. (hoje mais ou menos abandonado!) que dividiria a SYI entre seções “políticas” e “culturais” e, consequentemente, estabelece as diferenças em uma base puramente administrativa e burocrática. Para juventude proletária, não é uma questão de trabalho “político” ou “cultural”, mas de traição social contra revolução social, um conflito que não permite solução conciliadora. Entretanto, isso Godefroid e Chochoy não podem admitir, pois recusam, a todo custo, romper com os socialpatriotas [3] e social-traidores, Vandervelde e Man, Blum e Salengro. A tarefa dos revolucionários proletários é expor o verdadeiro papel dos líderes “de esquerda” da SYI, que empregam uma fraseologia revolucionária, mas em última análise encobrem com sua autoridade “revolucionária” o social patriotismo de Blums e de Vanderveldes, a política contrarrevolucionária da Segunda Internacional.

A Internacional da Juventude Comunista (CYI) cujo oportunismo se revelou ao ponto em que permite até mesmo aos “esquerdistas” da SYI de reivindicarem com impunidade Lenin e Luxemburgo, inquestionavelmente desempenha hoje uma grande influencia desmoralizante sobre a nova geração. A burocracia stalinista conseguiu estrangular por completo o espírito e entusiasmo revolucionários que animavam a CYI em seus primeiros anos. O último congresso mundial da CYI, que ocorreu em conexão com o Sétimo Congresso Mundial da IC [Internacional Comunista] (agosto de 1935), colocou para todas as seções a tarefa de se “despolitizar” e construir amplas organizações de massas acima dos partidos e acima das classes. Em outras palavras, a CYI recebeu a tarefa de levar a juventude proletária nos países aliados à URSS (e naqueles cuja política externa está de uma forma ou de outra direcionada contra o Japão ou a Alemanha) a estabelecer relações amigáveis com a juventude burguesa desses países e, assim, garantir a unidade nacional frente à guerra que se aproxima.

Na França, onde atualmente todos os desenvolvimentos políticos assumem a forma mais clara devido ao extraordinário acirramento dos antagonismos de classe, a CYI levou sua sem-vergonhice ao ponto de estender sua mão de reconciliação às organizações da juventude fascista e denunciar a guerra civil como o maior de todos os males. A traição stalinista atinge seu clímax na organização do “movimento mundial da juventude pela paz, pela liberdade e pelo progresso”. Aqui os stalinistas se combinam a organizações de jovens nacionalistas e religiosas com o propósito de construir congressos-passeatas “pela paz” (Bruxelas, Genebra) sob a proteção dos reacionários clérigos e políticos imperialistas falidos tais como Lorde Cecil e outros. O objetivo e o resultado desses congressos de paz stalinistas não é a organização da paz entre os povos, que dentro do quadro do capitalismo é simplesmente uma utopia reacionária, mas ao contrário, a santa aliança entre as classes das nações imperialistas em que a guerra imperialista é possível. A Internacional da Juventude Comunista, que chegou a estar na luta contra o social imperialismo (socialismo em palavras e imperialismo em fatos) da Segunda Internacional ao longo da última guerra mundial, hoje se prepara para levar a nova geração proletária ao matadouro imperialista. O movimento da juventude proletária não tem hoje pior inimigo, dentro das suas próprias fileiras, do que o stalinismo.

De nenhuma importância particular prática é o “Birô Internacional de Organizações Revolucionárias da Juventude”, a seção de juventude do assim chamado “Birô de Londres” [ou “Internacional de Londres”, “Internacional 2½”], essa réplica em miniatura da Internacional Dois e Meio (SAP, ILP, etc.). Esse Birô de Juventude concebe como a sua razão de ser o agir enquanto capacho do stalinismo. Em um Manifesto (conjunto) à juventude trabalhadora alemã, a seção alemã desse Birô de Juventude (a juventude do SAP) declara que os stalinistas (que na verdade fizeram mais pelo triunfo de Hitler do que o próprio Hitler) iluminaram corretamente o proletariado alemão no que tange “a forma, a essência e a tarefa do fascismo”. Quanto ao resto, as seções de juventude do Birô de Londres participam, até aonde seus meios limitados as permitem, dos congressos de paz-entre-classes dos stalinistas para a preparação da guerra imperialista.

A seção de juventude da Quarta Internacional só pode ser construída na mais firme batalha no campo da juventude proletária contra as tendências e concepções acima descritas, que a longo prazo só podem levar a nova geração, de pés e mãos atadas, às garras do capitalismo internacional, do fascismo e da guerra. Apenas através de uma intransigente política revolucionária, que condene da maneira mais firme todas as concessões aos conceitos do social-imperialismo e do social-pacifismo, e que persiga com audácia e determinação o objetivo da revolução proletária, irá obter sucesso em reunir novamente as massas da juventude proletária sob a bandeira vermelha da revolução social. Apenas as organizações da Quarta Internacional, reorganizando os revolucionários ao seu redor, pode e irá seguir este caminho, e apenas elas obterão sucesso em libertar a classe trabalhadora do pântano do oportunismo, da traição e da estratégia derrotista da Segunda e Terceira Internacionais.

A degeneração da Segunda e Terceira Internacionais resultou na exaustão em uma extensão considerável das energias da geração proletária mais velha. A construção da Quarta Internacional está indissoluvelmente ligada com o despertar político da nova camada proletária e, acima de tudo, do jovem geração proletária. É, portanto, de tremenda importância, que os quadros da Quarta Internacional dentro do movimento da juventude proletária devam se mover firmemente para frente. Na França e na Holanda já existem organizações jovens independentes que são pela Quarta Internacional. Na Bélgica a ala verdadeiramente revolucionária, que se agrupa em torno do jornal Ação Socialista Revolucionária, foi expulsa da Jovem Guarda Socialista através da iniciativa de Vandervelde e Cia. e com a assistência direta de Godefroid, que provou dessa forma que prefere a unidade com os socialistas da aliança sagrada. Ela está madura para se tornar uma liga independente. Dentro da Liga Jovem Unida da Espanha (a fusão das ligas de juventude dos socialistas e dos stalinistas), dentro da Jovem Liga Trabalhista Britânica, da organização polonesa “Zunkunft”, da Liga Socialista de Jovens (Yipsels) nos Estados Unidos, na Suíça, na Áustria, no Canadá, e em diversos outros países, existem frações, grupos e tendências pela Quarta Internacional. Todos esses elementos do movimento da juventude proletária baseando-se na Quarta Internacional irão, sem negligenciar as condições específicas de seus países e de suas atividades, encontrar caminhos e maneiras de trocar e compartilhar suas experiências, de aprender uns com os outros, e de conjuntamente marchar em direção a novas vitórias. Rumo à construção das seções de juventude da Quarta Internacional!

Adotada pela Pré-Conferência da Juventude, 1º de agosto de 1936.

Notas da tradução

[1] A Liga das Nações (ou Sociedade das Nações) foi fundada após a Primeira Guerra Mundial e dissolvida em 1942. Em 1946 seria fundada a Organização das Nações Unidas (ONU), com o objetivo de preencher seu lugar.

[2] “Bolchevique-Leninistas” era como os trotskistas se nomeavam originalmente.

[3] “Socialpatriotas” é como ficaram conhecidos entre seus críticos aqueles Socialdemocratas que optaram por defender sua “própria” burguesia nacional durante a Primeira Guerra Mundial. Também chamados de “social-chauvinistas” ou “social-nacionalistas”.

Arquivo Histórico: A Posição Trotskista na Palestina

A posição trotskista na Palestina
Contra a Corrente
O presente documento foi traduzido para o português pelo Reagrupamento Revolucionário em 2012 a partir da versão publicada em inglês na revista Fourth International em maio de 1948, que está disponível em marxists.org/history/etol/newspape/fi/vol09/no03/kolhamaad.htm.

Editor de Fourth International O artigo a seguir foi originalmente publicado como editorial do Kol Ham’amad (Voz da Classe), órgão em língua hebraica da Liga Comunista Revolucionária da Palestina, seção da Quarta Internacional. Ele expõe o caráter reacionário do plano de partilha da ONU, que sufoca a maré crescente de luta de classes na Palestina, confunde as linhas de classe e cria uma atmosfera de “unidade nacional” antagônica em ambas as comunidades nacionais na Palestina.


Como nós podemos ler no editorial, o stalinista Partido Comunista da Palestina não escapou da histeria nacionalista nos dois campos, e rachou em dois partidos nacionais. Apenas os trotskistas palestinos mantiveram a posição socialista ao chamarem os trabalhadores árabes e judeus a romperem com os inimigos de classe nas suas colunas e conduzirem a sua luta independente contra o imperialismo. Apesar da alta maré de chauvinismo que acompanha o novo Estado “hebreu” estabelecido pelas armas da Haganah de um lado, e a invasão do exército de “Liberação” árabe do outro, somente o programa proletário internacionalista levantado pelos trotskistas pode prover os meios de resolver o problema da Palestina.

***

Políticos e diplomatas ainda estão tentando encontrar uma fórmula para a situação desastrosa na qual a Palestina foi mergulhada pela decisão da ONU sobre a partilha. Será isso uma “violação da paz internacional” ou nós estamos lidando meramente com “atos de hostilidade”? Para nós não existe distinção. Nós estamos testemunhando diariamente a matança ou mutilação de homens e mulheres, velhos e jovens, judeus ou árabes. Como sempre, as massas trabalhadoras e pobres sofrem mais.

Não faz muito tempo os trabalhadores árabes e judeus se uniam em greves contra o opressor estrangeiro. Essa luta comum acabou. Hoje os trabalhadores estão sendo incitados a matar uns aos outros. Os provocadores venceram.

“Os britânicos querem frustrar a partilha pelos meios do terrorismo árabe”, falam os sionistas. Como se o ataque conjunto não fosse o próprio instrumento pelo qual a partilha se faz realidade! Foi fácil para os imperialistas prever isso e eles devem estar realmente satisfeitos com o curso dos eventos.

QUE SAPO BEVIN-CHURCHILL VÃO TER QUE ENGOLIR?

A Grã-Bretanha foi uma perdedora na última guerra mundial. Ela perdeu a maior parte dos seus espólios estrangeiros. A sua indústria está ficando para trás. A reconstrução do seu aparato produtivo requer dólares e mão-de-obra.

“Manter a ordem” na Palestina custa para a Inglaterra mais de 35 milhões de libras esterlinas por ano, um montante que excede o lucro que ela pode extrair deste país. A partilha vai libertá-la das obrigações financeiras, permitir que ela empregue seus soldados no processo produtivo enquanto a sua fonte de recursos vai permanecer intacta. Mas isso não é tudo. Com a partilha, uma divisão é criada entre o trabalhador árabe e judeu. O Estado sionista com as suas provocadoras linhas de demarcação vai trazer o desabrochar de movimentos de vingança de ambos os lados, haverá luta por uma “Palestina árabe” e por um Estado judeu nas fronteiras históricas de “Eretz Israel” (Terra de Israel). Como um resultado da atmosfera chauvinista que foi criada, o mundo árabe no Oriente Médio será contaminado e isso vai estrangular a luta anti-imperialista das massas, enquanto os sionistas e feudalistas árabes vão disputar a preferência imperialista.

O preço que a Grã-Bretanha tem que pagar pelas vantagens ganhas com a partilha da Palestina é renunciar ao seu monopólio de dominação sobre este país. Por outro lado, Wall Street deve vir à tona cumprir com a sua parte no negócio sujo de salvaguardar as posições imperialistas. Isto, é claro, suja a reputação “democrática” do país do dólar enquanto ao mesmo tempo aumenta o prestígio da Grã-Bretanha. A partilha da Palestina, portanto, é um compromisso entre os ladrões imperialistas que surge de uma balança de poder modificada.

A FUNÇÃO DA ONU

Se os imperialistas anglo-americanos tivessem forçado esta “solução” na Palestina eles próprios, o jogo sujo teria ficado evidente em todo o Oriente árabe. Entretanto, eles se esquivaram – o problema foi passado para a ONU. A função da ONU foi adocicar o gosto amargo e repugnante da cozinha imperialista ao fantasia-la com tolices sobre, nas palavras de Bevin [1], “a consciência sã de um mundo que passou na prova”. E os diplomatas dos países menores dançaram no ritmo do dólar, reiterando “a opinião pública mundial”. E o elenco peculiar desta performance teatral permite à Grã-Bretanha flutuar como o Anjo da Guarda transbordando de simpatia dos dois lados.

E a União Soviética? Por que a sua representante não declarou que o jogo da ONU era a enganação que é? Aparentemente a atual política estrangeira da URSS não está preocupada com a luta das massas coloniais. E como a questão da Palestina é um assunto secundário para os “Grandes”, os diplomatas soviéticos acharam bom se apegar ao que disse Stálin sobre o fato de “a União Soviética estar pronta para ir de encontro aos Estados Unidos e à Grã-Bretanha, apesar das diferenças econômicas e sociais”.

Foi assim que a ONU “resolveu” o problema palestino. No entanto, é o mesmo prato repugnante que está sendo servido para Índia, Grécia e Indochina.

O QUE OS JUDEUS TEM A GANHAR COM A PARTILHA?

Os sionistas ficaram extasiados com um sentimento de triunfo quando lhes ofereceram o osso do jantar da ONU. “Nosso trabalho, nossa justa causa venceu… diante do fórum das nações”.

Os sionistas tem tido o hábito de pedir “justiça” aos inimigos do povo judeu desde Herzl [2]: do Czar ao Kaiser alemão, os imperialistas britânicos, Wall Street. Agora eles viram sua chance. Wall Street está distribuindo empréstimos e “independência política”. É claro, não de graça. O preço tem que ser pago em sangue.

O Estado judeu, este presente de Truman e Bevin, dá à economia capitalista dos sionistas um fôlego extra. Esta economia descansa sobre fundações muito inconsistentes. Os seus produtos não podem competir no mercado mundial. A sua única esperança é o mercado interno no qual os produtos árabes foram excluídos. Então o problema da imigração judia tornou-se um problema de vida ou morte. O fluxo contínuo de imigrantes que chegariam com o que sobrou dos seus pertences pode aumentar a circulação de mercadorias, permitindo aos proprietários burgueses se desfazerem dos seus caros produtos manufaturados. A imigração de massa também seria bastante útil como uma forma de forçar para baixo os salários que “pesam tanto” na indústria judaica. Um Estado envolvido invariavelmente em conflitos militares significaria encomendas para o “Exército Hebreu”, uma fonte de “lucros hebreus” que jamais iriam cair. Um Estado significaria milhares de leitos confortáveis para os veteranos funcionários sionistas.

QUEM VAI PAGAR A CONTA?

Os trabalhadores e os pobres. Eles terão que pagar o preço salgado que virá com a proibição dos produtos árabes. Eles irão desabar sob o bolo de impostos sem fim, diretos e indiretos. Eles terão que cobrir o déficit do Estado judeu. Eles estão vivendo ao relento, sem ter nenhum teto sobre sua cabeça, enquanto as instituições tem “coisas mais importantes” para se preocupar.

O trabalhador judeu foi separado do seu camarada árabe e impedido de lutar uma luta de classe comum, e estará à mercê dos seus inimigos de classe, o imperialismo e a burguesia sionista. Será fácil instiga-lo contra o seu aliado proletário, o trabalhador árabe “que está roubando os seus empregos e rebaixando o valor dos salários” (um método de propaganda que não falhou no passado). Não foi em vão que Weitzmann [3] disse que “o Estado judeu vai conter a influência comunista”. Como compensação, o trabalhador judeu receberá o privilégio de ser sacrificado como herói no altar de morte do Estado judeu.

E que promessas mantem o Estado judeu? Ele realmente significa um passo à frente rumo à solução do problema judeu?

A partilha da Palestina não teve a intenção de resolver a miséria dos judeus e nem provavelmente irá. Este Estado anão que é pequeno demais para absorver as massas judias e não pode nem mesmo resolver os problemas dos seus próprios cidadãos. O Estado hebreu só pode conseguir infestar o Oriente árabe com antissemitismo e pode muito bem acabar sendo – como Trotsky disse – uma armadilha sangrenta para centenas de milhares de judeus.

A PARTILHA DA PALESTINA É LENHA NA FOGUEIRA DOS REACIONÁRIOS ÁRABES

Os líderes da Liga Árabe reagiram à decisão da partilha com discursos cheios de ameaças e entusiasmo. De fato, um Estado sionista é para eles uma benção de Alá. Chamar o trabalhador e o fellah (camponês) para a “guerra santa para salvar a Palestina” pretende sufocar os seus lamentos por pão, terra e liberdade. É outro método honrado de desviar um povo enraivecido a ir contra os judeus e o perigo comunista.

Na Palestina o poder feudal começou tardiamente a perder espaço. Durante a guerra, a classe trabalhadora árabe cresceu em números e em consciência política. Trabalhadores árabes e judeus se colocaram contra o opressor estrangeiro, contra o qual eles entraram em greve de forma unida. Uma poderosa central sindical de esquerda passou a existir; e a “Associação Trabalhista dos Árabes da Palestina” estava a caminho de se libertar da influência dos seguidores de Hussein. O assassinato de seu líder, Sami Taha [4], cometido por mercenários do Alto Comitê Árabe não pôde impedir esta transformação. Mas onde os seguidores de Hussein falharam, a decisão da agência imperialista, a ONU, foi bem sucedida. A decisão sobre a partilha sufocou a luta de classes dos trabalhadores palestinos. A previsão de estarem nas mãos dos “conquistadores da terra e do trabalho” sionistas está causando medo e ansiedade entre os trabalhadores e fellah árabes. Slogans de guerra nacionalistas caem em um solo fértil. E os assassinos feudalistas veem a sua chance. Assim a política da partilha permite aos feudalistas girar as rodas da história para trás.

UM PRIMEIRO RESUMO

Os primeiros frutos da política da partilha: judeus e árabes foram mergulhados num mar de entusiasmo chauvinista. Triunfo de um lado, raiva e desespero do outro. Comunistas estão sendo assassinados. Pogroms entre judeus estão sendo instigados. Olho por olho nos assassinatos e na provocação. As “expedições” da Haganah [5] são óleo na máquina de propaganda dos patriotas árabes na sua campanha para alistar as massas para mais banho de sangue. O conflito militar e a desintegração em pedaços do movimento dos trabalhadores são uma benção para os extremistas chauvinistas em ambos os campos.

E QUANTO AOS “COMUNISTAS” JUDEUS?

A onda patriótica faz com que seja desconfortável ficar em cima do muro. Os partidos “socialistas” sionistas logo “corrigiram” suas frases anti-imperialistas e sua teimosa “resistência” contra “cortar o país em pedaços” e deram lugar ao um pleno e entusiasmado apoio à política imperialista da partilha. Isto foi uma questão trivial, uma questão de meramente mudar as táticas sionistas.

No entanto, podia-se esperar do stalinista Partido Comunista da Palestina tomar uma posição diferente. Eles não alertaram repetidamente contra os resultados fatais que viriam junto com o estabelecimento de um Estado judeu? “A partilha necessariamente é desastrosa para ambos judeus e árabes… a partilha é um esquema imperialista com a intenção de dar ao domínio britânico mais um sopro de vida” (testemunho dado pelo PCP diante da comissão de inquérito anglo-americana em 25 de março de 1946). O secretário do partido lealmente se manteve nessa atitude até meados de julho de 1947, quando ele disse diante da comissão da ONU: “Nós recusamos o esquema da partilha e ponto final, uma vez que este esquema vai contra os interesses dos dois povos”. Entretanto, depois que este esquema foi ampliado com o apoio dos representantes soviéticos, Kol Ha’Am (o órgão central stalinista) apressadamente declarou que “a democracia e a justiça ganharam o dia (!)”. E do dia para a noite surgiu um partido recém-batizado: o nome de Partido Comunista da Palestina foi mudado para Partido Comunista de Eretz Israel (Partido Comunista da Terra Hebraica). Assim, mesmo o menor vestígio de contato com a população árabe foi rompido. O vão que ainda os separava do sionismo foi finalmente ultrapassado. Ao invés de ser a vanguarda da luta anti-imperialista das massas de árabes e judeus, o Partido Comunista da Palestina se tornou o seguidor “comunista” dos sionistas “de esquerda”. Precisamente em uma hora em que o sionismo mostra a todos a sua face contrarrevolucionária, o seu servilismo aberto ao imperialismo, então o próprio Partido Comunista leva ao ridículo toda a sua exposição anterior das fraudes imperialista e sionista.

POR QUE ELES FORAM À BANCARROTA?

Falta à política do Partido Comunista Palestino uma linha contínua. A política do PCP reflete ambas as pressões que derivam da luta de classes dos trabalhadores judeus e as necessidades da política externa soviética. As necessidades da guerra de classes, entretanto, exigem uma consistente política internacional, a negação do sionismo, da sua discriminação entre árabes e judeus. Porém, o PCP tem a necessidade de ajustar a linha do partido às manobras diplomáticas da URSS em seus chamados por uma política “mais flexível”, à qual falta qualquer firmeza. Como resultado, nós encontramos claras hesitações e um ziguezague, que atrelaram o PCP ao carro sionista. São a quinta roda!

E OS “COMUNISTAS” ÁRABES?

Os stalinistas árabes, a “Liga pela Liberação Nacional”, não se portou melhor que os seus camaradas judeus. Eles ficaram numa tremenda dificuldade ao ter que justificar o apoio russo ao Estado judeu. Não podiam esperar que os trabalhadores árabes aceitassem esta linha. Nem mesmo à força. Eles sabiam o que a mediação da diplomacia soviética significava: quebrar a unidade dos trabalhadores palestinos e um ataque traiçoeiro. Depois da declaração de Zarapkin [6] a favor da partilha, os membros da Liga pela Liberação Nacional se encontraram cercados de desprezo e de hostilidade.

A política da União Soviética destruiu a autoridade da Liga entre os trabalhadores árabes. Assim ela abriu a porta para a campanha reacionária, chauvinista contra o “perigo vermelho”. Atualmente, a Liga pela Liberação Nacional se posiciona pela paz e está ocupada expondo o papel provocativo desempenhado pelo governo britânico. Mas desde que ela chamava por “unidade nacional” (com os feudalistas seguidores de Hussein, os instigadores da guerra nos anos anteriores), a sua atitude é incapaz de convencer. Mas a Liga pela Liberação Nacional conseguiu convencer os trabalhadores árabes de uma coisa: que a força motora por trás da sua política não é o interesse do proletariado palestino, mas aquele do Kremlin.

UMA GUERRA DEFENSIVA?

Os dois campos hoje mobilizam as massas sob a máscara da “autodefesa”. “Nós fomos atacados, deixem que nos defendamos!” dizem os sionistas. “Deixem que nos livremos do perigo de uma conquista dos judeus!” declara o Alto Comitê Árabe. Onde está a verdade?

A guerra é a continuação da política por outros meios. A guerra liderada pelos feudalistas árabes não é nada além da continuação da sua guerra reacionária contra o trabalhador e camponês que estão lutando para acabar com a opressão e a exploração. Para os mestres feudalistas, a “Salvação da Palestina” significa salvaguardar os seus domínios à custa do fellahin (campesinato), mantendo o seu poder autocrático em uma cidade ou país, esmagando as organizações do proletariado e a solidariedade internacional de classe.

A guerra travada pelos sionistas é a continuação da sua política expansionista baseada na discriminação entre dois povos: eles defendem kibbush avoda (expulsar os trabalhadores árabes), kibbush adama (expulsar o camponês árabe), boicotar os produtos árabes, “Poder Judeu”. O conflito militar é um resultado direto das ações dos conquistadores sionistas.

Nesta guerra nenhum dos lados se aproxima de um caráter progressivo. A guerra não libera as forças produtivas e nem se livra de obstáculos políticos ou econômicos no caminho para o desenvolvimento das duas nações. Justamente o oposto. Ela leva ao obscurecimento do antagonismo de classe e abre o portão para excessos nacionalistas. Ela enfraquece o proletariado e reforça o imperialismo em ambos os campos.

O QUE FAZER?

Cada lado é “anti-imperialista” até a medula, ocupado em deter os reacionários… do lado oposto. E o imperialismo sempre é visto… ajudando o outro lado. Mas este tipo de exposição é querosene para a fogueira imperialista. A política de bajulação do imperialismo se baseia em agentes a agências dentro dos dois campos. Portanto, nós dizemos ao povo palestino em resposta aos propagandistas patrióticos: Façam desta guerra entre judeus e árabes, que serve aos interesses do imperialismo, uma guerra comum de ambas as nações contra o imperialismo!

Esta é a única solução para garantir uma verdadeira paz. Este deve ser o nosso objetivo, que deve ser alcançado sem concessões ao clima de chauvinismo que prevalece atualmente entre as massas.

Como isto pode ser alcançado?

“O inimigo principal está em casa” – isto era o que Karl Liebknecht tinha a dizer aos trabalhadores quando os imperialistas e também os socialdemocratas os incitavam a matar os seus irmãos trabalhadores nos outros países. É nesse espírito que nós dizemos aos trabalhadores judeus e árabes: o inimigo principal está no seu próprio campo!
  • Trabalhadores judeus: livrem-se dos provocadores sionistas que dizem a vocês para se sacrificarem no altar do Estado!
  • Trabalhadores e camponeses árabes: livrem-se dos provocadores chauvinistas que estão lançando vocês num mar de sangue para o próprio bem-estar e enriquecimento deles.
  • Trabalhadores dos dois povos: unam-se numa frente comum contra o imperialismo e os seus agentes!
O problema que preocupa a todos nestes dias é o da segurança. Os trabalhadores judeus perguntam: “Como proteger nossas vidas? Nós não devemos apoiar a Haganah?” E os trabalhadores árabes e fellahin perguntam: “Nós não devemos nos juntar à Najada, Futuwa [7] para nos defendermos contra os ataques dos sionistas?”.

Uma distinção deve ser feita entre os lados político e prático desta questão. Nós não podemos impedir mobilizações e, portanto, não dizemos aos trabalhadores para se recusarem a mobilizar-se. Mas é nosso dever denunciar o caráter reacionário das organizações chauvinistas, mesmo no seu próprio lar. O único caminho para a paz entre os dois povos deste país está em virar as armas contra os instigadores de assassinatos em ambos os lados.

Ao invés de um discurso abstrato “anti-imperialista” dos social-patriotas que encobrem o seu servilismo ao imperialismo, nós estamos mostrando uma forma prática de lutar contra o opressor estrangeiro: desmascarar os agentes locais, minar a sua influência; de forma que o trabalhador árabe e fellahirão entender que a campanha militar contra os judeus ajuda a desencadear a partilha e ajuda apenas os reacionários e imperialistas, enquanto ela é travada pelas suas costas e paga com o seu sangue; para que o trabalhador judeu reconheça finalmente suas ilusões no sionismo e entenda que ele não estará livre e seguro enquanto não terminar a discriminação nacional, o isolamento e a lealdade ao imperialismo.

Nós temos que manter o contato entre os trabalhadores de ambos os povo em qualquer local de trabalho onde isso ainda possa ser feito para prevenir ações provocativas e para proteger as vidas dos trabalhadores no trabalho e nas ruas. Vamos forjar quadros revolucionários. Neste inferno incandescente de chauvinismo nós temos que nos agarrar à bandeira da irmandade internacional dos trabalhadores.

CONTRA A CORRENTE!

Estando o capitalismo mundial na sua decadência, ele tenta resistir inflando imaginários conflitos nacionais, passando por cima das pessoas e brutalizando-as. Em longo prazo, este paliativo vai falhar. As massas terão aprendido suas lições através do sofrimento. Elas vão então conhecer o seu inimigo: o capitalismo monopolista que se esconde por trás da sua agência dominante local. Com a luta de classes ficando mais intensa ao redor do mundo, e particularmente nos países árabes, o fim da guerra fratricida neste país está próximo.

A onda patriótica hoje arrasta do chão a todos que não possuem os princípios do comunismo internacional. A atividade revolucionária nesta conjuntura exige paciência, persistência e visão de longo prazo. É um caminho cheio de perigo e de dificuldades. Mas esse é o único caminho para longe deste pântano patriótico. Nós devemos lembrar bem as palavras de Lenin que, ditas numa situação semelhante, se aplicam também a nós:

“Nós não somos charlatães… Nós devemos nos basear na consciência das massas. Se for necessário permanecer uma minoria, nós o faremos. Nós não devemos ter medo de estar em minoria. Nós realizaremos o trabalho da crítica para livrar as massas dos seus enganos… A nossa linha irá provar que tem razão… Todos os oprimidos virão até nós. Eles não tem nenhum outro caminho.”

NOTAS

[1] Ernest Bevin (1881-1951). Político do Partido Trabalhista britânico e Secretário de Estado para Assuntos Estrangeiros entre 1945 e 1951.

[2] Theodore Herzl (1860-1904). Jornalista judeu húngaro e fundador do pensamento e do movimento sionista.

[3] David Weitzmann, (1898-1987). Congressista britânico de origem judia.

[4] Sami Taha (1906-1947). Dirigente sindical e principal líder do movimento operário na Palestina durante o período da dominação britânica.

[5] Haganah (do hebraico “a defesa”) era uma organização judaica paramilitar que existia na Palestina desde o período do domínio britânico (1920-1948), e que depois se tornou o núcleo das forças armadas israelitas.

[6] Semion Zarapkin. Embaixador soviético na Palestina. Assinou em novembro de 1947 o acordo da ONU que previa a política da partilha.

[7] Organizações islâmicas paramilitares de recrutamento da juventude.

Por uma Greve Geral de Verdade na Educação!

Por uma Greve Geral de Verdade na Educação!
Integrar os terceirizados! Unificar comandos de greve e pautas dos trabalhadores e estudantes!
  
Junho de 2012

Uma versão deste artigo com pequenas alterações tem sido utilizada como panfleto pelo Reagrupamento Revolucionário nos fóruns da greve na UFRJ. Faça aqui o Download (PDF) caso deseje ler a versão em panfleto.

A atual greve, que foi iniciada pelos docentes do ensino superior, já passa da marca de um mês e conta com mais de 50 Instituições Federais de Ensino (IFEs) sem aulas. Além da paralisação dos professores, cerca de 30 Institutos já contam com greves nas quais se somam estudantes e técnicos administrativos. Todo o movimento deve ter clareza de que, para além de demandas específicas de cada setor ou de cada universidade, existem causas nacionais e problemas gerais afetando a educação pública neste país.

O governo do PT em aliança com os empresários, latifundiários e banqueiros do país impôs à educação o REUNI. Enquanto prometia expandir o acesso da população às universidades públicas, precarizou brutalmente o ensino com a criação de novos cursos e aumento das vagas (ainda pequeno se comparado com a demanda), mas sem garantir o mínimo de estrutura para comportar essa expansão, muito menos recursos suficientes para assistência estudantil.


E isso ao mesmo tempo em que o PROUNI isentava e continua a isentar os tubarões do ensino privado de pagar impostos, o que na prática transfere verba pública para as universidades privadas. Um estudo realizado pela ANDES-SN (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior) demonstrou que o dinheiro que o governo deixa de receber das privadas para garantir uma vaga pelo PROUNI serviria para abrir três nas públicas! Isso é uma demonstração clara de que tais projetos buscam privatizar o ensino universitário cada vez mais.

E os ataques à educação pública não param por aí. Recentemente o governo passou uma medida que entrega a gestão dos Hospitais Universitários na mão de uma empresa pública, a EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares). Essa medida facilita os planos do governo de privatização dos Hospitais Universitários, já que a gestão passa a ser centralizada não através de um órgão técnico, mas em uma empresa.

Por isso, a atual greve deve também ser uma resposta aos crescentes ataques do governo à educação pública. Dos três setores em lutas, o que tem apresentado pautas mais avançadas são os estudantes, que têm levantado demandas muito mais abrangentes que a pauta da ANDES (baseada nos eixos reajuste salarial, reestruturação no plano de carreira e melhoria das condições de trabalho). Mas também a greve estudantil, como parte do movimento grevista da educação pública, não superou muitas contradições.

A greve como um todo passa por dificuldades que precisamos compreender como pré-requisito para termos força suficiente para enfrentar o Governo — que até agora só tem enrolado os grevistas com o claro intuito de desgastar o movimento, ao cancelar duas vezes seguidas as mesas de negociação com os professores, por exemplo.

Por uma profunda aliança proletária-estudantil

O primeiro problema que se apresenta é a ausência de um Comando Nacional Unificado. A palavra de ordem “Greve geral em toda federal” tem ecoado nos mais diversos espaços da greve. Porém, sem um Comando que unifique os três setores em greve (estudantes, professores e técnicos administrativos), nós estaremos dispersando nossas forças em negociações separadas. Nossa unidade não pode se dar apenas nos atos de ruas ou em palavras, como tem ocorrido até agora. Precisamos garantir que cada setor defenda, além das suas próprias pautas, as pautas dos demais. Garantindo uma só mesa de negociação, estaremos concentrando nossas forças.

Os estudantes em greve, por exemplo, já têm declarado abertamente o seu apoio aos docentes. Mas esse apoio precisa se expressar na prática e também precisa ser recíproco, além de contemplar os técnicos administrativos. Sem um comando unificado, qual a garantia de que os professores ou técnicos administrativos não irão se retirar da luta caso se vejam contemplados (mesmo parcialmente) por propostas do governo, deixando os estudantes para trás, ou vice-versa? E não podemos ser ingênuos a ponto de pensar que nossos inimigos não usarão essa divisão como arma contra nossa greve. Desde cada Instituição, precisamos criar urgentemente Comandos Unificados e construir uma forte aliança entre os estudantes e os trabalhadores da educação para juntos enfrentarmos as Reitorias e o Governo.

Por uma greve combativa

A dinâmica da greve no presente momento é basicamente “superestrutural”. O movimento tem conseguido organizar atos de rua e assembleias gerais massivas e criar comandos de greve. Entretanto, quando olhamos de perto cada curso, centro ou instituto, vemos ainda uma forte desmobilização.

Em certos lugares essa dinâmica é decorrente de uma estrutura hegemonizada pelas burocracias sindicais e estudantis, pouco interessadas em uma luta forte o suficiente que possa tirá-las de sua zona de conforto perante os gestores das universidades e também os governantes.

Cabe aos grupos de oposição e aos setores mais avançados dos militantes independentes a tarefa de fazer a greve não ficar só no papel ou ser uma “greve de pijama”. Nas fileiras de greve, a burocracia não pode ter nenhum privilégio ou voz além da sua influência real na base. Garantimos isso lutando para que os comandos de greve, além de unificados entre trabalhadores e estudantes, sejam democráticos e sua representação seja proporcional à base que participa da greve em cada Centro ou Instituto, com representantes revogáveis a qualquer momento pelas assembleias que os elegeram.

Em muitas Universidades, os Centros de Tecnologia são setores com grande número de fura-greves. Neles é onde se dá a maior parte de atividades economicamente produtivas das universidades, gerando grande volume de dinheiro para a iniciativa privada e as empresas estatais. Por isso eles costumam também ter as melhores estruturas físicas, laboratórios e maior quantidade de recursos à sua disposição. Parar esses setores é dar um golpe fulminante no governo e nos empresários, além de questionar de forma aberta a privatização da universidade pública, uma vez que empresas usam nossas instalações e talentos para enriquecer aos seus donos.

Com ações como essa, atingiremos as bases dos três setores e fortaleceremos nossa greve. A partir de determinado ponto, teremos inclusive força suficiente para realizar piquetes expressivos. O piquete, ou bloqueio, é uma forma radicalizada de luta que deve ser utilizada se condições para tal surgirem — uma maioria disposta a todo custo a ganhar uma minoria que insiste em furar greve. O piquete deve funcionar através do convencimento onde for possível e mesmo chegar a bloquear fisicamente as entradas dos Institutos e Centros onde não for possível o convencimento. Uma perspectiva como essa nos permitiria expandir a greve para os setores menos mobilizados.

Pela integração dos trabalhadores terceirizados

Outra tarefa fundamental é que os sindicatos oficiais busquem defender os interesses dos trabalhadores terceirizados em toda a universidade e integrá-los à luta tanto quanto possível. A terceirização é uma forma de precarizar as condições de trabalho, e os terceirizados muitas vezes não possuem sindicatos que os defendam, ou então suas organizações não tem a menor tradição de luta. O PSOL e o PSTU, que são as organizações que tem dirigido a greve estudantil nacional na maioria das Instituições, praticamente nunca levantam as demandas para atingir os terceirizados das Universidades, muitos dos quais são os setores mais explorados, compostos por mulheres e negros. Estes grupos dizem combater o projeto de educação do PT como um todo, mas no fundo se limitam a demandas muito pontuais — como o aumento de verbas.

Por uma oposição consistente ao governo Dilma

Para além destas questões, uma compreensão política atrapalha muito a greve dos professores, estudantes e técnicos administrativos: é a ideia de que a meta do movimento por uma educação pública, gratuita e de qualidade vai ser conseguida através da pressão do movimento sobre o governo Dilma/PT. A demanda dos “10% do PIB para a educação” tem sido defendida de forma unânime por todas as correntes do movimento estudantil, inclusive o PCdoB/PT, diretores majoritários da UNE, que defendem que colaborando com o governo vamos conseguir essa meta.

Já o PSOL e o PSTU tentam dar a essa demanda uma roupagem mais radical, dizendo que é preciso pressionar o governo para conquistar os 10%. O PSTU, apesar da aparência combativa que tenta mostrar nessa greve, já deixou claro em outros momentos que o seu objetivo é “mudar radicalmente a política” do governo Dilma para que ele “pare de favorecer os patrões”:

“Dessa forma, os trabalhadores estão realmente numa situação sem saída. A não ser que lutemos por uma saída que nos favoreça e que, portanto, vai prejudicar o lucro dos patrões. (…) É claro que, para isso, o governo Dilma precisa mudar radicalmente sua política econômica e parar de favorecer os patrões. Por isso também devemos lutar!” (Site do PSTU, 1 de junho de 2012)


Isto é uma ilusão. Dilma e o PT estão há décadas comprometidos com um projeto que corresponde aos interesses dos patrões e banqueiros brasileiros, inclusive na educação. Ao invés disso, devemos ter em mente o caráter parcial de todas as vitórias enquanto o poder estiver com o Estado dos patrões, e nos prepararmos para, no futuro, substituí-lo por um governo direto dos trabalhadores.

Nesse trecho, por sinal, fica clara a perspectiva do PSTU, compartilhada por tantos outros grupos na esquerda, de utilizar os movimentos sociais como instrumento de pressão sobre o governo do PT. Essa perspectiva também pode ser vista se prestarmos atenção na insistente linha de tal organização em fazer “exigências” ao Governo Dilma, iludindo os trabalhadores e estudantes em luta quanto à possibilidade delas serem concretizadas dessa forma. Essas exigências vão além de pequenas reformas ou de mais verba para a educação, elas pedem que o governo capitalista pare de favorecer os patrões. Dessa forma, os trabalhadores e estudantes realmente ficam num beco sem saída.

Mas diferente da postura de todos esses grupos, é preciso declarar uma guerra à concepção de educação do governo. As concepções políticas variadas baseadas em simplesmente exigir mais verbas para o governo deixam os estudantes e trabalhadores desarmados politicamente para enfrentar seus inimigos. Isso só reforça a necessidade de que os grupos de oposição consequentes e os militantes independentes mais avançados tomem as rédeas dessa greve, garantindo que ela se fortaleça e seja vitoriosa. Além dos aspectos organizativos aqui apresentados, nós do Reagrupamento Revolucionário temos intervindo nas assembleias e comandos de greve com um programa anticapitalista, capaz de realmente fortalecer esta e tantas outras lutas que estão por vir com a intensificação da crise econômica. Para além de uma greve pelos “10% do PIB para educação pública”, também fazemos a defesa de demandas que apontam qual é o projeto de educação que corresponde ao interesse dos trabalhadores e estudantes:

  • Fim do Vestibular/Enem para garantir o livre acesso à educação superior!
  • Criação de um plano nacional de assistência estudantil como forma de assegurar a permanência na universidade! Bandejões, moradia e transporte gratuitos e de qualidade sob demanda!
  • Creches gratuitas em todas as universidades para as mães estudantes e trabalhadoras sob demanda!
  • Aumento do valor do auxílio aos estudantes cotistas e aos estudantes bolsistas para o valor de um salário mínimo, reajustado automaticamente conforme os aumentos do mesmo!
  • Integração dos trabalhadores terceirizados à luta, começando com a firme defesa de suas demandas pelos setores em greve! Fim da precarização do trabalho: pela efetivação imediata de todos trabalhadores e trabalhadoras terceirizados, com igual salário e direito dos trabalhadores efetivos!

    Reagrupamento Revolucionário n. 03

    Nessa página é possível baixar em formato PDF a revista Reagrupamento Revolucionário n. 03 (terceiro trimestre de 2012) ou ler os artigos dela online.

    Reagrupamento Revolucionário n. 03
    Download (PDF)

    Pela Emancipação dos Negros Através da Revolução Socialista!

    O que está acontecendo com o MNN?

    Polêmica com o Comitê Internacional (2007) 

    A Juventude e a Necessidade de um Partido Revolucionário

    Polêmica com a Direção Majoritária da ANEL

    A Morte de Kim Jong-il e o Futuro da Coréia do Norte

    Boletim do Movimento Hora de Lutar (UFRJ)

    Reproduzimos a seguir o primeiro boletim do extinto Movimento Hora de Lutar, construído na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) por militantes do Coletivo Lenin e simpatizantes ao longo do ano de 2010 e início de 2011. Após nosso racha com o Coletivo Lenin devido à consolidação de uma tendência revisionista com maioria dentro da organização (leia aqui nossa carta de ruptura), o Movimento Hora de Lutar foi “suspenso em razão da necessidade de reavaliar as bases que mantinham o grupo unido” (conforme publicado em julho de 2011). 

    O presente Boletim foi originalmente publicado em agosto de 2010 e faz uma análise das chapas (e seus respectivos grupos integrantes) que concorreram às eleições para o DCE da UFRJ. Ele apresenta também a Carta de Princípios na qual se baseava o MHL. Esta versão contém adições realizadas pelo MHL ao texto original e foi postada em seu blog em 19 de agosto de 2010. Algumas notas de esclarecimento (indicadas entre colchetes) foram acrescentadas pelo Reagrupamento Revolucionário.

    POR UM NOVO MOVIMENTO NA UFRJ 
    Todos ao Movimento Hora de Lutar!

    Uma avaliação das últimas eleições para o DCE 

    Nas últimas eleições do DCE [Diretório Central de Estudantes], nós do Coletivo Lenin chamamos voto crítico na Chapa 4 – Revida Minerva! Aqui, faremos uma avaliação do resultado e de como correram as eleições, como forma de apresentar nossa posição em relação às demais organizações estudantis e explicar o porquê de vermos necessidade de criar um novo movimento estudantil na UFRJ. Em primeiro lugar é preciso deixar claro nosso ponto de vista. Somos comunistas. Isso significa que acreditamos que os problemas centrais dos estudantes e trabalhadores só serão resolvidos quando os trabalhadores estiverem na gestão da sociedade, ou seja, o socialismo. Por isso, o Coletivo Lenin faz questão de estar presente nos Centros Acadêmicos, nas eleições do DCE, nas campanhas por bandejões e assistência estudantil; para chamar atenção para a importância e ao mesmo tempo a insuficiência das lutas por melhorias dentro do capitalismo. Enquanto vivermos no capitalismo, as melhorias estarão constantemente ameaçadas e podem ser retiradas com a mesma rapidez com que são conseguidas, assim que os estudantes e trabalhadores se desmobilizarem.


    Portanto, encaramos que nossa maior tarefa é criar uma ferramenta de mobilização permanente dos trabalhadores, um Partido Revolucionário, que possa liderar a imensa maioria dos trabalhadores (que não tem essa clareza) para uma luta pelo poder contra os capitalistas. Na construção desse partido devem entrar os melhores elementos, aqueles com maior clareza sobre quais são as tarefas para combater o capitalismo. Assim, um pequeno grupo como o Coletivo Lenin deve recrutar as pessoas de consciência de classe mais avançada no movimento sindical, no movimento estudantil, no movimento de trabalhadores desempregados e até mesmo intelectuais revolucionários.

    É com essa perspectiva que intervimos na UFRJ. Nosso pequeno Coletivo ainda não tinha condições de criar uma chapa própria nessas eleições. Porém, não podemos ignorar um evento importante como as eleições e nos abstermos de disputar a consciência dos estudantes. Uma vez que não éramos capazes de fazer propaganda sobre nossos objetivos da melhor maneira, que era tendo uma chapa, chamamos voto crítico numa outra chapa que concorria nas eleições. O objetivo dessa tática de voto crítico é mostrar o que achamos de positivo numa chapa (a razão de chamarmos voto nela) e, ao mesmo tempo, ter a liberdade de apontar as suas falhas. Fazemos isso porque não achamos que montar uma chapa seja congregar grupos de amigos ou grupos políticos que tem alguns pontos em comum. Achamos que participar das eleições do DCE não deve ser um fim em si mesmo, com o objetivo de mandar na entidade. Nosso objetivo a curto prazo é construir um movimento estudantil capaz de reunir ativistas independentes que, assim como nós, entendam a importância de ligar as lutas estudantis às lutas dos trabalhadores e que façam propaganda diária entre os estudantes da necessidade de uma luta revolucionária na Universidade, que deve incluir oposição ao governo de Lula em aliança com os empresários, integração dos estudantes com os trabalhadores, luta pelo fim do funil racial e social que é o vestibular, defesa de demandas para as estudantes (como creches e bandejões gratuitos e de qualidade em todos os campi), etc.

    Vemos as eleições como uma oportunidade de fazer propaganda do programa revolucionário. Assim, temos clareza: não entraríamos numa chapa com um grupo com o qual tivéssemos divergências marcantes. Assim, achamos uma traição os atos daqueles que formam chapas que não tem a mínima coesão e dentro da qual cada um acha algo diferente sobre o mesmo assunto. Esse foi o caso da Chapa 2 – A UFRJ que Queremos.Parte da chapa (Movimento Nós Não Vamos Pagar Nada [composto por militantes do Enlace/PSOL e simpatizantes]) considera que é preciso que o DCE esteja presente na União Nacional dos Estudantes e outra parte (que se organiza na ANEL – Assembleia Nacional dos Estudantes Livre [entidade que é dirigida pelo PSTU]), que era preciso romper com a entidade de massa dos estudantes brasileiros.

    Da mesma forma, não achamos que devemos diminuir nossas exigências e baixar o tom sobre aquilo que achamos fundamental que os estudantes reivindiquem, para assim conseguir ganhar mais votos. Muitos grupos, entretanto, esquecem seus objetivos para atrair aqueles que tem menor clareza sobre quais devem ser as bandeiras e os objetivos dos estudantes. Isso ocorreu, por exemplo, com a Chapa 3 – Correnteza: os membros do Movimento Correnteza [impulsionado pelo PCR e simpatizantes] tentaram a todo custo (sem sucesso) atrair o Coletivo Alojamento em Luta para dentro da chapa. Para isso, mudaram a sua demanda, que era o fim do vestibular, para passar a lutar apenas pelas cotas sociais e raciais, que são extremamente insuficientes para combater a exclusão elitista e racista da universidade. Por isso, o giro mais oportunista dessas eleições foi protagonizado pelo Movimento Correnteza. Na semana do protesto-almoção pelo bandejão do CT-CCMN, estavam dizendo ao estudantes que era fundamental lutar por bandejões gratuitos e de qualidade para todos e lutar pelo fim do vestibular. Duas semanas depois, nas eleições, faziam meramente a defesa das cotas e exigiam apenas o término das obras do atual bandejão. Um movimento só faz isso quando seu objetivo não é trazer os estudantes para uma luta integrada aos trabalhadores (uma luta que vai além do imediato), mas simplesmente ganhar a eleição, não pela superioridade de sua campanha e suas propostas, mas pela aglutinação de grupos heterogêneos.

    A razão de chamarmos voto crítico na Chapa 4 foi percebermos que ela foi a que congregou inúmeras demandas fundamentais para os estudantes da UFRJ, coisas pelas quais se comprometia a lutar caso fosse eleita, como por exemplo: a fundamental aliança entre os estudantes e trabalhadores da universidade; luta por bandejões gratuitos e abertos em tempo integral para todos os estudantes e trabalhadores; creches gratuitas e de qualidade para atender a todas as estudantes e trabalhadoras.Pudemos perceber, entretanto, que a maioria dessas demandas entrou na chapa por insistência de um dos grupos que a compunha, o Movimento A Plenos Pulmões [que era impulsionado pela LER-QI na UFRJ], enquanto os demais grupos, o Coletivo Alojamento em Luta e o Movimento Quem Vem Com Tudo Não Cansa [composto por militantes do Coletivo Marxista e simpatizantes], tinha uma formulação muito semelhante àquela apresentada pela Chapa 2 (ou seja, cotas, nenhuma palavra sobre aliança operário-estudantil e nenhuma linha sobre bandejões gratuitos).

    Isso ficou claro no final da campanha, quando os membros do Movimento A Plenos Pulmões não puderam estar presentes e o restante da chapa lançou um panfleto de boca de urna que poderia ser facilmente confundido com um panfleto da Chapa 2, não fosse o número no alto. Ao mesmo tempo, não temos nenhuma espécie de pena dos membros do Movimento A Plenos Pulmões. Os companheiros tem experiência suficiente para saber que é isso que ocorre quando se forma uma chapa com grupos de pensamento diferente. Os grupo maiores passam a perna nos menores. Isso para não citar as “adaptações” que tais companheiros fizeram para manter a chapa unida. Por exemplo, se “esqueceram” que eles próprios defendem disputar as bases da UNE, a entidade de massa dos estudantes (combatendo o governo onde estão os estudantes influenciados pelo governo) e que de fato constroem a ANEL, e integraram uma chapa que agita o rompimento sectário com ambas entidades. O mesmo pode ser visto na sua defesa de que devemos lutar ao mesmo tempo “por cotas e pelo fim do vestibular”. Não somos neutros diante das cotas. Achamos que são uma melhoria extremamente paliativa e insuficiente. Por isso, apoiaríamos a sua implementação de maneira crítica, apontando a necessidade do fim do vestibular, que é o acesso de todos os filhos da classe trabalhadora (inclusive os setores negros mais explorados) à educação superior.

    Não podemos deixar de citar o papel vergonhoso da Chapa 5 – A UFRJ Pode, cujo objetivo por trás do bonito panfleto era abandonar completamente a luta política do movimento estudantil e tornar o DCE um espaço de confraternização alienada. Também falamos com receio sobre o crescimento da Chapa 1 – Um Novo Enredo. A Chapa 1 congrega os setores que apoiam o governo Lula entre os estudantes. O crescimento desses grupos, que controlaram o DCE até 2007, tem duas principais razões. O primeiro fator é objetivo: o ano eleitoral faz com que os defensores do governo se beneficiem da imensa pressão social que os estudantes sofrem para votar pela frente popular (governo de organizações operárias e estudantis em comunhão com os empresários) de Lula. Os trabalhadores e estudantes em geral fazem isso porque não vêem outra alternativa e temem, com razão, o retorno da direita. Isso leva diretamente ao outro fator: o subjetivo. Não existe nesse momento uma força política de esquerda que mostre que é possível algo mais e melhor que o governo Lula, que rompa as dúvidas e incertezas dos estudantes. Na UFRJ, o melhor exemplo disso é a atual gestão do DCE, novamente hegemonizada pela Chapa 2, que não oferece essa alternativa aos estudantes.

    Primeiro, porque a Chapa 2 defende basicamente as mesmas propostas que os apoiadores do governo Lula: cotas, mais verbas para educação e, na prática, que “estudante é estudante e trabalhador é trabalhador”. Por isso, sua “luta” contra os projetos do governo (Reuni, Prouni) fica no vazio. Faltam propostas alternativas ao Reuni e ao Prouni e fica até parecendo que a Chapa 2 é contra o aumento de vagas na Universidade brasileira (poderia dizer claramente “Fim do Vestibular – Acesso universal!”). Segundo, porque combate o governo apenas em fóruns menores como a ANEL, sem integrar a UFRJ à luta contra o governo onde estão os estudantes que acreditam no governo – na UNE. Assim, a gestão acaba se fechando dentro do próprio umbigo, sem trazer os estudantes para luta. Ao invés de estar nos fóruns mais amplos possíveis defendendo um programa realista e avançado para combater o governo, a gestão do DCE se encastela num fórum reduzido defendendo propostas que em muito pouco se diferenciam daquelas proferidas pelos que querem empurrar o governo Lula para a esquerda, ou seja, empurrar o governo Lula para melhorar as universidades para o benefício de estudantes e trabalhadores: algo que ele nunca fará! Será que é essa a esperança por trás das propostas da Chapa 2?

    Para nós as eleições não representam um momento específico na existência dos grupos citados, mas sim um momento em que suas posições e práticas vêm à tona para todos que desejem ver. E, como deixamos claro nossa posição extremamente crítica em relação aos mesmos, consideramos a necessidade imediata de começar a organizar na UFRJ um movimento que cumpra determinadas tarefas que, como afirmamos, nenhum grupo cumpre atualmente de forma consequente: presença tanto dentro dos fóruns estudantis da ANEL quanto, principalmente, nos da UNE; aliança operário-estudantil já!; lutar por bandejão para todos os trabalhadores da universidade e para todos os estudantes em tempo integral; lutar pelo fim do vestibular e o acesso universal à educação – se necessário, que os lucros das empresas e fortunas sejam arrancados para bancar a educação dos filhos dos trabalhadores até que todos possam ir à universidade; creches gratuitas e de qualidade nos campi para todas as trabalhadoras e estudantes; além de inúmeras outras necessidades essenciais. A hora é de lutar, companheiros! 

    Fazemos, assim, um chamado a todos os militantes e demais ativistas independentes a se juntarem ao Coletivo Lenin na construção de uma nova ferramenta de luta dentro da UFRJ, uma realmente capaz de levar à frente a aliança operário-estudantil necessária para a transformação da sociedade em que vivemos.

    Vamos nos juntar nessa perspectiva de defesa revolucionária dos interesses dos estudantes! Todos ao Movimento Hora de Lutar! 

    ***
    CARTA DE PRINCÍPIOS DO MOVIMENTO HORA DE LUTAR 

    I) Nosso movimento tem como diretriz a aliança operário-estudantil. A maioria de nós estudantes nos tornaremos trabalhadores, ou já trabalhamos para pagar nossos estudos. Assim, sofreremos ou já sofremos dos mesmos problemas que a classe trabalhadora sofre atualmente. O próprio modelo de exploração de uma classe sobre a outra está presente no sistema de educação, que visa preparar desde cedo o estudante pra ser apenas mais um trabalhador disciplinado; 

    II) Somos contra qualquer meio ou medida que vise a superexploração da juventude, como estágios mal remunerados que não cumprem o papel de ensinar e como a exigência de um primeiro emprego, que tende a empurrar a juventude recém-formada para os cargos e categorias pior pagos do mercado; 

    III) Lutamos por uma educação realmente pública, o que compreende um plano de assistência estudantil que se estenda desde a alimentação, transporte, moradia e custeamento de materiais didáticos/paradidáticos até o lazer e a cultura do estudante, e permita que este não tenha que estudar e trabalhar ao mesmo tempo, o que prejudica sua formação acadêmica ou mesmo leva muitos a largar os estudos temporária ou permanentemente; 

    IV) Mas a educação só vai ser realmente pública com o livre acesso, portanto, lutamos pelo fim do vestibular. Também somos pela estatização das faculdades privadas, sob controle dos trabalhadores e estudantes e pela ampliação com qualidade da rede de faculdades públicas; 

    V) Sobre as medidas afirmativas, enxergamos o caráter progressivo das mesmas, porém reconhecemos sua insuficiência e lhes damos apenas apoio crítico. Entendemos que a adoção de cotas, por exemplo, não soluciona o principal problema gerado pelo vestibular de tornar a faculdade um ambiente elitizado e racista; 

    VI) Combatemos toda e qualquer forma de opressão, como o machismo e o racismo, que servem apenas pra dividir e dificultar a organização dos estudantes e trabalhadores, além de serem ferramentas usadas pelas classes dominantes para nos explorar ainda mais; 

    VII) Não depositamos nenhuma confiança no Estado e seus braços armados, como a polícia e o exército, que no fundo estão apenas a serviço das classes dominantes. Também denunciamos o papel que as Forças Armadas cumprem em outros países, como o exército brasileiro no Haiti, que mantém a repressão aos trabalhadores negros para garantir a ordem das classes proprietárias haitianas e estrangeiras.

    Pela Emancipação dos Negros Através da Revolução Socialista!

    O Marxismo e a Questão Negra no Brasil
    Pela Emancipação dos Negros Através da Revolução Socialista!
     
    Leandro Torres
    Maio de 2012 
     
    Desde a sua gênese o modo de produção capitalista sustenta as mais variadas formas de opressão, que possuem uma expressão para além da exploração direta de uma classe pela outra. Nós as chamamos de opressões especiais, que incluem opressões a nacionalidades, às mulheres, a minorias religiosas, às minorias sexuais, a grupos étnicos (“raciais”), etc. merecendo todas elas a devida atenção dos revolucionários. Cada uma dessas formas de opressão existentes sob o capitalismo possui uma origem histórica e uma dinâmica próprias, e nem todas surgiram na “era do capital”. Mas a sua sobrevivência é um indício de que são reproduzidas ao nível material, estando inseridas na lógica do sistema e a ela atendendo.


    É imperativo que os marxistas tratem destas opressões, já que a classe trabalhadora não pode jamais defender a si mesma de maneira efetiva sem levar a cabo o combate contra elas, e nem pode liderar uma revolução sem se tornar a protagonista na defesa de todos aqueles oprimidos pelo capitalismo. Em um de seus livros mais conhecidos (“O que Fazer?”), Lenin polemizou contra as correntes “economicistas” entre os socialistas do seu tempo, que tendiam a dar foco somente a questões da luta direta entre capital e trabalho. Neste livro, Lenin insistiu que os revolucionários deveriam ser “tribunos do povo” ao lutar pela liderança da classe na luta contra qualquer manifestação de opressão e injustiça.

    Opressão aos negros e a superexploração

    Nesse artigo focaremos na opressão aos negros e suas características sob o capitalismo brasileiro. Acreditamos que o racismo no Brasil possui um vínculo profundo com a dinâmica da acumulação de capital em nossa formação social, além de ser uma forma de opressão que afeta ampla camadas da população brasileira. Assim, combate-lo de forma efetiva possui uma considerável importância estratégica para aqueles interessados na construção do socialismo.

    A dinâmica de funcionamento do capitalismo leva naturalmente a uma tendência à queda da taxa de lucro. Apesar de tal tendência ser inerente ao funcionamento do sistema, a burguesia realiza uma procura incessante por formas de compensá-la parcialmente, buscando elementos no processo de produção que possam ter seus valores reduzidos, maximizando assim o lucro obtido. Um desses fatores é o salário; constituindo a força de trabalho do proletariado uma mercadoria à disposição da burguesia, esta sofre constantes ataques, diretos e indiretos, como forma de tentar compensar tal queda.

    Uma das formas mais tradicionais que a burguesia se utiliza para garantir um “arrocho” permanente dos salários é manter uma considerável parcela da força de trabalho disponível desempregada, o que é propiciado tanto pela automatização da produção quanto pela manutenção desnecessária, do ponto de vista técnico, de longas jornadas de trabalho para os operários empregados – já que estas poderiam ser melhor dividas entre o conjunto da mão-de-obra disponível. Essa massa de desempregados que ajuda a empurrar os salários para baixo devido ao aumento da competição por postos de trabalho é o que Marx nomeou “exército industrial de reserva”. E basta repararmos: toda vez que os índices de desemprego aumentam, a média salarial cai.

    Mas essa medida não é a única saída encontrada pela burguesia. Alguns tipos de opressões especiais também entram no arsenal usado para atacar os trabalhadores, servindo às vezes como um importante pilar de sustentação do sistema. No caso do racismo, assim como de outros tipos de opressão com uma dinâmica similar, a situação à que são submetidos os negros cumpre um duplo papel para a burguesia: permite a superexploração de parcelas da classe trabalhadora em termos de salários e condições de trabalho, e cria divisões em seu seio, dificultando assim a unidade de classe na hora das lutas.

    Toda e qualquer forma de opressão parte do princípio ideológico de que existem diferenças entre os indivíduos capazes de hierarquizá-los entre melhores e piores, inferiores e superiores. E na maior parte das vezes essa diferenciação é apontada como permanente, irreversível. Uma distorção da realidade tal como essa é muito útil para justificar a exploração do homem pelo homem, principalmente quando esta assume formas gritantes. 

    A escravidão é um exemplo clássico, e que muito nos interessa aqui: justificativas pseudocientíficas e também religiosas foram, durante muito tempo, empregadas para legitimar a escravização dos negros africanos (e de outras etnias), permitindo a larga utilização desse tipo de mão-de-obra na exploração das riquezas do “Novo Mundo”. E o legado ideológico e institucional deixado pela escravidão negra é de fato a raiz da opressão a qual estão submetidos os negros brasileiros. 

    Sob o capitalismo, tais hierarquizações socialmente construídas são muito úteis, pois quando aceitas em larga escala permitem o pagamento de salários menores, o preenchimento de postos de trabalho mais indesejados e a submissão a diversas formas de superexploração, como uma jornada de trabalho maior, piores condições de trabalho, direitos trabalhistas flexibilizados ou mesmo ausentes. Dizemos superexploração, pois esses métodos representam uma exploração de tipo especial, que não é aplicada a toda a classe trabalhadora, mas sim a parcelas específicas dela, e sempre com maior intensidade.

    Essa superexploração, quando assume proporções amplas, de caráter regional ou mesmo nacional, muitas vezes acaba por criar castas no proletariado, marcadas economicamente por tal condição de superexploração e identificadas enquanto grupo específico a partir das ideologias opressivas que legitimam tal exploração mais intensa. Os membros dessas castas são muitas vezes tratados como “cidadãos de segunda classe”, o que faz com que tenham demandas para além daquelas condicionadas à sua situação de classe econômica, derivadas da combinação da segregação material com a opressão a que são sistematicamente submetidos.

    É importante ressaltar que as opressões não afetam apenas o proletariado, atingindo também parcelas da burguesia e pequeno-burguesia. Entretanto, seu efeito sobre estas classes é diferenciado, uma vez que suas condições sociais e posições dentro do sistema de produção fazem com que o impacto das opressões seja bastante atenuado.

    Outra enorme utilidade que as opressões apresentam ao sistema capitalista é o enfraquecimento do proletariado enquanto classe. Pois as ideologias que justificam perante o conjunto da sociedade a superexploração de determinadas parcelas da classe trabalhadora também afetam os próprios trabalhadores, fazendo com que estes se dividam e se envolvam em conflitos entre si. É comum, por exemplo, encontrarmos trabalhadores machistas, racistas, xenófobos, etc. – posturas ideológicas que impedem que os trabalhadores se reconheçam enquanto um grupo específico com interesses estratégicos em comum, ou seja, de atingirem a necessária consciência de classe. E além de impedir uma união de todos estes enquanto classe, nos momentos de maior estabilidade econômica isto também contribui para manter os trabalhadores mais oprimidos em um estado de passividade, gerado pelo sentimento de fragilidade e de isolamento do restante da classe.
     
    Os números do racismo no Brasil

    A situação de opressão especial a qual estão submetidos os negros brasileiros fica evidente ao analisarmos a sua atual condição social em comparação ao restante da população. Os negros constituem 55,2% da população masculina do país e 49,7% da feminina [*]. Significativamente, 33,2% da população negra encontra-se abaixo do que se considera a “linha da pobreza”, enquanto para não-negros os números caem para menos da metade, 14,5% [1]. Os negros são maioria nas categorias mais precarizadas e com menores salários, sendo evidente que são as principais vítimas da terceirização, uma das faces mais agudas da precarização do trabalho: na cidade de Belo Horizonte, por exemplo, 4,6% dos negros atuam como trabalhadores terceirizados, enquanto entre os não-negros o número cai para 2,7%. [2]

    Uma pesquisa publicada pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socieconômicos) em 2007 aponta que o número de negros cursando o ensino superior no país chega a ser cinco vezes menor do que o número de não-negros (caso de São Paulo). No que tange o desemprego, na cidade onde a diferença é maior (Porto Alegre), ela chega a 46%, sendo ainda significativa onde a mesma é menor (Recife): 17% a mais de negros desempregados.

    Outros dados do mundo do trabalho são tão significativos quanto: a vulnerabilidade no mercado de trabalho (classificada como “assalariados sem carteira de trabalho assinada, autônomos que trabalham para o público, trabalhadores familiares não remunerados e empregados domésticos”) chega a ser 50,8% maior entre as mulheres negras se comparada aos homens não-negros (Recife). A jornada de trabalho e os salários também comprovam uma nítida desigualdade racista imposta ao proletariado brasileiro: a diferença de horas trabalhadas é maior para negros em todas as metrópoles analisadas pelo DIEESE, chegando a ter uma diferença de 4 horas em Recife.

    Já no que diz respeito aos salários, os negros chegam a receber em média 52,9% do salário de um trabalhador não-negro (Salvador), diferença que vai para alarmantes 37,6% se cruzados com dados de sexo — sendo esta a porcentagem que recebe uma trabalhadora negra do salário de um trabalhador não-negro). [3] Dados do IPEA, baseados em pesquisas do IBGE apontam ainda que, se a diferença entre salários de negros e não-negros diminuiu entre 1993 e 2006 foi porque o salário dos últimos diminuiu, e não porque o salário dos negros aumentou!

    Também é possível verificar essa forte opressão em aspectos não-econômicos, como a repressão policial. Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo relatou que 51% dos negros declararam já ter sofrido discriminação por parte da polícia, enquanto entre os que se declararam da cor branca, esse número cai para 15%. [4]Da mesma forma também os assassinatos pela polícia são muito maiores entre os negros: de acordo com estudo do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), no estado do Rio de Janeiro, onde os que se declaram “pretos” são 11,1% da população, eles totalizam 32,4% de todos os assassinatos cometidos pela polícia. [5]

    Os dados aqui apresentados, ainda que não deem conta de todos os aspectos materiais do racismo brasileiro, são suficientes para deixar claras as gritantes desigualdades racistas impostas aos trabalhadores e trabalhadoras negros. Eles são suficientes para derrubar por terra o mito do “Brasil Potência” com cada vez menos desigualdade social que o PT e seus aliados de governo vêm promovendo desde os mandatos de Lula: o slogan“Brasil Para Todos” não passa de mais uma ilusão criada pelos poderosos.

    Esses dados demonstram como o racismo é um dos pilares de sustentação do capitalismo brasileiro, pois sem a superexploração engendrada por ele as taxas de lucro da burguesia nacional seriam drasticamente alteradas, bem como aquelas das diversas burguesias imperialistas estrangeiras que se dominam no país via suas multinacionais. Da mesma forma, o machismo cumpre papel equivalente, o que fica claro pelos dados cruzados de cor e sexo que apresentamos, sendo sem dúvidas as mulheres negras o setor mais explorado do proletariado brasileiro.
     
    O racismo enquanto ideologia 

    Logo, as opressões especiais são um verdadeiro trunfo para a burguesia, funcionando como um óleo lubrificante que faz as engrenagens defeituosas de seu sistema funcionarem um pouco melhor por certo tempo, prolongando assim sua existência. Por esse motivo o capitalismo, enquanto sistema, permitiu a continuidade de ideologias opressivas anteriores a ele (como o machismo e tantos outros tipos de preconceitos) e também gerou novas formas de opressão, como o próprio racismo, produto da época capitalista. O trotskista norte-americano Richard Fraser, cujos trabalhos constituem um elemento chave para a nossa compreensão teórica da opressão contra os negros apontou que:
     
    “As revoluções [burguesas] na Grã-Bretanha, Estados Unidos e França lançaram fora o véu da religião de cima do conhecimento e iniciaram uma época de ciência e racionalismo. As relações sociais não poderiam mais ser explicadas com referências a Deus. Então uma falsa explicação ‘científica’ das relações sociais escravistas nasceu para justifica-las. Esta é a verdadeira origem da ciência da antropologia biológica.”
     
    “A própria escravidão [nos EUA] foi derrubada na Guerra Civil e na Reconstrução. Mas as necessidades dos capitalistas norte-americanos por trabalho agrícola compulsório no Sul permaneceu. Um novo modo de funcionamento semi-capitalista da agricultura cresceu, no qual a condição semiescrava dos negros libertos foi tornada permanente com o restabelecimento de relações sociais típicas da escravidão: discriminação com base na cor reforçada pela segregação e preconceito de raça.”
     
    “Raça se tornou então um fetiche do capitalismo norte-americano, um sistema especial de exploração baseado nas relações sociais e costumes de um modo de produção prévio, que tinha sido em si próprio uma abominação para a sociedade. Retirada a justificação científica, o que resta da raça? Raça é uma relação entre pessoas baseada nas necessidades da exploração capitalista. O conceito de raça na antropologia nasceu das relações sociais da escravidão. Ele foi mantido pela adaptação dessas relações sociais obsoletas às necessidades da produção capitalista.”
     
    A luta dos negros e a revolução proletária, Richard Fraser. Disponível em:
     
    Hoje crenças explícitas a respeito de inferioridade racial ligada a argumentos pseudocientíficos são amplamente consideradas descreditadas por todos, com exceção dos mais reacionários. A maioria daqueles que possuem as formas mais típicas de preconceito racial normalmente se referem a outras justificativas para suas crenças e frequentemente negam ter preconceitos. Assim, a opressão contra os negros permaneceu sob o capitalismo nos países que saíram da escravidão, mesmo que a justificativa ideológica inicial não seja mais comumente aceita.

    Essa permanência se explica, antes de tudo, pelo fato de mitos sobre inferioridade racial terem sido profundamente inseridos na cultura popular e na consciência da sociedade de muitas formas. E se não é mais socialmente aceitável para a maior parte dos políticos, da mídia e da educação burguesa sustentar abertamente o racismo simplesmente com base na cor da pele, na sua tentativa, por exemplo, de encontrar bodes expiatórios para a violência provocada pelo capitalismo, surgiram mil e uma justificativas para culpar ou associar os negros com a criminalidade, como forma de tentar justificar a brutalidade policial conhecida por todos.

    No geral, ao abandonar seu invólucro pseudocientífico, o racismo assumiu uma expressão diferente. O racismo adaptou-se como uma ideologia burguesa para a legitimação da condição social pauperizada em termos de renda, moradia e condições de vida de grande parte da população negra, associando a cor da pele com atitudes de ignorância, “malandragem” ou preguiça e degradação moral de forma geral. Os capitalistas buscam justificar mazelas que são inerentes ao capitalismo, como o desemprego, apontando como causa a “falta de interesse” que eles projetam sobre o componente mais segregado e oprimido do proletariado.
     
    Precedentes históricos da opressão racial no Brasil 

    O peso do racismo na atual realidade brasileira deriva em grande parte do passado da nossa formação social, que em determinado momento de sua época colonial passou a ter em escravos negros trazidos da África a sua principal fonte de mão-de-obra. Esse passado colonial e escravista é extremamente complexo e merece uma análise à parte. Entretanto, podemos afirmar que a atual situação dos negros em nossa sociedade está fortemente ligada à maneira como a escravidão chegou ao fim. 

    A escravidão não terminou como resultado de uma revolução completa, marcada pela ascensão ao poder de setores populares ou dos próprios escravos. Enquanto alguns destes setores, como a pequeno-burguesia urbana abolicionista e também os escravos (principalmente através do método de fugas) prestaram um papel na luta contra o sistema escravista, a transição para o capitalismo industrial não foi fruto da derrubada dos grandes proprietários de terras. Apenas no começo do século XX essas elites agrárias, de forma gradual e compactuada, passaram a repartir o poder com uma incipiente burguesia industrial brasileira que ainda estava a se desenvolver enquanto classe. 

    Os escravos que fugiam para quilombos ou mesmo para cidades distantes dos seus senhores afetavam apenas parcialmente o sistema de produção vigente, ao libertar sua própria força de trabalho. Assim, mesmo quando a escravidão deixou de existir em larga escala, o poder político e econômico dos antigos proprietários de terra se manteve, por ter se mantido a sua propriedade. A emancipação parcial e incompleta dos negros gerou uma contradição que permitiu que estes continuassem na condição de explorados por uma classe dominante branca e proprietária de terras – a mesma classe que tanto difundiu a ideologia racista para justificar a escravidão.

    A realidade do negro no campo após a escravidão assumiu diferentes formas, desde o trabalho assalariado até a obtenção de pequenas propriedades para plantio e subsistência. Nos centros urbanos, impedidos pela ideologia racista e pela falta de qualificação técnica de ocuparem diferentes postos de trabalho, muitos foram empurrados aos trabalhos pior pagos e com as mais árduas condições. Isso ainda se intensificou em algumas cidades onde o trabalhador imigrante europeu recebia a preferência, como São Paulo. E apesar de muitas transformações sociais desde então, essa condição de segregação sistemática dos negros se faz extremamente presente até hoje.
     
    O integracionismo reformista 

    Ficando evidente a presença e intensidade do racismo na sociedade brasileira e a segregação a ele ligada, cabe discutir a melhor estratégia para superar tal situação. Uma das propostas mais fortes hoje nos movimentos sociais é aquela defendida pelas correntes majoritárias do PT e pelo PCdoB, e que tem como pano de fundo a busca por melhorias para os negros por dentro do Estado e em colaboração com a burguesia brasileira.

    Esse tipo de programa é o que nós marxistas caracterizamos enquanto um integracionismo reformista, uma estratégia que lida com a questão negra sob a perspectiva de uma integração gradualdos negros às “condições plenas de cidadania”, ou seja, a busca da igualdade a longo prazo, com bastante paciência e negociação entre as classes e, claro, nos limites do capitalismo. E assim como o PT e o PCdoB, historicamente as organizações reformistas do movimento negro brasileiro têm reivindicado essa mesma estratégia, conscientemente ou não.

    A estratégia do integracionismo reformista, além de não ter conseguido nenhum avanço significativo após quase 10 anos de governo do PT, demonstrou seu fracasso quando um “Estatuto da Igualdade Racial” foi posto em discussão no Senado, espaço dominado pela burguesia e seus partidos. As poucas demandas minimamente significativas do projeto, que em si já eram totalmente ineficazes, foram rejeitadas durante o debate. [6] Isso foi mais uma demonstração clara de que a burguesia brasileira tem um interesse objetivo na manutenção do racismo, algo que o PT e PCdoB se recusam a reconhecer. Enquanto isso, estes partidos continuam trabalhando para sustentar o sistema que mantém os negros nas condições de superexploração e de repressão policial intensa.

    Para além desses dois partidos, uma das principais organizações do movimento negro e que não rompe com os marcos do capitalismo é o Movimento Negro Unificado (MNU), ainda que este tradicionalmente tenha adotado táticas e reivindicações mais radicais e que denuncie a farsa que é a política do governo do PT para a questão negra. O MNU não busca alianças políticas abertas com a burguesia brasileira, mas afirma que uma solução progressiva para os negros é possível sem uma ruptura revolucionária com o modo de produção capitalista:
     
    “A militância do MNU entende que após o I CONAPIR [Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, convocada e realizada pelo governo Lula em 2009], quase nada das demandas dos negros de todo o Brasil foi implementado; Que negras e negros devem se manifestar pela cobrança ao governo, do porque do não avanço de questões emergenciais como: A titulação das terras quilombolas, da lei 10.639; Na proteção da vida de nossa população e nossos jovens; No combate aos crimes religiosos; Nas garantias da mais ampla dignidade e cidadania, com investimentos do governo que proporcionem conforto às populações negras, indígenas e pobres (…)”.
     
    “O MNU, em seu XVI Congresso Nacional, decidiu que não é contra a ideia de um Estatuto da Igualdade, mas, CONTRA O TEXTO ATUAL, entendendo que o Estatuto da Igualdade Racial deve ser retirado da pauta do Congresso Nacional, até que, após ampla discussão por negros e negras de todo o Brasil, um novo projeto possa ser apresentado, definindo e unificando a posição da entidade nacionalmente, sobre o tema.”
     
    XVI Congresso Nacional do MNU, disponível em:
     
    Os limites do MNU estão no fato de que ele não busca uma intervenção protagonizada pela classe trabalhadora brasileira, a única com o peso e posição social para combater os capitalistas com sucesso. O movimento se propõe a criar uma “organização política negra” sem distinção de classe, obscurecendo o fato de que o racismo é uma necessidade do capitalismo brasileiro e que, portanto, só pode ser superado com uma revolução que derrube a burguesia brasileira.

    As estratégias reformistas para a questão negra, em todas as suas variantes, só fariam sentido se o racismo no Brasil não possuísse um caráter estrutural enraizado no capitalismo, e se as desigualdades que hoje existem fossem apenas resquícios do período escravista. Ou seja, o integracionismo reformista não ataca diretamente a classe, o Estado e o sistema econômico que reproduzem e mantém vivo o racismo.
     
    Altos e baixos do movimento negro brasileiro 

    A primeira organização de peso que propôs organizar a população negra no país, a Frente Negra Brasileira (FNB), foi fundada em São Paulo 1931. Defendendo medidas que trouxessem igualdade de direitos entre negros e brancos, a FNB constantemente vacilava entre uma organização assistencialista, baseada na promoção de atividades culturais e esportivas, e uma organização de reivindicações por dentro da “ordem”. Transformada em partido em 1933, a FNB foi proibida em 1937 junto aos outros agrupamentos partidários com o endurecimento do regime Vargas. Como demonstra o relato de um de seus antigos membros, sua existência cumpriu um papel positivo na organização e tomada de consciência por parte da população negra:
     
    “Existiam diversas entidades negras [em São Paulo]. Todas essas entidades cuidavam da parte recreativa e social, mas a Frente veio com um programa de luta para conquistar posições para o negro em todos os setores da vida brasileira. Um dos seus departamentos, inclusive, enveredou pela questão política, porque nós chegamos à conclusão de que, para conquistar o que desejávamos, teríamos de lutar no campo político, teríamos de ter um partido que verdadeiramente nos representasse.”
     
    Trecho extraído do depoimento de Francisco Lucrécio para o livro Frente Negra Brasileira. Disponível em
     
    Porém, colocadas fora dos marcos de classe, essas reivindicações por igualdade esbarram em muitas limitações, pois são niveladas segundo os interesses das camadas mais favorecidas dos negros, cujas demandas são mais facilmente assimiladas pelo sistema. E esse foi o caso marcante da FNB, dominada por pequenos proprietários e com forte cunho filantrópico.

    Já as características mais radicais do MNU têm origem no próprio contexto no qual o movimento surgiu. O MNU foi fundado em julho de 1978, após dois eventos que polarizaram a sociedade paulista por terem sido casos flagrantes de racismo, sendo um deles um ato de violência policial que terminou na morte de um homem negro. Dessa polarização resultou uma passeata que contou com milhares de manifestantes, realizada em plena ditadura e tendo como centro de suas demandas o fim da violência policial. O MNU teve nos seus primeiros anos de vida uma popularidade explosiva e foi um dos principais organizadores da passeata de dezenas de milhares de pessoas contra o racismo realizada no 13 de maio de 1988, marco de 100 anos do fim da escravidão, em São Paulo.

    No longo intervalo entre a extinção da FNB e o surgimento do MNU, o movimento negro sofreu um claro recuo, praticamente se limitando a iniciativas de cunho cultural ou assistencialista, como o conhecido Teatro Experimental do Negro, criado no Rio de Janeiro por Abdias do Nascimento (1944) ou a Associação Cultural do Negro (1954), situada em São Paulo. O MNU, portanto, pode ser visto como resultado explosivo do acúmulo de diversas contradições às quais a população negra vinha sendo submetida, sem ter uma alternativa organizada para canalizar suas demandas. [7]

    Com a atual perda de influência do MNU e suas próprias limitações programáticas, ainda hoje permanece ausente um instrumento desse tipo, capaz de atrair e organizar os negros em larga escala com um programa proletário e revolucionário. Essa ausência acaba dando origem às mais diversas formas de pequenos agrupamentos de cunho cultural, que têm como foco a afirmação da identidade negra contra o monopólio cultural imposto historicamente pelo racismo da imprensa e dos meios de comunicação e educação burgueses – o que representa uma postura defensiva frente à atual segregação sistemática e muitas vezes sem uma perspectiva política de luta pela igualdade para os negros.
     
    Trotskismo e a questão negra 

    Diferente do MNU, nós não acreditamos que a população negra pode algum dia obter igualdade sob o capitalismo. Nós defendemos e participamos em todas as lutas parciais contra as opressões que podem obter conquistas dentro do atual sistema social. Tais ações podem gerar algumas conquistas imediatas para a população negra, e não diminuímos a importância destas. Porém, como já deixamos claro, encaramos que o racismo é uma opressão reproduzida pelo capitalismo brasileiro, o que impõe barreiras estruturais à emancipação dos negros sob tal modo de produção. Uma estratégia que se mantenha nos marcos do sistema, sem propor sua superação revolucionária, será incapaz de atingir a plena emancipação da população negra.

    Desde cedo os comunistas entenderam o peso que as opressões especiais possuem na luta revolucionária. As camadas superexploradas do proletariado, devido às suas condições materiais pauperizadas, são mais propensas à radicalização do que aqueles setores com melhores salários e condições de trabalho, principalmente em tempos de crise, quando são as mais afetadas. Assim, organizar tais setores é fundamental, pois os mesmos não raro cumprirão um papel de vanguarda, potencializando enormemente as lutas anticapitalistas. Como já dissemos, as opressões dividem a classe e, portanto, sem combatê-las no dia a dia os revolucionários dificilmente serão capazes de transformar teoria em prática e tornar possível a união dos trabalhadores num interesse comum de derrubar o capitalismo e estabelecer o seu poder de classe. Como Leon Trotsky comentou certa vez debatendo com dirigentes da seção norte-americana da Quarta Internacional, o SWP:
     
    “Nós devemos dizer aos elementos conscientes dos negros que eles estão convocados pelo desenvolvimento histórico para se tornar a vanguarda da classe trabalhadora. O que funciona como freio para as camadas mais elevadas? São os privilégios, a comodidade que as impedem de se tornarem revolucionárias. Isto não existe para os negros. O que pode transformar um determinado estrato social, e torná-lo mais imbuído de coragem e sacrifício? Encontra-se concentrado entre os negros. Se acontece de nós do SWP não estarmos aptos a encontrar o caminho para este estrato, então nós não somos capazes de nada. A Revolução Permanente e todo o resto seriam apenas uma mentira. (…) É uma questão vital para o partido. É uma questão importante. É uma questão que determina se o partido está para se transformar em uma seita ou se é capaz de encontrar seu caminho até a porção mais oprimida da classe trabalhadora.”
     
    Planos para a organização do negro, abril de 1939. Disponível em:
     
    Como podemos ver, a questão negra foi muito importante para o SWP, principal seção da Quarta Internacional até que esta foi destruída pelo revisionismo pablista [8]. Encaramos que a questão do negro tem um peso ainda maior na luta pelo socialismo no Brasil. Não é uma exclusividade do trotskismo, entretanto, buscar organizar os negros. Como dissemos, desde cedo os comunistas entenderam a importância de combater as opressões especiais e de buscar com afinco organizar os setores superexplorados do proletariado. O relato de James P. Cannon, veterano da Internacional Comunista, que rompeu em 1928 para se unir ao movimento pela Quarta Internacional nos Estados Unidos, deixa isso claro:
     
    “(…) Ainda antes da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa, Lenin e os bolcheviques se distinguiam de todas as outras tendências no movimento socialista e operário internacional por sua preocupação com os problemas das nações e minorias nacionais oprimidas, e seu apoio positivo às lutas destas pela liberdade, a independência e o direito da autodeterminação. Os bolcheviques davam este apoio a toda a ‘gente sem igualdade de direitos’, de uma forma sincera e honesta, mas não havia nada ‘filantrópico’ nesta posição. Reconheciam também o grande potencial revolucionário na situação dos povos e nações oprimidos, e os viam como aliados importantes da classe operária internacional na luta revolucionária contra o capitalismo.”
     
    A Revolução Russa e o Movimento Negro Norte-americano, James P. Cannon, 1959. Disponível em:
     
    Os Bolcheviques buscaram passar essas lições adiante através da Terceira Internacional, e foi assim que a questão negra passou a ser considerada como um aspecto relevante da revolução dentro do movimento comunista. Em outro trecho do mesmo texto, Cannon comenta:
     
    “As principais discussões sobre a questão do negro ocorreram em Moscou, e a nova forma de ver a questão foi elaborada lá. Já no Segundo Congresso da Comintern (Internacional Comunista), em 1920, ‘Os Negros na América’ foi um ponto na ordem do dia e uma discussão preliminar sobre esta questão foi levada a cabo. As investigações históricas comprovarão decisivamente que a política do PC sobre a questão do negro recebeu seu primeiro impulso de Moscou, e também que todas as seguintes elaborações desta política, incluindo a adoção da palavra-de-ordem de ‘autodeterminação’ em 1928, vieram de Moscou.”
     
    “(…) Os comunistas norte-americanos dos primeiros anos, sob a influência e pressão dos russos na Comintern, estavam aprendendo lenta e dolorosamente a mudar sua atitude[de não ver na questão negra nada que merecesse uma atenção especial, para além do programa revolucionário do proletariado em geral]; a assimilar a nova teoria da questão negra como uma questão especial de gente duplamente explorada e posta na situação de cidadãos de segunda classe, o que requeria um programa de reivindicações especiais como parte do programa geral – e a começar a fazer algo sobre esta questão.”
     
    Idem (ênfase nossa).
     
    Como aponta a resolução A Questão Negra, aprovada no IV Congresso da Internacional Comunista em 1922 [9], os comunistas compreenderam a potencialidade revolucionária dos negros oprimidos dos Estados Unidos e a necessidade estratégica de organizá-los e prestar atenção às suas demandas específicas. Apesar disso, cometeram um erro teórico que só veio a ser corrigido pela vanguarda revolucionária décadas depois: considerar os negros dos EUA uma nação oprimida. Essa consideração teórica levou à defesa da emancipação negra como se fosse uma questão nacional, uma perspectiva que não se adequou às necessidades dos negros em luta e, mais tarde (1928), já no período stalinista, assumiu a forma de demanda pela autoderminação, que é o direito de formar um Estado negro independente em separado.

    Esse erro foi fruto da generalização para a realidade norte-americana da experiência das nações oprimidas pelo Império Czarista russo. Como o movimento socialista anterior ao surgimento do PC/EUA no geral não dava atenção à opressão racista enquanto uma questão que merecia atenção especial, a iniciativa em lidar com tal assunto partiu da liderança internacional localizada em Moscou, com pouca contribuição dos próprios militantes norte-americanos.

    O que a opressão racista aos negros tinha em comum com a opressão nacional era que, assim como todas as outras formas de opressões especiais, ela não podia ser reduzida puramente à questão de classe. Tanto os negros norte-americanos quanto as nacionalidades oprimidas pelo czarismo sofriam com desigualdades chauvinistas. O problema-chave, entretanto, é que estas formas de desigualdade possuem origens e dinâmicas bastante diferentes.

    Os diversos agrupamentos nacionais sob o czarismo, tais como os ucranianos e poloneses, foram oprimidos devido à sua incorporação forçada ao território russo, e à subsequente tentativa de assimilá-los forçosamente através da supressão de sua língua, cultura, etc. Daí o caráter nacional da sua luta, que é a luta contra a “russificação” forçada – para o que a demanda pelo direito de autodeterminação foi central. Mas os revolucionários defenderam o direito das nações oprimidas de realizarem sua escolha, sem necessariamente defender um ponto de vista pró-separação. E, ao mesmo tempo em que se opuseram à opressão nacional, também se se opuseram ao nacionalismo, entendendo-o enquanto uma ideologia burguesa e visando derrotá-lo na disputa pela liderança das lutas contra a opressão nacional.

    Já a opressão racista aos negros, por outro lado, parte do oposto da tentativa de assimilação forçada à sociedade. A opressão aos negros se assemelhava mais à opressão dos judeus sob o czarismo, que Lenin descreveu como uma “segregação forçada em guetos”, ou seja, a tentativa de segregar ao invés de assimilar à força. A luta contra as várias faces dessa forma mais específica de opressão significou, para a maioria da população negra, a adoção de demandas por plena igualdade, e não por separação nacional. Este é o motivo de, mesmo possuindo certa identidade própria comum devido à sua situação de “cidadãos de segunda classe”, os negros norte-americanos (e brasileiros) não se identificarem através de marcos de nacionalidade e não levantarem a demanda por um Estado separado. Conforme Cannon notou:
     
    “(…) A expansão da influência comunista [stalinista] dentro do movimento negro durante os anos 30 ocorreu apesar do fato de que uma das novas palavras-de-ordem impostas ao partido pela Comintern nunca pareceu adequar-se à situação real. Esta foi a palavra-de-ordem da ‘autodeterminação’, sobre a qual se fez o maior alvoroço e se escreveu o maior número de teses e resoluções, sendo inclusive apregoada como a palavra-de-ordem principal. A palavra-de-ordem da ‘autodeterminação’ teve pouca ou nenhuma aceitação na comunidade negra. Depois do colapso do movimento separatista dirigido por Garvey [10], a tendência dos negros foi principalmente em direção à integração racial, com igualdade de direitos.”
     
    Idem (ênfase nossa).
     
    No geral, o SWP manteve as análises teóricas da Internacional Comunista sobre a questão negra, porém se adaptou melhor às demandas concretas da população negra norte-americana, respondendo a elas com um programa revolucionário mais adequado. A posição da Quarta Internacional sobre a questão específica da autodeterminação foi certa vez definida por Trotsky como “a escolha é deles”. Ou seja, o partido deveria lutar pela igualdade de direitos e condições, combatendo a opressão e unindo os trabalhadores negros e brancos na luta pelo socialismo, e ao mesmo tempo estar disposto a apoiar a autodeterminação apenas se as lutas dos negros estivessem direcionadas a este objetivo, sem, entretanto, tornar essa uma palavra de ordem do partido, como um carro chefe de sua política para os negros:
     
    “Não proponho ao partido que advogue, não proponho introduzir, mas somente proclamar nossa obrigação de apoiar a luta pela autodeterminação se os negros a quiserem. Esta não é uma questão dos nossos camaradas negros. É uma questão de treze ou quatorze milhões de negros. A maioria deles é muito atrasada. Eles não estão muito esclarecidos quanto ao que querem agora, e devemos dar-lhes um crédito para o futuro. Eles decidirão.”
     
    Autodeterminação para os negros americanos, abril de 1939. Disponível em:
     
    Uma resolução aprovada pelo SWP alguns meses depois da contribuição de Trotsky acima citada reafirma essa posição:
     
    “O SWP, ainda que proclamando sua disposição em apoiar o direito de autodeterminação em toda sua extensão, não irá, ele mesmo, no presente estágio, levantar a demanda de um Estado negro como faz o Partido Comunista dos EUA. A defesa do direito à autodeterminação não significa propor a palavra de ordem de autodeterminação. Autodeterminação para os negros significa que os próprios negros devem determinar seu próprio futuro.”
     
    O Direito à Autodeterminação e o Negro nos Estados Unidos da América, C.L.R. James, 11 de julho de 1939. Resoluções da Convenção de Nova York do SWP. Ênfase nossa. Disponível (em inglês) em:
     
    No espírito das lições tomadas da Revolução Russa, a mesma convenção que aprovou tal resolução, aprovou também um documento que encara os negros como a vanguarda da revolução socialista nos EUA. Esse outro documento, também escrito por C.L.R. James, afirma que os negros “estão designados por todo o seu passado histórico a ser, sob a devida liderança, a verdadeira vanguarda da revolução proletária” (O SWP e o Trabalho Negro).

    Mesmo com a fraqueza teórica do SWP e da Quarta Internacional como um todo face à situação da população negra norte-americana, essas resoluções apontam em si um potencial para reconhecer tal fraqueza, ao declarar que a questão será decidida pelo próprio desenvolvimento do movimento negro, e sua capacidade de se ligar à dinâmica das lutas da classe trabalhadora, entendendo que a principal demanda dos negros era a de integração via igualdade de direitos e condições. Portanto, diferente do PC/EUA então já dominado pela degeneração stalinista, os trotskistas norte-americanos souberam lidar com a realidade com que se deparavam levando em conta sua complexidade, sem recorrer assim a dogmatismos.

    Mais tarde, na década de 1950, o desenvolvimento da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos mostrou de maneira clara que a vontade dos negros norte-americanos, o seu objetivo no atual período histórico, é uma integração plena através da igualdade de direitos sociais e democráticos. Foi Richard Fraser (Kirk), um quadro do SWP, quem realizou à época diversos estudos sobre a condição dos negros nos EUA e concluiu que estes não poderiam ser considerados nas atuais condições uma nacionalidade oprimida.

    Os estudos de Fraser foram absorvidos pela então Tendência Revolucionária do SWP, que veio a dar origem à Liga Espartaquista (SL) após ter sido expulsa do partido em 1963. Essa expulsão foi resultado do seu acertado combate à adaptação deste partido à forças não-proletárias do movimento (pablismo), inclusive à liderança reformista do Movimento pelos Direitos Civis nos Estados Unidos. Citamos a seguir o documento fundamental da Tendência Revolucionária do SWP sobre a questão negra:
     
    “(…) Kirk interpretou a questão negra como uma questão racial que, sob condições de catástrofe histórica (por exemplo, a vitória do fascismo) poderia se transformar numa questão nacional. Portanto, ele concordava com o apoio à autodeterminação se ela se tornasse uma exigência na luta dos negros, mas ele assumia que isso só poderia surgir sob condições vastamente alteradas. (…)”
     
    “(…) Nós concordamos [com a posição de Kirk] ao notar a ausência entre a população negra daquelas qualidades que poderiam criar uma economia política separada, ainda que embrionária ou atrofiada. Essa ausência explica porque o impulso de massa pela liberdade do negro por mais de cem anos tem sido na direção de esmagar as barreiras para uma integração igualitária e plena. Mas integração em que tipo de estrutura social? Obviamente apenas em uma que possa sustentar essa integração. Essa é a contribuição recíproca poderosa da luta dos negros para a luta de classes em geral.”
     
    Por um Trotskismo Negro, documento interno da Tendência Revolucionária do SWP, julho de 1963. Disponível em:
     
    Daí vem o legado teórico que defendemos, desenvolvido posteriormente pela Liga Espartaquista, bem como os princípios programáticos dele derivados e que se aplicam à realidade brasileira pela forma equivalente que a questão negra assume em nosso país.
     
    LER-QI: os negros brasileiros são uma nação oprimida? [**]

    A Liga Estratégia Revolucionária – Quarta Internacional (LER-QI), seção brasileira da Fração Trotskista, é um dos grupos na esquerda que tem recentemente realizado esforços buscando compreender melhor e atuar sobre a questão negra no Brasil. Em um pequeno texto de maio de 2009, intitulado 121 anos depois da abolição, esse grupo afirma corretamente a necessidade de combater o capitalismo como única forma de atingir a completa emancipação dos negros no Brasil:
     
    “O combate ao racismo (…) só pode se dar num enfrentamento direto aos interesses das empresas, ou seja, dos capitalistas. (…) Por isso lutamos para que os trabalhadores tomem, defendam e lutem pelas demandas do povo negro, combatendo o racismo que se expressa na vida material da população negra, além de toda expressão ideológica reproduzida inclusive entre os próprios trabalhadores. (…) O povo negro está convocado a se colocar na linha de frente na luta pela emancipação do nosso povo, que não poderá se conciliar com projetos de humanização da burguesia e do capitalismo.”
     
    121 anos depois da abolição, de maio de 2009. Disponível em:
     
    Apesar de esta ser aparentemente uma perspectiva correta para a questão negra e sua relação com a luta de classes em geral, a posição da LER-QI contém um erro teórico e político grave. Em um artigo publicado em comemoração ao último Dia da Consciência Negra (22 de novembro), a LER-QI explica em maiores detalhes sua análise teórica. Em uma sessão final intitulada “Opressão nacional e revolução”, esta declara que os negros constituem uma nação oprimidadistinta do restante da população brasileira:
     
    “A luta contra a opressão nacional, ou melhor, a afirmação do povo negro enquanto tal, como norte da luta, está intimamente ligada à própria luta de classes, não é algo estático.”
    (…)
    “Em muitos aspectos, o Brasil está mais próximo da África do Sul do que dos Estados Unidos. A população brasileira é de maioria negra e a burguesia é uma casta branca. Hoje, ainda sob os efeitos, cada vez menores, de décadas de reação, grande parte da população negra não se reconhece enquanto tal.
     
    As origens da questão negra e seu papel em nossa revolução, de novembro de 2011. Ênfase nossa. Disponível em:
     
    Esta análise contém um profundo equívoco teórico. O mecanismo utilizado pela LER-QI para lidar com a ausência de uma identidade nacional na população negra é afirmar que apesar de supostamente serem uma nação, os negros não teriam consciência disso. Tal declaração é feita a partir da citação de um texto de Trotsky sobre a África do Sul e o direito das nacionalidades oprimidas à autodeterminação. Mas o caso da África do Sul, onde os negros eram uma nação oprimida por uma elite branca de origem semiestrangeira é bastante diferente do caso brasileiro.

    Para que haja consciência nacional, é necessário que uma população atravesse um processo subjetivo de construção identitária, produzido historicamente. Ela é, portanto, um fenômeno largamente subjetivo. A consciência nacional não uma “essência inata” que certos grupos com algumas características comuns “carregariam consigo” independente de terem consciência disso. Não basta enumerar características comuns a um grupo populacional (como por exemplo, o fato de os negros no Brasil serem “maioria, assim como na África do Sul”) para que se considere, por amálgama, que este grupo constitui uma nação distinta.

    Historicamente, a opressão nacional surgiu com base numa população cujo território independente foi subjugado pelo colonialismo de uma potência estrangeira, que passou a buscar assimilar forçosamente a nação oprimida. Este foi o caso dos negros na África do Sul, cuja independência foi suprimida pelo imperialismo europeu. Já a opressão histórica dos negros brasileiros, apesar destes comporem uma maioria da população, se deu de forma bastante diferente.

    As raízes históricas dos negros brasileiros são de diferentes povos, que por mais de cem anos foram trazidos, de forma dispersa, a este território por fluxos de transporte de escravos. A maioria da população negra não manteve relações diretas com as nações africanas onde alguns dos seus antepassados viveram. Os escravos trazidos para o território do atual Brasil, por sua vez, não se unificaram em termos identitários e menos ainda se concentraram em um território próprio posteriormente tomado por um Estado estrangeiro, ou seja, não foram vítimas de uma opressão de tipo nacional, mas de uma opressão distinta, associada com a forma com a qual se deu a escravidão.

    A atual segregação dos negros brasileiros está baseada no fato de que, após o fim das relações sociais escravistas, os negros foram empurrados aos setores mais explorados e com piores condições da população brasileira. A dinâmica dessa segregação, novamente, não gerou o surgimento de uma consciência nacional. A opressão com base na cor, herdada da escravidão, serviu como arcabouço para a exclusão dos negros de vários dos aspectos da vida social. Por isso, os negros brasileiros, que se concentraram em grande maioria no proletariado, constituíram não uma nação, mas uma casta racial mais explorada e oprimida dessa classe.

    Não à toa, a luta dos negros contra a sua forma de opressão tem se dado através de demandadas por igualdade e contra a sua exclusão de muitos aspectos da sociedade brasileira. Isso, por sua vez, também se refletiu na sua identidade e em suas aspirações políticas, que não foram centradas ao redor da luta por um Estado em separado. Nesse sentido, é muito significativo que o objetivo dos movimentos negros que obtiveram maior apoio de massas nos momentos de luta, como a FNB e o MNU, ou mesmo experiências como a impulsionada por Abdias do Nascimento, tenham tido um nítido caráter integracionista (ainda que a sua limitação ao reformismo impeça esse objetivo de ser alcançado).

    Tanto nos momentos de calmaria da luta de classes, assim como nas suas principais explosões, a saída buscada pelos negros brasileiros foi a luta pela integração, que acabou traída pelas direções reformistas e pela ausência de uma estratégia revolucionária. Essas lutas não foram permeadas por um auto-reconhecimento dos negros enquanto um povo, que é o que a LER-QI parece indicar que aconteceria.

    Os marxistas não ignoram que a consciência nacional pode surgir de outras formas não convencionais. Porém, isso exigiria uma transformação de proporções históricas na relação dos negros com o restante dos brasileiros, que levasse a uma situação de catástrofe histórica (tal qual a vitória do fascismo) e, consequentemente, de desespero ante as possibilidades de no futuro atingir plena igualdade.

    Em decorrência de seu erro teórico, a LER-QI formula um programa errado para a questão negra no Brasil. No artigo já citado, afirma-se que “A autodeterminação do povo negro, sob os métodos da luta de classes, será um dos golpes finais da dominação burguesa.”. Da mesma forma, no post de inauguração do blog do coletivo Juventude Às Ruas, impulsionado pela LER-QI, é defendida “a necessidade de intervir na Semana da Consciência Negra defendendo a autodeterminação do povo negro e o combate a repressão do Estado” (ênfase nossa).

    Como vimos, o programa da Quarta Internacional também apresentava uma análise incorreta da situação do negro nos EUA, reivindicando que estes eram uma nação. Porém, esta reconheceu que não fazia sentido levantar a demanda da autodeterminação se não surgisse uma consciência nacional na luta dos negros, e criticou o uso dessa demanda então feita de forma dogmática pelos stalinistas do PC/EUA. Dessa forma, a questão ficava em aberto para que o movimento negro mostrasse a sua natureza nas lutas. Os trotskistas encontrariam, então, a melhor forma de direcionar este movimento a favor das lutas gerais do proletariado e pela revolução socialista.

    Já a LER-QI, ao tomar como certo que os negros brasileiros seriam uma nação, tem levantado ativamente a demanda pela autodeterminação, ignorando que ela não corresponde ao sentimento de massa entre os negros nem à sua luta por integração, tornando-se algo artificial. No futuro, isto só poderá levar a uma incompreensão das necessidades de um dos setores mais oprimidos da população e, consequentemente, a uma confusão na hora de relacioná-las com as tarefas do proletariado na revolução, pois leva a um foco incorreto na luta pela plena integração dos negros à sociedade brasileira.

    Mas se faltam aos negros brasileiros todos os fatores históricos para que estes sejam considerados uma nação, o que leva a LER-QI a insistir que eles ainda assim constituem um “povo”? Um trecho do artigo já mencionado nos dá a pista:
     
    “Porém, apesar de importantes críticas à [ideologia da] democracia racial (…) todos os [seus] críticos se adaptam a [seu formulador, Gilberto] Freyre ao não considerarem a questão negra como uma opressão nacional. (…) O próprio Florestan Fernandes (…) não superou a visão segundo a qual o negro faz e sempre [fez] parte [da] ordem brasileira. Em parte essa afirmação é correta, o problema surge quando a unilateralização dessa visão subvaloriza a opressão nacional sofrida pelo povo negro, e atrela mecanicamente, no caso dos reformistas, os destinos do povo negro à melhora do sistema capitalista.”
     
    Idem.
     
    Parece-nos, por esse trecho e pelo artigo como um todo, que a LER-QI não vê alternativa entre considerar os negros uma nacionalidade oprimida e lutar por sua “autodeterminação” ou considera-los “parte da ordem brasileira” e cair no reformismo. De acordo com a LER-QI, considerar os negros como parte da mesma nação que o restante dos brasileiros tenderia necessariamente a cair na ideologia da “democracia racial” e no integracionismo reformista. Ou seja, os companheiros da LER-QI se pautam por uma lógicabinária e não enxergam a possibilidade da luta por um integracionismo que seja revolucionário, não tendo, assim, encontrado a resposta correta para a questão negra no Brasil.
     
    A luta pelo integracionismo revolucionário 

    Como explicamos, o fim do racismo no Brasil, a plena integração do negro à sociedade, não é possível sem o fim do capitalismo. Mas esta não é uma relação de mão única: a luta da população negra contra sua forma de opressão também contribuirá para fortalecer a luta de classes do proletariado em geral. Logo, é necessário combinar as demandas da população negra contra a opressão, principalmente seu setor majoritário que se encontra no proletariado, com as demandas objetivas do conjunto da classe trabalhadora e sua luta pelo socialismo. É disso que se trata o integracionismo revolucionário.

    É necessário que os revolucionários lutem dentro do movimento dos trabalhadores para que os sindicatos defendam os direitos dos negros. Isto não é importante apenas para as massas negras, mas particularmente para os próprios sindicatos e para a classe trabalhadora. A unidade de toda a classe não é simplesmente um princípio moral, mas uma necessidade prática para o movimento proletário.

    Mas na medida em que os sindicatos, sob as suas atuais lideranças burocráticas traidoras, falham em fazer isto (além de muito da opressão contra os negros não se restringir ao local de trabalho), também é necessário que os revolucionários construam organizações transitórias de luta contra o racismo. Para que os trabalhadores negros se sintam seguros para lutarem em tempos de calmaria, é necessário que a vanguarda revolucionária combata as opressões no dia a dia de sua atuação, e que levante demandas por igualdade de condições e direitos através de colaterais organizadas dentro do movimento operário e popular, assim como dentro de movimentos negros de massa, para dar conta de tal tarefa.

    Essas organizações transitórias, que chamamos de colaterais, são frentes politicamente subordinadas ao partido revolucionário e que lutam pelos direitos dos negros, sob um programa classista e transitório, aproximando o partido dos elementos mais avançados do proletariado negro que concordem com o programa da colateral. Essas colaterais, para serem capazes de mobilizar os trabalhadores negros, devem lutar pela igualdade não em sentido abstrato, mas nas reivindicações cotidianamente levantadas contra os patrões, governos e também contra burocracias sindicais, com o objetivo final de impor estas demandas através dos métodos de luta da classe trabalhadora.

    Elas devem ser organizadas dentro de cada empresa, fábrica, universidade e bairro onde o partido revolucionário possua atuação, para o que é necessário que a questão negra possua sempre papel de destaque na agitação cotidiana. Se não haverá fim do racismo no Brasil sem que haja socialismo, também não existirá revolução sem os trabalhadores e trabalhadoras negras, pois sem eles o partido estará restrito a uma minoria privilegiada da classe e não será capaz de cumprir sua tarefa histórica de organizar o proletariado para a tomada do poder.

    Um programa transitório para a questão negra é aquele capaz de ligar os problemas enfrentados hoje pelos negros com soluções de caráter profundo, que aja como uma ponte para uma perspectiva anticapitalista, de forma que as porções negras do proletariado atinjam durante as lutas a necessária consciência de classe sobre quais são os seus objetivos, para que rompam com as amarras do reformismo e de outras ideologias burguesas e, consequentemente, tomem parte na luta pelo fim do capitalismo.

    Nesse sentido, o programa de tais colaterais vai variar de acordo com o local de atuação e a conjuntura vigente, buscando dialogar com as demandas concretas da população negra e do proletariado e tendo por objetivo estratégico criar uma ponte entre estas e a luta pelo socialismo. Ainda assim, existem algumas demandas transitórias que podemos desde já destacar, tendo em vista a realidade dos grandes centros urbanos brasileiros e o caráter mais geral das mesmas, que lidam com alguns dos grandes problemas enfrentados pelos negros brasileiros.

    Conforme comentamos, a precarização imposta pela terceirização é uma das formas mais eficientes que a burguesia brasileira tem utilizado para aprofundar a exploração do proletariado, com destaque para sua fração negra e feminina. Assim, onde quer que haja trabalho terceirizado devemos exigir a efetivação sem barreiras de todos os terceirizados, com iguais direitos e salários dos demais funcionários. Através de uma medida como essa, milhões de negros se libertariam de péssimas condições salariais e de trabalho, para não falar da ausência de direitos trabalhistas. Pelo mesmo motivo, defendemos que os sindicatos dos trabalhadores efetivos defendam os direitos dos terceirizados em seus locais de trabalho.

    Demandas transitórias como essa interessam a toda classe trabalhadora, pois elevariam consideravelmente seus padrões de vida, e lidam com problemas muito fáceis de perceber no dia a dia. Porém, algumas delas beneficiariam especialmente os negros, ao anular em parte as suas condições de superexploração. Algumas outras medidas importantes para fazer avançar a emancipação dos negros brasileiros envolvem ainda questões relativas à moradia e transporte, já que muitos vivem nas periferias sem acesso a recursos básicos de infraestrutura.

    Para que possamos levar à frente lutas concretas por demandas realmente avançadas, é crucial que os revolucionários organizem e auxiliem a luta dos negros contra as forças policiais da burguesia. Por isso é absolutamente importante ensinar aos proletários, sobretudo aos negros, a não confiarem na polícia e nas outras forças repressoras do Estado, educando-os no caminho da autodefesa proletária sempre que surgirem condições favoráveis para resistir, seja pontualmente ou de forma generalizada. E isso vai da organização de comitês de autodefesa desde casos locais de ameaça racista até a organização em maior escala contra a violência policial. [11]

    O caminho até a verdadeira emancipação dos negros pode parecer árduo, mas não existe nenhuma saída mais fácil capaz de realmente dar conta dessa questão. É com essa convicção que lutamos para reconstruir o instrumento fundamental para revolução socialista – a Quarta Internacional. Os trabalhadores negros do Brasil vão identificar este partido como o seu próprio, e junto com seus outros irmãos trabalhadores, lutar através dele para conseguir de uma vez por todas a sua emancipação como raça e como classe social!
     
    NOTAS
     
    [*] Alguns levantamentos censitários, como os realizados pelo IBGE, apontam para um número muito reduzido de “pretos” na população brasileira. Isso ocorre porque estes trabalham com uma categoria intermediária, o “pardo”. Para efeitos de análise, optamos por considerar “pardos” e “pretos” como constituindo o negro brasileiro, uma vez que ambas as categorias sofrem forte segregação baseada em sua cor e não chegam a constituir grupos distintos no campo do reconhecimento ideológico.

    [**] [Nota inserida em março de 2015] Pouco depois de termos publicado esse texto , a LER-QI organizou discussões internas para reavaliar sua posição sobre a questão negra no Brasil. Não sabemos se nossa polêmica influiu de alguma forma, mas fato é que desde então houve uma clara mudança em sua linha pública sobre o assunto, que não mais trata os negros brasileiros como uma nação oprimida e se encontra hoje muito mais próxima do que defendemos aqui (ver Questão negra, marxismo e classe operária no Brasil, coletânea publicada pela LER-QI em 2013 como fruto de tais discussões). Cabe notar também que essa mudança não acompanhou uma autocrítica pública da posição anterior, o que teria sido o mais honesto a se fazer.

    [1] Dados divulgados pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) a partir de pesquisas realizadas pelo IBGE/Pnad entre 1993 e 2006. Disponíveis em:
     
    [2] Dados levantados pelo DIEESE, disponíveis em:
     
    [3] Escolaridade e Trabalho: desafios para a população negra nos mercados de trabalho metropolitanos. Revista Estudos e Pesquisas, Ano 3, nº 37 – novembro de 2007. Disponível para download em:
     
    [4] Metade dos negros que tiveram contato com a polícia já se sentiu descriminada, de maio de 2006. Disponível em:
     
    [5] Negro é vítima maior de crimes e polícia, de novembro de 2005. Disponível em:
    Quanto ao pequeno número de negros declarados que constam na pesquisa, ressaltamos a observação realizada na nota [*].
     
    [6] Senado aprova Estatuto da Igualdade Racial, mas retira cotas – Portal G1, junho de 2010. Disponível em:
     
    [7] Para um breve relato da história do MNU, conferir Nos 120 Anos da Abolição, 30 Anos de MNU (2008), disponível em:
     
    [8] Para saber mais sobre o SWP e o pablismo, a forma de revisionismo que acabou por destruir a Quarta Internacional, confira A Gênese do Pablismo, de 1972. Disponível em nosso blog.
     
    [9] Disponível em:
     
    [10] Movimento “Back to Africa” (De Volta Para a África), fundado por Marcus Garvey após a Primeira Guerra Mundial. Representou uma resposta defensiva à onda de supremacismo branco chefiada pela Ku Klux Klan que tomou lugar no pós-guerra, e defendia que a integração social era impossível e que a saída era os negros norte-americanos “voltarem” para a África, onde viveriam como uma nação.
     
    [11] Sugerimos ao leitor o pequeno artigo da Liga Espartaquista, Regional do UAW Organiza Autodefesa Negra e Operária (de abril de 1975), como um exemplo de auto-organização proletária e como uma amostra em pequena escala de seus potenciais. Disponível em nosso blog:

    Arquivo Histórico: Trotskistas Franceses Contra o Pablismo

    Documento dos Trotskistas Franceses

    Este documento foi escrito em outubro de 1953 pelos trotskistas franceses que compunham a maioria do Partido Comunista Internacionalista (PCI) em oposição a Michel Pablo. Posteriormente ele foi publicado em inglês no primeiro Boletim do Comitê Internacional, em 1954. A tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em maio de 2012 a partir da versão disponível em marxists.org

    Os sucessivos estágios do revisionismo pablista

    1. Com o Terceiro Congresso Mundial, a Quarta Internacional entrou em uma crise que tem piorado constantemente e hoje ameaça a sua própria existência. A raiz dessa crise se encontra na penetração, dentro da liderança da Internacional, de uma ideologia alheia ao trotskismo: o pablismo revisionista e liquidacionista.

    2. As principais ideias teóricas do pablismo foram formuladas por Pablo como contribuições pessoais durante o curso da discussão sobre a zona intermediária [1] (1949-50). Desorientado pela transformação das relações de produção nos países da zona intermediária, atribuindo, além disso, a vitória da revolução na Iugoslávia e na China sob a liderança de partidos centristas de origem stalinista às próprias características do stalinismo, Pablo, usando os erros sectários dos trotskistas chineses como pretexto, iniciou uma revisão fundamental das nossas perspectivas históricas. No lugar da concepção de revolução proletária, ele colocou a de séculos de transição entre o capitalismo e o socialismo sob domínio burocrático; ele introduziu a ideia de que a ação militar-burocrática da burocracia stalinista é uma força histórica independente, capaz de tomar o lugar da ação das massas exploradas para completar as suas tarefas históricas; ele declarou que o stalinismo estava lutando objetivamente pela revolução proletária em países capitalistas e que na URSS e nos países da zona intermediária, ele só podia ser repreendido por causar um sofrimento que era historicamente desnecessário às massas; enquanto isso, a necessidade histórica da Quarta Internacional está no fato de que o stalinismo “definitivamente passou para o lado da ordem burguesa” nos países capitalistas (quer dizer, que a burocracia stalinista não luta nem conscientemente e nem “inconscientemente” pela revolução proletária, mas busca primariamente manter o status quo em todas as esferas), e vai levar os Estados operários em direção à ruína na URSS e na zona intermediária se não for derrubada pelas massas.

    3. Foi em “Para onde vamos?” que Pablo desenvolveu estas premissas teóricas até as suas conclusões finais e onde começa a estabelecer as conclusões políticas e táticas para elas. A ação revolucionária das massas exploradas desde então são, para ele, nada mais do que uma força suplementar a ser adicionada às forças militares e técnicas da burocracia stalinista, cuja natureza e função histórica mudaram drasticamente; a História para Pablo não é mais uma de luta entre classes, mas uma de luta entre blocos, entre o regime capitalista e o mundo stalinista. Ele nega que o caráter do período separando-nos da guerra (considerada por ele como iminente) é um período histórico distinto envolvendo tarefas específicas para os trotskistas e, sob a designação de “guerra-revolução”, ele identifica uma guerra conduzida pela burocracia do Kremlin com a revolução proletária; ele substitui a perspectiva trotskista do derrubamento revolucionário da burocracia pela ideia de que a burocracia vai cumprir o papel de liderança “objetiva” da revolução, e de que a burocracia vai ter um desaparecimento gradual e subsequente com o desenvolvimento das forças produtivas. Dentro de tal perspectiva, a Quarta Internacional perde toda a sua necessidade histórica, e mesmo todo o seu significado.

    4. Graças à tática de manipulação burocrática, acompanhada por uma inteligente camuflagem, Pablo conseguiu introduzir suas ideias básicas de uma forma levemente velada nas teses da Nona Plenária do Comitê Executivo Internacional (subsequentemente adotadas pelo Terceiro Congresso Mundial) e assim atingiu um caráter eclético e contraditório. Reforçado pela maioria que então possuía, ele foi capaz de desenvolver, na Décima Plenária do CEI, as conclusões táticas da sua orientação liquidacionista. Ele previu que a política da burocracia do Kremlin e a dos partidos stalinistas iriam girar crescentemente à esquerda, enquanto as massas iriam se colar a eles; a partir disso ele deduziu uma tática de entrismo nos partidos stalinistas com capitulação política dos trotskistas, entrismo “sui generis”: estas ideias e esta tática liquidacionista foram depois estendidas aos partidos reformistas e para todas as organizações de massa sob liderança pequeno-burguesa (o MNR boliviano, o movimento peronista na Argentina, o movimento de Ibáñez no Chile, etc.).

    5.Entretanto, os eventos trouxeram refutação atrás de refutação para as previsões pablistas. Depois do 19º Congresso do PC da URSS, os partidos stalinistas ao redor do mundo orientaram suas políticas, não rumo à esquerda como Pablo havia previsto, mas rumo à direita. Com a política da Frente Única Nacional, a atual posição dos partidos stalinistas como o PC francês e o PC italiano está muito mais à direita do que em qualquer outro momento no passado. O levante revolucionário das massas, do qual a greve geral de agosto de 1953 na França é a mais alarmante manifestação até agora, elevou, sob estas condições, a crise do stalinismo a um nível superior, colocando os militantes comunistas em conflito direto com seus líderes, enquanto pela primeira vez na história, a radicalização das massas na França não está passando através das organizações stalinistas, que continuam perdendo seus membros. O papel decisivo do partido revolucionário independente, enquanto um polo para atrair e organizar os militantes comunistas que entram em conflito com a liderança stalinista, surge então de forma avassaladora.

    De forma igualmente avassaladora, parece que o levante revolucionário nos países capitalistas, longe de provocar a irrupção de uma “guerra suicida” pelo imperialismo, serve para atrasar o lançamento efetivo de guerra.

    Finalmente, a burocracia do Kremlin, situada num beco sem saída entre o imperialismo que marcha rumo a uma guerra contrarrevolucionária e a pressão das massas proletárias, que foram estimuladas pelo progresso da economia soviética e o levante revolucionário mundial, e vendo o equilíbrio de classes em escala mundial se quebrando, equilíbrio do qual ela nasceu e sob o qual se baseia o seu poder na URSS, entrou em um estado de agonia convulsiva que está se dividindo em tendências opostas; na verdade, contrariamente às declarações de Pablo, a burocracia é incapaz como um todo de se basear nas massas contra o imperialismo e contra as tendências restauracionistas potenciais na URSS (a orientação de Beria [2]); e ela é não menos incapaz como um todode se basear nas tendências potencialmente restauracionistas contra as massas (orientação de Malenkov-Khruschev). Acima de tudo, ela está mais preparada do que nunca para sacrificar os interesses das massas em países como a França e a Itália, por exemplo, como um preço por concessões limitadas da burguesia na política externa.

    6. Diante de tal fracasso completo em suas previsões, Pablo começou uma operação em larga escala de camuflagem e oscilação política, abandonando algumas das suas posições fundamentais e recuando deliberadamente para poder melhor manter o seu elemento básico: liquidação da independência política do trotskismo com relação à burocracia do Kremlin e aos aparatos burocráticos em geral.

    “Condições objetivas” ontem impuseram Estados operários deformados por séculos. Hoje, Pablo declara que nada deve interferir no futuro próximo para o estabelecimento da mais aberta democracia proletária. A guerra era iminente no Terceiro Congresso Mundial e o levante revolucionário só poderia impelir o imperialismo a uma “guerra suicida”. Hoje Pablo tem a audácia de escrever que a guerra “agora” se tornou “possível a qualquer momento” (mas ela já não era ontem?), seja imediatamente ou em “alguns anos”; que o levante revolucionário está atrasando a guerra e pode até impedi-la! E ele conclui friamente disso que “nossa tática” (desenvolvida pelo Terceiro Congresso Mundial e na Décima Plenária do CEI) “permanece (!) válida”.

    Enquanto Pablo se recusa, como exigiu especialmente a maioria da seção francesa, a incluir entre os slogans do Terceiro Congresso Mundial o tradicional slogan trotskista pela derrubada de Stalin, hoje ele corretamente declara que a luta para aproximar a derrubada da burocracia é uma das tarefas básicas da Internacional e fala com lágrimas na voz de “nossos irmãos soviéticos”, um assunto que era tabu há dois anos. Ontem a vitória de Mao Tse-Tung “não era exatamente uma vitória do stalinismo”; hoje Pablo corretamente indica o que a maioria do PCI tem ressaltado por três anos, que foi apenas o rompimento do Partido Comunista Chinês com o Kremlin que permitiu a vitória da revolução chinesa.

    7. Ao mesmo tempo, Pablo está reafirmando e desenvolvendo a sua orientação liquidacionista: insistência sobre um processo revolucionário objetivo que é automático e irresistível, e que subordina os aparatos burocráticos reformistas e stalinistas, alterando a sua natureza e função diante dos nossos olhos e que os transformaria cada vez mais em instrumento das vontades revolucionárias das massas. A análise de Pablo ganha corda ao considerar o problema da liderança revolucionária como “objetivamente resolvido”, e ignora o desenvolvimento desigual da revolução nos países atrasados e nos países avançados, enquanto é precisamente o atraso da revolução proletária nos países avançados que sublinha a importância, historicamente mais decisiva hoje do que nunca antes, do fator consciente para a vitória da revolução.

    Pablo ignora a pressão exercida pelo imperialismo sobre a burocracia do Kremlin e, acima de tudo, ignora o fato de que a pressão exercida pelas massas soviéticas, longe de transformar o papel da burocracia e compeli-la a entrar em um curso irreversível de fazer concessões cada vez maiores às massas, está, ao contrário, fortalecendo a sua vigilância contrarrevolucionária e a sua autoproteção. Ele prevê, contrariamente à evidência e alheio a princípios, uma codireção do movimento revolucionário mundial entre o Kremlin e as massas durante toda a época de transição. Ele não compreende que a política do Kremlin continuará a oscilar até o fim, até o seu desaparecimento, e põe o mesmo rótulo sobre a orientação de Beria, durante a qual a oligarquia dominante tentou encontrar apoio entre as massas contra forças restauracionistas e o imperialismo, e também a orientação Khruschev-Malenkov, no qual a oligarquia dominante está buscando apoio nas forças restauracionistas contra as massas.

    Para Pablo, a missão histórica da Quarta Internacional perdeu todo o seu significado. O “processo revolucionário objetivo”, sob a guisa do Kremlin, aliado às massas, está tomando suficientemente bem o seu lugar. É por isso que ele está impiedosamente se inclinando para liquidar as forças trotskistas, sob o pretexto de integrá-las ao “movimento de massas tal qual ele existe”.

    A salvação da Quarta Internacional exige imperativamente a imediata expulsão da liderança liquidacionista. Uma discussão democrática deve ser realizada com todo o movimento trotskista ao redor do mundo sobre todos os problemas que foram deixados suspensos, obscurecidos ou falsificados pela liderança pablista durante três anos. Dentro desta perspectiva, será indispensável para a saúde da Internacional que a maior autocrítica seja levada adiante em todas as fases e todas as causas do desenvolvimento da gangrena pablista.

    NOTAS DA TRADUÇÃO

    [1] Países da Europa Oriental ocupados por tropas da União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial e compreendidos entre esta e os países imperialistas.

    [2] Lavrentiy Beria (1899-1953) foi um oficial da polícia secreta stalinista NKVD e político soviético. Bastante próximo a Stalin, disputou brevemente o poder após a morte deste em 1953, buscando obter a preferência das massas. Foi derrotado pela fração da burocracia liderada por Kruschev, preso e condenado à morte.

    Arquivo Histórico: Morenismo

    Gostaríamos de chamar a atenção de nossos leitores para atualizações em nosso Arquivo Histórico em Espanhol. Destacamos a publicação de documentos, produzidos pela então revolucionária Liga Espartaquista nos anos 70 e início dos anos 80, combatendo as posições políticas de Nahuel Moreno e de seus seguidores. Devido à difusão das ideias revisionistas de Moreno no Brasil através de grupos como o PSTU, CST (PSOL) e MR, estes artigos são de grande interesse para aqueles que desejam analisar de forma crítica o legado da corrente morenista. Dificuldades com o idioma espanhol podem ser resolvidas com a ajuda de um tradutor eletrônico. Essa lista de artigos será expandida conforme adicionarmos mais documentos sobre o tema na seção de documentos históricos.

    Guevarismo vs. socialdemocracia en el S.U. (1973) / La lucha contra el peronismo (1973) / El PST atrapado con las manos en la masa (1974) / El SWP “traduce” a Coral (1975) / Carta a la Liga Comunista de España (1975) / Estallido de la minoría del Secretariado Unificado (1976) / Empate mexicano (1976) / ¡EE.UU. fuera de Panamá ahora! (1978) / La revolución en Nicaragua y la izquierda (1979) / OCI/Moreno: Nicaragua ocasiona um noviazgo de conveniencia (1979) / La careta de izquierda de Moreno (1979) / Bloques podridos hacen añicos al Secretariado Unificado (1979) / Irán: La historia se venga (Introducción) (1979-80) / Hijo de Perón cohabita con hijo de Miterrand (1980) / Morenistas llaman por contrarrevolución en la URSS (1980) / El espectro del trotskismo en Nicaragua (1981) / Hijo de Perón abandona a hijo de Miterrand (1982).

    Stalinismo e a política do “Terceiro Período”

    A Fantasia Stalinista do MLP (EUA)
    O Mito do “Terceiro Período”

    Este artigo foi originalmente publicado em 1917 No. 3 (1987) pela Tendência Bolchevique Internacional.

    No verão anterior às eleições de 1984 [nos Estados Unidos] que levaram Ronald Reagan à Casa Branca para o seu segundo mandato, Michael Harrington e Irving Howe, dois proeminentes socialdemocratas norte-americanos, comentaram na Revista New York Times que “hoje em dia, praticamente todo mundo na esquerda concorda que o Partido Democrata, com todos os seus problemas, deve ser a nossa principal arena política.” Eles exageraram – mas não muito. 

    A maioria das organizações que se reivindicam revolucionárias nos Estados Unidos hoje estão de fato se orientando para os Democratas. Alguns, como o Workers World Party [1], abertamente se jogam na “Coalizão Arco-íris” do enganador Jesse Jackson. Os ex-trotskistas da Liga Espartaquista, por outro lado, respondem à atração gravitacional dos Democratas de forma mais incomum – com, por exemplo, uma oferta ridícula para “proteger” a convenção de 1984 do Partido Democrata em São Francisco contra o perigo imaginário alucinante de um ataque Nazista/Republicano.

    O ex-maoísta Partido Marxista-Leninista (MLP), é uma das poucas exceções a esta tendência à direita. O MLP foi fundado há 18 anos como a filial norte-americana da seita reformista de Hardial Bains, o nacionalista Partido Comunista do Canadá (Marxista-Leninista) [CPC-ML]. O MLP acompanhou o CPC-ML para longe da legião de apoiadores de Mao Tsé-Tung em meados dos anos 1970, mas logo entrou em conflito com Bains e deu um giro à esquerda. Em uma tentativa de entender as origens do revisionismo no campo maoísta e ex-maoísta desde a sua origem, o MLP iniciou um estudo crítico da história do movimento comunista internacional. Até agora ele rastreou as raízes da degeneração até 1935, quando o Sétimo Congresso da Internacional Comunista (Comintern) proclamou que dali em diante o dever da vanguarda da classe trabalhadora era entrar em coalizões (ou “frentes populares”) com suas próprias burguesias para conter o perigo do fascismo.

    A Crítica do MLP à Frente Popular

    A edição de 1º de outubro de 1986 da revista teórica do MLP (o Workers Advocate Supplement) contém uma crítica contundente dos resultados da estratégia de frente popular na Espanha durante a guerra civil nos anos 1930. O texto argumenta que a orientação do Partido Comunista Espanhol (PCE) e da Comintern era “terrivelmente errada” e critica especificamente a supressão dos anarquistas e do POUM (Partido Operário da Unificação Marxista – cujos líderes incluíam alguns ex-trotskistas) como parte de uma “campanha de violência – apoiada com medidas policiais – contra qualquer coisa que se aproximasse do espírito da luta de classes e do socialismo ou que criticasse os liberais capitalistas ou a República”. O artigo conclui que:

    “Onde quer que as massas estivessem em luta contra a reação, o legado espanhol era desenterrado para justificar a capitulação diante dos capitalistas liberais em nome de uma ‘unidade ampla’, enquanto se combatia o ‘grande perigo’ das ideias supostamente ‘ultraesquerdistas’ sobre a independência política da classe trabalhadora, a luta de classes, a revolução proletária e o socialismo.”

    Isto é algo bastante sério vindo de uma organização com um legado stalinista. E não é simplesmente uma questão de artigos teóricos em um debate escrito. O impulso à esquerda do MLP está refletido nas suas atuais posições em questões internacionais, da Nicarágua (onde ele é crítico das tentativas dos sandinistas de se ajustarem à burguesia) até a África do Sul. Mas enquanto o MLP exibe uma atração subjetiva à orientação de classe-contra-classe da Comintern dirigida por Lenin, o movimento à esquerda do MLP é parcial, confuso e contraditório.

    O MLP e o Espectro do Trotskismo

    O rompimento do MLP com a política da frente popular é falho pela sua timidez em confrontar o legado do trotskismo. Para parafrasear Marx, o resíduo da herança stalinista assombra como um fantasma a mente do departamento político do MLP. Mesmo nessas questões históricas onde ele foi mais longe, por exemplo, na Guerra Civil Espanhola, ele está, na melhor das hipóteses, apenas redescobrindo posições que foram defendidas de forma mais clara e menos ambígua cinquenta anos antes por Leon Trotsky e a Oposição de Esquerda. (Membros céticos do MLP podem facilmente verificar isto eles próprios ao dar uma lida em qualquer dos grandes escritos de Trotsky sobre a Espanha, como por exemplo, o seu ensaio de dezembro de 1937, “As Lições da Espanha: O Último Aviso”). O reflexo anti-trotskista intrínseco do MLP é um obstáculo para que ele realize uma investigação materialista séria sobre as origens do revisionismo no movimento comunista. A sua crítica ao Sétimo Congresso [da Comintern] é permeada de idealismo. Políticas corretas se tornam incorretas como resultado de um “pensamento mecânico”:

    “O Sétimo Congresso… simplesmente culpou o esquerdismo e o sectarismo para justificar o abandono dos princípios leninistas fundamentais que foram defendidos no período do Sexto Congresso. Ele não corrigiu nenhuma rigidez, apenas deu um giro à direita – de fato, ele levou o pensamento mecânico mais além e solidificou-o com visões de direita.”
    —    “Entre o Sexto e o Sétimo Congressos”, Workers Advocate Supplement, 15 de julho de 1986.

    Isto não explica nada. Até Mao Tsé-Tung sabia que “ideias corretas [e incorretas, pode-se acrescentar] não caem do céu”. A adoção da linha de frente popular em 1935 não foi mais do que o resultado de uma aplicação “rígida” das mesmas ideias que fazem com que muitos na esquerda norte-americana rastejem diante dos Democratas, devido a uma incapacidade de compreender Lenin.

    O giro do Sétimo Congresso, ao qual o MLP investe tanto significado, foi um evento de importância primariamente simbólica. Significativamente, ele já tinha sido assinalado um ano antes pela entrada da União Soviética na Liga das Nações em busca de aliados “pacifistas” contra Hitler. Em maio de 1935, dois meses antes da abertura do Congresso, Stalin tinha negociado o infame “Pacto Laval” com o imperialismo francês como uma barreira contra a insurgente Alemanha. O comunicado final do acordo anunciou: “O Sr. Stalin entende e aprova inteiramente a política de defesa nacional exercida pela França com o objetivo de manter o seu poder bélico no nível de segurança”. Quando o Sétimo Congresso se reuniu, a sua tarefa foi ratificar o repúdio ao leninismo sob o argumento de um “anti-fascismo” que ultrapassava as divisões de classe.

    Dimitrov falou sobre as implicações do giro no seu discurso de encerramento ao Congresso: “Mesmo alguns dos grandes Estados capitalistas, com medo de perder com uma redivisão do mundo, estão, no presente momento, interessados em evitar a guerra”. A frente popular tinha o objetivo de forjar um bloco com aqueles “pacíficos” ladrões imperialistas que estavam satisfeitos com a divisão do mundo que foi definida em Versalhes em 1919.

    “O que havia de novo em 1934 e 1935 era o reconhecimento de que a defesa da URSS poderia ser garantida através do apoio, não de partidos comunistas estrangeiros, fracos demais para derrubar, ou mesmo complicar seriamente os governos nacionais, mas com a ajuda de governos dos países capitalistas expostos à mesma ameaça externa que a URSS, e que o melhor serviço que aqueles partidos podiam prestar seria encorajar os governos a prover este apoio.”
    —    E. H. Carr, O Crepúsculo da Internacional Comunista 1930-1935

    A frente popular foi ditada não pelas exigências do proletariado internacional, mas com o propósito de salvaguardar o “socialismo em um só país”. Quando os socialdemocratas votaram a favor dos créditos de guerra em agosto de 1914 [no início da Primeira Guerra Mundial], isto significou que eles colocavam a preservação das suas organizações acima da solidariedade internacional da classe trabalhadora. De modo similar, o “socialismo em um só país” contrapôs a vitória parcial conseguida na Rússia aos interesses da revolução internacional. Em ambos os casos a defesa de avanços limitados conseguidos pelos trabalhadores, dos quais os respectivos burocratas tiravam os seus privilégios, ficou à frente dos objetivos gerais do movimento.

    O Sétimo Congresso não foi o começo dos desvios políticos da Comintern para longe do leninismo, mas a conclusão de um processo que estava em curso por cerca de doze anos. Entre o Quinto e o Sexto congressos, a liderança “pragmática” de Stalin já havia tentado diversos experimentos desastrosos de colaboração de classes. O Sétimo Congresso marcou a transformação formal da Comintern em uma agência reformista que não era qualitativamente diferente da socialdemocracia. Em agosto de 1935, mesmo antes de os delegados terem completado suas deliberações, Trotsky comentou: “Mesmo se todos os participantes hoje negarem o fato, eles estão todos… comprometidos, na prática, com a liquidação do programa, princípios e métodos táticos estabelecidos por Lenin, e estão preparando a completa abolição da Comintern como uma organização independente.” (“O Congresso de Liquidação da Comintern”).

    Oito anos depois, Stalin dissolveu a Comintern num gesto de boa fé para com os seus aliados imperialistas “democráticos”. Quem precisava de uma internacional proletária em uma época de coexistência pacífica entre as classes? A declaração de 22 de maio de 1943 que anunciou a dissolução declarou que: “Nos países da coalizão anti-hitlerista, o dever sagrado das mais amplas massas do povo, e em primeiro lugar dos trabalhadores, consiste em ajudar por todos os meios os esforços militares dos governos desses países…”. A política da frente popular em tempos de paz inevitavelmente se transfigura em socialpatriotismo quando a guerra irrompe. Nós nos perguntamos como o MLP se posiciona na Segunda Guerra Mundial: com o apelo por “unidade nacional” e nada de greves, feito por Stalin, Browder e os socialdemocratas, ou com o derrotismo revolucionário (e defesa da União Soviética) de Trotsky e da Quarta Internacional?

    As Raízes da Frente Popular: “Socialismo em um só País”

    Para entender a degeneração da Internacional Comunista é necessário entender a degeneração da revolução que lhe deu vida. O fracasso da onda revolucionária que se seguiu à Primeira Guerra Mundial em levar os trabalhadores ao poder em qualquer lugar fora da URSS, a exaustão da população soviética após sete anos de guerra e um colapso virtual da economia tinham, em 1921, exigido um recuo temporário da liderança Bolchevique. Esta política, conhecida como Nova Política Econômica (NEP), envolvia centralmente fazer concessões a forças de mercado para reviver a produção e prevenir a fome em massa.

    A NEP foi bem sucedida, mas ao fazer isso ela criou uma camada privilegiada de pequenos capitalistas no campo e nas cidades (kulaks e nepmen). Estes elementos constituíram uma base social conservadora para o rápido desenvolvimento de uma camada administrativa/burocrática dentro do próprio Partido Bolchevique. O fracasso dos Comunistas alemães em explorar uma situação potencialmente revolucionária em 1923 tornou aparente que a Revolução Russa iria permanecer isolada por algum tempo. Isto também consolidou a posição ascendente da tendência burocrático-conservadora dirigida por Stalin. Pelos cinco anos seguintes, os “pragmatistas” como eles chamavam a si mesmos, realizaram uma política consistentemente à direita em casa e no exterior sob a bandeira do “Socialismo em um só País”. Em 1925, o Kremlin iniciou um bloco sem princípios com a liderança do Congresso dos Sindicatos Britânicos (TUC). Supostamente organizado para se opor à intervenção britânica contra a URSS, o “Comitê Sindical Anglo-Russo” não estabelecia nenhuma obrigação para os dirigentes do TUC, enquanto lhes permitia se vangloriarem com a autoridade da revolução russa. A greve geral britânica de 1926, que surgiu no meio de uma poderosa greve de mineiros, revelou que o TUC não havia se transformado no “centro organizador que engloba as forças internacionais do proletariado para a luta” como antecipado, mas permanecia uma agência da ordem capitalista.

    A ajuda [financeira] mandada pelos mineiros soviéticos para os seus camaradas britânicos em luta foi rejeitada com indignação pelos burocratas sindicais, que anunciaram que eles “não queriam ouro russo”. Os covardes burocratas chamaram pelo fim da greve geral depois de nove dias, justo quando ela estava começando a surtir efeito. Trotsky exigiu que os soviéticos rompessem com os líderes traidores do TUC e criticassem fortemente a traição destes, mas o Comintern decidiu manter a sua posição de solidariedade acrítica com os destruidores da greve. Um ano depois, quando os burocratas britânicos perceberam que não precisavam mais de uma cobertura pela esquerda, eles simplesmente se retiraram do Comitê.

    Colaboração de Classes e Desastre Sangrento na China

    Na China, os resultados do curso direitista do Kremlin foram ainda mais desastrosos. Lá a Comintern adotou a “estratégia” de liquidar o crescente movimento comunista no partido nacionalista burguês Kuomintang (KMT). Em 1925 Stalin explicou as tarefas dos Comunistas na China na forma como se segue:

    “Em tais países como o Egito e a China (…), os comunistas não podem mais fazer do seu objetivo formar uma frente única contra o imperialismo. Em tais países, os comunistas devem passar da política de frente única nacional para a politica de um bloco revolucionário dos trabalhadores e da pequeno-burguesia. Em tais países, este bloco pode assumir a forma de um só partido de trabalhadores e camponeses, como o Kuomintang (…).”
    — “As Tarefas Políticas da Escola do Leste”, citado em Walter Laqueur, Communism and Nationalism in the Middle East.

    De julho de 1926 a março de 1927, a China foi arrastada por um massivo levante revolucionário. Em meio a isso, os comunistas chineses receberam a ordem de Moscou para não organizar sovietes e para prestar atenção às suas atividades nas mobilizações camponesas de forma a manter boas relações com a burguesia nacional. Trotsky se opôs de forma aguda a essa linha direitista liquidacionista diante do KMT e notou que:

    “Todas essas receitas e mesmo a forma com a qual elas são formuladas são cruelmente reminiscências da velha cozinha menchevique. A saída é estabelecer a linha organizativa que seja o pré-requisito necessário para uma política independente, mantendo a atenção, não na esquerda do Kuomintang, mas acima de tudo nos trabalhadores despertos… Quanto mais cedo a política do Partido Comunista Chinês for corrigida, melhor para a revolução chinesa.”
    — “O Partido Comunista Chinês e o Kuomintang”, 1926.

    Mas o principal interesse de Stalin na China nesse período estava em estabelecer uma aliança diplomática com o regime burguês. Para promover isto, o KMT foi admitido na Internacional Comunista como um partido em relações fraternais. Trotsky, sozinho entre os líderes soviéticos, votou contra esta deformação do leninismo. Como o MLP teria votado?

    Na Primavera de 1927, conforme a liderança do KMT se movimentava para decapitar a vanguarda do proletariado chinês, a Comintern ordenou aos comunistas que largassem suas armas para não “provocar” os aliados burgueses. O resultado da colaboração de classes na China nos anos 1920 foi o mesmo que da Espanha nos anos 1930: dezenas de milhares dos melhores militantes foram exterminados e o movimento dos trabalhadores foi destruído.

    Stalin gira à esquerda: o Terceiro Período

    O giro à direita da política externa soviética após o Quinto Congresso teve seu reflexo domesticamente na orientação para os camponeses ricos. O aliado fracional de Stalin, Bukharin, disse a eles: “Enriqueçam!” e propôs ir rumo ao socialismo na União Soviética com “passo de tartaruga”. Mas os kulaks (camponeses ricos) não tinham interesse em socialismo em nenhuma velocidade e em 1927-28 eles estavam se mobilizando abertamente pela contrarrevolução. Stalin provou responder muito mais prontamente às ameaças ao seu próprio regime do que aos reveses do movimento internacional. Entre a primavera e o outono de 1928, ele mudou desde uma posição de que “a expropriação dos Kulaks seria uma tolice” para declarar que “Nós devemos quebrar a resistência dessa classe através de uma luta aberta” (Problemas do Leninismo). O resultado foi um giro abrupto para a esquerda no Sexto Congresso da Comintern em 1928. (O fato de que a Internacional não havia sido convocada por quatro anos – sob Lenin ela havia se reunido anualmente mesmo durante a Guerra Civil – indica a baixa importância que ela recebia pela liderança insular, nacionalista de Stalin). Ao contrário do que diz o MLP, as decisões do Sexto Congresso não representaram a continuidade ininterrupta dos “princípios fundamentais do leninismo”, mas ao invés disso o desvio simétrico da capitulação anterior ao KMT e aos burocratas sindicais britânicos. Da prostração diante de forças não-proletárias, a “linha geral” se tornou uma rejeição insípida da possibilidade de unidade de ação com qualquer um que não estivesse pronto para aceitar a liderança comunista.

    O giro de 180 graus na linha política foi “explicado” pela proclamação de que a luta de classes havia supostamente entrado no “Terceiro Período” da história do pós-guerra, caracterizado pela crise final do capitalismo e pelo sucesso inevitável de levantes revolucionários em toda parte. O “Terceiro Período” era, na frase astuta de Trotsky, “uma combinação de burocratismo stalinista com metafísica bukharinista”, que não tinha nenhuma relação com a realidade da luta de classes no período. De 1928 a 1932, nenhum partido comunista no planeta estava numa posição em que pudesse seriamente desafiar o poder de sua burguesia. A teoria do “Terceiro Período” era simplesmente uma cobertura “histórico-mundial” para os ziguezagues do Kremlin.

    As políticas do Terceiro Período eram um repudio direto dos princípios e táticas cuidadosamente elaborados nos primeiros quatro congressos da Internacional. A política leninista de lutar para construir lideranças comunistas nas organizações de massa dos trabalhadores que já existiam foi substituída por um separatismo sectário de “sindicatos vermelhos”. Incontáveis pequenos “sindicatos” comunistas, muitos sendo pouco mais do que organizações fantasmas que só existiam no papel, foram criados e combinados em federações sindicais paralelas. Com esta tática – explicitamente denunciada por Lenin em “Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo” como “um erro tão imperdoável que é com certeza um dos maiores serviços que os comunistas poderiam prestar à burguesia” – o Partido Comunista dos Estados Unidos conseguiu de uma só vez o que os burocratas sindicais e capitalistas não tinham conseguido fazer durante todo o período da histeria anti-Bolchevique no pós-guerra. Ele tirou os comunistas dos sindicatos e dessa forma abandonou as massas de trabalhadores à influência dos sindicalistas reacionários da Federação Americana do Trabalho [AFL].

    Resultados do “Terceiro Período”: Hitler Esmaga o KPD

    Os resultados mais desastrosos do “Terceiro Período” ocorreram na Alemanha onde o Partido Comunista (KPD) rotulou o Partido Socialdemocrata (SPD) como “social-fascista”. Stalin afirmou que “A socialdemocracia, falando objetivamente, é a ala moderada do fascismo”. Isto efetivamente impossibilitou qualquer aproximação aos líderes do SPD para uma frente única contra o movimento nazista que crescia rapidamente. Ao invés disso, o KPD chamou por “frentes únicas pela base”, ou seja, para que os trabalhadores socialdemocratas se “unissem” com os comunistas sob a liderança do KPD. Isso naturalmente teve pouco impacto nos milhões de trabalhadores socialdemocratas que não estavam prontos a admitir que eles fossem “moderados” ou “social-fascistas”. O KPD perdeu a oportunidade de explorar profundamente as contradições entre os socialdemocratas e os fascistas:

    “A socialdemocracia não pode ter influência sem as organizações de massa dos trabalhadores. O fascismo não pode se entrincheirar no poder sem aniquilar as organizações dos trabalhadores. O parlamento é a principal arena da socialdemocracia. O sistema fascista é baseado na destruição do parlamentarismo. Para a burguesia monopolista, os regimes parlamentarista e fascista representam somente diferentes formas de dominação; ela recorreu a um ou a outro, dependendo das condições históricas. Mas para ambos os socialdemocratas e os fascistas, a escolha de uma forma ou da outra tem um significado independente; mais do que isso, para eles isto é uma questão de vida ou morte.”
    — Trotsky, “E agora?”.

    Em agosto de 1917, os bolcheviques exploraram uma contradição comparável a esta entre Kerensky, o pseudo-socialista que estava à frente do Governo Provisório pró-imperialista, e Kornilov, o general de direita que desejava derrubá-lo. Lenin não perdeu seu tempo chamando os trabalhadores e soldados que ainda tinham ilusões em Kerensky para se unirem sob a bandeira do bolchevismo, mas ao invés disso propôs uma frente única aos mencheviques e socialistas-revolucionários e a criação de organizações conjuntas de autodefesa contra um inimigo comum. Dessa forma os bolcheviques mobilizaram as maiores forças possíveis para esmagar Kornilov enquanto ao mesmo tempo ganhavam muitos trabalhadores de base entre os apoiadores de Kerensky, que viam que os comunistas eram os mais determinados oponentes da contrarrevolução.

    Trotsky recomendou que o KPD propusesse ao SPD um bloco militar semelhante contra o terror fascista. Ele explicou como os militantes do KPD deveriam motivar a frente única com os trabalhadores de base do SPD:

    “O bolchevique não pede ao socialdemocrata que altere de imediato a opinião que tem do bolchevismo e da imprensa bolchevique. Mais do que isso, ele não exige que o socialdemocrata assine um contrato pela duração do acordo prometendo manter silêncio da sua opinião sobre os comunistas. Tal demanda seria absolutamente indesculpável. ‘Enquanto’, deve dizer o comunista, ‘eu não convencer você ou você não me convencer, nós devemos nos criticar um ao outro com total liberdade, cada um usando os argumentos e expressões que achar necessário. Mas quando o fascista quiser colocar uma mordaça em nossa garganta, nós iremos repeli-lo juntos!’. Pode algum trabalhador socialdemocrata inteligente responder a essa proposta com uma recusa?”
    — “A Frente Única para Defesa”, 1933.

    Ao invés disso, o KPD apelou à base do SPD com denúncias estéreis, ultimatos vazios e vangloriando-se sem sentido. Um líder do KPD declarou no parlamento alemão: “Deixem Hitler assumir o poder – ele logo irá à bancarrota, e então será a nossa vez”. O sectarismo criminoso do KPD foi talvez exposto de maneira mais explícita na Prússia em 1931, quando ele apoiou um referendum organizado pelos fascistas para remover o governo estadual liderado pelo SPD. Imaginem o impacto que o espetáculo de uma campanha conjunta realizada pelo KPD e pelos nazistas teve nos trabalhadores socialdemocratas! Ainda assim, o MLP caracteriza essas táticas literalmente suicidas como “uma linha marxista-leninista correta no geral”.

    Marxismo e Fatalismo

    No seu principal documento lidando com o Terceiro Período (“Entre o Sexto e o Sétimo Congressos”), o MLP conclui que: “A IC e seus partidos fizeram avanços no seu trabalho nesse período… A consolidação dos partidos nesse período provavelmente teve muito a ver com os sucessos subsequentes”. Quais “sucessos subsequentes” – as frentes populares? O MLP descreve o período das maiores derrotas já sofridas pela classe trabalhadora como um de “avanços” e “consolidação” em razão do seu apego irracional ao Terceiro Período.

    O artigo continua, reconhecendo que “Ao mesmo tempo, houve o severo revés da chegada ao poder de Hitler na Alemanha, pela qual, no entanto, não se pode culpar os erros do PC alemão” (ênfase adicionada). Então a quem ela deve ser atribuída? A vitória dos fascistas sobre o movimento proletário mais poderoso do mundo e o maior e mais forte partido comunista [fora da União Soviética] era inevitável? Ou será que o MLP acredita que o triunfo da reação fascista só pode ser revertido em situações onde os traidores de classe profissionais da Segunda Internacional estejam preparados para oferecer uma liderança revolucionária?

    As táticas do KPD eram falsas do começo ao fim. Dada a profunda covardia e traição dos líderes socialdemocratas, que capitularam a cada passo ao invés de lutar, o sectarismo impotente da liderança do KPD levou ao desastre na Alemanha da mesma forma como a estratégia de frente popular do Partido Comunista Espanhol preparou a vitória de Franco meia dúzia de anos depois.

    A afirmação de que a destruição do poderoso movimento dos trabalhadores alemães, sem um tiro ter sido disparado, não pode ser atribuída aos erros da sua liderança histórica é ao mesmo tempo objetivista e profundamente pessimista. Assim, já que o KPD não cometeu nenhum erro estratégico grave, a única conclusão é que a vitória de Hitler era inevitável. Trotsky poderia muito bem ter o MLP em mente quando apontou que “Como regra, os vulgarizadores de Marx, gravitando em torno do fatalismo, nada observam na arena política, a não ser as causas objetivas”. O otimismo fatalista de “Após Hitler, será nossa vez” do Terceiro Período é transformado pelo MLP em um pessimismo fatalista.

    O MLP pode não entender a conexão orgânica entre o “esquerdismo” do Sexto Congresso e a capitulação do Sétimo, mas Trotsky entendeu. Quatro anos antes do discurso de Dimitrov, ele alertou:

    “Aproxima-se o momento, um desses momentos decisivos na história, em que a IC, depois de ter cometido grandes erros, que não passavam, entretanto, de erros ‘parciais’, embora abalassem ou destruíssem as suas próprias forças acumuladas nos cinco primeiros anos de sua existência, se arrisca a cometer um erro fundamental, fatal, que pode arrastar nas suas consequências a própria IC, apagando-a como fator revolucionário do mapa político, durante todo um período histórico. (…) Nada a calar, nada a atenuar. É preciso dizer clara, energicamente, aos operários avançados: Depois do ‘terceiro período’ de aventura e fanfarronada, começará o ‘quarto período’, o período do pânico e das capitulações”.
    — “Está na Alemanha a Chave da Situação Internacional”, novembro de 1931.

    O “erro fundamental, fatal” do qual ele falava era o desastre na Alemanha. Este levou diretamente à frente popular, que de fato “apagou a IC do mapa político”. A liderança do MLP não realizou um estudo sério das lições da derrota na Alemanha, pela mesma razão pela qual ela ignora as lições da liquidação do PC chinês em 1927 – porque fazer isso iria abalar o mito da “época dourada” da Comintern stalinista antes do Sétimo Congresso. Isto, por sua vez, iria leva-los a ter de encarar de frente a luta da Oposição de Esquerda contra os erros de direita que se seguiram ao Quinto Congresso e o desastroso “esquerdismo” do Terceiro Período, que precedeu e condicionou a capitulação covarde da frente popular.

    Um dos mecanismos usados pelo MLP para se esquivar de uma apreciação política de Trotsky – o líder da única oposição comunista à destruição política da Internacional de Lenin – tem sido citar as traições de uma variedade de pretendentes revisionistas do trotskismo. Muitas destas críticas são substancialmente corretas, mas elas não constituem uma crítica ao trotskismo, da mesma forma como uma lista de críticas equivalentes contra o Partido Comunista [pró-Moscou] não iria refutar o leninismo. Marx certa vez explicou para Weitling que a ignorância nunca fez bem a ninguém. Nesse espírito, militantes sérios no MLP devem eles mesmos tirar as suas vendas e ler Trotsky. Aqueles que o fizerem vão descobrir que o manto da autêntica continuidade comunista depois de Lenin passa pela Oposição de Esquerda e por ela sozinha.

    NOTA

    [1] Workers World Party (Partido Mundial dos Trabalhadores), foi fundado por Sam Marcy em 1959 após seu rompimento com o então trotskista SWP norte-americano. O motivo principal do rompimento foi seu apoio à supressão da revolução política dos trabalhadores húngaros pelo exército soviético em 1956. O grupo de Marcy apoiou sucessivamente vários regimes stalinistas e cometeu inúmeras capitulações a líderes stalinistas ao longo da sua história.

    A Luta de Classes na França e a Frente Popular

    Passar por cima de burocratas e reformistas para derrotar Sarkozy!
    Os Caminhos da Luta de Classes na França

    Rodolfo Kaleb
    [Janeiro de 2011]

    O presente artigo foi originalmente escrito em janeiro de 2011 e publicado em fevereiro do mesmo ano pelo então revolucionário Coletivo Lenin. Decidimos publicar o mesmo na nossa seção de arquivos históricos frente à recente disputa eleitoral em curso na França, onde uma vitória nas urnas por parte de François Holland, candidato da frente popular encabeçada pelo PS (Partido Socialista) tem se mostrado como o cenário mais provável. A posição principista apresentada neste artigo em relação à frente popular (que é de nenhum voto, total desconfiança e oposição) foi abandonada pelo próprio CL no curso de seu giro revisionista. Conforme comentamos em nossa carta de rupturacom essa organização, dentre as posições da tendência revisionista que se apoderou do Coletivo Lenin estava a:

    Compreensão de que Frentes Populares eleitorais (blocos entre partidos de base operária e setores burgueses, como a candidatura Dilma) podem ser utilizadas para proteger o proletariado contra as alas fascistas ou reacionárias da burguesia:”

    “‘Sim, em algumas situações votar na frente popular, ao mesmo tempo em que se mantém a ação direta contra a direita, é uma tática para defender os trabalhadores contra o fascismo (…). Na França, em 36, os trabalhadores elegeram os socialistas contra a direita tradicional como forma de evitar a influência do fascismo europeu crescente no França através da direita eleita (…). Esses são alguns exemplos em que votar em Frente Popular é uma forma de ganhar tempo. (ênfase nossa) (E-mail interno de um membro da tendência de Paulo Araújo, 21 de junho de 2011).’”

    Em uma das reuniões voltadas para a discussão dos temas em revisão por Paulo, um dos membros da tendência revisionista chegou ao ponto de defender que a tarefa dos revolucionários na Alemanha dos anos 1920/30 seria a de criar uma frente popular eleitoral com o objetivo de ‘atrasar’ a chegada do Nazismo ao poder. Essa mesma política, entretanto, era um dos pilares do stalinismo que a Quarta Internacional tanto combateu.”

    Para fins de precisão, algumas adições entre colchetes foram feitas pelo Reagrupamento Revolucionário.

    ***

    Assim como seus irmãos gregos, os trabalhadores franceses protagonizaram no fim de 2010 um dos processos mais vivos da luta de classes no continente europeu [nos últimos anos]. Os Estados europeus apresentaram “planos de austeridade” para estabilizar as contas, após o rombo gerado pelo salvamento de empresas à beira da bancarrota. Isso despertou a classe trabalhadora para a ação, já que esses planos querem descontar nas costas dos trabalhadores o custo da crise. Com a crise de superprodução (exposta desde 2008) a concorrência entre as empresas derrubou a taxa de lucro. Por isso, as empresas demitem para diminuir os custos e diminuir o efeito dessa queda da taxa de lucro.

    Depois que o contingente de empregados chegou ao mínimo necessário, ainda são realizados outros ajustes para reduzir os custos da produção até que a taxa de lucro volte a subir. Aí entram o arrocho salarial e o aumento do tempo de trabalho, que poupam despesas dos patrões com reajuste salarial e novas contratações. No setor público, o Estado, que “esqueceu” o neoliberalismo ao dar fortunas para as empresas em crise, vai precisar arranjar dinheiro para equilibrar o seu orçamento – aumentando os impostos e cortando os serviços públicos. Dentre esses serviços, os que sofrem ataques são sempre aqueles socialmente necessários, como educação, saúde e transporte (incluindo os salários e aposentadorias dos funcionários [públicos]). Logicamente, não vai haver nenhum corte na polícia, no judiciário ou no parlamento. A Grécia foi o país em que estes ataques aos funcionários públicos recebeu resposta mais radical da classe trabalhadora, com exatamente sete greves gerais ao longo do ano passado.

    Na França o ataque principal lançado contra os trabalhadores se deu através da proposta do governo para aumentar a idade mínima da aposentadoria de 60 para 62 anos, ao mesmo tempo em que aumentava de 65 para 67 anos a idade para receber o valor integral da pensão. Essa reforma previdenciária, amparada pelo FMI e pelas potências europeias, encontrou o combate da classe trabalhadora francesa. Foram as organizações de massa da classe operária no país, acima de tudo as suas centrais sindicais, que organizaram as formas de resistência. Entretanto, menos de três meses depois da aprovação da medida na Câmara, o Senado também a aprovou. Depois disso o movimento dos trabalhadores, que durante setembro, outubro e começo de novembro esteve explosivo, caiu numa desmobilização frustrada diante da vitória da medida no campo parlamentar.

    É preciso entender o porquê desta derrota drástica para a classe operária francesa. Até porque as consequências da crise estão longe de acabar. Elas trarão novos ataques e sem dúvida nova resistência dos trabalhadores. Se as massas não estiverem alertas para os motivos da derrota no fim de 2010, essa situação pode se repetir indefinidamente até que o governo tenha descontado até o último centavo perdido com a crise através do sofrimento do povo.

    A Dinâmica do Movimento

    Setores estratégicos do proletariado francês estiveram à frente da luta contra o governo, configurando-se em verdadeira vanguarda do processo. Sobretudo se destacaram os setores de transporte e energia – os trabalhadores de refinarias de óleo e terminais de distribuição de combustível estiveram em greve por todo o período. Houve também greve dos trens, metrôs e aeroportos que deixou os transportes franceses debilitados. Por causa da greve no setor de transportes, o transporte de cargas foi reduzido a 10% do ritmo normal. Como resultado disso, enorme quantidade de indústrias ficou sem suprimentos.

    Como é muito comum, grande parte da mídia burguesa denunciou a “irresponsabilidade” dessas ações (assim como defendeu a “responsabilidade” dos planos de austeridade). Mas o apoio ao movimento grevista foi maciço. Uma pesquisa feita em 23 de outubro mostrou que 69% da população estava apoiando o movimento, ou seja, os trabalhadores estavam dispostos a lutar contra o ataque frontal que foi a reforma previdenciária, apesar da inconveniência da falta de combustível e da lentidão dos transportes. Os maiores protestos ocorreram na semana antes da medida ser votada no Senado, o que ocorreu no dia 20 de outubro. No dia 19, cerca de 3,5 milhões de trabalhadores foram às ruas por todo o país. Trabalhadores jovens compuseram a maior parte dos contingentes, o que faz muito sentido, já que a extensão da idade mínima para aposentadoria diminuirá a criação de novas vagas e aumentará a taxa de desemprego. Atualmente a taxa de desemprego na faixa etária entre 20 e 25 anos na França é de 23%.

    O governo conservador de Sarkozy, entretanto, não recuou. Manteve firme seu compromisso em tornar a burguesia francesa competitiva diante de seus rivais. A coalizão que levou Sarkozy ao poder estava firme em fazer passar a reforma no Congresso. Mas isso não seria o suficiente para manter a ordem. Era necessário para o governo garantir com sangue que a reforma seguisse em frente. Por isso centenas de policiais de tropas de choque foram acionados para dispersar com força bruta piquetes organizados em refinarias, depósitos e áreas industriais. Três dias após a lei passar no Senado, no dia 22 de outubro, enquanto muitas dessas manifestações radicalizadas persistiam, o governo deu carta branca para que a polícia as destruísse e restabelecesse a ordem.

    Mas para entender porquê a reação foi vitoriosa, é preciso compreender as debilidades no próprio movimento dos trabalhadores. Apesar da luta de classes acirrada e explícita entre dois campos opostos, havia alguns generais no campo dos proletários colaborando com o inimigo. Afinal, se todos os operários envolvidos fossem liderados corretamente, não haveria contingente policial capaz de vencer a investida. No entanto, a estratégia dos líderes do movimento caminhava a passos largos para a derrota.

    A Estratégia Derrotista dos Burocratas Sindicais

    Os principais organizadores dos protestos na França foram as grandes centrais sindicais. As principais são a CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores), dirigida pelo Partido Comunista da França, a CFDT (Confederação Francesa Democrática do Trabalho), dirigida pelo Partido Socialista, e a FO (Força Operária), com uma direção supostamente “independente”. Assim que surgiram indícios das primeiras mobilizações, as lideranças dessas e de demais centrais se reuniram num fórum, chamado Intersindical, que “organizou” as mobilizações nacionais. A Intersindical foi apoiada mesmo por inúmeros setores e partidos que se colocam à esquerda do PS e do PCF, como o Novo Partido Anticapitalista (NPA).

    Acontece que a “organização” criada pelas lideranças das centrais foram oito “dias de ação”, que consistiram em protestos isolados em dias nos quais todos os grandes setores da economia entrariam em greve, mas voltariam ao trabalho no dia seguinte. Enquanto os trabalhadores de transporte e energia ficaram em greve durante quase todo o período, a maioria da classe operária só foi chamada à luta e às ruas em dias esporádicos, que não conseguiam colocar em cheque o governo Sarkozy.

    A Intersindical, uma coalizão de burocratas sindicais que “armou a derrota” desde o início das mobilizações, era vista por muitos trabalhadores como sinal de união, mas foi na verdade o meio encontrado para esfaquear os operários pelas costas. Além de só organizar protestos em dias isolados, as lideranças do PS e do PCF nas grandes centrais também colocaram bem menos peso nas mobilizações após a aprovação da medida no Senado, em 19 de outubro. Não por acaso, os “dias de ação” que vieram depois (28 de outubro e 6 de novembro) marcaram uma queda no número de grevistas e nos contingentes dos protestos.

    Por meses, muitos líderes sindicais insistiram que poderiam aceitar parte da reforma do governo ou uma medida paliativa em seu lugar. A liderança da CFDT reiterou diversas vezes sua disposição em aceitar negociar apenas o aumento da idade para receber o valor integral das pensões. Já a CGT disse que poderia negociar com o governo se, ao invés do aumento no tempo de trabalho, este quisesse aumentar o valor da arrecadação retirada dos salários para a previdência. Em declaração para o jornal parisiense Libération, o principal dirigente da CFDT, François Chérèque, afirmou que “Secretamente, muitos líderes da confederação não iriam ver com maus olhos um esgotamento do movimento”. Somado a isso, não é difícil ver que “dias de ação” isolados não eram suficientes. Várias iniciativas mais radicalizadas, como no setor de transportes e energia, ficaram sem apoio da massa operária e faltou um plano para integrar as lutas.

    Acontece que essa estratégia dos “dias de ação”, desenhada pelas lideranças sindicais do PCF e PS, serviu precisamente aos seus próprios interesses, enquanto foi diretamente contra os interesses dos operários em luta. Por sua própria base material, os burocratas sindicais são um setor da classe operária adaptado e comprometido com a ordem capitalista. Geralmente assentados sobre as frações mais bem pagas dos trabalhadores e ainda liberados da dureza do trabalho cotidiano, estes “representantes da ordem” estão acostumados a tomar parte nas mesas de negociação dos patrões e do Estado imperialista. Os burocratas se alimentam dessa condição superior, para a qual recebem quantias superiores às de qualquer operário. Por isso mesmo não é de se espantar que não queiram, através de sua estratégia derrotista, pôr em risco a estabilidade do Estado francês, como um levante arrebatador dos trabalhadores muito bem poderia ter feito. Pelo contrário, os burocratas fazem de tudo para garantir a estabilidade do sistema, sem o qual deixariam de ser os queridinhos da burguesia e do Estado dentro do movimento operário e, com isso, seriam obrigados a abandonar seus privilégios.

    Assim fica fácil entender que os burocratas a frente das centrais sindicais não estavam nem um pouco preocupados se a medida ia ou não ser aprovada. Na verdade, eles não serão afetados, não vão sofrer na pele mais dois anos de trabalho, pois tem privilégios que superam em muito os direitos tão atacados dos trabalhadores. Com a estratégia derrotista dos “dias de ação” eles não queriam combater a medida de ataque às pensões, mas garantir uma cadeira na mesa de negociação da burguesia, para que possam manter seus privilégios. E para isso usaram como barganha a mobilização honesta e heroica da classe operária. Depois da aprovação da reforma previdenciária no Senado, o momento era de colocar mais força nas mobilizações. Mas os burocratas, ao não quererem colocar em risco a legalidade burguesa do Congresso, preferiram deixar a poeira baixar enquanto são os trabalhadores que vão engolir em seco a reforma. Quando a polícia destruiu os piquetes dos trabalhadores das refinarias e do transporte público, o restante da classe não estava nas ruas para defender seus irmãos, mas com as mãos atadas graças aos burocratas.

    União na luta é algo central para os revolucionários, assim como para a classe trabalhadora. A divisão da França em inúmeras centrais sindicais competidoras, inclusive, é algo ruim. É fundamental lutar para que os setores de uma mesma indústria estejam reunidos num mesmo fórum, independente de sua posição política. Ao mesmo tempo, a união de lideranças sindicais para promover uma estratégia de sabotagem consciente ao movimento, como foi a Intersindical, deveria ser combatida. No seu lugar deveria ter sido levantada uma proposta que pudesse levar os trabalhadores até a vitória contra a medida do governo francês.

    Nessa situação, um partido revolucionário participaria dos “dias de ação” e, ao mesmo tempo tentaria organizar uma greve geral por tempo indeterminado para derrotar o governo. Junto com isso buscaria formar comitês de operários nos locais de trabalho para tomar decisões e agir independente do Congresso e dos compromissos dos burocratas com o governo. Ainda que começasse pequena, tal iniciativa poderia se multiplicar ao longo de um processo de luta. Mas nenhum dos partidos de esquerda da França com os recursos para cumprir tal tarefa trilhou esse caminho. Todos preferiram ficar presos às estratégias estabelecidas pela Intersindical e agir como uma “ala esquerda” dos burocratas, não um polo opositor ao seu plano de derrota anunciada. Só é possível derrotar o governo Sarkozy superando os burocratas e reformistas comprometidos com a estabilidade da economia capitalista.

    O Velho Truque da Frente Popular

    O projeto político da burocracia sindical entrincheirada na direção das grandes centrais não se limitou à simples desmobilização da classe operária. Os seus principais partidos se caracterizam pelo seu reformismo – a garantia de que não vão levar as lutas para além dos limites do capitalismo. Exatamente por isso buscam canalizar as lutas populares para a via das eleições burguesas. Tanto o PCF quanto o PS reconhecem que seu foco é enfraquecer a popularidade do governo Sarkozy, e não fazer o que for necessário para derrotar seu plano de ataque às aposentadorias. Enquanto os manifestantes estavam recebendo porrada da polícia, muito provavelmente os líderes dos do PS e do PCF estavam de olho nas próximas eleições presidenciais de 2012, pensando em como tirar vantagem da ira popular para ter benefícios eleitorais.

    Obviamente essa perda de popularidade de Sarkozy daria aos burocratas sindicais e seus partidos ótimas perspectivas na disputa pela presidência nas próximas eleições. O PS e o PCF são campeões históricos das frentes populares (governos que conciliam setores reformistas da classe trabalhadora e partidos da burguesia). Depois dessa onda de greves, os trabalhadores estão claramente irados com Sarkozy. Uma pesquisa mostrou que 70% da população reprova seu governo. Mas para que sentido essa raiva popular será direcionada? Existe o grande perigo de que os partidos reformistas façam dela a base de apoio para eleger um governo de frente popular, nos quais os partidos da esquerda reformista administram os negócios do Estado burguês.

    De fato, sabotar as lutas nas ruas para que sejam derrotadas e depois direcionar os descontentes para o pântano da política parlamentar é o objetivo por trás dos partidos reformistas. Estes servem como instrumento dos inimigos da classe trabalhadora, quando eles não sentem confiança em colocar seus representantes descarados (como Sarkozy) à frente do Estado. Então colocam os partidos reformistas para administrarem seus negócios e criarem a aparência de um “governo dos trabalhadores”, enquanto tal governo não muda em nada a estrutura de exploração da sociedade. A política parlamentar não é um campo possível para levar a luta dos trabalhadores para a vitória. A própria aprovação do aumento do tempo de trabalho pelas duas casas do “democrático” Congresso burguês, enquanto os trabalhadores gritavam em agonia contra a medida, demonstra isso.

    Talvez o Partido Socialista seja a face mais explícita dessa incapacidade de um governo de frente popular para resolver os problemas da classe operária. O principal concorrente para ser nomeado candidato do PS nas próximas eleições presidenciais é Dominique Strauss-Kahn, que hoje é presidente do Fundo Monetário Internacional. Mas o FMI apoiou desde o princípio a reforma previdenciária do governo francês. O compromisso dos partidos reformistas é com a manutenção da sociedade burguesa, seja qual for o custo. O Estado capitalista, seja administrado por partidos de direita ou esquerda, serve ao interesse da burguesia e age contra os trabalhadores e oprimidos. Além disso, uma frente popular faz muitas vezes com que os trabalhadores engulam medidas que encontrariam resistência caso um governo burguês comum estivesse no cargo.

    Não é preciso ir muito longe para perceber isso. Ao longo dos seus 8 anos, o governo de Lula/PT conseguiu façanhas para a burguesia brasileira – tanto é assim que os empresários recompensaram os bons serviços prestados pelo PT apoiando com muito dinheiro a eleição de Dilma. Só para dar um exemplo que dialoga com o caso francês, o governo Lula conseguiu aprovar em seu primeiro ano uma reforma previdenciária que faz os brasileiros trabalharem 5 anos a mais do que antes. O governo anterior [de Fernando Henrique Cardoso] tinha tentado por duas vezes aprovar tal medida, mas havia encontrado enorme resistência popular, inclusive das centrais sindicais. Ainda assim, os líderes da CUT insistem que o governo Lula é um “governo dos trabalhadores”.

    É por esse motivo que os revolucionários devem se opor a estes blocos, que prendem os trabalhadores dirigidos pelos reformistas aos seus inimigos de classe. Historicamente as frentes populares francesas serviram para desmobilizar as lutas, incluindo muitas situações pré-revolucionárias, como em 1936, 1945 e 1968, e fazer uma etapa preparatória para que os trabalhadores fossem, logo em seguida, esmagados por algum representante mais direto da burguesia.

    Os governos de frente popular geralmente não retomam da burguesia o que ela tirou durante um governo de direita – afinal, seu papel é simplesmente apagar o fogo da classe trabalhadora. Depois de chegar ao governo, Lula não desfez as privatizações das quais ele tanto reclamou durante os anos 90. Pelo contrário, avançou nas privatizações de muitos setores, como o Pré-Sal e os bancos estaduais federalizados. Somente a luta radicalizada faz com que esses traidores da classe sejam forçados a tomar medidas que tragam algum benefício aos proletários. E quando o fazem, os reformistas tentam com isso comprar os trabalhadores, nunca melhorar suas condições de vida.

    NPA: Franja dos Reformistas e Oportunidade Tática

    Se os maiores partidos reformistas estavam preocupados não em derrotar o governo, mas sim nas eleições presidenciais, o NPA não ficou para trás. O principal dirigente do partido, Olivier Besancenot, declarou em agosto de 2010 que “Muito do resultado de 2012 está em jogo na luta pelas pensões. É agora que nós devemos enfraquecer o governo e a direita”. O Novo Partido Anticapitalista foi fundado em 2009 a partir da iniciativa da antiga Liga Comunista Revolucionária (LCR), seção francesa do Secretariado Unificado da Quarta Internacional, corrente que já havia abandonado há muito tempo qualquer semelhança prática com o bolchevismo. Mas ao fundar o NPA, a LCR renunciou abertamente a qualquer perspectiva de criar um partido leninista. Ela se dissolveu num partido sem programa definido, onde as mais diversas tendências poderiam expor e praticar sua linha sem compromisso com o restante do partido, em clara oposição ao centralismo-democrático bolchevique.

    O NPA chamou a atenção da esquerda em toda a Europa ao protagonizar os protestos radicalizados ocorridos em maio de 2009, inclusive participando em alguns dos atos em que os trabalhadores prenderam os patrões nas fábricas até que houvesse revogação das demissões anunciadas no período. Ao mesmo tempo, o NPA sempre deixou claro seu foco em ser uma força eleitoral. Nos princípios fundacionais do NPA está declarada de maneira “politicamente correta” [do ponto de vista do NPA] a sua vontade em participar de um governo burguês: “Nós vamos contribuir para a implementação de medidas progressivas se os eleitores nos derem tal responsabilidade”.

    Ainda que o NPA não participe da frente popular que os peixes grandes do reformismo estão armando para 2012, ele com certeza será cúmplice dessa manobra para iludir os trabalhadores. Afinal, a LCR nunca teve pudor em votar pelo “menos pior” do capitalismo, se esquecendo que o “menos pior” é uma manobra para ganhar tempo enquanto a burguesia recupera suas forças ou para passar medidas que um governo de direita não conseguiria. A LCR votou por décadas em coalizões de frente popular encabeçadas pelo PS (de François Mitterand em 1981 a Ségolène Royal em 2007). Assim, o NPA não terá problemas em votar por um candidato do PS, inclusive se for Dominique Strauss-Kahn, e contribuir para a enganação que é a frente popular. Ao menos dessa forma o NPA é consistente com os objetivos da LCR, que apesar de ter sido dissolvida ainda é a essência do novo partido. Uma frase para resumir a esses objetivos – reformar o capitalismo. Mas o NPA tenta reformar o irreformável, um sistema baseado na exploração dos trabalhadores, opressão aos imigrantes e guerra imperialista.

    Apesar do seu compromisso com o reformismo, o NPA tem atraído grandes setores radicalizados dos trabalhadores e da juventude na França. A participação dele em alguns eventos radicalizados (não por sua iniciativa) em 2009 e suas posições à esquerda do PCF tem atraído militantes com aspirações revolucionárias, muito mais avançados que a própria direção do partido. Nos atos de 2009, o NPA não deixou de demonstrar o seu papel traidor e sua vacilação, ao diminuir sua atividade junto com o “calendário oficial” da direção da CGT e demais centrais. No entanto, muitos militantes subjetivamente revolucionários tem se juntado ao NPA, que possui inúmeras tendências com discursos [supostamente] revolucionários.

    O NPA está repleto de militantes evoluindo para a esquerda, que uma hora vão se chocar com a direção do partido, que move a passos largos para a direita. Além disso, sua frouxa base de unidade permite que qualquer tendência de esquerda faça parte dele e tenha acesso a essa camada de militantes. Os diversos fatores da equação indicam que seria uma excelente tática para um pequeno núcleo revolucionário adentrar o NPA como uma tendência. Isso permitiria estar frequentemente em unidade de ação com os setores radicais que o partido ainda está atraindo. Isso não muda o fato de que esse “entrismo” nas colunas do NPA é uma tática – permaneceria a tarefa dos revolucionários denunciar as traições da direção do partido. Somado a isso, um núcleo revolucionário dentro do NPA deveria buscar clareza ideológica com as várias correntes centristas no seu interior, muitas das quais deixam de denunciar a direção apenas por fazer parte dele e passam a valorizar a “unidade”. Algo muito parecido ocorre com as inúmeras correntes centristas que estão hoje dentro do PSOL, adaptadas a ser sua “ala esquerda” enquanto colocam enorme esforço em manter o partido unido.

    Os revolucionários só entram em partidos reformistas como uma tática e não valorizam unidade com aqueles líderes que são os maiores traidores dos operários. Ao mesmo tempo, é necessário aproveitar a oportunidade aberta para ganhar vários militantes inconscientes da incapacidade do NPA de oferecer uma alternativa revolucionária. Diferente daqueles que prezam pela unidade, seria preciso adentrar o partido com o objetivo de causar um racha de esquerda nele, arrancando do seu interior o maior número possível de militantes revolucionários para construir uma corrente genuinamente trotskista na França.

    Ao mesmo tempo em que deveria ter habilidade de encontrar o momento certo de realizar tal racha, um núcleo revolucionário infiltrado no NPA deve ter clareza de que entrar em partidos reformistas não é um princípio, mas uma tática localizada num período histórico determinado e, portanto, limitada. Esse “giro francês” (como foi feito pelos trotskistas franceses da Liga Comunista dentro do PS em 1934) no NPA é uma sugestão simplesmente pelas características recentes da formação do novo partido, que não ocorrem em geral na esquerda reformista. Assim, esse entrismo seria apenas um [possível] passo, não uma regra, para o objetivo de construir um partido revolucionário na França, capaz de passar por cima das cabeças dos reformistas e colocar o Estado capitalista contra a parede.

    Partido, Programa e Defensiva Histórica

    É necessário desde já trabalhar para construir um partido revolucionário de trabalhadores na França. Esse partido deve participar das grandes centrais sindicais, sobretudo a CGT e a CFDT, para desmascarar as suas atuais lideranças oportunistas e que colaboram com os patrões e com o governo. Simbolicamente, o NPA recentemente negou boatos de que estivesse trabalhando para construir uma fração sindical na CGT, dirigida do Partido Comunista Francês. Somente rompendo o corporativismo sindical é possível romper também as correntes com as quais os reformistas arrastam os trabalhadores para a derrota.

    Contra os reformistas que negam a necessidade de violar as decisões do Congresso e a ordem capitalista, os revolucionários devem lutar para criar um partido que aponte com uma estratégia combativa a necessidade da revolução socialista. Esse partido agirá diferente dos centristas que aceitam as formulações e estratégias dos reformistas e as pintam de vermelho e dos eleitoreiros que se preocupam em ganhar espaço num campo essencialmente burguês, não em lutar pelas necessidades históricas dos trabalhadores e oprimidos. Uma organização revolucionária deve participar do movimento mostrando que se o capitalismo não é capaz de resolver os problemas que ele próprio criou em seu funcionamento anárquico, então deve ser destruído. Para isso é necessário ligar a atual baixa consciência dos operários com a necessidade da revolução proletária, precondição para a solução dos principais problemas da classe proletária.

    Essa tarefa só pode ser cumprida agitando um programa transitório para a questão dos empregos e da previdência. Isso é feito apontando necessidades que a primeiro plano parecem mínimas, mas que se chocam com os limites impostos pelo sistema capitalista para explorar os trabalhadores e alguns setores em especial. Exatamente por não ser capaz de resolver os problemas essenciais da classe, o capitalismo deve ser exposto diante dos olhos dos proletários enquanto eles lutam por soluções verdadeiras para esses problemas.

    Um partido revolucionário deve dar prioridade em mobilizar as frações mais oprimidas dos trabalhadores de um país, que historicamente são as mais dispostas às lutas nos momentos decisivos. Na França, esses setores são todas as mulheres, os muçulmanos e os imigrantes, que também são aqueles grupos com menores salários e menos direitos na sociedade. Os revolucionários têm a obrigação de defendê-los contra a super-exploração, ou seja, lutar por direitos trabalhistas e salários iguais nivelados pelo mais alto entre empregados temporários ou fixos, franceses ou imigrantes, homens ou mulheres, independente de opção religiosa.

    A proposta de uma greve geral por tempo indeterminando não pode ser transformada em mais uma manobra nas mãos dos burocratas para enfraquecer o governo e colocar uma frente popular no poder. Exatamente por isso, ao levantar a bandeira organizativa da greve geral, não podem faltar bandeiras políticas que avancem a consciência dos trabalhadores. Essa é a função de um programa transitório. Para derrotar o ataque do governo Sarkozy, é preciso estimular uma resposta revolucionária ao desemprego que atinge principalmente os jovens e os imigrantes. Redução progressiva do tempo de trabalho para se aposentar – sem redução dos salários nem das pensões – com o objetivo de abrir novos postos até acabar com o desemprego! Hoje muitas mulheres só conseguem trabalhos de meio período, por estarem submetidas ao trabalho doméstico. Mudar essa realidade só será possível quando houver creches, lavanderias e restaurantes públicos gratuitos abertos todos os dias 24 horas!

    O Congresso francês também têm estigmatizado imigrantes muçulmanos do norte da África e a minoria muçulmana da França. Uma das medidas para fazer isso foi proibir o uso da burca (véu que cobre o corpo inteiro) em público. O uso da burca, por esconder o corpo da mulher, é frequentemente interpretado como machismo. Mas ao mesmo tempo, é considerado por muitas mulheres muçulmanas um símbolo da sua identidade. Por isso, quem deve decidir sobre o uso da burca são as próprias mulheres, sem nenhuma intervenção do Estado francês. Recentemente, Sarkozy também expulsou do país mais de mil trabalhadores búlgaros e romenos de origem cigana sob a acusação de participação no crime organizado.

    Essas questões são ainda mais importantes por causa do nacionalismo nojento que existe no movimento sindical. Geralmente os burocratas espalham entre os trabalhadores que “se tem de haver cortes e demissões, é melhor que os atingidos sejam os imigrantes”. Contra a burocracia sindical que é nacionalista por sua própria natureza, os revolucionários levantam a bandeira do internacionalismo e da igualdade de direitos entre os trabalhadores de todos os povos. Os imigrantes e muçulmanos só poderão ter empregos dignos quando não houver mais risco de deportações, prisões e preconceito. É por isso que também é preciso que todos os trabalhadores lutem nos sindicatos por cidadania plena e imediata para os imigrantes! Abaixo o preconceito religioso – usar a burca é um direito e uma decisão individual! Dessa forma é possível combater de frente a política racista do governo francês.

    Sabemos que o momento é de defensiva histórica. As últimas três décadas foram de muitas derrotas para os trabalhadores. Uma das mais sérias foi a destruição dos Estados operários deformados na URSS e no Leste Europeu. A ofensiva imperialista nesse período levou guerra e destruição, desemprego e miséria a muitos trabalhadores pelo mundo. Além disso, desmobilizou muitas organizações que reivindicavam o comunismo revolucionário e deixou a vanguarda proletária isolada, sem repercussão e à beira da míngua. Direitos trabalhistas foram removidos como nunca antes. Houve um verdadeiro desmonte das conquistas conseguidas pelo movimento operário na Europa nas décadas de 50 e 60. Mas as contradições do capitalismo e as crises inevitáveis que ele gera tratam de mudar essa situação, como um veneno que produz o antídoto.

    Se a correlação de forças tem sido contrária à classe trabalhadora, a reação aos efeitos da crise pode ser uma oportunidade de mudar essa maré. O ano de 2010 foi agitado por intensa luta de classes na Europa. Que esses ventos soprem para todos os continentes. Apenas no momento em que os trabalhadores passarem da defensiva para a ofensiva é que vitórias reais (mesmo a defesa de direitos ameaçados) poderão ser alcançadas. Da mesma forma, apenas num momento de ofensiva é possível unir e consolidar um número comprometido de revolucionários e construir um partido. Mas desde já, os primeiros núcleos revolucionários, marcados por um período de derrotas, precisam manter o vivo o programa e trabalhar para que, quando surgir a oportunidade, eles estejam prontos para dar um passo significativo nessa direção.

    O que está acontecendo com o MNN?

    O que está acontecendo com o MNN?

    Rodolfo Kaleb
    Abril de 2012

    Esta versão contém pequenas modificações no texto original realizadas em 17 de abril.

    As eleições para o Diretório Central de Estudantes (DCE) da USP, maior universidade do país e também um dos principais redutos da esquerda brasileira, foi uma disputa que polarizou os estudantes após os conflitos contra a presença massiva da polícia militar na universidade no ano passado. Enquanto nós não estivemos presentes neste processo, que mereceria uma análise específica, um acontecimento envolvendo as eleições chamou nossa atenção.

    O Movimento Negação da Negação (MNN) se retirou da chapa “27 de outubro” (que ele compunha com outras organizações da oposição de esquerda ao DCE) para defender um “voto crítico” na chapa “Não vou me adaptar”, composta pelo MES (PSOL), PSTU e seus simpatizantes. Esta chapa, que terminou as eleições como vencedora, representa a continuidade da burocracia estudantil à frente do DCE, à qual até então o MNN havia se oposto politicamente em todas as eleições nos anos anteriores. De acordo com uma nota publicada no site do MNN:

    “Apesar das diversas críticas que temos à chapa ‘Não Vou me Adaptar’, consideramos ser a única no campo da esquerda, hoje, com chance real de vencer a chapa de direita, a ‘Reação’. Nessa situação, algumas centenas de votos podem ser decisivas. Por isso, votaremos criticamente na ‘Não Vou me Adaptar’ e convocaremos os estudantes para que o façam”.

    A esquerda nas eleições da USP

    O MNN também afirmou que o ideal seria uma “unidade entre todas as chapas da esquerda” para combater os setores políticos de direita da universidade, que eram representados pela chapa “Reação”.

    “Para nós, a existência de diversas chapas de esquerda neste momento somente enfraquece a luta maior dos estudantes – contra a PM e a Reitoria –, pois a esquerda passa a lutar entre si”.

    Junto a este, o MNN fez vários outros chamados pela “unidade da esquerda”. Mas qual poderia ser o significado disso?

    O fetiche com a unidade é uma desculpa que há muito tempo é usada por pablistas e morenistas (assim como oportunistas de outros gêneros) para defender líderes traidores em nome de supostamente “combater a direita”. Como sempre haverá uma oposição de direita a uma direção reformista, formular a necessidade de um bloco político com os líderes do momento (independente do seu papel político) é uma boa saída para aqueles que deixaram de lado a necessidade de disputar os trabalhadores e a juventude para um programa revolucionário, assim como de leva-los à conclusão de romper com os seus falsos líderes.

    As previsões do MNN sobre a possibilidade de vitória da direita eram absurdamente (e talvez deliberadamente) exageradas com o propósito de criar medo e facilitar a aceitação de uma posição que poderia ser potencialmente impopular (inclusive internamente). Isso foi feito quando o MNN, por exemplo, sugeriu (no mesmo documento) que:

    “Caso a direita (chapa ‘Reação’) vença as eleições, será um duro golpe desferido contra o movimento estudantil e dificultará em muito o trabalho político dos estudantes nos próximos anos. Se não fizermos esta política de unidade hoje, seremos obrigados a fazê-la amanhã, numa situação muito pior.”

    E também (como já citado) que:

    “Nessa situação, algumas centenas de votos podem ser decisivas. Por isso, votaremos criticamente na ‘Não Vou me Adaptar’ e convocaremos os estudantes para que o façam”.

    No fim, a chapa da direita foi derrotada com a diferença não de “centenas”, mas de muitos milhares de votos.

    O MNN diz ter dado um “voto crítico” na chapa do MES/PSTU. Os revolucionários dão apoio eleitoral crítico a líderes traidores da classe trabalhadora e dos estudantes como uma forma de expô-los à uma base que tem ilusões nas suas promessas de levar as lutas adiante, uma vez que quando eleitos eles fazem justamente o oposto.

    Ao prever estas traições de antemão e ao explicar o porquê da sua posição programática, os revolucionários estabelecem as bases para a construção de uma nova liderança para substituir estes falsos líderes e assim lutar para desenvolver uma consciência revolucionária entre os estudantes ou trabalhadores. Em eleições burguesas, isso também pode às vezes ser uma forma de dar um voto de classe em protesto contra os partidos capitalistas.

    Mas o apoio do MNN parece não ter tido a intenção de expor os dirigentes do DCE, que já se desmoralizaram diante de setores politicamente mais conscientes dos estudantes. O MNN viu de forma entusiasta a vitória da chapa do MES/PSTU como uma conquista política:

    “A vitória nas urnas da chapa ‘Não Vou Me Adaptar’ nestas eleições para o DCE da USP foi uma vitória política da esquerda que ultrapassou o âmbito universitário.”

    Estudantes da USP esmagam a chapa do reitor autoritário

    Paralelamente a isso, e revelando suas ilusões nos dirigentes do DCE (apesar das inúmeras demonstrações de oportunismo destes no processo de luta em 2011), o MNN foi agnóstico com relação ao caminho que a chapa recém-eleita vai tomar. Numa declaração publicada após o fim das eleições, escreveu que:

    “A ‘Não Vou Me Adaptar só tem duas opções: ser consequente com seu discurso, ser consequente na luta contra Rodas, ou, pelo contrário, pela via da conciliação, baixar o ânimo de luta dos estudantes e jogar fora esse novo e grande setor (…) que se mostra disposto a lutar.”

    “O DCE DE 2012 NÃO PODE REPETIR O DCE DE 2011, quando a gestão não chamou assembleias nem atos diante dos ataques sofridos pelos estudantes! Se optar por esfriar o ânimo dos estudantes abrirá necessariamente o caminho para a direita e terá que colher os frutos disso amanhã (o que pode ser catastrófico a médio prazo para toda a esquerda).”

    Depois de esmagada a chapa do Rodas, que fazer?

    Mas não foi exatamente isso (“abrir o caminho para a direita”) que fez o DCE de 2011, dirigido ou apoiado pelas mesmas forças políticas que compuseram a chapa “Não vou me adaptar”, apesar dos efeitos destrutivos que isto teve e tempara a esquerda e para o movimento estudantil? Não há “duas opções” para o DCE eleito! Os novos dirigentes que estarão à frente do DCE da USP vão trair e desarticular, pelas suas ilusões reformistas e pela sua adaptação à estrutura universitária, todas as lutas que há por vir.

    Pelo mesmo motivo, a “unidade” eleitoral proposta pelo MNN só poderia significar dissolver em um bloco comum qualquer oposição de esquerda que pudesse desafiar a direção do DCE. Isto porque uma chapa como esta só poderia chegar a umdenominador comum: o programa da própria chapa do MES/PSTU, grupos atualmente com maior peso e influência e que, em momentos decisivos, foram capazes de desarticular o movimento e impediram uma investida decisiva contra Grandino Rodas e a polícia militar. Uma oposição revolucionária aos erros e traições dos dirigentes do DCE da USP só pode triunfar demarcando claramente uma linha entre estes e ela própria.

    O MNN, ao não apontar isto com clareza, ao ser agnóstico, e ao prezar por uma unidade política com os dirigentes estudantis que atrapalharam todo o processo de luta em 2011 (ao dizer que o ideal seria que toda a esquerda se unisse a eles numa chapa conjunta) está acobertando-os ao invés de denunciá-los. Isto não é um “voto crítico” – é um apanhado de ilusões com o qual os líderes do MNN estão enganando a sua base e aos seus apoiadores.

    Devido à nossa referida ausência nesse processo político, vamos evitar considerar esta posição em todo o seu significado. O que podemos afirmar, entretanto, é que este movimento por parte do MNN (ainda que se tomado isoladamente não represente nenhuma traição histórica de grandes proporções) indica que este grupo está passando por uma mudança derradeira na sua orientação política. Essa mudança consiste em substituir descaradamente qualquer perspectiva de disputa pela consciência dos estudantes e trabalhadores por uma luta em prol do que é imediatamente possível e em pregar uma unidade política com forças comprovadamente traidoras.

    A relação do MNN com o Comitê Internacional

    Paralelamente ao que representa um giro à direita na sua política cotidiana, parece também estar ocorrendo um afastamento progressivo do MNN com relação ao Comitê Internacional/World Socialist Web Site, dirigido internacionalmente por David North. O MNN costumava realizar inúmeras traduções periódicas de artigos publicados pelo WSWS (wsws.org), site em inglês com publicações diárias do CI. Pudemos perceber lendo as edições digitais do jornal do MNN, uma redução crescente de traduções para o WSWS.

    A última tradução realizada foi a de um artigo sobre a eleição de Putin na Rússia de 11 de março, mas tal tradução não foi sequer postada no site do Comitê Internacional, cujo último artigo em português é de 1º de março deste ano. Para qualquer uma destas datas tomada como base, desde 2006 o MNN não ficava por um período tão longo sem traduzir os artigos da corrente que ele tem considerado a continuidade do trotskismo.

    Enquanto por uma quantidade considerável de anos o MNN tem traduzido os textos do WSWS, ele não é a seção brasileira do Comitê Internacional, que é liderado pelo SEP (Partido da Igualdade Socialista) norte-americano. Se há relações fraternais entre o MNN e o CI, elas tem uma natureza obscura e não declarada.

    Enquanto o MNN afirma que o WSWS é a continuidade do trotskismo e fez a maioria esmagadora das traduções para o português do Comitê Internacional, este não parece divulgar tão amplamente as atividades dos seus apoiadores brasileiros. Através de uma busca no WSWS, podemos verificar que a única referência feita ao MNN está no seguinte trecho, num artigo (originalmente em inglês) sobre lutas na USP em 2009:

    “O MNN (Movimento Negação da Negação, um grupo socialista que se identifica com o trotskismo no Brasil) participou ativamente das assembleias, piquetes e protestos, defendendo a continuação da greve sem negociações com a reitora Suely Vilela”.

    Brazil: students resist attacks by shock troops at University of Sao Paulo

    Parece então que para o CI de David North, o MNN não representa (ao menos publicamente) muito mais além de “um grupo que se identifica com o trotskismo”. É impossível para alguém fora de ambos os grupos afirmar exatamente no que consiste este comentário vago.

    Quando alguns dos atuais membros de nossa organização faziam parte do Coletivo Lenin (leia a carta de ruptura),passaram por uma experiência com a Tendência Bolchevique Internacional que, ao menos superficialmente, se assemelha um pouco com esta. A situação foi relatada no documento em que o Coletivo Lenin rompeu relações com a TBI (de dezembro de 2010):

    “Por cerca de três anos utilizamos uma adaptação do documento da IBT ‘Pelo Trotskismo’ enquanto nosso programa político formal. Nós considerávamos e declarávamos publicamente (até dois meses atrás) que a IBT representava a continuação programática do trotskismo, afirmação que podia ser constatada em nosso site e em materiais e intervenções apresentadas ao movimento operário e estudantil. Fomos nós que traduzimos todos os documentos presentes na seção em português do site deles. E apesar disso tudo, a IBT recusou declarar publicamente que mantinha relações conosco ou mesmo que existíamos (…). Nessa época, consideramos tal postura extremamente estranha, uma vez que a declaração pública de relações fraternais é o primeiro passo dentro de uma perspectiva de fusão com outra organização.”

    No caso da TBI, esta postura “estranha” encobria interesses de construir uma “Internacional” sob a completa subordinação e controle dos seus líderes burocráticos. Como nós apontamos:

    Naquele ponto começamos a desconfiar que a IBT, apesar de suas afirmações, não possuía interesse real em fundir com nossa organização. Que eles fundiriam apenas com grupos que abrissem mão de todas as suas diferenças e opiniões independentes. Tal tipo de ‘fusão’ exigiria que antes fôssemos psicologicamente destruídos, cessando assim a possibilidade de sermos genuínos revolucionários”.

    Enquanto não podemos afirmar o que exatamente está por trás do relacionamento entre o MNN e o WSWS, certamente podemos dizer que o reconhecimento feito pelo MNN do Comitê Internacional enquanto uma organização revolucionária é unilateral. A repentina ausência de novas traduções do WSWS em português faz apenas surgir mais perguntas sobre a natureza pouco saudável dessa relação.

    Para onde vai o MNN?
                       
    Não será uma surpresa se o giro do MNN no movimento estudantil e o seu distanciamento do WSWS estiverem relacionados. É possível que após anos infrutíferos de discussões com o Comitê Internacional, a resposta dos líderes do MNN tenha sido, ao invés procurar uma alternativa à esquerda do CI, escolher uma saída mais fácil e atraente de “unidade” da esquerda brasileira.

    O Comitê Internacional possui problemas políticos extremamente graves, alguns dos quais buscamos expor recentemente com a tradução para o português do artigo O Ser Determina a Consciência, que foi escrito quando nós ainda estávamos politicamente alinhados com a TBI por um antigo apoiador do Comitê Internacional que atualmente é membro do Reagrupamento Revolucionário. Buscamos demonstrar com a tradução deste artigo que o atual CI é uma organização cujo programa político passa longe de ser capaz de armar o proletariado para a sua vitória final.

    Apesar disso, acreditamos que ao menos uma parte dos militantes do MNN tenha sido atraída pelos pontos positivos da tradição histórica de combate ao revisionismo pablista que o CI diz representar (ao reivindicar a continuidade da luta correta iniciada contra o pablismo em 1953). Um exemplo disso está no fato de que o MNN foi o primeiro grupo a traduzir para o português o texto de James P. Cannon, Uma Carta Aberta aos Trotskistas do Mundo Inteiro. Este é um documento que para nós representa um combate correto e historicamente fundamental (ainda que tenha sido tardio e imperfeito) contra o revisionismo de Pablo e Mandel, que dominou o movimento trotskista no início dos anos 1950.

    O MNN (que também nunca foi isento de desvios políticos) parece também estar perdendo seu próprio potencial polêmico contra as tendências que antes ele reconhecia como revisionistas do trotskismo, e passa agora defender uma “unidade” com elas, sem deixar claro sob qual programa. Parece que o MNN está atualmente passando por um estado de desintegração ideológica. O seu aparente afastamento do CI/WSWS não parece estar levando ao um balanço genuinamente trotskista da corrente de David North, mas simplesmente levando-o à direita.

    Para aqueles membros do MNN que entendem a importância da luta anti-pablista travada pelo Comitê Internacional em seus primeiros anos e que desejam lutar de forma bem sucedida pela revolução socialista, é necessário romper com a política representada pelo WSWS, assim como com o giro à direita do MNN.

    Nós do Reagrupamento Revolucionário baseamos a nossa política na luta original do Comitê Internacional contra o pablismo. Nós também nos baseamos naqueles que lutaram contra a sua degeneração sob a liderança de Gerry Healy. Nós, portanto, imaginamos que muitos membros do MNN, desorientados pela mudança no rumo político da sua organização, se beneficiariam em estudar alguns documentos em nosso site. Os documentos seguintes são uma boa introdução para compreender algumas questões fundamentais da história do movimento trotskista depois de Trotsky.

        Polêmica com o Comitê Internacional

        Comitê Internacional Ltda.: Chegando ao Fundo do Poço
        O Ser Determina a Consciência

        Este artigo, escrito por Samuel Trachtenberg, foi originalmente publicado pela Tendência Bolchevique Internacional, em 1917 número 30 (2008). A tradução para o português foi feita pelo Reagrupamento Revolucionário em abril de 2012.

        Na primavera de 2007, o Partido da Igualdade Socialista/Comitê Internacional (SEP/CI) foi abalado por um escândalo público quando Scott Solomon, um enraivecido antigo membro, revelou que David North não é apenas o líder do SEP e do CI, mas também o executivo chefe da Grand River Printing & Imaging(GRPI), um negócio multimilionário em Michigan. A liderança do SEP (partido do Comitê Internacional nos Estados Unidos e sua principal seção) aparentemente preferia manter esta bem sucedida empreitada comercial em segredo, mas ela não pode negar os fatos.

        A GRPI evoluiu da prensa caseira que costumava produzir o Bulletin, o jornal da Workers League (Liga dos Trabalhadores – WL, organização que precedeu o SEP). Quando o WL/SEP suspendeu a publicação do Bulletin para produzir apenas uma publicação online diária no seu World Socialist Web Site (WSWS), a planta de impressão do partido foi aparentemente transformada discretamente em um negócio de mão cheia.

        Por volta da mesma época, a liderança do SEP/IC descartou a visão marxista tradicional de que os sindicatos são organizações defensivas da classe trabalhadora e declarou que eles haviam se tornado meras agências dos capitalistas. David North escreveu um longo documento sobre esse tema intitulado “A Globalização e os Sindicatos”, no qual ele anunciou a “transformação objetiva da AFL-CIO [maior central sindical norte-americana] em um instrumento das corporações e do Estado capitalista.” Nós polemizamos contra isto no número de 29 de 1917[publicação da TBI] (conferir SEP: Defeatist and Confusionist: The Class Nature of the Unions).

        Os seguidores de North recentemente comentaram sobre o sórdido acordo assinado pelo Sindicato dos Trabalhadores Automotivos Unidos (UAW) em outubro de 2007 com a General Motors, o qual permite que a compania se livre da responsabilidade pela cobertura de planos de saúde dos seus trabalhadores aposentados através de uma contribuição em dinheiro e papéis convertíveis em 4,4 bilhões de dólares (baseados no valor das ações da GM) para uma Associação Voluntária para Benefício dos Empregados (VEBA). O acordo beneficia os patrões ao reduzir maciçamente as suas obrigações, ao mesmo tempo em que dá aos burocratas do UAW, que administram o fundo, uma enorme nova fonte de renda e de influência. Os únicos prejudicados serão os trabalhadores automotivos aposentados, cujos benefícios serão reduzidos quando o poder de investimento da VEBA se mostrar insuficiente.

        Em uma declaração de 12 de outubro, o SEP escreveu:

        “A assim chamada ‘associação voluntária para benefício dos empregados’, ou VEBA, irá transformar o sindicato em uma empresa geradora de lucro e tornar os burocratas sindicais investidores plenos na exploração dos trabalhadores. A burocracia do UAW vai colocar as mãos em uma enorme bolada de dinheiro, incluindo fundos da GM, que vão garantir a sua renda mesmo enquanto ela conduz cortes cada vez mais profundos nos benefícios dos membros aposentados do sindicato”.
        — “The middle-class ‘left’ and the UAW-GM contract”

        Aparentemente ignorando o paralelo entre a relação da burocracia do UAW com a VEBA e a do SEP com a GRPI, os seguidores de North declararam: “A transformação aberta do UAW em um negócio não é um desenlace repentino ou inesperado”. Mas o sindicato dos trabalhadores automotivos não se transformou em uma empresa capitalista; o UAW permanece como parte do movimento dos trabalhadores, apesar da grotesca e crescente corrupção da sua atual liderança. Leon Trotsky descreveu a tendência da burocracia trabalhista nos países imperialistas a se transformarem de meros agentes da burguesia em “acionistas” nos negócios da classe dominante:

        “A um certo grau de intensificação das contradições de classe dentro e cada país, dos antagonismos entre um país e outro, o capitalismo imperialista não pode tolerar (ao menos por certo tempo) uma burocracia reformista, a não ser que esta lhe sirva diretamente como um pequeno, mas ativo acionista de suas empresas imperialistas, de seus planos e programas, tanto dentro do país como no plano mundial.”
        — “Os Sindicatos na Época da Decadência Imperialista” (1940)

        No entanto, Trotsky concluiu:

        “(…) apesar da degeneração progressiva dos sindicatos e de seus vínculos cada vez mais estreitos com o Estado imperialista, o trabalho neles não só não perdeu sua importância, como é ainda maior para todo partido revolucionário. Trata-se essencialmente de lutar para ganhar influência sobre a classe trabalhadora. Toda organização, todo partido, toda fração que se permita ter uma posição ultimatista com respeito aos sindicatos, o que implica voltar as costas à classe trabalhadora, somente por não estar de acordo com sua organização, está destinada a acabar. E é bom frisar que merece acabar.”

        Quando o CI anunciou originalmente que ele estava descartando os sindicatos, os nossos camaradas alemães projetaram que North e compania podiam um dia “se encontrar em um bloco político com os capitalistas em seus ataques contra as instituições do movimento dos trabalhadores” (1917 número 20, 1998). A declaração de outubro de 2007 do SEP faz exatamente isso quando ela afirma: “O Partido da Igualdade Socialista aconselha aos trabalhadores que se o UAW for aos seus locais de trabalho, que votem para mantê-lo fora”.

        Sem dúvida os administradores da GRPI também dariam o mesmo conselho a qualquer empregado que esteja pensando em se sindicalizar. Socialistas, entretanto, acreditam que os trabalhadores devem se organizar. Numa situação em que o vício presta homenagem à virtude, a declaração de 12 de janeiro de 2006 do SEP para as eleições de meio-período nos Estados Unidos reivindicou “o direito garantido dos trabalhadores de se unir a um sindicato e controlá-lo democraticamente; a proibição de táticas de ataque aos sindicatos e cortes salariais”. Isto foi acompanhado de uma peculiar demanda por “apoio do governo para médios e pequenos negócios”. Mesmo a esquerda reformista não tem historicamente o hábito de exigir financiamento público para capitalistas privados, mas pelo menos poucos nela algum dia possuíram “médios negócios”.

        Excepcionalidade do CI no Sri Lanka

        A declaração do SEP/CI de outubro de 2007 sobre o UAW deixa bastante claro que a sua posição anti-sindicato não se aplica somente à América do Norte:

        “Dois fatos demonstram que a transformação do UAW não é simplesmente o produto das características subjetivas de líderes corruptos ou políticas erradas, mas sim a expressão de processos objetivos fundamentais radicados na natureza das organizações sindicais e do impacto das grandes mudanças na estrutura do capitalismo mundial. O primeiro é o período prolongado, agora se estendendo por décadas, em que os sindicatos têm trabalhado abertamente para suprimir a luta de classes e impor cortes nos salários e direitos dos trabalhadores, juntamente com demissões em massa.”
        (…)

         “O segundo fato é a escala internacional da degeneração e transformação dos sindicatos. Este não é um fenômeno norte-americano, mas sim mundial, incluindo os sindicatos nos centros capitalistas avançados da América do Norte, Europa e Ásia, bem como aqueles nos chamados países ‘menos desenvolvidos’. Do UAW norte-americano e AFL-CIO ao Congresso de Organizações Sindicais britânico, à Federação Alemã de Sindicatos, até o Conselho Australiano de Sindicatos e o Congresso dos Sindicatos Sul-Africanos, os sindicatos adotaram uma política corporativista de ‘parceria’ na gestão e trabalharam para reduzir os custos trabalhistas, em detrimento dos empregos, salários e condições de trabalho dos seus membros”.

        “A força motriz por trás deste processo universal é a globalização da produção capitalista, que eclipsou a antiga primazia dos mercados nacionais, incluindo o mercado de trabalho, e permitiu às empresas transnacionais vasculhar a terra por fontes de força de trabalho cada vez mais baratas. Isso tornou os sindicatos, tendo em vista suas origens históricas e suas tendências para a colaboração de classes com o mercado nacional e com o Estado nacional, obsoletos e impotentes.”

        Parece, entretanto, que o Sri Lanka é uma exceção a esse “fenômeno mundial”. Talvez não seja coincidência que este seja o único país em que um membro da liderança de uma seção do CI também é presidente de um sindicato. Diferente do papel de North como chefe de uma empresa capitalista, o CI parece ter bastante orgulho das atividades do seu camarada do Sri Lanka. O relato do WSWS de 13 de novembro de 2007 a respeito de uma reunião pública em Colombo para denunciar a guerra em andamento contra os separatistas de origem Tâmil mencionou que um dos principais porta-vozes foi “K.B. Mavikumbura, membro do comitê central do SEP [do Sri Lanka] e presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Banco Central (CBEU)”. O artigo cita extensamente a apreciação de Mavikumbura sobre suas recentes atividades sindicais:

        “Nós apresentamos uma resolução no CBEU chamando os trabalhadores a se unirem com base em políticas socialistas para acabar com a guerra. Apontamos que a campanha pela retirada dos militares do nordeste, que está de fato sob regime militar, é uma condição necessária para unir os trabalhadores (…)”

        “Recentemente eu participei de uma reunião sindical para organizar um piquete em apoio aos professores. O governo disse que não poderia aumentar os salários dos professores porque tinha que pagar a guerra. Levou a cabo uma ordem na Suprema Corte para intimidar os professores. Expliquei que os trabalhadores devem assumir uma luta política contra o governo. A questão central é se opor à guerra, mas os líderes dos sindicatos rejeitaram isto. Em vez disso, eles disseram que os trabalhadores devem formar uma aliança com o Partido Nacional Unido (UNP) de oposição, que é conhecido por atacar os direitos dos trabalhadores. Os trabalhadores precisam construir um movimento político independente com base em uma perspectiva socialista.”
        — “SEP holds public meeting in Colombo to oppose the war in Sri Lanka”

        Qualquer um na órbita política dos seguidores de North pode estar se perguntando como as atividades de Mavikumbura podem ser encaixadas com o ponto de vista de que os sindicatos são simplesmente agências dos patrões.

        ‘A Transformação em um Negócio’

        Será que a posição do CI sobre os sindicatos simplesmente reflete uma perda de confiança na capacidade da classe trabalhadora de expulsar os burocratas e ganhar o controle sobre as suas próprias organizações de massa? Ou ela é um reflexo das pressões sociais de gerir um negócio bem sucedido? Como Marx observou, o ser tende a determinar a consciência, e para North e compania, a crescente receita da GRPI poderia certamente prover uma base material para o crescimento de corrupção político-pessoal dentro da liderança do SEP/CI.

        Alex Steiner e Frank Brenner, antigos colaboradores próximos de North que continuam a se identificar politicamente com o SEP/CI, sugerem isto na conclusão de um extenso documento datado de 16 de dezembro de 2007 que relembra como Gerry Healy (o antigo chefe do CI) aceitou grandes quantias de dinheiro de vários regimes do Oriente Médio para agir como seu propagandista de esquerda:

        “Isto também foi uma das lições do racha do WRP [Partido Revolucionário dos Trabalhadores britânico] — que a ‘unanimidade’ da liderança do grupo de Healy mascarava todos os tipos de relações oportunistas baseadas em arranjos pessoais e financeiros. Nós não temos dúvidas de que o silêncio do resto da liderança do CI também é baseado, ao menos em parte, em considerações oportunistas de natureza pessoal ou financeira.”
        — “Marxism Without Its Head or Its Heart”

        O revisionismo do CI não começou com a transformação da planta de impressão da WL em um negócio, nem mesmo como Steiner e Brenner argumentam, quando North e outros abandonaram a luta contra o “pragmatismo”. A operação política mercenária de Gerry Healy (incluindo o seu satélite norte-americano inicialmente gerido por Tim Wohlforth e depois por North) era programaticamente muito distante do trotskismo muito antes de eles começarem a promover o Coronel Kadafi e outros déspotas dos Oriente Médio.

        Organizações de esquerda que obtém financiamento substancial de fontes externas ao seu campo de atividade política irão inevitavelmente tender a se tornar despolitizadas e sujeitas à pressão de outras classes. Trotsky discutiu sobre isso em uma carta de 8 de outubro de 1923 lidando com alguns sintomas da crescente burocratização do Partido Comunista da União Soviética:

        “Há sem sombra de dúvida uma conexão intrínseca entre o caráter separado e contido dos setores organizativos – cada vez mais independentes do partido – e a tendência rumo ao estabelecimento de um fundo de renda tão independente quanto possível do sucesso ou fracasso do trabalho coletivo de construção partidário.”
        — O Desafio da Oposição de Esquerda (1923-25)

        North afirmou basicamente a mesma coisa em sua principal declaração de 1986 renunciando ao legado de Healy:

        “Além do mais, elementos entre jornalistas, atores e atrizes que emergiram dos seus redutos para o Comitê Político do WRP, sem qualquer aprendizado na luta de classes, proporcionou um elo direto para recursos materiais que o partido jamais havia conhecido. À parte da luta cotidiana dos membros do partido na classe trabalhadora, grandes montantes de dinheiro foram conseguidos. A liderança central adquiriu assim uma independência dos membros de base que destruiu as bases do centralismo democrático”.
        (…)

        “A diplomacia secreta de Healy e o seu repentino acesso a vastos recursos materiais, baseado amplamente na sua utilização oportunista da [artista de cinema] Vanessa Redgrave como o chamariz do WRP no Oriente Médio, teve um efeito corrosivo na linha política do partido e na sua relação com a classe trabalhadora. Qualquer que tenha sido a intenção original, isso se tornou parte de um processo no qual o WRP se tornou politicamente refém de forças de classe externas. No momento exato em que era mais necessária uma correção na linha, o ‘sucesso’ do seu trabalho no Oriente Médio, ao qual desde o início faltava o mais básico ponto de referência proletário, tornou-o cada vez menos dependente da sua penetração na classe trabalhadora britânica e internacional.”
        — “How the Workers Revolutionary Party Betrayed Trotskyism”

        O sucesso comercial da GRPI hoje dá à liderança do SEP muito mais independência da sua base do que é normal no caso de grupos burocratizados da esquerda, onde a renda tende a estar estritamente ligada ao tamanho da base e à cotização. A atividade política do SEP, centrada na internet, exige uma coluna de quadros de escritores e editores talentosos, mas o fato de que o grupo conduz muito pouco trabalho político real significa que há poucas oportunidades para membros recém-recrutados se desenvolverem politicamente, a não ser em eventuais atividades internas. Com o tempo, nós esperamos que o fluxo de dinheiro gerado pela GRPI vai causar o mesmo efeito nas camadas mais altas do SEP/IC que a VEBA vai causar nos ocupantes dos cargos de chefia da Associação de Solidariedade.

        O seguinte comentário sobre o SEP/CI e a GRPI foi originalmente publicado no site da TBI em maio de 2007

        Nas últimas semanas vieram à tona relatos de que David North, líder da organização Partido da Igualdade Socialista (SEP) e do Comitê Internacional, que reivindica o trotskismo, também  atua (sob o nome de David W. Green) como executivo chefe da Grand River Printing & Imaging (GRPI), uma das maiores companias gráficas de Michigan, que registrou 25 milhões de dólares em transações no ano passado. Como outros leitores da publicação diária do SEP, nós esperávamos ver o que o World Socialist Web Site (WSWS) tem a dizer sobre a revelação envolvendo a GRPI. Parece que, pelo menos por hora, North e compania decidiram que a discrição é a alma do negócio, e estão mantendo um silêncio absoluto.

        A maioria dos comentários impressos abaixo foi escrita pelo camarada Samuel T., que foi recrutado para a Workers League (predecessora do SEP) durante a campanha de Fred Mazelis como candidato da organização para prefeito de Nova York em 1989. Sam deixou a WL em 1991 quando o grupo se recusou a chamar pela derrota militar do imperialismo dos EUA na primeira Guerra do Golfo (veja o Boletim Trotskista número 8).

        No fim de semana de 31 de março/1 de abril de 2007, Sam e outros membros a TBI foram a Ann Arbor, Michigan, para participar de uma conferência do SEP contra a guerra do Iraque, que foi propagandeada como “aberta a todos os leitores do WSWS”. Quando nossos camaradas chegaram, entretanto, eles descobriram que os apoiadores de outras organizações que não fossem o SEP não eram bem-vindos, e a liderança do SEP pareceu um pouco desconcertada com nossas críticas sobre a afirmação dela de que sindicatos não são mais organizações da classe trabalhadora (veja 1917 número 29).

        Gerry Healy, o líder fundador do Partido Revolucionário dos Trabalhadores britânico (WRP), que liderou o CI até meados dos anos 1980, tinha uma bem merecida reputação de um mercenário político cínico com um fetiche por abobrinhas pseudo-dialéticas e causador de crises. No fim dos anos 1960, junto com Ernest Mandel e os pablistas do “Secretariado Unificado” (SU), o CI apoiou vários bonapartistas do Oriente Médio como supostas manifestações de uma “revolução árabe” com colaboração de classes. O CI também compartilhou o entusiasmo dos pablistas pelos “Guardas Vermelhos” da fração de Mao Zedong durante a disputa massiva entre setores da burocracia chinesa que ficou conhecida com “Grande Revolução Cultural Proletária”. Hoje, em um desvio simétrico, o SEP de David North nega que a China algum dia tenha sido qualquer tipo de Estado operário.

        Por volta dos anos 1980, os líderes políticos vendidos do CI estavam agindo como propagandistas pagos para o ditador líbio Muammar Kadafi e outros déspotas árabes. O ato mais desprezível desses gangsteres políticos foi passar informações para o serviço de inteligência do regime de Saddam Hussein sobre membros emigrados na Grã-Bretanha do Partido Comunista Iraquiano. Quando o WRP/CI implodiu em 1985-86, antigos membros vieram a público e disseram que recebiam tarefas de tirar fotografias de exilados de esquerda em protestos, que logo em seguida a liderança do WRP repassava para a embaixada iraquiana.

        Depois da queda de Healy, a atual liderança do CI, encabeçada por David North, buscou ajustar a imagem do grupo a algo mais próximo da tradição do “trotskismo anti-pablista” que ele falsamente diz representar. No seu balanço pouco inocente sobre o seu tardio rompimento com Healy, intitulado “How the WRP Betrayed Trotskyism” [Como o WRP traiu o Trotskismo], a liderança da WL minimizou o seu histórico de anos de obediência serviçal a cada pronunciamento de Healy. A insistência de North e de seus aliados próximos de que eles não compartilham nenhuma responsabilidade política pelos crimes do CI, e de que tudo foi culpa de Healy, lembra a tentativa de Nikita Kruschev em 1956 de apagar os crimes da burocracia soviética [que havia sido chefiada por Stalin até a sua morte] ao culpar Stalin de tudo. Aqueles que olharem para trás e examinarem as edições do Bulletin [jornal produzido pela WL] verão por si próprios que a adulação acrítica da Workers League com relação à Kadafi e aos demais financiadores bonapartistas do CI era tão entusiasmada quanto a do WRP. Eles também verão que o SEP/CI, assim como o SU e quase todas as tendências pseudo-trotskistas, consistentemente apoiaram a contrarrevolução no antigo bloco soviético, do Solidariedade polonês de Lech Walesa em 1981 até o levante pró-imperialista de Iéltsin em Moscou uma década depois. Com a passagem do tempo, e o influxo de novos membros menos experientes, a liderança do SEP/CI tem tentado se distanciar da sua história inglória. O tom do WSWS hoje é bem menos histérico do que o Bulletin costumava ser, mas o programa que ele defende não é nem um centímetro menos distante de ser revolucionário.

        Alguns sugeriram que o papel dos líderes do SEP na GRPI pode estar conectado com o seu repúdio da análise trotskista sobre os sindicatos. Nós não afirmamos saber isto com certeza. Mas ficou claro em Ann Arbor que existe bastante confusão entre os membros do SEP a respeito da sua posição sobre os sindicatos. Muitos membros novos parecem desconfortáveis com essa linha, enquanto quadros antigos defendem-na apaixonadamente, mesmo havendo pouca consistência nos argumentos que eles usam, e apesar do fato de que nenhum deles é capaz de explicar como a AFL-CIO hoje é qualitativamente diferente do que era nos anos de 1960 e 70. Um membro veterano do SEP se aventurou a dizer que talvez a destruição da URSS tenha de alguma forma, transformado os sindicados nos Estado Unidos em meras ferramentas da burguesia, ao comentar: “Bom, o colapso da URSS mudou tudo, então por que não teria também transformado os sindicatos?”.

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        Estes comentários são de discussões internas da Tendência Bolchevique Internacional

        Lenin fez um paralelo entre a traição de 4 de agosto de 1914 dos Socialdemocratas [ao votarem no parlamento alemão a favor dos créditos para a Primeira Guerra Mundial] e a posição social privilegiada de aristocracia operária que constituía a sua base social. Trotsky fez observações similares a respeito da burocracia stalinista, assim como também associou o abandono da defesa da União Soviética em 1940 por parte dos seguidores de Shachtman [um rompimento à direita com o então trotskista Partido dos Trabalhadores Socialista (SWP) norte-americano] com a sua composição social pequeno-burguesa. Em 1953, James P. Cannon argumentou que as políticas liquidacionistas dos seguidores de Cochran [outra tendência à direita no SWP, que se aliou com os pablistas] refletiam os efeitos conservadores da estabilidade econômica relativa de trabalhadores especializados de meia-idade. Em 1983, nós próprios apontamos que o giro da SL [Liga Espartaquista] em seu chamado para salvar as vidas dos fuzileiros navais norte-americanos no Líbano, e da sua oferta no ano seguinte de prover proteção militar para a convenção do Partido Democrata, estavam relacionados ao desejo do líder da SL, James Robertson, de cultivar uma imagem “respeitável” com elementos das classes dominantes.

        Pode ser perigoso para um pequeno grupo com inclinações de querer parecer muito maior do que realmente é (uma coisa que os seguidores de North sempre fizeram ao longo da sua história) acumular um espólio desproporcional ao seu verdadeiro peso social. Seria surpreendente se gerir uma grande empresa não afetasse a consciência política da liderança do SEP – como Marx ressaltou, “o ser determina a consciência”.


        ***

        Eu fiquei impressionado ao ler o seguinte trecho do programa eleitoral de 2006 do SEP:

        “Para estabelecer a base econômica para uma reorganização da vida social nos interesses da grande massa dos trabalhadores, defendemos a transformação de todas as corporações privadas industriais, manufatureiras e de tecnologia da informação avaliadas em 10 bilhões de dólares ou mais – as empresas que, se compreendidas, controlam a parte decisiva da economia dos Estados Unidos – em empresas de propriedade pública, com compensação integral para os pequenos acionistas e uma negociação pública dos termos da compensação para os grandes acionistas”.
        (…)

        “Os direitos de propriedade devem ser subordinados aos direitos sociais. Isso não significa a nacionalização de tudo, ou a abolição das empresas de pequeno e médio porte, que são elas próprias vítimas de grandes corporações e bancos. O estabelecimento de uma economia planejada dará a estas empresas acesso imediato ao crédito e condições de mercado mais estáveis​​, desde que elas ofereçam salários e condições de trabalho decentes.”
        “For a socialist alternative in the 2006 U.S. elections,” 12 January 2006 (ênfase nossa) 

        Quantas empresas de impressão nos Estados Unidos valem mais do que 10 bilhões? Eu lembro que Rupert Murdoch está oferecendo 5 bilhões de dólares pela Dow Jones (que inclui o Wall Street Journal). Será que o SEP consideraria isso uma “empresa de médio porte”?


        ***

        Quando eu era um membro, os militantes da WL ficavam exaustos com um ritmo impensado de atividade pública (cerca de 8 horas de vendas, etc.) Eu acho que talvez a mudança para longe da agitação de massa rumo a uma perspectiva mais realista de propaganda onde os militantes não são destruídos, explica porque o SEP hoje projeta uma imagem pública mais controlada e racional (um ambiente de extrema pressão não é bom para a sanidade de ninguém).

        Na antiga WL, ninguém deixava de ser duramente criticado nas reuniões internas (a não ser que fosse parte da liderança) por não vender jornais o bastante, por não se dedicar o suficiente, por não contatar um número suficiente de trabalhadores ou por não dar dinheiro suficiente ao partido – não havia tabela de cotização, ao invés disso os camaradas anunciavam o quanto eles dariam aqueles mês nas reuniões de núcleo e lá eles eram pressionados a dar mais.

        Eu tive a impressão de ter sido informado, quando eu era parte do grupo, que a organização financiava a si própria quase completamente através da contribuição dos militantes (que se sacrificavam e eram encorajados a coletar dinheiro nas ruas, ir de porta em porta, pedir emprestado de parentes, etc.). A outra fonte de renda seria a venda dos jornais (que seria a razão pela qual supostamente gritavam conosco regularmente por não vender o bastante).


        ***

        Eu lembro que certa vez, enquanto era membro, perguntei sobre o caráter de classe de Cuba. Quando não criticado por levantar esse tema para começo de conversa (sob o argumento de que ele refletia um potencial desejo de se adaptar ao castrismo), me ofereciam um amplo leque de explicações de diferentes camaradas veteranos. Alguns me deram uma versão do ‘capitalismo com a sombra da burguesia’ (uma posição lambertista que, como eu descobri depois, nunca foi adotada pelos healyistas). [Pierre Lambert, líder a Organização Comunista Internacionalista francesa (OCI), participou com Healy do Comitê Internacional até 1971, quando eles se separaram]. Outros membros da WL me disseram que apesar do que eu havia lido em livros e jornais, havia na verdade significativa propriedade privada em Cuba. Eles estavam todos improvisando, porque o CI/WL/SEP, no meu conhecimento, sempre evitou qualquer tentativa de explicar seriamente a sua posição por escrito. Membros que perguntassem demais sobre assuntos delicados como Cuba logo aprendiam a não fazê-lo, já que isso era entendido como uma vontade de abandonar a classe trabalhadora. Eu suspeito que uma reação similar esteja sendo usada hoje para aqueles que ousarem perguntar sobre a GRPI.

        ***

        Na discussão sobre a questão da GRPI numa rede de relacionamento na internet, um apoiador muito recente do SEP resumiu da seguinte forma a explicação que lhe deram:

        1. A GRPI não financia o SEP;
        2. A GRPI dá emprego para vários camaradas;
        3. Ninguém está ficando rico através do envolvimento com a GRPI;
        4. A GRPI é uma compania bem sucedida que ganhou vários prêmios por ser uma empregadora de qualidade

        Se eu fosse um membro, eu estaria me perguntando para que propósito serve a GRPI, já que ela nem serve aos interesses do SEP, nem enriquece ninguém. Eu também estaria curioso sobre quais camaradas do SEP conseguem empregos e como eles são selecionados. Eu suponho que seja bom ganhar prêmios, mas a maioria das pessoas iria preferir trabalhar em um lugar onde haja um sindicato que as defenda ao invés de ter que confiar na boa vontade dos gestores. (Eu acho que é seguro presumir que, já que “os sindicatos essencialmente completaram a sua degeneração”, eles não representam os trabalhadores da GRPI).


        ***

        Quando o SEP acabou com as suas publicações impressas para poder se dedicar apenas à publicação online, eles diziam que estavam fazendo isso por meramente reconhecer a realidade de que, na nova era da internet, material impresso estava se tornando obsoleto como uma forma de chegar às pessoas. Está claro que o SEP seguiu fazendo imensos investimentos para ter suas publicações online diárias. O WSWS, que em geral é bem escrito e cobre uma enorme variedade de tópicos sob uma perspectiva de esquerda, possivelmente tem um número de leitores maior do que qualquer outra publicação em inglês reivindicando o marxismo. Ele dá ao SEP uma influência no cyber-espaço que vai muito além do seu peso no mundo real.

        A existência da GRPI, e o tempo e energia que North e compania obviamente empregam nela, me fazem questionar que a verdadeira motivação para encerrar a produção de propaganda impressa talvez tenha sido permitir que a compania atingisse o seu potencial máximo. Quando eu era membro, nós tínhamos que comprar grandes quantidades do Bulletin semanal sob consignação – cada membro vendia algo em torno de 100 jornais por semana. O grupo também imprimia uma Young Socialist mensal, uma publicação mensal em espanhol para imigrantes, uma publicação mensal ou bimensal em francês vendida em Quebec e para os imigrantes haitianos em Nova York (entre os quais nós tínhamos uma quantidade significativa de leitores), um jornal canadense mensal, muitos panfletos, uma revista teórica trimensal e, na maioria dos meses, um livreto ou um livro. A descoberta de que papel impresso tinha se tornado obsoleto (embora aparentemente não para propósitos lucrativos) pode também ter sido o resultado da decisão de que cumprir metas de vendas indo de porta em porta, montando bancas na frente de supermercados e todas as outras coisas que nós costumávamos fazer, não era uma forma eficiente de usar o tempo político dos membros. É digno de nota que a mudança de papel impresso para a publicação online, e a transformação da velha planta de impressão do partido em um negócio empresarial de mão cheia, parece coincidir mais ou menos com a mudança na posição sobre os sindicatos. Isso pode ser um exemplo clássico de “programa gera teoria”.


        ***

        Os marxistas geralmente encaram o revisionismo como uma expressão de pressão de outras classes dentro do movimento dos trabalhadores. Pequenas organizações de propaganda, com pouca conexão orgânica com o movimento proletário, experimentam essa pressão de formas mais indiretas do que os partidos de massa. Em um pequeno grupo de esquerda, as características pessoais e os apetites políticos dos membros de liderança são ao menos tão importantes em determinar a linha e o caráter do regime interno quanto às forças sociais invisíveis que moldam a consciência de massa.

        Marx e Engels escreveram uma quantidade significativa de polêmicas contra o desenvolvimento de cultos de personalidade dentro de pequenas organizações socialistas, enquanto Lenin, Trotsky e Luxemburgo, que trabalharam em uma época em que as ideias socialistas eram parte do cotidiano do movimento operário, normalmente não prestaram atenção a este fenômeno.

        Ignorando o contexto histórico e aplicando uma caricatura de análise leninista/trotskista sobre as burocracias sindicais, socialdemocratas e stalinistas, o CI há muito denuncia todos os outros grupos na esquerda como “pequeno-burgueses” (enquanto a sua própria composição social não é muito diferente) e simultaneamente exigia dos críticos da sua organização altamente burocrática que estes demonstrassem sob que estrato social materialmente privilegiado a liderança do CI se baseava. A recente publicidade em torno da GRPI pode levar a liderança do CI a ser um pouco mais cuidadosa antes de acusar outros grupos de “pequeno-burgueses” por um tempo.


        ***

        Uma organização pequena e rigidamente hierárquica que se diz socialista, sem conexões significativas com o movimento dos trabalhadores ou qualquer outro movimento social de massa, que tem uma existência política em grande parte literária, com muito pouca atividade pública além de ocasionalmente lançar candidatos para as eleições burguesas, está propensa a desenvolver alguns desvios políticos peculiares. Se os líderes de tal organização também estão sujeitos às pressões sociais de gerir um negócio multimilionário, é pouco surpreendente que eles exibam indiferença quanto às lutas reais e as necessidades da classe trabalhadora, ou ao menos tenham dificuldade em conectar as lutas imediatas limitadas da classe com a necessidade da revolução socialista (ou seja, encontrar o tipo de “ponte” que Trotsky descreveu no Programa de Transição).

        Trotsky via como algo essencial para os revolucionários lutar pelo programa marxista dentro das organizações de massa existentes do proletariado, ou seja, os sindicatos. A liderança do SEP, em contraste, tende a se basear em um tipo abstrato de “socialismo dos dias de festa”, no qual a proposta operacional principal é frequentemente chamar “construa o SEP”.


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        Por décadas o CI tendeu a se adaptar à consciência atrasada dos setores mais privilegiados da classe trabalhadora e mostrar pouco interesse em questões de opressão específica (tais como o machismo, o racismo ou a homofobia). Aqueles que insistem na importância de os marxistas discutirem essas questões são atacados por “odiarem a classe trabalhadora” ou de serem motivados por ideologias de outras classes, como o feminismo burguês ou o nacionalismo negro. Tim Wohlforth, enquanto ainda era líder da Workers League, descreveu isso no seu infame comentário de que “A classe trabalhadora odeia hippies, bichas e feministas, e nós também!” Enquanto esta tendência está bem menos crua hoje, a cobertura do WSWS sobre a destruição de New Orleans pelo Furacão Katrina, por exemplo, foi profundamente falha pela tendência a ignorar o racismo evidente que caracterizou a resposta da oficialidade capitalista à esta crise.


        ***

        Os quadros que produzem o WSWS podem certamente não ter culpa pela sua dedicação ao trabalho – é uma façanha impressionante para um grupo tão pequeno ter sustentado tal empreitada por tanto tempo. Mas o valor desse projeto, de um ponto de vista revolucionário, depende do programa político que ele divulga. O profundo revisionismo do SEP sobre as revoluções sociais que produziram os Estados operários deformados chinês e cubano, seu apoio às restaurações capitalistas no bloco soviético, a sua posição derrotista e reacionária sobre os sindicatos, a sua tendência histórica à indiferença a respeito de questões de opressão específica e o seu abandono da posição bolchevique de “derrotismo revolucionário” para as potências nas guerras imperialistas, anulam qualquer valor que o WSWS possa ter como instrumento de propaganda socialista.

        Más del Reagrupamiento Revolucionario en español

        Informamos a nuestros lectores que nuevos documentos del Reagrupamiento Revolucionario estan disponibles en español. Con ellos, también estamos publicando algunos documentos de interés histórico. Los documentos del RR ahora también en español son: 

        Carta de ruptura con la Tendencia Bolchevique Internacional

        El camino hacia fuera de Rileyville (Septiembre de 2008)

        Gadafi derrumbado por los imperialistas en Libia: 

        Combatir el gobierno del Consejo Nacional y de la OTAN! (Septiembre de 2011) 

        Para acceder a las publicaciones en español, haga clic aquí.

        A Continuidade Revolucionária e o Racha na Quarta Internacional

        A Continuidade Revolucionária e o Racha na Quarta Internacional

        A carta a seguir, que lida com o racha histórico do movimento trotskista no começo dos anos de 1950, foi escrita pela Tendência Bolchevique em 1989 e endereçada ao Grupo IV Internacional alemão (GIVI). Assim como a Tendência Bolchevique, o GIVI foi fundado por antigos quadros da Tendência Espartaquista Internacional (iSt). A carta é uma polêmica contra a igualação formulada pelo GIVI entre o revisionista Secretariado Internacional (SI) liderado por Michel Pablo e Ernest Mandel, e as forças organizadas no Comitê Internacional (CI) iniciado pelo Partido dos Trabalhadores Socialistas norte-americano (SWP). 

        A “reunificação” de 1963 entre o SWP e o Secretariado Internacional de Pablo, que produziu o Secretariado Unificado (SU), foi selado pela expulsão da Tendência Revolucionária do SWP (precursora da Liga Espartaquista – SL). A TR se opôs à reunificação e defendeu o racha original contra a corrente de Pablo como “essencial para a preservação de um movimento principista revolucionário”. A tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em 2011. Pequenas notas explicativas foram adicionadas ao longo do texto, indicadas entre colchetes.

        14 de Março de 1989

        Camaradas:

        Nós discutimos o seu documento Continuidade ou Novo Programa – Uma Falsa Alternativa, e nós nos encontramos em acentuado desacordo com a sua conclusão de que o racha de 1951-53 foi, no essencial, politicamente inconsequente. Em nossa visão, isso representa um passo para longe da tradição da qual ambas as nossas organizações derivam. 

        Deixem-nos dizer logo de saída que o conhecimento da atividade política que nós temos das seções do CI fora da América do Norte nos anos 1950 é limitado. O que nós sabemos sobre a atividade delas não é impressionante, para dizer o mínimo. Nós estamos de certa forma mais familiarizados com os registros do Partido dos Trabalhadores Socialistas (SWP) nesse período, que mostram um consistente movimento à direita, incluindo o chamado ao exército imperialista dos EUA para agir como um instrumento de luta contra o racismo. 

        Nós consideramos “Gênese do Pablismo” [Spartacist número 21, 1972], o principal estudo da Liga Espartaquista sobre a crise do trotskismo no pós-guerra, um documento sofisticado. Como vocês apontam, ele é limitado a 1954 – e enquanto ele se refere à atividade do grupo de Healy dentro do Partido Trabalhista inglês como “arqui-pablista”, ele omite menção à adaptação política covarde do CI a Messali Hadj na Argélia ou a Perón na Argentina. “Gênese do Pablismo” também ignora o desastre boliviano de 1952 e o papel da liderança de Cannon ao encobrir o menchevismo do “apoio crítico” do POR [Partido Obrero Revolucionario] ao governo burguês nacionalista do MNR [Movimiento Nacionalista Revolucionario]. Essa é uma omissão particularmente significativa em razão da existência de uma tendência dentro da filial do SWP em Los Angeles (o grupo de Vern-Ryan) que criticou explicitamente essa política na época. A observação da SL de que é central para forjar uma corrente trotskista autentica a nível internacional “uma compreensão das características e causas do revisionismo pablista e da resposta falha dos anti-pablistas que lutaram, muito pouco e muito tarde, num terreno nacional, enquanto abandonavam na prática o movimento mundial”, é uma afirmação com a qual nós concordamos com toda sinceridade. Nós não criamos desculpas para o provincianismo nacional da liderança de Cannon, nem para a sua concepção de uma “Internacional” federada, nem para a sua abstenção de críticas ao oportunismo dos seus parceiros de bloco. Mas também nós não concordamos com a Política Militar Proletária, nem com as posições tomadas na Iugoslávia e na China [posições da Quarta Internacional antes de ser dominada pelos pablistas no Terceiro Congresso Mundial de 1951]. 

        Ao mesmo tempo, é necessário julgar correntes políticas na sua totalidade, levando em conta a sua história e a realidade social com a qual se confrontaram. O mundo após a Segunda Guerra Mundial era um lugar muito diferente daquele que Trotsky havia projetado. O SWP estava isolado socialmente, com seus quadros envelhecendo e sob tremenda pressão da caça às bruxas internamente [macartismo]. Ele ficou claramente muito desorientado pelos eventos do pós-guerra e pobremente equipado para entender ou lidar com eles teoricamente. A liderança de Cannon compartilhou largamente, ou no mínimo aceitou, o impressionismo de Pablo sobre a “nova realidade mundial” que levava inexoravelmente às conclusões de que muitas das lições do “velho trotskismo” não eram mais aplicáveis. Isso é evidenciado pelo apoio do SWP às decisões do Terceiro Congresso Mundial de 1951. 

        Mas conforme a luta com Cochran [adepto de Pablo nos Estados Unidos] revelou, seria um erro simplesmente igualar Cannon e Pablo. A liderança do SWP, enquanto estava escorregando gravemente, não estava definitivamente consolidada ao redor desse revisionismo. Quando confrontada com as implicações do curso liquidacionista dos pablistas no seu próprio terreno nacional, a liderança de Cannon resistiu. Nessa luta nós tomamos um lado, sem endossar a forma como a luta foi conduzida ou mesmo muitos argumentos usados pela maioria – por exemplo, a defesa de Hansen da proposição segundo a qual o stalinismo era, em toda a parte, “contrarrevolucionário de cabo a rabo”. Enquanto a direção da evolução dos Cochranistas era suficientemente clara na época da sua suspensão do SWP, ela ficou ainda mais estrondosa quando eles estabeleceram o seu próprio grupo. Seis meses após deixarem o SWP, eles declararam descaradamente que no período pós-guerra:

        “(…) tem havido um teste claro da habilidade do trotskismo de criar um movimento independente sobre um programa amplamente confirmado pelos novos desenvolvimentos revolucionários (…) a velha perspectiva trotskista caiu fora de moda. Como antes da guerra, a vanguarda busca realizar as suas aspirações revolucionárias dentro dos velhos partidos, não deixando espaço para uma nova organização revolucionária de massas. Assim, o movimento trotskista (…) estava fadado a permanecer isolado. O teste foi colocado para toda uma época histórica, ambos em períodos de reação e de revolução, e por isso é decisivo”.
        “Nossa Orientação”, reimpresso em Documentos do Secretariado Internacional 1951-54, volume 4.

        Nós acreditamos que a liderança do PCI [Parti Communiste Internationaliste, da França] estava certa em votar contra o documento principal da liderança do SI no Congresso de 1951. O fato de que o SWP não os apoiou nisso, ou que a liderança do PCI não levou essa luta até o fim, não nega o fato de que houve uma significativa diferenciação política, que claramente tinha um eixo esquerda/direita. Vocês admitem que “no documento Para onde vai o camarada Pablo? escrito por Favre-Bleibtreu em junho de 1951, eles tentaram defender o trotskismo”, mas concluem que porque eles “capitularam às manobras burocráticas dos pablistas dentro do PCI” e infelizmente retiraram a sua oposição anterior à linha adotada pelo Terceiro Congresso Mundial, os trotskistas franceses “selaram o seu destino”. Enquanto essa manobra obviamente enfraqueceu significativamente a oposição política deles ao novo revisionismo, o fato é que continuaram se opondo à liderança de Pablo e aos seus aderentes franceses. No ano seguinte, Bleibtreu concordou com Healy e um representante da seção suíça em “tomar juntos a defesa do trotskismo contra o revisionismo pablista e a luta contra a liquidação da Quarta Internacional” no futuro Quarto Congresso Mundial (Documentos do Comitê Internacional 1951-54, volume 2). Cannon e a liderança do SWP aparentemente abortaram tais planos com a sua “Carta Aberta”, publicada no mês seguinte.

        Está bastante correto apontar para as inconsistências e inadequações do PCI e do SWP, e a forma passiva e imprópria com a qual eles travaram a luta contra a liderança pablista. “Gênese do Pablismo” certamente não é acrítica a esse respeito:

        “Apesar de existir uma considerável mitologia que defende o contrário, tanto o PCI como o SWP vacilaram quando o revisionismo se manifestou na direção da Quarta Internacional, colocando obstáculos somente à sua aplicação em suas próprias seções. Ambos os grupos se comprometeram por sua inquieta conformidade (combinada, no caso do PCI, com resistência esporádica) a apoiar a política de Pablo, até que consequências organizativas suicidas para suas seções fizeram necessárias duras batalhas. Ambos abdicaram da responsabilidade de levar a luta contra o revisionismo em todas e cada uma das instâncias e seções da Quarta Internacional (…) O CI, desde o seu começo, era apenas o esqueleto de uma tendência internacional formada por grupos que já haviam se dividido entre ramificações pró-pablistas e ortodoxas.”


        Vocês observam que “O impulso político saudável de combater o pablismo, que havia sido desenvolvido por alguns componentes do CI, foi hesitante num sentido programático e um desastre no que diz respeito à sua prática política”. Verdade, mas apesar de a luta contra o pablismo ter sido profundamente falha, ela não foi sem substância política. As questões levantadas na Carta Aberta do SWP (o levante na Alemanha Oriental e a greve geral francesa) não foram inconsequentes. É, portanto, um erro igualar as posições adotadas pelas seções do CI nesses eventos com aquelas dos pablistas. Assim como na luta com Cochran, apesar das nossas críticas a Cannon como um todo, nós não podemos aceitar a posição de que era o caso de duas posições revisionistas “complementares” que eram qualitativamente similares. É por isso que o caminho rumo à “reunificação” com os pablistas em cima de uma capitulação compartilhada ao castrismo foi um desenvolvimento significativo, que assinalou a consolidação irreversível da liderança do SWP em torno do revisionismo, enquanto simultaneamente deu início à Tendência Revolucionária (TR).

        ***

        Nós consideramos a sua noção de “continuidade” unilateral. Vocês sugerem que “os expoentes da ‘continuidade’” a veem como “um desenvolvimento ininterrupto do trotskismo”. Essa seria uma posição fácil de combater, mas ela é uma simplificação que ignora a distinção crucial entre “desenvolver” o trotskismo e defendê-lo – mesmo que parcialmente e inadequadamente. Nós não vemos “continuidade” enquanto um tipo de verdade metafísica depositada em mãos capazes de garantir a sucessão apostólica do trotskismo autêntico. E tampouco ela consiste em simplesmente repetir as respostas dadas para os desafios de ontem diante dos novos problemas que surgem hoje.

        A luta contra o pablismo no SWP significou que, diferente da formação dos Cochranistas, o partido possuía a capacidade de uma regeneração política própria. Isso é confirmado pelo fato de que a demarcação política de 1951-53 foi o ponto de partida para a TR dentro do SWP oito anos mais tarde, quando este finalmente convergiu com a liderança do SI. De algumas formas importantes, a TR/SL representou um desenvolvimento positivo do trotskismo depois de Trotsky – algo que não é verdade para qualquer corrente internacional. Mas ela fez isso na base das lutas anteriores sobre as quais ela estava embasada, incluindo a luta contra o pablismo no início dos anos 1950, imperfeita e tardia como ela foi.

        É pelo menos abstratamente possível que uma corrente genuinamente proletária revolucionária possa surgir em algum lugar do mundo, que fosse capaz de desenvolver autonomamente as posições programáticas essenciais do trotskismo e aplicá-las a problemas tão difíceis como os povos interpenetrados na Palestina/Israel, a frente popular, opressão específica, a gênese de Cuba e dos outros Estados operários deformados, sem nunca ter sabido da existência da tendência Espartaquista, nem da TR, do CI, ou mesmo de Trotsky.

        Mas o fato é que a TR não foi seguida, dentro do nosso conhecimento, por nenhum outro grupo reivindicando o trotskismo internacionalmente. Nem mesmo qualquer das inumeráveis correntes resultantes do movimento da Nova Esquerda/Maoísmo, em suas várias permutações nacionais, se aproximou espontaneamente do programa do marxismo revolucionário defendido e desenvolvido pela TR/SL.

        É nesse sentido que a questão da continuidade tem significado. Ela tem muito a ver com responder como os revolucionários deveriam ter respondido aos vários difíceis problemas postos pela luta de classes internacional. O fato de que a TR se desenvolveu no SWP e não, por exemplo, na organização italiana do [líder pablista] Livio Maitan no início do anos 1960, não é uma completa casualidade. No seu documento de fundação “Em Defesa de uma Perspectiva Revolucionária”, a TR se colocou como a continuadora da luta contra o pablismo que começou em 1953.

        “Em 1953, o nosso partido, na ‘Carta Aberta’ [aos Trotskistas do Mundo Inteiro] (The Militant, 11 de setembro de 1953), declarou que ‘O abismo que separa o revisionismo pablista do trotskismo ortodoxo é tão profundo que nenhum compromisso político ou organizativo é possível’. A avaliação do pablismo como revisionismo está tão correta hoje como era então e deve ser a base para qualquer análise trotskista sobre tal tendência.”

        O documento fundador da TR fazia a acusação de que “a liderança do SWP aceitou a posição teórica central do revisionismo pablista”. A TR era crítica desde o início sobre a conduta da luta do CI contra os pablistas, assim como a tentativa de ganhar tempo e o excepcionalismo norte-americano do SWP [posição do SWP, entre 1951-52, de aceitar as posições liquidacionistas dos pablistas europeus e recorrer a um “excepcionalismo” para rejeitar a sua aplicação nos Estados Unidos]. No entanto, ela ficou do lado da declaração tardia do SWP sobre a sua intenção de “levar adiante uma luta política contra o pablismo em uma escala mundial, feita para manter a sua perspectiva revolucionária nacional”. Enquanto tomou o mesmo lado da luta contra Pablo no SWP em 1953, a TR não tomou a posição de que o CI era a simples continuação linear da Quarta Internacional. De fato, o grupo Espartaquista teve que lutar para restabelecer de maneira bem sucedida uma continuidade política revolucionária. Na sua resolução sobre o movimento mundial apresentada em 1963 na Convenção do SWP, em oposição ao documento da maioria motivando uma “reunificação” com o SI, a TR apontou o “desaparecimento da Quarta Internacional como uma estrutura significativa” ao mesmo tempo em que corretamente argumentava que a reunificação com os pablistas era “um passo que afastaria, ao invés de aproximar, o renascimento genuíno da Quarta Internacional”. Na Conferência de Londres em 1966, o grupo Espartaquista declarou sem rodeios que “o pablismo foi contraposto dentro do nosso movimento por uma má ‘ortodoxia’ representada até os últimos anos pelo exemplo de Cannon”. Robertson [representante do grupo Espartaquista na Conferência] posteriormente notou que:

        “Depois de 1950, o pablismo dominou a Quarta; apenas quando os frutos do pablismo já estavam maduros foi que uma seção da Quarta reagiu. Em nossa opinião, o movimento ‘ortodoxo’ ainda deve encarar os problemas teóricos novos que o tornaram suscetível ao pablismo em 1943-50 e deram origem a um racha parcial, imperfeito em 1952-54.”

        Nós vemos a nossa luta, em primeira instância, como uma luta para garantir que o precioso legado político da TR e da SL revolucionária não seja perdido com a queda irreversível da sua liderança no banditismo político. É claro que nós não argumentamos que apenas grupos emergindo da TR/SL podem ser revolucionários, mas nós acreditamos que os futuros revolucionários que estudem a história do movimento trotskista devem chegar à conclusão de que num sentido programático vital, a tradição da TR/SL, e ela sozinha, representou a autêntica continuidade da Oposição de Esquerda e da Quarta Internacional dirigida por Trotsky. E essa continuidade por si própria tem uma história, uma história que passa pelo racha “imperfeito” e “parcial” produzido pela “tendência internacional só no papel” que foi o CI.

        A atitude de vocês para com a tradição da TR/SL parece, para nós, ambígua. Por um lado, parece que vocês consideram que a nossa declaração na primeira edição do Boletim da Tendência Externa da iSt [publicação do grupo que viria a formar a Tendência Bolchevique] de que nós nos propomos a agir como um “farol do espartaquismo ortodoxo”, como questionável, e vêem nossa posição no racha de 1951-53 como um “vício hereditário”. Por outro lado, vocês dizem “levar em consideração a herança revolucionária (…) da iSt” sem necessariamente posicionar a si próprios perto demais dela. De fato, vocês consideram que a iSt continua sendo revolucionária, e entretanto, apesar de ela ser talvez cinquenta vezes maior que vocês, vocês não propõem unificação. Parece para nós que esse é um tipo peculiar de indiferença sobre a questão da continuidade revolucionária. Essa impressão é reforçada com a sua afirmação de que a análise de vocês:

        “sobre os pontos de ruptura no desenvolvimento do trotskismo, de forma nenhuma expressa neutralidade ou agnosticismo, ela apenas escapa do efeito ‘máquina do tempo’: Como nós teríamos agido se…? Esse método não é operacional.”

        Nós não conseguimos ver qualquer mérito em ‘escapar’ das questões postas no racha organizativo do movimento trotskista. O que parece ser pouco “operacional” é essa afirmação de que vocês não são agnósticos ou neutros, pelo menos no que diz respeito ao racha SI/CI. Se, de fato, os dois lados na luta de 1951-53 eram formas complementares de revisionismo, (ou “equivalentes centristas”), vocês deveriam ser neutros no seu desenlace [a “reunificação”], como nós somos neutros, por exemplo, no racha entre o bloco Moreno/Lambert há vários anos atrás.

        Fraternalmente, Tendência Bolchevique.

        Polêmicas com a Tendência Bolchevique Internacional

        Gostaríamos de chamar a atenção de nossos leitores para polêmicas travadas recentemente na seção em inglês de nosso site contra a Tendência Bolchevique Internacional (TBI).
         
        A primeira polêmica foi escrita em resposta à publicação do “balanço” que a TBI faz a cada 3 anos do seu trabalho. O balanço da TBI (em inglês) abordava de forma passageira a sua relação com o Coletivo Lenin, grupo que, após romper com esta, se aliou temporariamente ao Reagrupamento Revolucionário do camarada Sam Trachtenberg. O documento da TBI diz que:

        “Ao avaliar o nosso trabalho desde a nossa conferência de 2008 observamos que, apesar de alguns sucessos limitados (por exemplo, ganhamos adeptos na França e Polônia), ainda temos de fazer grandes avanços a nível internacional e, de fato sofremos alguns reveses. Em 2010, um companheiro recém-recrutado deixou a IBT para se tornar um anarquista em sequência aos protestos explosivos contra o G-20 em Toronto. Mais significativamente, não conseguimos ganhar os membros do Coletivo Lenin (CL) do Rio de Janeiro, alguns dos quais eventualmente se alinharam com Sam T., um ex-membro talentoso mas problemático da IBT, que partiu em setembro de 2008, após decidir que ele não estava mais preparado para seguir as diretrizes da organização. A nossa incapacidade para ganhar os camaradas brasileiros veio como o culminar decepcionante de vários anos de esforço e representou a perda do que parecia ser uma oportunidade promissora para realizar trabalhos em uma parte extremamente importante do mundo.

        Curiosamente, o balanço não faz nenhum cometário sobre o motivo do Coletivo Lenin para rejeitar a TBI e aliar-se com Sam Trachtenberg. Para conhecer melhor este desenvolvimento, recomendamos a declaração de ruptura das relações fraternais do CL com a TBI e o estabelecimento de relações fraternais com o RR.
         
        Posteriormente, o CL se dividiria entre uma maioria que aceitou acriticamente um programa abertamente revisionista e uma minoria que defendeu o programa revolucionário do trotskismo e se uniu definitivamente ao Reagrupamento Revolucionário, como relatamos em nossa carta de ruptura com o Coletivo Lenin.
        Embora tais polêmicas ainda não estejam disponíveis em português, queremos convidar os leitores interessados a realizar, por hora, uma leitura em inglês, que pode ser facilitada com a ferramenta de tradução do Google. Basta colar o link da página em inglês e clicar em “Traduzir” para receber a tradução automática em português.
        As  polêmicas produzidas até o momento estão disponíveis através dos seguintes links: 

        Polêmica com a Direção Majoritária da ANEL

        Este panfleto foi originalmente distribuído na Plenária Ampliada da ANEL/RJ, ocorrida em 21 de março. A versão aqui disponível contém pequenas correções na grafia e na formatação do texto.

        Tendo em vista a preparação para a plenária nacional da Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre, encaramos como fundamental debater o rumo que a sua direção majoritária, eleita no último congresso e composta por membros de liderança do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) tem dado à organização estudantil. Com esta breve polêmica, temos o objetivo de iniciar uma reflexão e um debate com os estudantes da base da ANEL sobre quais os rumos corretos para garantir que a entidade vai cumprir os seus objetivos finais de garantir para os estudantes brasileiros uma educação pública, gratuita, laica e de qualidade. Acesse nosso blog ou fale com nossos militantes e vamos juntos lutar por um movimento estudantil realmente capaz de promover grandes mudanças!

        I

        Nossa primeira diferença com a direção majoritária da ANEL diz respeito aos apelos que a entidade tem sistematicamente feito para que Dilma (e o PT) defendam os trabalhadores e estudantes, revogando medidas de ataque à educação, pedindo mais verbas ou mesmo exigindo da presidenta que exproprie o terreno do Pinheirinho e o dê aos trabalhadores que de lá foram brutalmente expulsos pelo governo estadual do PSDB de Alckmin. Isso fica claro nos seguintes trechos publicados nos boletins e no site da ANEL:
          
        “Para garantir uma educação pública e de qualidade, precisamos exigir da Dilma que revogue os cortes no orçamento e garanta 10% do PIB para a educação já!”
        Chega de cortes na Educação! 10% do PIB JÁ!
          
        “Aproveitaremos a imprensa lá presente para divulgar nossas posições, além de exigir do governo mais verbas para a educação pública já.”
        ANEL participa de reunião com relator do PNE, em Brasília
          
        “Após a invasão do Pinheirinho, o governo Dilma afirmou que havia ocorrido uma ‘barbárie’. Porém, se Dilma acha realmente que o povo do Pinheirinho deve ter direito à moradia, por que não desapropria o terreno, já que tem pleno poder para isso? Devemos exigir que o governo federal faça jus às suas declarações e intervenha com a autoridade que tem em favor das famílias desabrigadas.”
        Boletim Especial da ANEL – Fevereiro/Março
          
        Estes exemplos mostram que a linha central da ANEL em diversas ocasiões e questões políticas variadas tem sido fazer apelos à Dilma para que resolva os problemas apontados. O fato de o governo do PT em aliança com o grosso da burguesia brasileira ter teoricamente “pleno poder” para dar um rumo diferente à educação e às ocupações de terra do país não muda o fato de que esse poder só pode ser usado na defesa dos interesses do grande capital, que possibilitou que Dilma fosse eleita e com o qual o PT tem estado de braços dados há décadas. A oposição que a ANEL tem feito contra o governo Dilma fica bastante enfraquecida com esses recorrentes chamados para que ela aja em favor dos estudantes e dos trabalhadores. Isto está muito errado e só serve para criar ilusões nos estudantes de que fazer pressão sobre o governo pode ser uma saída para resolver problemas tão agudos quanto a falta de verbas para educação ou a questão habitacional no Brasil.
          
        Ao invés de agir como instrumento de pressão sobre o governo, a ANEL deveria deixar claro nos seus boletins que o governo Dilma é comprometido com os empresários e banqueiros brasileiros e dos países imperialistas, e que nunca será capaz de defender as demandas dos estudantes, trabalhadores e oprimidos. Se compreendida como a principal linha da ANEL nessas questões, esta posição de “exigências” dá um viés claramente reformista à entidade, quando na verdade o movimento estudantil e dos trabalhadores tem potencial para ser muito mais do que instrumento de pressão sobre o governo do PT em aliança com os patrões. Nós defendemos uma virada para uma política consistente de oposição a Dilma e que, contra o seu governo de conciliação com a burguesia, contraponha uma alternativa de poder da classe trabalhadora e dos estudantes, como um objetivo a ser conquistado através das lutas de classe. “Façamos nós por nossas mãos tudo o que a nós diz respeito!”
          
        II

        A ANEL tem dado apoio às “greves” e movimentos de policiais civis e militares pelo Brasil, que são a favor das “melhorias de condições de trabalho e de salários”, além da PEC 300, que é um projeto de emenda à constituição para aumentar o piso salarial dos policiais brasileiros. Por exemplo, em uma nota da ANEL do Maranhão:
          
        “O aumento salarial de 30% e melhorias nas condições de trabalho [para os policiais] são mais que necessárias para que possam fazer o seu trabalho de proteção à população maranhense. Uma categoria que fica submissa aos mandos e desmandos do governo não pode deixar de lutar e garantir seus direitos! Contem com o apoio e solidariedade dos estudantes livres da Anel! Resistir é preciso! Nenhuma confiança no governo e em seus deputados! Todo apoio a luta dos PMs e Bombeiros do Maranhão!”
          
        Nós nos opomos fortemente a tal posição. Partimos da compreensão de que os policiais não são parte da classe trabalhadora. O fato de que os policiais são assalariados não pode obscurecer a realidade de que o seu “trabalho” fundamental é garantir a manutenção da ordem capitalista protegendo a propriedade privada. O trabalho dos policiais maranhenses ou de qualquer outro estado não é “defender a população” como quer fazer parecer esta nota escrita pela Direção Majoritária da ANEL. Pelo contrário, como demonstrado historicamente, o trabalho dos policiais é defender o Estado e os capitalistas contra quaisquer investidas, inclusive e principalmente a revolta das classes oprimidas. Perceber isso não exige nenhuma abstração muito grande: qualquer ativista estudantil que tenha enfrentado a repressão policial em um protesto ou qualquer trabalhador que viu a forma como a polícia age com as greves combativas dos verdadeiros trabalhadores é capaz de testemunhar o mesmo.
          
        Nós obviamente nos opomos à repressão do Estado desencadeada contra tais movimentos de policiais, pois elas podem facilmente se voltar contra as lutas dos trabalhadores e estudantes. Mas nós não podemos apoiar uma luta cujo objetivo é melhorar os salários e as “condições de trabalho” da polícia. Melhorar as condições de trabalho da polícia é melhorar as suas condições de reprimir os trabalhadores, o movimento estudantil e a esquerda em geral. Melhorar os salários dos policiais é fazer com que mais pessoas se sintam inclinadas a ingressar nas forças policiais. Isso é uma política suicida para uma organização de luta de qualquer tipo e ainda mais uma que se coloca em oposição ao governo. Em última instância, a vitória dessas lutas dos policiais levaria a um revés para os objetivos de um movimento que desejasse combater o poder do Estado capitalista. Para uma polêmica mais completa contra esta posição, sugerimos nosso documento O Vermelho Deles e o Nosso disponível em nosso blog. Policial não é trabalhador, é braço armado do explorador!

        III 

        Nós acreditamos que o combate contra as opressões racista, machista e homofóbica são um ponto essencial que deve ser levantado pela ANEL. Mas o programa que a Direção Majoritária da ANEL tem defendido sobre essa questão tem sido, senão incorreto, totalmente insuficiente.
          
        Sobre a questão da homofobia, por exemplo, a primeira coisa a se perceber é que também nesse campo a ANEL está fazendo chamados a Dilma para agir em defesa dos GLBTs. Mas o compromisso de Dilma com a bancada evangélica e com o Partido Progressista (PP) de Jair Bolsonaro, aliado do governo, a impedem de fazer isso. Outro ponto problemático é a insuficiência da defesa da lei que criminalizaria a homofobia (PLC 122). Embora a lei possa representar um avanço, ela seria aplicada pelo mesmo Estado burguês homofóbico, e não resolveria o problema. Por isso, ao lado de defender essa bandeira, que é a obrigação da ANEL, a entidade também deveria defender a formação de comitês de estudantes e trabalhadores nas universidades e escolas para vigilantemente defender os GLBT contra a opressão e ataques. Isso também iria mostrar que os GLBTs não precisam depender da polícia (que frequentemente também é bastante homofóbica) para se defenderem. Mas esta demanda fundamental está ausente da propaganda da Direção Majoritária da ANEL, assim como da sua prática.

        A Juventude e a Necessidade de um Partido Revolucionário

        A Juventude e a Necessidade de um Partido Revolucionário

        Leandro Torres
        Março de 2012

        O ano de 2011 foi bastante rico do ponto de vista político. Muitas lutas e mobilizações ocorreram em todo o mundo, ganharam grande repercussão na mídia e influenciaram o início de diversas outras ações. O ano passado mostrou ao mundo um ressurgimento militante na “Primavera Árabe” no Norte da África e no Oriente Médio, dezenas de greves gerais pela Europa, combativas lutas estudantis no Chile, o “Ocupe Wall Street”, dentre tantos outros. Todo esse fervor político pesa bastante na consciência dos trabalhadores e da juventude, que muitas vezes acabam assumindo uma posição mais crítica frente aos problemas sociais que enfrentam no seu cotidiano. No mundo inteiro, a perspectiva de que uma realidade diferente é possível começa a retomar as ruas.

        Essa onda de mobilizações e de grandes lutas também se fez sentir no Brasil. Aqui, ela tomou forma no levante dos trabalhadores do PAC, nos canteiros de obras de Pecém e Jirau, em algumas expressivas greves estaduais de trabalhadores da educação e em uma das mais fortes greves nacionais dos Correios nos últimos anos. Mais recentemente, ela também se fez presente em uma onda de ocupações de reitoria e, principalmente, na greve deflagrada por estudantes da USP após uma repressiva ação da PM, desocupando a reitoria com um aparato policial de mais de 400 homens invadindo um campus universitário. Apesar de serem processos diversificados, com bases sociais diferentes e que impõem à esquerda questões complexas (principalmente na “Primavera Árabe”), de certa forma todos eles possuem um fator em comum: são fortemente motivados pelos novos ataques à classe trabalhadora e à juventude em decorrência da crise econômica capitalista deflagrada em 2008.

        Tendo sido a mais profunda desde a “Grande Depressão” iniciada em 1929, a presente crise também teve início no coração do capitalismo internacional, o que fez com que atingisse todo o sistema de produção capitalista. Passada a quebradeira de bancos e empresas, agora os governos que esvaziaram seus cofres para socorrer os empresários e banqueiros fazem de tudo para impor à classe trabalhadora e a setores da juventude o ônus da crise. Por si só, isso já deixa claro o caráter de classe das estruturas estatais dos países capitalistas.

        Cortes profundos têm sido realizados no orçamento das áreas sociais, como educação e saúde. E junto aos cortes de verbas, também são sancionadas leis que retiram direitos históricos do proletariado, conquistas trabalhistas e previdenciárias, além é claro da repressão – desferida tanto pela via policial quanto pela via jurídica – às greves e mobilizações. Aqueles países que não implementaram de imediato os “pacotes de reformas” em benefício da burguesia, logo se viram forçados à fazê-lo como imposição do FMI e do Banco Mundial para emprestar dinheiro e “resgatar” a economia nacional. Isso tudo mostrou que os governos dos Estados burgueses, mesmo aqueles das variantes mais “populares”, não estão do lado da classe trabalhadora, mas do lado dos proprietários das grandes companhias, latifundiários e financistas. Os ataques contra o proletariado não são fruto de interesses particulares de um partido ou outro da burguesia, mas do Estado gerido e mantido pelos capitalistas para salvaguardar o seu sistema econômico em decadência.

        A juventude tem exercido papel importante em muitos processos de resistência e enfrentamento. Nas lutas contra regimes de tiranos no Egito e na Tunísia foram os jovens que mais se mobilizaram e tomaram as praças e ruas das principais cidades. O movimento “Ocupe Wall Street” foi nitidamente composto majoritariamente pela juventude, assim como os diversos outros “Ocupe” que vieram a surgir. O mesmo vale para os “Indignados” do Estado Espanhol, que precederam e inspiraram variados atos de ocupação de praças. Passamos assim, por um momento de clara radicalização da juventude.

        Todos estes movimentos buscaram alternativas aos problemas de uma sociedade onde educação, saúde, moradia, transporte e outros bens fundamentais estão submetidos à lógica do lucro, internacionalmente “regulamentada” por órgãos como os já citados FMI e Banco Mundial. A juventude é capaz de protagonizar ações de coragem e radicalismo. Isso se deve em grande parte ao seu desconforto com regras que não foram por ela estabelecidas, e à sua típica predisposição em questionar aquilo que os mais velhos muitas vezes tendem a tomar como “assim sempre foi e assim sempre será”. Tradicionalmente, a juventude esteve presente nos momentos de grandes transformações sociais, conferindo a eles renovação e energia. Na história do nosso próprio país, podemos ver como o movimento estudantil (forma mais comum da juventude se organizar) teve peso em diversas lutas sociais, tendo sido por vezes a alavanca que as impulsionou.

        Porém, as formas de luta empregadas pela juventude por si sós não tem como alterar drasticamente a realidade, pondo fim ao capitalismo. O exemplo da juventude arrasta, e isso a história nos prova constantemente. Mas é preciso ter em mente que a sua luta só atinge transformações profundas quando ataca o cerne dos problemas que nos cercam: o capitalismo – que se materializa principalmente na propriedade privada, no lucro e no poder de Estado. E para atingir a raiz do problema, a juventude só não basta. É necessário que o proletariado entre em cena.

        No Egito, centenas de milhares ocuparam a Praça da Libertação (Tahir) por quase dois meses, mas o ditador Hosni Mubarak só foi retirado do cargo quando trabalhadores do Canal de Suez e de outras bases importantes para a economia do país cruzaram os braços em uma forte greve geral em fevereiro de 2011. Entretanto, as ilusões desse movimento em setores dos oficiais do exército egípcio fizeram com que uma junta militar do exército substituísse Mubarak e mantivesse todas as condições de exploração, falta de democracia e os aparatos secretos de repressão e tortura do ditador.

        Da mesma forma, a luta dos estudantes chilenos por uma educação gratuita para todos (que se iniciou em agosto de 2011), mesmo que não tenha chegado à conquista dos seus objetivos, em muito se fortaleceu com a adesão de alguns setores operários. Nos próprios Estados Unidos, país bastião do capitalismo mundial, o “Ocupe” de Oakland (Califórnia) mostrou grande força quando os manifestantes deste movimento e muitos trabalhadores portuários se uniram para fechar as docas em resposta à repressão policial, o que provocou uma paralisação temporária das atividades do porto da cidade.

        Por mais que nem todos os exemplos de aliança com a classe trabalhadora tenham levado a conquistas definitivas, eles apontam o caminho e demonstram o quanto essa aliança potencializa uma luta. Isso ocorre porque os trabalhadores são os responsáveis pela produção de toda a riqueza e isso faz com que possam atacar diretamente os pilares do capitalismo. Portanto, uma das tarefas da juventude que se pretende revolucionária é que esta deve ter sempre como perspectiva combinar suas demandas específicas com aquelas do proletariado, buscando aliar ambos os setores em uma só luta.

        Em razão disso, nós criticamos os setores do movimento estudantil que tem ignorado a importante tarefa estratégica de buscar uma aliança com os trabalhadores e de defender os seus interesses. Tanto os camaradas que lideram o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) quanto os que estão à frente do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), que compõem a maioria da gestão do Diretório Central de Estudantes da UFRJ, não colocaram esta tarefa em pauta durante as eleições para a organização estudantil, nem durante a sua gestão, nem durante os principais processos de luta. [1] No caso do Centro Acadêmico do curso de História, isto é ainda mais evidente: a “Chapa 2 – A História Não Pára”, composta pelo PSTU e simpatizantes (que se organizam sob a bandeira da ANEL), e que venceu as eleições de 2011, nem sequer mencionava a palavra “trabalhador” em seus materiais de propaganda.

        Isto é uma adaptação à consciência atrasada de uma parcela dos estudantes, que não se identifica com os interesses da classe trabalhadora, e reflete que estes partidos estão dispostos a deixar de lado mesmo os pontos mais essenciais do programa marxista, que eles dizem reivindicar, para se limitarem a uma luta por melhorias na assistência estudantil. Está ausente dessa concepção uma estratégia de como os estudantes podem conseguir conquistas históricas e mesmo importantes vitórias imediatas. Para nós estas só podem ser conseguidas com uma aliança (cada vez mais) firme entre o movimento estudantil e o movimento dos trabalhadores, começando com os trabalhadores dentro da universidade, inclusive os terceirizados.

        Por sua vez, a UNE (União Nacional dos Estudantes), principal organização do movimento estudantil brasileiro, apoiou as eleições de Lula e Dilma e mantém até hoje a sua defesa política do governo do PT, que ataca sem tréguas os estudantes, entregando milhões às universidades privadas enquanto sucateia as universidades públicas, cortando milhões das verbas destinadas à educação. É o mesmo governo que ataca os salários dos trabalhadores, os seus direitos previdenciários e endurece com as greves de norte a sul do Brasil. Dirigida pelo PCdoB/UJS, aliados do governo do PT, a UNE foi se transformando cada vez mais em um obstáculo às lutas dos estudantes. Mais recentemente, os dirigentes estudantis da UJS (União da Juventude Socialista, ligada ao PCdoB), estabeleceram pactos políticos com os governos de Sérgio Cabral e Eduardo Paes (ambos do PMDB), que são inimigos mortais dos trabalhadores do Rio de Janeiro. Nenhuma luta legítima em defesa dos estudantes e trabalhadores é possível quando se está associado com os seus carrascos. A UJS não questiona nem mesmo da forma mais tímida o capitalismo e colabora abertamente com o governo do PT aliado aos latifundiários, financistas e empresários.

        Os problemas centrais impostos pelo capitalismo não podem ser solucionados através de reformas realizadas no marco do sistema. Por mais que algumas conquistas significativas possam ser temporariamente obtidas nos quadros da sociedade capitalista como fruto da luta das massas, a existência da propriedade privada, e do poder de Estado que garante militar e ideologicamente essa existência, são barreiras permanentes a avanços maiores. E mesmo aquelas conquistas arrancadas à força podem ser revertidas pela burguesia enquanto esta possuir o controle do Estado. A mobilização é passageira, o Estado não. Por isso, a correlação de forças não tem como ser permanentemente mantida contra a burguesia enquanto esta possuir o Estado e os meios de produção. A destruição desses pilares é uma tarefa que permanece atual.

        Muitos ativistas honestos do movimento estudantil, que lutam por uma educação de qualidade, desenvolvem uma repulsa contra os partidos em geral. Esse apego ao apartidarismo tem raízes variadas. A aversão dos jovens contra os partidos da burguesia, que através de canalhices legais e corruptas exploram os trabalhadores, é extremamente progressiva. A desconfiança com relação ao PT, ao PCdoB e seus aliados, com sua trajetória de traições e enganações aos estudantes, é também extremamente progressiva. Mas esse sentimento progressivo em relação a tais partidos não deve ser estendido a um partido revolucionário.

        O partido revolucionário é uma ferramenta indispensável para combater a influência dos inimigos da juventude e da classe trabalhadora. O seu papel é buscar desafiar a posição de domínio dos líderes traidores dos oprimidos, que ao buscar conciliação com os seus carrascos, são o maior obstáculo para uma luta bem sucedida. Sem o seu partido revolucionário, os trabalhadores e a juventude ficam entregues à passividade ou mesmo ao controle (frequentemente burocrático) dos partidos que servem (direta ou indiretamente) aos interesses dos capitalistas. Por isso, o ódio a “qualquer tipo de partido”, inclusive à construção de um partido revolucionário, é um tiro no pé de todos aqueles que desejam conscientemente a construção de uma sociedade radicalmente diferente.

        Na ausência do partido revolucionário, a burguesia e os defensores da ordem se colocarão à frente dos trabalhadores e jovens, impedindo vitórias, criando ilusões sobre quais devem ser seus objetivos e sobre quem são seus aliados e quem são seus inimigos. Todas as lutas que mencionamos aqui demonstraram o potencial transformador da juventude e dos trabalhadores. Porém, a ausência de uma direção revolucionária permitiu que estas se limitassem aos marcos do capitalismo, ou mesmo que buscassem a conciliação com seus carrascos.

        A saída para romper com as correntes políticas que mantém os jovens e trabalhadores submetidos às diversas formas de ideologias burguesas é a construção de um instrumento que seja a um só tempo uma ferramenta para intervir nas lutas e ajudá-las a se fortalecer e serem vitoriosas, e transmitir ao proletariado o programa da revolução socialista, construído através da análise das experiências históricas da luta de classes internacional. Um instrumento, portanto, para “explicar paciente e sistematicamente” ao proletariado e aos jovens a necessidade do socialismo, e mostrar através das lutas concretas a justeza dessa necessidade. Tal instrumento é o partido revolucionário, a ferramenta mais avançada que pode ser criada pelo proletariado, e pelos seus aliados, para a defesa dos seus interesses.

        NOTA

        [1] Em muitas das reuniões internas da entidade estudantil que dirigem (ANEL), assim como em alguns materiais específicos, os camaradas de liderança do PSTU costumam levantar corretamente as bandeiras pela aliança proletária-estudantil. Tal bandeira, entretanto, desaparece completamente quando tal partido realiza sua intervenção em fóruns mais amplos da universidade, em eleições estudantis e momentos de luta, sobretudo naqueles em que fazem blocos políticos com o PSOL.

        A Escola de Robertson de Construção de Partido

        Eu gostava de Gerry Healy…”

        A Escola de Robertson de Construção de Partido


        Esta é a tradução para o português de um artigo da Tendência Bolchevique publicado em meados de 1986 que discute a destruição do Partido Revolucionário dos Trabalhadores britânico (WRP) dirigido por Gerry Healy e a degeneração organizativa e política da Liga Espartaquista dos Estados Unidos (SL). O texto mostra como o tipo de degeneração burocrática da SL não é uma exclusividade sua. Também discute como a saúde organizativa de um grupo é uma questão política da mais importante e que pode preceder a degeneração de aspectos programáticos formais. A tradução foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em fevereiro de 2011 com base na versão disponível em bolshevik.org.

        A poeira só está começando a baixar após a maior (e mais suja) explosão na história recente entre os pretendentes internacionais ao trotskismo: a espetacular ruptura do Partido Revolucionário dos Trabalhadores britânico (WRP). Gerry Healy, “líder-fundador” do WRP, e Michael Banda, o seu braço-direito de longa data, romperam da forma mais asquerosa no fim de outubro passado. Banda ganhou o grosso da militância, o aparato real do partido e a planta de impressão; Healy manteve os Redgraves (as estrelas de cinema Vanessa e seu irmão Corin) e com eles o que restou da principal fração “operária” do WRP – no Sindicato dos Atores. Eles racharam até mesmo os satélites; os norte-americanos optaram pelos realizadores do motim, enquanto os gregos e espanhóis ficaram do lado do líder infalível.

        Toda a história começou em julho passado, quando Banda e Aileen Jennings, secretário pessoal de Healy, e outros “companheiros chegados” iniciaram um golpe palaciano com alegações de que as atividades sexuais de Healy com 26 mulheres membros do partido representavam um risco de segurança em potencial para a organização. (Isso por si só é extremamente irônico, já que Healy foi por anos um dos maiores praticantes mundiais de um fetichismo fraudulento por “segurança” como uma maneira de caluniar seus oponentes políticos como agentes infiltrados no movimento dos trabalhadores). Healy supostamente teria aceitado isto e proferido sua retirada da liderança ativa do grupo, que seria declarada oficialmente em razão dos seus longos serviços e saúde debilitada.

        Mas Healy passou as primeiras semanas da sua “aposentadoria” organizando a maioria do Comitê Político do WRP para um contra-ataque. Banda apelou para o Comitê Central (onde aparentemente ele ainda tinha maioria segura) e imediatamente expulsou Healy. Banda deu continuidade a isso publicando um relatório lúgubre das alegadas explorações sexuais abusivas de Healy, e outros malfeitos burocráticos, no Newsline, o jornal do WRP que possuía uma circulação diária. Os apoiadores de Healy se reagruparam e logo lançaram o seu próprio Newsline, que anunciava a expulsão de Michael Banda do WRP de Healy. Conforme a polêmica esquentou, ambos os lados acusaram um ao outro de “revisionismo” e trocaram acusações de “idealismo subjetivo”, “pragmatismo” e vários outros epítetos do dicionário de pseudo-dialética obscurantista que há muito tempo era uma especialidade do WRP. Mas havia na verdade apenas uma questão: qual galo iria mandar no galinheiro, ou melhor, na sede do WRP em Clapham.

        As revelações espetaculares de Banda sobre a conduta sexual de Healy receberam atenção considerável da imprensa britânica e parecem ter espalhado interesse sobre os acontecimentos internos do WRP em muitos que normalmente não prestam lá grande atenção em tais coisas. Mais surpreendentemente ainda, um candidato do WRP a presidente do poderoso Sindicato Unido dos Trabalhadores de Engenharia recebeu colossais 15 mil votos na semana em que o escândalo foi anunciado. Brian Behan, irmão do autor irlandês Brendan, e um antigo membro de liderança do grupo de Healy que saiu da organização nos anos 1960, perguntou ironicamente: “Que cidadão inglês em sã consciência não iria querer entrar no partido de Healy, dada a sua atitude aberta para com a promiscuidade? Eu estive tentando estrar em contato com ele a semana toda.” (Sunday Times, 10 de novembro de 1985).

        O racha do WRP só pode ser visto como uma coisa boa para o movimento revolucionário na Grã-Bretanha e em todos os outros lugares onde Healy opera. A confissão largamente reproduzida de Banda sobre os ataques físicos de longa data praticados por essa organização contra seus críticos, ambos internos e externos, e a sua completa prostituição ao governante da Líbia, Muammar Kadafi, e vários outros bonapartistas reacionários do Oriente Médio, só podem acelerar o necessário, e demasiado demorado, desaparecimento de ambas as alas desse bando de cínicos abomináveis e repulsivos.

        SL: Healyismo Sui Generis

        O grave racha na organização de Healy foi naturalmente comentado pela maioria das tendências que reivindicam o trotskismo. Mas nenhuma prestou mais atenção do que a Liga Espartaquista centrada nos Estados Unidos (SL), que publicou rapidamente uma edição de 64 páginas da sua revista teórica em inglês devotada a essa questão. Há várias razões para tamanha atenção. O grupo Espartaquista se originou no começo dos anos 1960 como a oposição de esquerda dentro do Socialist Workers Party [Partido dos Trabalhadores Socialistas] dos EUA, que se movia cada vez mais à direita, e considerou a Liga Trabalhista Socialista britânica (SLL – precursora do WRP) de Healy como sua liderança internacional. Logo no começo (em 1962) Healy deu aos seus apoiadores norte-americanos um gostinho das suas táticas organizativas “linha-dura” quando ele rachou a tendência em cima de recusa da maioria em se colocar sob seu comando organizativo. Quatro anos depois, na infame “Conferência de Londres”, a SL e os healyistas finalmente se separaram quando o líder da SL James Robertson se recusou novamente a se submeter às ideias burocráticas ultrajantes de Healy sobre “disciplina” na sua internacional.

        Esta é parte da razão de por que a SL mostrou interesse tão intenso na ruptura dos healyistas. Mas há outra razão mais constrangedora para Robertson cobrir o racha na liderança do WRP tão ostensivamente. É a tentativa de estabelecer tanta distância quanto possível entre o seu estilo de liderança política e aquele do seu mentor de outrora. Um largo espectro de antigos quadros do grupo de Robertson apontou que o modelo das abomináveis práticas organizativas atribuídas ao WRP nas páginas de Spartacist, a revista teórica da SL, se encaixa bastante confortavelmente na própria SL.

        A organização de Healy era infame pela sua manutenção da “disciplina” interna por meio de agressões físicas aos seus críticos e oponentes. Isso é algo de que a SL não é culpada no nosso conhecimento. Nós notamos, porém, que dentro da organização demonstrações desse apetite são crescentemente comuns. Em uma carta escrita após a sua saída, um antigo membro do satélite britânico da organização de Robertson notou a tendência do grupo em ver oponentes na esquerda como inimigos de classe:

        De acordo com o tesoureiro nacional, [dois antigos membros] ‘foram para o lado da burguesia’. Esta é a posição da organização? Parece que sim. Eu acredito que isso consiste na mais recente ilusão paranoica sobre uma ‘panelinha de desertores’ comprometida com a destruição da SL/B [Liga Espartaquista/Grã-Bretanha]. A ideia de que pessoas que perderam a esperança com a monotonia da SL/B são inimigos ativos da organização e, portanto, com uma simples operação de lógica sectária, agentes da burguesia, é ao mesmo tempo ridícula e perigosa. Talvez vocês possam explicar por que Len disse [para um antigo membro] para que ele se lembrasse do que momentos de radicalização violenta costumam fazer com ‘pessoas como ele’. Ou por que Ed se sentiu compelido a dizer [para outro membro] que ‘se nós estivéssemos em [outro país] nós iríamos arrebentar você’. Observações banais num momento de irritação? Talvez. Mas então todas as medidas são a princípio permitidas contra o inimigo de classe, não é? E o que quer dizer concretamente ‘ir para o lado da burguesia? ’.”

        Se os membros, ex-membros ou oponentes da SL na esquerda são de fato “racistas”, “fascistas”, “amantes de nazistas”, “fura-greves” ou “provocadores do COINTELPRO [FBI]” (calúnias que a SL tem lançado com crescente frequência contra os seus adversários declarados, incluindo nós, nos anos recentes) então a questão sobre que medidas são permissíveis para combatê-los é de fato apenas uma “questão tática”. A SL surgiu como um agrupamento distinto e separado dos healyistas principalmente em oposição às táticas corruptas da liderança da SLL. Ela posteriormente passou por uma longa evolução de volta a muitas das técnicas que ela uma vez rejeitou. Hoje a SL é uma formação qualitativamente idêntica à SLL dos anos 1960. Vale a pena notar que a “descoberta” da iSt [Tendência Espartaquista Internacional] de que os seus membros de base eram no fundo racistas, fascistas e indivíduos com conexões sinistras com a polícia, foi feita apenas bem recentemente. Esta é uma das provas decisivas da decadência final da liderança da SL ao gangsterismo político.

        Vida Interna na SL e no WRP

        Uma das distinções superficiais que podem ser feitas entre a SL e os healyistas é a função do líder máximo. Enquanto Healy foi proeminentemente retratado na literatura e atividade pública do WPR por anos, o status de Robertson como o guru idiossincrático da SL é mais para consumo interno. Apesar disso, os fundamentos da “questão do partido” tem sido os mesmos em ambos os grupos por anos. Em ambas organizações toda a autoridade vem do líder supremo, e a devoção ao califa é a mais importante questão política.

        Robertson refinou e melhorou as técnicas de Healy para a supressão de dissidentes internos. Na SL já são 18 anos desde a última luta fracional. Joseph Seymour, o intelectual de Robertson posicionado “acima das disputas” empreendeu em 1978 uma tentativa de oferecer uma explicação “marxista” para esse fenômeno particular. De acordo com Seymour, a vida fracional árida dentro da SL “é condicionada pelo fato da ausência de circunstâncias objetivas que exigem mudanças maiores ou inovações na linha política ou viradas organizativas não antecipadas”. Já faz oito anos desde que isto foi escrito e ainda nada no mundo real teve impacto suficiente para produzir qualquer dissidente interno na SL. Assim como Healy tentou quebrar Robertson em Londres em 1966, qualquer um que seja considerado capaz de se tornar um oponente fracional na SL é quebrado e/ou dispensado de uma forma ou de outra muito antes de levantar quaisquer divergências.

        Diferente da Liga Espartaquista, o grupo de Healy tem tido uma série contínua de oposições políticas, algumas das quais foram ao menos autorizadas a escrever documentos e oferecer relatórios contrapostos nas conferências do partido. Em 1971, o grupo de Blick-Jenkins rompeu para entrar no Partido Trabalhista quando os seus colaboradores internacionais – os antigos parceiros de Healy na Organização Comunista Internacionalista francesa [dirigida por Pierre Lambert] – romperam relações com a SLL. (Na edição de 6 de dezembro de 1985 de New Statesman, Robin Blick lembrou como nessa ocasião ele foi “socado e sua cabeça batida contra a parede”). Em 1974, Allan Thornett liderou mais de cem pessoas para fora do WRP para formar a organização centrista Liga Socialista dos Trabalhadores (WSL). Cinco anos depois, uma pequena oposição fracional, liderada por Royston Bull, um antigo escritor da equipe do Newsline, deixou o WRP. Bull, por sua própria conta, conseguiu sobrevier por cerca de quatro anos como um oposicionista ocasional antes de finalmente decidir pular do barco.

        A descrição de Bull do regime interno do WRP tem uma semelhança evidente com a SL hoje:

        Uma falha marcante do WRP é a sua incapacidade para construir uma coluna estável de quadros proletários ou de juventude capazes de liderar qualquer seção do movimento de massas.”

        O comandismo categórico sem fim da liderança cria doutrinários inflexíveis que são incapazes de sentir ou reagir às mudanças no movimento de massas. A motivação principal da vida dos quadros do WRP é a dependência com relação à liderança e assim, o próprio impulso que dá vida a um quadro revolucionário, a sua prática partidária dialética com o movimento dos trabalhadores, que envolve tomar decisões por conta própria, corrigir erros, liderar lutas, etc. é totalmente ausente. Essa relação burocrática sem vida entre o partido e seus quadros estrangula qualquer chance de crescimento real e recrutamento entre os trabalhadores e a juventude.”

        — “O Partido dos Trabalhadores e a Luta pelo Restabelecimento das Tradições Bolcheviques”, outubro de 1981.

        Um antigo membro dos espartaquistas, não associado atualmente com a Tendência Bolchevique, fez algumas observações memoravelmente similares sobre a vida no grupo de Robertson:

        Não é acidental que os membros como um todo são permeados de medo (da liderança) e exibem massiva confusão política. O estado dos membros reflete a paranoia desenfreada da liderança. Incapaz de estabelecer qualquer perspectiva concreta, a liderança crescentemente volta suas energias para o ‘processo de manutenção interna’…”.

        Os membros são mantidos num estado de ignorância forçada. Desprovidos de educação política, formal ou informal, desestruturados por uma agenda sobrecarregada (em grande parte de serviços administrativos maçantes prestados à organização), os membros são levados a aceitar o programa de papel da SL (quer eles o entendam quer não) ou são denunciados. Você percebe… que virtualmente ninguém discute política fora das reuniões formais? Você está ciente de que a maior parte dos membros nem mesmo lê os jornais que não sejam da imprensa de [um oponente na esquerda]?”

        Em um discurso reimpresso na edição de novembro de 1985 de Jovem Spartacus, o porta-voz da SL Ed Clarkson critica os membros da Liga da Juventude Spartacus [juventude da Liga Espartaquista] por “insegurança baseada em ignorância”. Clarkson se impressiona com o fato de que “o que nós tendemos a ter nas disputas da juventude são confissões e denúncias, ao invés de lutas esclarecedoras”. Clarkson prosseguiu dizendo à juventude que:

        Se vocês forem se desenvolver na forma como Lenin propôs, isso exige, no nível individual, alguma capacidade de autoconfiança, que era a marca da juventude, mas que parece estranhamente ter desaparecido por volta da última década. Isso significa que vocês devem agir como se soubessem o que vocês estão fazendo. De fato, devem ser até bastante arrogantes nesse aspecto, e talvez nós tenhamos algumas boas disputas então.”

        Mas a juventude viu “boas disputas” demais no estilo SL para desejar estar na lista negra de uma. A razão para a vida interna da Liga da Juventude Spartacus ser feita de “confissões e denúncias” é porque isso foi tudo que eles aprenderam. As “disputas” dos dias de hoje no grupo de Robertson são conduzidas ao longo de sessões de “crítica/autocrítica” como as da Guarda Vermelha chinesa – denúncias orquestradas pela liderança que são seguidas de confissões dos membros.

        Capatazes servis desprovidos de capacidade revolucionária’

        A análise de Spartacist da vida interna do WRP aponta que esta também consistia largamente de “confissões e denúncias”:

        Houve uma destruição sistemática de quadros: abusando deles politicamente e depois mantendo-os num estado de isolamento como fracos, quebrando o seu auto-respeito ao extrair deles falsas confissões, usando a sua lealdade aos ideais professados de socialismo para torna-los cúmplices em crimes contra seus próprios camaradas e os camaradas de outros grupos”.

        Os healyistas não tem monopólio de tais técnicas para a destruição da fibra moral dos quadros. Aqui está um relato de uma testemunha ocular de um pouco de “construção de partido” na afiliada britânica de Robertson em meados de 1982:

        A SL/B, de acordo com a liderança internacional, ‘estava em muito boa forma’. Esta caracterização esteve correta até o curso de formação nacional de agosto de 1982. Então algumas semanas depois tudo foi por água abaixo. A liderança da SL/B acabou que era culpada de racismo. Desde uma organização saudável ao racismo em poucas semanas – isso deveria deixar até mesmo o observador mais bobo um pouco suspeitoso!”

        Uma enorme delegação internacional viajou para ‘descobrir’ o que estava acontecendo na Grã-Bretanha… A estrutura de poder seria quebrada e uma nova e diferente liderança seria eleita. Exceto pelo fato de que a velha liderança foi deixada intacta com a adição de alguns elementos mais abusivos da base. E David [o antigo dirigente] foi reduzido a um colapso emotivo. Eu não acho que algum dia vou me esquecer da reunião do CEI [Comitê Executivo Internacional] que precedeu a plenária. David se apresentou para falar na sua vez. Ele ficou na frente como uma figura patética, seus movimentos estranhamente mecânicos como se ele desesperadamente tentasse tirar algumas palavras da boca. O som do silêncio só foi interrompido pelo som de vários membros do CEI proferindo piadas e tolices. Quando as risadas diminuíram e toda atenção se focou em David, incapaz de falar ele começou a chorar e voltou para o seu lugar. Quando ele voltava alguém gritou ‘nos escreva uma carta’. ‘David… está em um estado muito emotivo’ proferiu Jim Robertson. Sem dúvida, indiferença a esse tipo de coisa é a marca de um verdadeiro ‘bolchevique’ da SL/B… ‘Preservação dos quadros’: não me faça rir.”

        A liderança internacional conduziu “disputas” semelhantes na maioria das supostas seções independentes restantes da organização internacional. Isso não impediu Spartacist de expor de forma indignada o centralismo burocrático que prevalecia na “internacional” de Healy, nem de tirar lições corretas abstratas da história da Internacional Comunista:

        A importância do direito de as seções nacionais, dentro dos limites de um programa unitário internacional, fazerem as suas próprias escolhas táticas e escolher sua liderança é demonstrada pela degeneração da Internacional Comunista sob Stálin, que reduziu as lideranças nacionais a capatazes servis ao Kremlin, incompetentes e desprovidos de capacidade revolucionária”.

        A validade dessa observação é demonstrada no caso da iSt, pela atividade centralizadora de Nova Iorque sobre a dúzia de outros núcleos estrangeiros estagnados da SL/EUA (vulga “tendência Espartaquista internacional”). Talvez o exemplo mais forte disso tenha ocorrido na Grã-Bretanha durante as semanas do conflito das Falklands/Malvinas com a Argentina em 1982, quando a SL/B realizou um fórum para discutir a situação no sindicato de trabalhadores de transporte e Nova Iorque! Quando um antigo membro sugeriu que o fórum deveria ser adiado para poderem debater a aventura militar imperialista que estava acontecendo no Atlântico Sul, lhe informaram que fazer isso seria ser “regionalista”!

        Ziguezagues e Giros

        Uma característica distintiva dos mercenários políticos healyistas é a sua capacidade para realizar giros políticos abruptos e desarticulados. Esse padrão também se tornou uma característica da SL. Em 1981, por exemplo, depois de lançar uma campanha de recrutamento baseada em apenas três pontos programáticos (um dos quais era “jamais atravessar piquetes”), a liderança da SL anunciou que a posição “interna” do grupo na luta de vida ou morte entre o sindicato dos controladores de voo norte-americanos e a administração Reagan era “não há problema em viajar de avião”. Aqueles que foram contra essa política foram colocados para fora do grupo sem aviso prévio. Viajar de avião durante a greve se tornou uma forma de demonstrar “lealdade ao partido” e muitos camaradas até mesmo agendaram voos para viagens que normalmente eles teriam feito de carro.

        Em julho de 1984, a liderança “única a estar correta” da SL anunciou o perigo de um iminente golpe de Estado fascista contra a convenção nacional do Partido Democrata em São Francisco – e se voluntariou para mandar uma dúzia de guardas de defesa para evita-lo. Dez meses depois, após ganhar uma disputa judicial fora das cortes a respeito da investigação do FBI sobre a Liga Espartaquista, Workers Vanguard anunciou que todos os membros da SL iriam, daquele momento em diante, receber cartões de membros assinados indicando a data em que haviam se unido ao grupo. Dificilmente uma medida apropriada para um período em que a supressão da democracia burguesa é um perigo imediato.

        Alguns meses depois, Robertson e seus quadros se vestiram com chapéus de bruxa, máscaras de porco e uniforme nazista e marcharam por um campus universitário de São Francisco como “Os Vingadores Vermelhos de Xandra” para impedir uma suposta armação do conselho de burocratas estudantis (e do FBI). Todos esses giros foram inevitavelmente aplaudidos na organização Espartaquista com uma demonstração unânime de entusiasmo por aqueles desejosos de permanecer no grupo. Os membros foram levados a aceitar que a realidade social é qualquer coisa que Robertson disser que é.

        Pronunciamentos arbitrários e erráticos são característicos de cultos carismáticos, incluindo os políticos. Em um artigo na edição de 17 de junho de 1983 de Times Higher Education Supplement há muitos anos atrás, Roy Wallis observou que numa tentativa de impedir ameaças “a sua autoridade livre e sem obstáculos”, líderes supremos de vários tipos tendem a introduzir:

        mudanças imprevisíveis e exigências [sobre seus seguidores]. Isso pode tomar várias formas – frequentemente mudanças de ambiente, remoção de laços com fontes de apoio externas estáveis; enfraquecimento de laços estáveis entre casais e grupos dentro do movimento, por exemplo, quebrando laços sexuais exclusivos entre os membros; enfraquecendo relações de autoridades (que não as diretamente com o grande líder) que pudessem competir pela lealdade dos membros; introdução de novas crenças e práticas que fornecem oportunidade para os seguidores demonstrarem o seu compromisso, ou a falta dele, para com quaisquer questões que venham à cabeça do líder…”.

        Os ‘infiéis’ podem ser provocados a se declarar pela constante imposição de novas exigências, que levam ou ao protesto e exclusão ou à desistência. Tais abalos periódicos da rotina produzem entre os membros que sobrevivem uma sensação de liberação, de nova liberdade, uma sensação de excitação e frequentemente de renovado entusiasmo e de zelo e, mais importante, de um compromisso reforçado com o líder…”.

        O processo então tende a se auto-reforçar, levando em direção ao aparecimento de aspectos cada vez mais obscuros da identidade do líder, libertando desejos primários mais profundos, conforme as inibições sobre a sua indulgência são removidas. Enfraquecer estruturas institucionais e padrões não apenas constitui mudança e elimina as barreiras para mais mudanças, como também cria ambiguidades e conflitos de política e prática que deixa os membros sem um rumo claro de ação. Apenas observando constantemente o líder, se subordinando totalmente à sua inspiração do momento, e estando dispostos a se humilharem por sua falha em seguir tal inspiração bem o suficiente, podem os membros permanecer entre os favoritos”.

        Manipulação e Assédio Sexual

        Sexo é sempre uma boa forma de vender jornais e a imunda imprensa britânica teve um dia de festa com o racha no WRP. “Um Comunista Roubou Minha Esposa” e “Os Pesadelos Sexuais das Garotas de Gerry” foram manchetes típicas dos tabloides da imprensa. O fato de que Healy, de 73 anos de idade, teve relações sexuais com 26 (ou mesmo 260) mulheres não seria em si nenhum crime, apesar da lasciva acusação de Banda de uma “moralidade revolucionária”. Um jornalista britânico apontou que mesmo se Healy tivesse tido o dobro de parceiras do que Banda afirma ter havido, isso teria significado “menos de duas por ano, o que seria uma rotina calma para um ‘pegador’” (Sunday Times, 10 de novembro de 1985). A decisão de Banda de ir à imprensa burguesa com os contos devassos da vida sexual de Healy, que o Times caracterizou como “uma quebra bastante incomum das regras de etiqueta trotskistas” (2 de novembro de 1985) sugerem que o “novo” WRP se mantem firmemente na tradição sórdida do antigo. Mais importante, o WRP de Banda parece ter mantido tais acusações de forma deliberadamente vaga – combinando denúncias puritanas revoltantes das alegadas infidelidades matrimoniais de Healy (“devassidão sistemática”) com alegações de coerção e “investidas sexuais”. A afirmação de Banda de que “ele conhecia o Sr. Healy havia 35 anos, mas só recentemente descobriu sobre seu suposto mau comportamento” (Times, 30 de outubro de 1985) não pode realmente ser levada a sério.

        A questão das atividades sexuais consensuais dos membros de qualquer organização não é, em si, uma questão política, mas um assunto pessoal entre os indivíduos envolvidos. No entanto, como é levantado por Sean Matgamna em seu artigo sobre o racha do WRP no Socialist Organizer (reimpresso em Workers Vanguard, 15 de novembro de 1985), “É certo como dois e dois são quatro que nessa organização [o WRP] o aproveitamento sexual, e junto com ele o necessário assédio, intimidação ou pior, eram parte do modo de vida do líder”. Para aqueles que vivem em um micro meio social no qual é impossível discordar de um líder infalível sem correr risco de excomunhão, onde a realidade só pode ser interpretada com base nos seus pronunciamentos “que são os únicos corretos”, a questão da consensualidade está ao menos aberta ao assédio. Mulheres que caiam no gosto do líder, mas que não sejam recíprocas na sua atenção são passíveis de ser subjugadas a uma considerável pressão, sutil ou não tão sutil. Na SL, a liderança em algumas ocasiões caracterizou “politicamente” tais membros como “piranhas frígidas”. Nos locais de trabalho burgueses, esse tipo de coisa é chamado de “assédio sexual”. É um aspecto nojento, mas dificilmente surpreendente, da vida em seitas políticas de obediência.

        Como tudo mais na SL degenerada, a questão da “consensualidade” está sujeita a interpretações dependendo de quem está fazendo o que com quem. Alguns anos atrás, um dirigente visitante da franquia de Robertson na Grã-Bretanha, que passeava pelos Estados Unidos, teve o mau julgamento de dar em cima de várias companheiras dos líderes da SL, incluindo a esposa de Robertson. Esse “crime” foi, sem demora, usado como uma evidência da sua completa degenerescência numa subsequente campanha para expulsá-lo. Na SL não há crime maior do que ofender sua majestade, seja isso consensual ou não.

        O Coral Susanna Martin

        A afirmação de Banda de não ter sabido nada das atividades extraconjugais de Healy é obviamente tão hipócrita quanto as suas declamações sobre “moralidade socialista”. Aspirantes a Banda no Secretariado Político da SL não serão capazes de fazer tais afirmações. A existência de uma equipe de queridinhas de Robertson não é nenhum segredo. Elas têm até mesmo um nome: o “Coral Susanna Martin” (Susanna Martin foi uma bruxa que viveu nos Estados Unidos). Vestidas de preto, e carregando velas, elas fizeram uma apresentação diante dos delegados da Conferência Nacional de 1983 da SL. Workers Vanguard mencionou o desempenho dessa “associação de interesse privado” no seu balanço sobre a conferência (18 de novembro de 1983). Além de ser estranho e típico de uma seita, tal tipo de atividade faz lembrar convenções políticas burguesas, onde os delegados, tendo pouca influência na direção política do seu partido, são distraídos por uma apresentação sensacionalista. Na SL tais “associações de interesse privado” são de prerrogativa exclusiva do líder carismático. Outros membros foram atacados por “fazer panelinha” ao receber pessoas para jantar, socializar informalmente sem convidar a liderança, ou mesmo por falarem entre si no telefone “pelas costas do partido”. O outro lado da moeda do “Coral Susanna Martin” de Robertson é que líderes (homens) secundários no grupo foram periodicamente acusados de “manipular sexualmente” membros mulheres. Tipicamente isso envolve a “descoberta” de que o indivíduo em questão, que foi sempre insensato o suficiente para entrar na “lista negra”, estava dormindo com alguma mulher do grupo com a qual ele não era casado. Em um caso de nosso conhecimento, “manipulação sexual” foi alegada sem qualquer evidência sequer de que havia havido qualquer transgressão ao sétimo mandamento. Quando o acusado questionou como essa acusação poderia ser feita quando ele a negava, e todas as suas supostas vítimas a negavam, ele foi informado de que esse era o pior tipo de manipulação – ela tinha sido tão bem feita, que mesmo sob considerável pressão do partido, as próprias vítimas não conseguiam ver o que havia acontecido! Essa é a característica de “Alice no País das Maravilhas” da vida interna “ricamente democrática” da tendência Espartaquista. Manipulação sexual, como todo o resto na SL, significa exatamente aquilo que a liderança quiser que signifique.

        A Questão do Dinheiro

        Uma das questões tocadas pela disputa no WRP foi dinheiro. No caso dos healyistas, envolveu centralmente a prática totalmente corrupta de “se alugarem” como propagandistas para vários ditadores do Oriente Médio, uma prática que isolou o WRP do movimento dos trabalhadores há muitos anos atrás. Matgamna cita relatos na imprensa burguesa de que “militantes do Iraque que vieram para uma reunião do WRP foram depois entregues ao regime iraquiano, que os assassinou. Banda é citado dizendo que o motivo disso era conseguir ‘pacotes de dinheiro’”. Há outro ângulo da questão financeira e na forma como ela se relaciona com o regime de Healy além do local de onde o dinheiro veio. Isto é, quem gastou quanto com o que, e a quem eles prestaram contas. O London Times relatou em 30 de outubro de 1985 que “os apoiadores do Sr. Banda… foram acusados ontem de serem culpados de causar uma crise no partido por inventar os balanços financeiros”. Banda supostamente teria acusado Healy de ter feito um desvio de 20 mil libras e de ter comprado um BMW de 15 mil libras para si próprio com dinheiro do WRP. O artigo da Liga Espartaquista observa que “Nossa própria experiência também demonstra que Healy sempre foi fixado em dinheiro”. E quanto a ti, James Robertson?

        A questão do dinheiro em uma organização altamente burocratizada é inevitável e particularmente sensível. A liderança guarda mesquinhamente o seu monopólio do cofre e geralmente é extremamente adversa a qualquer sugestão de prestar contas aos membros de base. Qualquer membro ingênuo ou impertinente o suficiente para perguntar a Healy ou a Robertson pelos livros de contabilidade iria rapidamente aprender que (a) é impossível por razões de “segurança” e (b) tal questão envolve falta de confiança na liderança, ou seja, uma “atitude anti-partido” (que geralmente é fatal).

        Na entrevista especial com Robertson sobre a Conferência de Londres de 1966, um dos seus falsos entrevistadores bajuladores perguntou “Quando você desenvolveu o slogan ‘o que Healy fizer, faça o contrário’?”. Isso é de fato uma piada amarga para aqueles que experimentaram em primeira mão o “anti-healyismo” estilo SL. Robertson respondeu com uma enorme propaganda de seu regime “maravilhosamente compassivo”. Ele contrastou a técnica healyista de dobrar a carga de trabalho sobre camaradas exaustos, com o seu próprio método em situações assim: “Bom, camaradas, tirem algumas férias agora. Vão fazer mergulho, ou viajem para Portugal, ou alguma outra coisa. Paguem com o seu dinheiro aquilo que vocês puderem e talvez o tesouro do partido possa ajuda-los”. Com as extorsivas cotas da SL, a maioria dos membros mal pode manter um carro ou comprar roupas, quanto mais sair de férias. Para aqueles que, aos olhos da liderança, estão “se saindo bem” é outro assunto. Eles podem realmente tirar férias em Portugal por cortesia do tesouro do partido. Robertson, segundo relatos recentes, manteve um fundo pessoal bem gordo para tais contingências. Ocasionalmente sabe-se que ele cata bem fundo no tesouro do partido para comprar presentes caros para suas amigas.

        Aqueles que estão “se saindo bem” são frequentemente convidados para jantar. Alguns líderes principais (como Robertson) até mesmo conseguem a construção de caros apartamentos em Manhattan para eles com fundos e trabalho dos membros do partido. Camaradas que não tem disponibilidade para cumprir funções no partido ou ir a mobilizações, são algumas vezes encorajados a fazer empréstimos para contribuir com a organização. Aqueles que forem bem vistos pela liderança podem depois receber ajuda em amortizações. Outros pagam em dinheiro.

        A estrutura financeira da SL é projetada para reduzir todos os membros à penúria. Isso gera receita para o tesouro do partido e também tende a reforçar o desejo dos membros de se agraciarem com a liderança através de um sistema de recompensas materiais triviais. Aqueles que estão na folha de pagamento do partido [os militantes profissionais remunerados] são duplamente dependentes de permanecer bem aos olhos da liderança; punição por enganar “o partido” (ou seja, James Robertson) pode variar desde um corte no seu já miserável salário até mesmo a uma demissão imediata.

        SL/WRP: a Questão do Regime Interno como uma Questão Política

        Um dos novos pontos políticos introduzidos no especial de Spartacist sobre o WRP é uma tentativa de levar em conta o fato de que a degeneração da SLL do “trotskismo ortodoxo” ao gangsterismo político ficou primeiramente evidenciada nas suas práticas burocráticas internas. Esse é um ponto de considerável importância para a liderança da SL, que manteve como um artigo de fé o puro silogismo da “defesa” das suas próprias práticas internas burocráticas: (a) a superestrutura ou regime de uma organização política é derivada do seu programa político e, portanto, (b) um grupo com um programa revolucionário não pode, por definição, ser burocrático. De acordo com os líderes da SL, a questão do regime não é uma questão “política” independente e qualquer um que levante críticas organizativas sem ter um programa “político” completamente oposto é um baderneiro sem princípios.

        No entanto, houve sempre uma disparidade entre essa posição e as conclusões que a SL tirou da sua experiência com Healy na Conferência de Londres de 1966: “o aparato de Healy e Banda subordina questões políticas reais de acordo e desacordo a exigências de interesse organizativo e políticas de prestígio pessoal. Essa tendência organizativa é por si só uma questão política de primeira ordem” (Spartacist, Junho-Julho de 1966).

        A liderança da SL tenta resolver essa contradição na sua edição especial sobre os healyistas com a afirmação profunda de que a organização de Healy nunca foi um agrupamento revolucionário – embora por dez anos ela tenha sido o principal expoente internacional do trotskismo autêntico.

        Robertson anuncia de maneira bastante irreverente na sua entrevista em Spartacist: “uma vez tendo encontrado a organização de Healy, eu não vi nela, de alto a baixo, nada de interessante de acordo com a minha compreensão de como uma organização comunista deve ser. E os healyistas de fato foram numa direção difusa.” Depois, Robertson oferece a sua opinião sobre o líder supremo da SLL: “Vamos ser claros: eu gostava de Gerry Healy, eu me dava bem com ele, nós convergíamos em todos os tipos de questão, comentários, nuances, táticas, como uma dupla de comunistas bastante rodados que já haviam passado por poucas e boas”. Aparentemente, Robertson ainda gosta de Gerry Healy. Em sua carta de novembro de 1985 de condolências a “Gerry”, Robertson afirma: “Eu não vejo nenhuma alegria no seu passado recente… eu lamento por você se você não ajudou a matar aqueles 21 comunistas iraquianos. E se você de fato não o fez, eu lhe desejo todo o bem”. A afeição de Robertson por Healy está enraizada na identificação profissional de um caudilho com outro – afinal de contas, eles estavam ambos no mesmo negócio, ainda que “Gerry” tenha exagerado um pouco aqui ou ali. Diferente de Robertson, nós certamente não desejamos nenhum bem a Healy, tenha ele ou não ganho “crédito” pelo assassinato dos militantes de esquerda iraquianos. É difícil imaginar que as vítimas do que Spartacist, em outro momento, descreveu como “terrível violência física contra os membros e crimes concretos contra a classe trabalhadora internacional” também lamentem.

        Spartacist levanta a questão de como os healyistas passaram desde um grupo que produziu o documento “Perspectiva Mundial para o Socialismo” de 1961 (um documento que Robertson em sua entrevista descreve como a “mais clara expressão do programa básico do trotskismo internacional que nós havíamos visto em um longo tempo”) até uma seita de criminosos políticos. A explicação que é oferecida é muito pouco convincente:

        Nós ficamos de fora da pista impactados pelo lado literário deles por muitos anos, pelo sucesso de Healy em ganhar seções significativas do aparato sindical e educacional do PC Britânico para uma posição que reivindicava o trotskismo. Eles escreviam muito poderosamente. E levou algum tempo para que Gerry passasse por cima disso, se aproveitasse, e criasse um tipo de seita nojenta, putrefata e sufocante.”

        Como foi que Gerry Healy foi capaz de ganhar várias centenas de quadros sofisticados do Partido Comunista para a “reivindicação” do trotskismo? E como foram esses “reivindicadores” do trotskismo capazes de produzir “talvez a melhor reafirmação do propósito de ser trotskista em língua inglesa desde a morte de Trotsky”? (prefácio da SL de 1970 para a segunda edição de “O que é uma liderança revolucionária?”). Se tudo era uma fraude e uma enganação desde o início, então porque levou algum tempo para “passar por cima” dessas características e “criar” uma seita?

        A resposta é que o programa de uma organização é a totalidade da sua prática no mundo – não apenas a sua propaganda escrita formal. Isso necessariamente inclui o mecanismo de organização interna que dá forma às respostas do grupo aos desenvolvimentos da luta de classes, ou seja, a “questão do regime”. A caracterização que nós fizemos da Liga Espartaquista por volta de 1982 em nossa declaração fundacional poderia se aplicar com igual validade aos healyistas de meados dos anos 1960. Também ela era “uma organização com uma profunda contradição entre uma visão de mundo marxista e um programa coerente e racional, e um regime interno crescentemente abusivo (e irracional). E o processo pelo qual essa contradição [seria] resolvida, [estava] incompleto”. Nem na SL do começo dos anos 1980, nem nos healyistas de duas décadas antes, o regime interno do grupo era um produto automático do seu programa formalmente correto. Em ambos os casos, este estava em contradição com as políticas declaradas da organização.

        Como nós observamos em “A Estrada para Jimstown”, na edição final do Boletim da Tendência Externa da iSt (número 4): “O burocratismo em última análise se opões ao programa revolucionário e deve eventualmente se expressar politicamente. Mas desvios programáticos formais não necessariamente precisam proceder uma degeneração burocrática”. Hoje a SL se desviou sistematicamente e repetidamente para longe da ortodoxia trotskista que ela uma vez defendeu, assim como Healy o fez no fim dos anos 1960. Dar “vivas” aos stalinistas cambojanos pró-Vietnã, como “verdadeiros comunistas”, viajar de avião durante a greve dos controladores de voo, caluniar oponentes e críticos na esquerda como “amantes de nazistas” e agentes de polícia, chamar pelo salvamento do braço colonial do imperialismo dos EUA no Líbano em 1983 – esses e outros desvios para longe do trotskismo, todos os quais ocorreram sem resistência interna significativa, foram antes preparados por uma atrofia da democracia interna do grupo e a sua consequente perda de capacidade de corrigir seus erros através de disputas políticas internas.

        O que Robertson e companhia buscam negar com sua afirmação de que o grupo de Healy nunca foi revolucionário é uma conexão viva entre a “questão do regime” e o programa impresso formal que a organização diz defender. Mas a história da SL – assim como aquela da SLL/WRP antes dela – prova simplesmente o oposto.

        Como o WRP, também a SL:

        (…) tem uma postura ‘trotskista’ que, apesar de fraudulenta, não deixa de ter significado para muitos membros. E a organização [de Robertson] fez frequentemente um trabalho competente ao expor a escória reformista e os confucionistas centristas que habitam a esquerda [internacional]; portanto, [a SL] é amplamente vista como ‘trotskista rígida’ em alternativa às traições da colaboração de classes.” – Spartacist, inverno de 1985-86.

        Mas a tendência Espartaquista hoje é apenas a última de uma grande fila de organizações certa vez revolucionárias que, sob as pressões do isolamento e do fracasso, se transformaram em algo inteiramente diferente do que elas eram originalmente. Como o grupo de Healy, do qual rompeu há cerca de 20 anos, a SL permanece como um exemplo de que a degeneração de pequenos grupos de propaganda revolucionários podem algumas vezes tomar cursos estranhos e imprevisíveis. Assim como a SL levou adiante a luta para reforjar a Quarta Internacional apesar da tentativa de destruição de Healy na Conferência de Londres de 1966, hoje a Tendência Bolchevique pretende garantir a continuidade do trotskismo autêntico, incluindo as contribuições do grupo de Robertson, sobrevivendo à transformação de tal grupo em uma seita de obediência e de mercenários políticos.

        A Morte de Kim Jong-Il e o Futuro da Coréia do Norte

        A Morte de Kim Jong-Il e o Futuro da Coréia do Norte
         
        Por Rodolfo Kaleb
        Fevereiro de 2012
         
        A Coréia do Norte, um dos últimos países de economia burocraticamente planificada, tem um novo “Líder Supremo” para substituir Kim Jong-Il, que morreu no fim de 2011: o próprio filho do burocrata, Kim Jong-Un. Esta é a segunda transição na liderança da burocracia estatal norte-coreana dentro dos marcos da família Kim. Os Kim e toda a camada privilegiada de burocratas de Estado que eles representam tem um dos regimes mais fechados do mundo. Ao mesmo tempo, o ódio das televisões, jornais e outros meios de comunicação burgueses contra a Coréia do Norte não se explica por este fato. Os capitalistas, de Washington a Paris, de Londres a Tóquio, jamais deixaram de prestar apoio a muitos governos tirânicos mundo a fora, desde que fossem subservientes a eles. O seu ódio intrínseco contra a Coréia do Norte, e o apoio enfático aos capitalistas sul-coreanos está na estrutura de classe daquele país.
         

        Estado, economia e burocracia
         
        Nenhuma burguesia nativa ou estrangeira controla a Coréia do Norte. O Estado norte-coreano é responsável pela manutenção, de maneira deformada e débil, de uma economia coletivizada, onde existem fortes barreiras contra a acumulação de capital sob a forma da propriedade privada capitalista. A burguesia foi, como um todo, expropriada econômica e politicamente e deixou de existir enquanto uma classe na Coréia do Norte no fim da década de 1940, muito embora a pressão das burguesias do restante do mundo, principalmente as imperialistas, permaneça afetando o país. Isso tem inclusive levado a burocracia dominante, que é a correia dessas pressões no Estado norte-coreano, a adotar medidas de abertura ao capitalismo, que põem em risco a natureza não-capitalista da economia.
         
        “A Coréia do Norte foi historicamente organizada sob linhas similares a outras economias centralmente planificadas. Os direitos de propriedade pertenceram largamente ao Estado, recursos foram distribuídos através de planos e não através do mercado, e preços e dinheiro não foram características centrais da economia. Até 1998, a constituição estatal reconheceu duas categorias econômicas gerais: empresas de propriedade estatal e cooperativas de trabalhadores. Do fim dos anos 1940 até o fim dos anos 1980, a Coréia do Norte teve uma das mais completas economias socialistas [sic] no mundo.
         
        “O PTC [Partido do Trabalho da Coréia] é o poder supremo na Coréia do Norte, e ele tem total controle sobre o governo e os órgãos de Estado. As revisões constitucionais de setembro de 1998 mantiveram as estipulações de que a ‘República Popular Democrática da Coréia deve conduzir todas as atividades sob a liderança do Partido do Trabalho’. Nenhuma decisão pode ser tomada sem a aprovação do partido, e o partido retém total controle sobre as iniciativas econômicas, fábricas e fazendas cooperativas.” (North Korea: A Country Study. Research Division, Library of Congress, 2009).
         
        Assim como nos outros Estados operários deformados remanescentes – Cuba, China e Vietnã – a burocracia da Coréia do Norte realizou certas aberturas ao capitalismo (embora em escala muito menor do que os outros três) e uma enorme desestruturação da economia planificada. Tais medidas são fruto do ainda maior isolamento econômico desses países após a destruição da URSS, e também uma capitulação da burocracia a pressões imperialistas. Essas contrarreformas facilitam o trabalho de restauração dos capitalistas, pois fazem crescer mais desigualdades e antagonismos na sociedade norte-coreana.
         
        A propriedade privada existe na Coréia do Norte, dentro de limites estabelecidos e controlados pela burocracia, enquanto uma forma minoritária de propriedade, mas a economia do país ainda é, no geral, de propriedade estatal, embora crescentemente distorcida pela má administração burocrática e pela penetração do mercado. Entretanto, essas mudanças não redefiniram, por si próprias, o caráter do poder estatal. Não houve ainda nenhuma destruição ou mesmo abalo sensível no Estado norte-coreano. A não ser que possamos falar em uma contrarrevolução “imperceptível” e que o Estado esteja se transformando “aos pouquinhos” em um Estado burguês (uma idéia que Trotsky corretamente apelidou de “reformismo ao contrário”) essas reformas econômicas ainda não mudaram o caráter de classe do poder dominante na Coréia do Norte. Só a destruição do atual aparelho de Estado e a sua substituição por outro erguido pela burguesia poderia ser identificada enquanto a vitória de uma contrarrevolução social.
         
        Os trotskistas tem a tarefa de defender a Coréia do Norte contra qualquer ameaça de restauração capitalista. A expropriação da classe capitalista na Coréia do Norte possibilitou muitas conquistas sociais – a saber, grandes avanços nos campos de direitos das mulheres, alimentação e habitação, saúde e educação. A renda per capta na Coréia do Norte era maior que a da Coréia do Sul até meados da década de 1970 (de acordo com a pesquisa Country Studiessobre a Coréia do Norte). Ao mesmo tempo, a burocracia da Coréia do Norte tem uma condição privilegiada e a desestruturação econômica que ela causa leva a desastres econômicos, como a grande fome resultante do colapso agrícola que afetou o país no início dos anos 1990. A burocracia é um órgão permanente de desigualdade, obtendo benesses lícitas e ilícitas, erigindo um padrão de vida desproporcionalmente mais alto do que o da população trabalhadora.
         
        Mas as condições de vida na Coréia do Norte, ainda que sem as terríveis deformações impostas pela burocracia, dificilmente poderiam superar a de muitos países capitalistas centrais. Apesar da retórica de aparência marxista dos governantes do país, não pode existir socialismo em uma nação tão pequena e atrasada enquanto o resto do mundo permanece capitalista. Discutindo a caracterização de “socialista” para a União Soviética (onde o desenvolvimento econômico era bem maior que na Coréia do Norte), Leon Trotsky concluiu:
         
        “Marx entendia, em todo caso, por ‘estágio inferior do comunismo’ uma sociedade cujo desenvolvimento econômico seria, desde o início, superior ao do capitalismo avançado. Teoricamente, essa maneira de colocar a questão é irreprovável, pois o comunismo, considerado em escala mundial, constitui, mesmo no seu estágio inicial, no seu ponto de partida, um grau superior em relação à sociedade burguesa. (…) É, pois, muito mais exato chamar o atual regime soviético, com todas as suas contradições, não de socialista, mas de transitórioentre o capitalismo e o socialismo, ou preparatório para o socialismo.” (A Revolução Traída, 1936).
         
        O socialismo, mesmo em seu provavelmente conturbado início pós-revolucionário, irá superar em muito o capitalismo mais avançado – para o que é necessário derrotar a burguesia mundial com a intervenção da classe trabalhadora nos países dependentes e centrais. Isolada, a Coréia do Norte permanece um país pressionado, e, portanto, prisioneiro das pressões imperialistas, ainda que indiretamente. O país negou o capitalismo, mas ainda não o superou, o que é parte essencial do desenvolvimento socialista.
         
        Os trotskistas buscam fazer a roda da história girar para a frente. O futuro da Coréia do Norte deve ultrapassar o seu passado capitalista, e não retornar a ele. Apenas o socialismo despertará as forças produtivas e a prosperidade global que o desenvolvimento tecnológico capitalista permite, mas que são retidas irracionalmente pelas crises e desemprego em massa, pelo empobrecimento da classe trabalhadora, pela divisão nacional entre os países, a concorrência local e global entre oligopólios imperialistas e pelas guerras geradas por esse mesmo sistema. Mas para expandir a revolução em nível mundial, os trabalhadores na Coréia do Norte precisam, em primeiro lugar, se livrar dos parasitas burocráticos que comandam o seu próprio país.
         
        A Segunda Guerra Mundial e o Chon Pyong
         
        A península da Coréia foi, entre 1905 e o fim da Segunda Guerra Mundial, uma região dominada pelo imperialismo japonês. Era uma nação principalmente agrária, mas com um proletariado jovem e concentrado nas grandes cidades. O Partido Comunista de orientação stalinista ganhou influência entre as massas ao organizar a luta armada contra a ocupação japonesa. A derrota do Japão na guerra e a subsequente destruição do império colonial japonês removeram o principal obstáculo para o sucesso de uma revolução no país. Quase toda a frágil burguesia coreana havia apoiado a ocupação japonesa e as massas populares lhes nutriam imenso ódio.
         
        O Japão começou sua retirada da Coréia diante das suas derrotas no Pacífico. A URSS stalinista declarou guerra ao Japão apenas nos últimos meses da Segunda Guerra, em 8 de agosto de 1945, e ocupou com seus exércitos a península coreana pelo Norte. Apesar de inicialmente planejar avançar livremente pelo território, a pressão dos Estados Unidos fez Stalin aceitar que o exército soviético não ultrapassasse o 38º paralelo, que garantiria aos capitalistas norte-americanos o domínio de Seul, desde então a principal cidade industrial da região. Os Estados Unidos só ocuparam a Coréia um mês depois, após uma invasão anfíbia em 9 de setembro, e mantiveram seus exércitos na parte Sul.
         
        Desde a saída do Japão, a luta de classes na Coréia entrou em uma situação pré-revolucionária. Cresceu enormemente a influência do Partido Comunista e surgiram espontaneamente comitês populares de massa. Vários comitês de trabalhadores também realizaram ocupações de fábrica de Norte a Sul do país. Foi a partir de ações desse tipo que se organizou o Chon Pyong(Conselho Nacional dos Trabalhadores), como uma forma de controle proletário das indústrias e bairros.
         
        A ocupação norte-americana no Sul da Coréia recebeu merecido ódio da população trabalhadora. O exército dos Estados Unido manteve a mesma legislação policial da ocupação japonesa para lidar com a situação explosiva da luta de classes. Os representantes da burguesia imperialista também colaboraram com os capitalistas nativos e montaram um governo fantoche do Partido Democrático Coreano (PDC) comandado por Synghman Rhee, que estava em uma posição de extrema instabilidade e não conseguiria ter se mantido sem a presença dos Estados Unidos.
         
        O Chon Pyong era dirigido principalmente pelos stalinistas, mas também influenciado por correntes de orientação socialdemocrata. Na parte Sul da Coréia, o instrumento de duplo poder dos trabalhadores coreanos foi logo posto na ilegalidade pelo governo burguês de Rhee. A resistência contra as prisões de líderes stalinistas no início de 1946 desencadeou uma luta de milhões que foi severamente reprimida e derrotada pela ocupação norte-americana. O impacto desse embate armado direto teve efeitos severos sobre os rumos da Coréia. Diante de extrema pressão imperialista, o exército soviético ocupante expropriou a burguesia nacional e estrangeira no Norte. Essa medida foi tomada pelos stalinistas porque dela dependia a sua sobrevivência, tendo em vista a pouca tolerância da ocupação imperialista com a turbulência social.
         
        O novo “aparato especial de homens armados” no Norte representava os interesses dos líderes militares stalinistas, que tomaram a URSS como um modelo. Os setores militares da burocracia stalinista, que dominaram desde o começo este Estado não tinham características próprias de uma classe social. Eles foram obrigados a reproduzir na Coréia do Norte a mesma base social estabelecida na União Soviética pelos trabalhadores revolucionários após 1917, ou seja, monopólio do comércio exterior e domínio estatal do comércio interno, propriedade estatal geral das indústrias e demais meios de produção, planificação econômica e estabelecimento de barreiras à acumulação de capital privado. Todas essas características, entretanto, foram deformadas pelo domínio da casta burocrática, que na Coréia do Norte esteve no controle desde a formação do Estado.
         
        O líder desta casta dominante recém-formada era Kim Il-Sung, que dirigia um destacamento coreano sob as ordens do exército soviético, e foi escolhido a dedo por Stalin para este posto. Os comitês populares do Norte foram incorporados à estrutura estatal e perderam a sua independência, mas mantiveram temporariamente sua existência. Assim surgiu a separação, marcada pelo 38º paralelo, entre a “República da Coréia” ao Sul e a “República Democrática Popular da Coréia” ao Norte.
         
        A Guerra da Coréia
         
         A luta de classes na Coréia continuou em graus flamejantes depois da retirada dos dois exércitos de ocupação em 1949, resultado de acordos diplomáticos. Durante todo o período anterior à saída da URSS e dos Estados Unidos, uma verdadeira guerra de baixo impacto ocorria entre o governo burguês da Coréia do Sul e guerrilhas urbanas pró-Norte. Não foi de nenhuma forma uma surpresa quando começaram a surgir conflitos de fronteira entre os dois Estados. Ambos os lados tinham planos belicosos um em relação ao outro. Em 3 de julho de 1950, um conflito se iniciou entre os dois Estados em razão de uma disputa de fronteira. O exército da Coréia do Sul derreteu enquanto as tropas do Norte avançavam – deserções em massa, devido ao amplo apoio popular do Norte, fizeram com que em pouco tempo as tropas de Kim dominassem quase toda a península, isolando as tropas sul-coreanas no extremo meridional.
         
        Durante os três meses nos quais a península foi mantida sob controle da República Democrática Popular da Coréia, várias empresas estrangeiras foram expropriados. A burguesia norte-americana, apoiada pelas outras potências imperialistas, reagiu. Em 15 de setembro de 1950, a recém-fundada organização das Nações Unidas interviu no conflito. A ONU foi a fachada para um exército formado por unidades de mais de 16 nações capitalistas, incluindo Estados Unidos, Grã-Bretanha e Canadá. Em algumas semanas, esse colosso contrarrevolucionário expulsou as forças do Norte 38º paralelo acima e chegou até a fronteira da Coréia com a China, no Rio Yalu. O terror contrarrevolucionário é sempre muito mais violento do que qualquer levante popular. Estima-se que o exército da ONU cometeu mais de cem mil execuções apenas na sua investida inicial em território coreano. Deve ficar bem marcado na memória dos trabalhadores como foi que essa organização que se proclama até hoje como a defensora da “paz mundial” inaugurou o seu currículo.
         
        A reação do Norte veio com o apoio do exército da República Popular da China, força armada do Estado operário deformado que havia se estabelecido nessa gigantesca nação em 1949. Mao Zedong e os burocratas de Beijing regiram diante da ameaça imperialista iminente e duzentos mil soldados coreanos e chineses fizeram as tropas da ONU recuar de volta ao 38º paralelo em julho de 1951. Ali se estabeleceu um equilíbrio bélico em que nenhuma das tropas conseguia mais avançar sobre a outra. No mesmo ano começaram negociações para estabelecer um armistício, mas ele só veio dois anos depois, em 27 de julho de 1953. Nesse período os bombardeios aéreos da ONU devastaram toda a Coréia e reduziram o país a escombros.
         
        O armistício dividiu de forma prolongada o país, situação que se mantém até hoje. No Sul foi restabelecido um governo burguês ditatorial, regime que se manteve até o fim dos anos 1980. Já na Coréia do Norte, com a destruição pelo conflito das experiências dos comitês proletários, se fortaleceu o domínio da burocracia stalinista. Kim Il-Sung ergueu um culto nacionalista e personalista, enquanto se autoproclamava o “Grande Líder Perpétuo” do país. Tais ações foram acompanhadas de um expurgo massivo de quaisquer dissidentes políticos e abriu caminho para o domínio autônomo da burocracia.
         
        Um partido trotskista na Guerra da Coréia teria dado apoio militar incondicional ao Norte. A vitória do Norte, naquelas circunstancias, teria representado a extensão de uma revolução social, ainda que deformada, e isso teria trazido vantagens estratégicas para os trabalhadores coreanos em uma luta pelo socialismo. A vitória dos capitalistas sul-coreanos aliados ao imperialismo mundial, por outro lado, representaria o completo esmagamento armado dos trabalhadores politicamente organizados. Mas ao mesmo tempo em que defendessem militarmente o Norte, os trotskistas não deixariam de denunciar os interesses antidemocráticos e nacionalistas da burocracia, para preparar a consciência dos trabalhadores para a sua derrubada por uma revolução política. A posição política essencial dos trotskistas seria a defesa estratégica do Chon Pyong, os sovietes coreanos, contra ambos os exércitos capitalistas e possíveis agressões dos burocratas stalinistas, que temem até hoje a livre expressão política dos trabalhadores.
         
        Leninismo vs. Juche
         
        As contradições da revolução social deformada realizada na Coréia do Norte foram responsáveis pelas características problemáticas do Estado norte-coreano que dela surgiu – equivalentes às analisadas por Leon Trotsky para a União Soviética sob Stalin. A principal dessas características é também a base da política stalinista – o “socialismo num só país”. A perspectiva do “socialismo num só país”, dificilmente formulada claramente pelos stalinistas, é a essência causadora de grandes derrotas para o proletariado mundial. Ela corresponde perfeitamente, entretanto, aos interesses principais da burocracia dos Estados operários deformados.
         
        A ideia de que uma nação atrasada, por supostas “especificidades nacionais”, pode chegar por si só ao socialismo; a disposição plena de coexistir com a burguesia imperialista e a capitulação aos seus setores “democráticos”, “de esquerda” ou “progressivos”; o apoio descarado a partidos e chefes burgueses nos países atrasados em detrimento da independência da classe trabalhadora; a ideia de que o socialismo é compatível com a manutenção de um poderoso aparato policial; o culto à personalidade dos líderes e uma fraseologia de aparência marxista – nisso consiste a política do stalinismo.
         
        A “doutrina nacional” estabelecida na Coréia do Norte por Kim Il-Sung após o fim da Guerra da Coréia (e que inspirou seus descendentes) é uma versão de “socialismo num só país”. O “Juche”, que significa autossuficiência, é a ideologia oficial do Estado norte-coreano e afirma que essa pequena e pobre nação tem plenas condições de atingir o socialismo sem qualquer interferência do proletariado dos outros países. De acordo com Kim Il-Sung:
         
        “Nós sempre nos apegamos ao princípio de resolver todos os problemas da revolução e da construção independentemente, de levar em conta as verdadeiras condições do nosso país e confiando principalmente na nossa própria força. Nós aplicamos criativamente os princípios universais do Marxismo-Leninismo e as experiências de outros países para caber nas condições históricas e peculiaridades nacionais do nosso país,e resolvemos os problemas sob nossa própria responsabilidade, sob todas as circunstâncias, nos opondo ao espírito de confiança nos outros e levantando o princípio da autoconfiança. A palavra Juche, amplamente conhecida pelo mundo, é um termo que expressa tal princípio criativo e independente e a posição a qual aderiu nosso partido ao conduzir a luta revolucionária e o trabalho construtivo”. (Respostas às Perguntas da Delegação dos Jornalistas Iraquianos, 1971, ênfase nossa).
         
        Apesar de todos os floreios sobre “autoconfiança” e “aplicação criativa” que os stalinistas norte-coreanos supostamente defendem, o centro da sua política é a dispensa que fazem dos trabalhadores dos outros países, que consideram um fator irrelevante para o desenvolvimento do seu “socialismo”. Mas uma nação atrasada não pode chegar ao socialismo sem que os trabalhadores dos outros países realizem suas revoluções. O socialismo só pode triunfar quando vitorioso a nível mundial. Por essa razão, a perspectiva de Lenin e do Partido Bolchevique/Comunista até 1923 era diametralmente diferente. Ao mesmo tempo em que faziam tudo que estava ao seu alcance para defender a União Soviética do ponto de vista econômico e militar, os leninistas colocavam como sua primeira tarefa apoiar o proletariado dos outros países para que quebrassem o isolamento do seu próprio. Deixemos que Lenin fale por si próprio:
         
        “Nós sabemos que ajuda de vocês provavelmente não virá em breve, camaradas trabalhadores norte-americanos, já que a revolução está se desenvolvendo em diferentes países com formas e ritmos diferentes (e não pode ser de outra maneira). Nós sabemos que embora a revolução proletária europeia esteja amadurecendo depressa, ela pode, apesar de tudo, não irromper nas próximas semanas. Nós apostamos na inevitabilidade da revolução mundial, mas isso não significa que nós sejamos tolos a ponto de apostar na inevitabilidade de a revolução vir em uma data específica e próxima. Nós vimos duas revoluções em nosso país, 1905 e 1917, e nós sabemos que as revoluções não são feitas por encomenda, nem por acordo. Nós sabemos que as circunstâncias trouxeram o nosso destacamento do proletariado socialista ao primeiro plano, não por causa dos nossos méritos, mas em razão do excepcional atraso da Rússia, e que antes que a revolução mundial irrompa, uma série de revoluções separadas pode ser derrotada.
         
        “Apesar disso, nós estamos firmemente convencidos de que somos invencíveis, porque o espírito da humanidade não será quebrado pela carnificina imperialista. A humanidade vai derrota-la. E o primeiro país a quebrar as correntes convictas da guerra imperialista foi o nosso país. Nós suportamos sofrimentos enormemente pesados na luta para quebrar essas correntes, mas nós as quebramos. Nós estamos livres da dependência imperialista, nós levantamos a bandeira da luta pela completa derrubada do imperialismo para que todo o mundo visse.
         
        “Nós estamos agora em uma fortaleza sitiada, esperando pelos outros destacamentos da revolução socialista mundial para virem ao nosso resgate. Esses destacamentos existem, eles são mais numerosos que os nossos, eles estão amadurecendo, crescendo, ganhando mais força conforme as brutalidades do imperialismo continuam. (…) Lentamente, mas certamente os trabalhadores estão adotando táticas comunistas, bolcheviques, e estão marchando rumo à revolução proletária, a única capaz de salvar a cultura e a humanidade que perecem.” (Carta aos Trabalhadores Norte-americanos, agosto de 1918).
         
        Obviamente, a Coréia do Norte também é uma “fortaleza sitiada”, ainda que bastante deformada, cujos verdadeiros leninistas devem buscar resgatar, não apenas defendendo-a militarmente contra os capitalistas, mas principalmente lutando pelo sucesso da revolução mundial. A política dos stalinistas da família Kim ignora esta segunda e mais importante tarefa, o que faz dela (como as outras variantes do stalinismo) uma ideologia nacionalista pequeno-burguesa. A verdadeira preocupação dos stalinistas é a manutenção da sua própria condição privilegiada:
         
        “A paz é a aspiração comum da humanidade, e apenas quando a paz for garantida podem as pessoas criar uma vida nova independente. A ideia errada e a política de ultrapassar a independência de outros países e outras nações e de dominar os outros é a causa da atual ameaça à paz. Para salvaguardar a paz, todos os países e nações devem manter a independência, se opor a políticas desse tipo e desenvolver uma poderosa luta internacional conjunta para prevenir a agressão e a guerra”. (Kim Il-Sung, Por um Novo Mundo Livre e em Paz – Discurso à Cerimônia de Abertura da 85ª Conferência Parlamentar, 29 de abril de 1991).
         
        Os stalinistas querem o apoio do proletariado internacional somente na medida em que este lute pela estabilidade e da paz do seu país com as burguesias imperialistas. Mas a paz em longo prazo com as burguesias imperialistas é uma ilusão terrível: os capitalistas não podem descansar enquanto não retomarem completamente o domínio do país. A “defesa das nações e da paz” somada à negação da tarefa de apoiar o proletariado internacional contra os “seus” Estados e “suas” burguesias (ou seja, de ajudar a promover os conflitos de classes dentro dos países capitalistas a favor do proletariado), é uma acomodação nacionalista do marxismo em favor dos interesses da casta burocrática stalinista, de coexistir com o capitalismo em nível mundial, e só é uma receita para a derrota. Como está escrito no documento do II Congresso da Internacional Comunista dirigida por Lenin e Trotsky:
         
        “O nacionalismo pequeno-burguês restringe o internacionalismo ao reconhecimento do princípio da igualdade das nações e (sem insistir sobre seu caráter puramente verbal) conserva intacto o egoísmo nacional, ao passo que o internacionalismo proletário exige: (1º) A subordinação dos interesses da luta proletária em um país ao interesse desta luta no mundo inteiro; (2º) Da parte das nações que venceram a burguesia, o consentimento para os maiores sacrifícios nacionais em função da derrubada do capital internacional. No país onde o capitalismo já se desenvolveu completamente, onde existem partidos operários formando a vanguarda do proletariado, a luta contra as deformações oportunistas e pacifistas do internacionalismo, por parte da pequena burguesia, é também um dever imediato dos mais importantes (…)” (Teses e Acréscimos sobre as Questões Nacional e Colonial, Segundo Congresso da Internacional Comunista, 1920).
         
        Outra diferença entre o leninismo e a política dos stalinistas norte-coreanos é o papel que pode cumprir o nacionalismo para a classe trabalhadora. Kim Il-Sung tornou o culto à nacionalidade coreana uma pedra de toque da sua doutrina:
         
        “Assim, o patriotismo e o internacionalismo são inseparáveis. Aquele que não ama o seu próprio país não pode ser leal ao internacionalismo, e aquele que não tem fé no internacionalismo não pode ter fé no seu próprio país e povo. Um verdadeiro patriota é precisamente um internacionalista e vice-versa.” (Kim Il-Sung, Sobre Eliminar o Dogmatismo e o Formalismo e Estabelecer o Trabalho Ideológico Juche – Discurso aos Propagandistas e Agitadores do Partido, 28 de dezembro de 1955).
         
        Para Lenin e os Bolcheviques, o nacionalismo era uma praga perniciosa que no mínimo (no caso dos países atrasados) atrapalhava a luta pela libertação nacional e mantinha os trabalhadores presos à burguesia, e no máximo (no caso dos países avançados) justificava a matança e a dominação imperialista. Em 1913, ainda como um socialdemocrata revolucionário, Lenin escreveu:
         
        “O marxismo não pode ser reconciliado com o nacionalismo, nem mesmo na sua forma ‘mais justa’, ‘mais pura’, mais refinada ou civilizada. No lugar de todas as formas de nacionalismo, o marxismo propaga o internacionalismo, o amálgama de todas as nações em uma unidade maior, uma necessidade que cresce diante dos nossos olhos, com cada quilômetro de ferrovia que é construído, com cada truste internacional, e com cada associação internacional de trabalhadores que é formada (uma associação que é internacional em suas atividades econômicas como nas suas ideias e objetivos).” (Comentários Críticos sobre a Questão Nacional, capítulo 4, 1913).
         
        Somada ao culto da pátria norte-coreana, Kim Il-Sung e seus herdeiros também estabeleceram o culto às suas próprias personalidades. Nisto, os stalinistas norte-coreanos são os campeões: seu narcisismo chega a graus tão elevados que o calendário estabelecido no país tem como Ano Um o ano do nascimento de Kim Il-Sung, 1912. Quanto a isso, nem cabem argumentos. O Juche, assim como as demais variantes do stalinismo, nada tem a ver com o leninismo.
         
        Trotskismo e pablismo
         
        A deformação stalinista do marxismo foi combatida pela Oposição de Esquerda Internacional (precursora da Quarta Internacional), fundada por Leon Trotsky. Ele mostrou como a política de Stalin tinha servido como a melhor fachada para uma casta de burocratas que se aproveitaram da fragilidade do proletariado russo para se alçar ao poder e defender seus próprios interesses, em oposição aos da classe trabalhadora.
         
        As transformações sociais do pós-guerra (não apenas na Coréia do Norte, mas também na Europa Oriental, China e Vietnã do Norte) levaram à desorientação e ao surgimento do revisionismo nas colunas do trotskismo. A Quarta Internacional ficara extremamente fragilizada pelo assassinato de muitos dos seus quadros mais experientes durante o conflito mundial. Os novos dirigentes da Quarta Internacional: Michel Pablo, Ernest Mandel, Pierre Frank dentre outros, impactados de forma impressionista pelos novos eventos, defenderam que os trotskistas deveriam passar a ser um instrumento de pressão sobre os partidos e burocracias stalinistas que haviam criado os Estados operários deformados, porque eles seriam supostamente capazes levar o mundo ao socialismo pelas novas circunstâncias objetivas. Isso é o mesmo que abandonar uma perspectiva orientada para a classe trabalhadora, e a oposição irreconciliável do trotskismo contra o stalinismo.
         
        Esta foi apenas a primeira operação revisionista de uma metodologia baseada em apoiar acriticamente vários tipos de lideranças não revolucionárias (fossem elas reformistas, burocráticas, pequeno-burguesas ou até mesmo burguesas) que contassem com certo grau de popularidade. Este era o caso do stalinismo imediatamente após a Segunda Guerra Mundial.
         
        Para sustentar sua perspectiva, os pablistas (como foram apelidados esses revisionistas) precisaram abstrair o fato de que os stalinistas, em muito mais situações potencialmente revolucionárias, fizeram de tudo para restabelecer o poder burguês. Além disso, havia entre esses novos Estados operários deformados e o objetivo dos bolcheviques-leninistas (“trotskistas”) diferenças substanciais.
         
        Os stalinistas jamais lideraram a classe trabalhadora ao poder numa revolução proletária. Onde expropriaram a burguesia, foi comandando exércitos de Estados operários burocratizados, ou exércitos de guerrilha com base camponesa, impondo de cima para baixo uma transformação social progressiva, porém profundamente deformada, em países atrasados. Essas características levaram essas novas formações sociais à mesma “coexistência pacífica” com as potências capitalistas e a negação dos princípios internacionalistas do marxismo, assim como o estabelecimento de um aparato hostil à classe trabalhadora. Os pablistas apagaram a distinção crucial do trotskismo entre um Estado operário e um Estado operário deformado ou degenerado. Por isso, os verdadeiros bolcheviques-leninistas se mantiveram firmes no combate intransigente contra todas as variantes do stalinismo.
         
        O PCB e a herança stalinista
         
        Quando a Morte de Kim Jong-il foi anunciada no fim de dezembro, um dos grupos da esquerda brasileira que se pronunciou sobre este evento foi o Partido Comunista Brasileiro, que publicou uma declaração assinada pelo seu Comitê Central intitulada O povo norte-coreano é que deve decidir o seu destino.O PCB, um dos herdeiros da herança stalinista no Brasil, foi cauteloso. Comentou sobre a ausência de informações confiáveis na imprensa e que “seria uma irresponsabilidade política (…) dar uma opinião categórica a respeito da conjuntura por que está passando a Coréia do Norte”.
         
        A escassez de informação é algo que realmente afeta toda a esquerda quando o assunto é a Coréia do Norte. É impossível, por exemplo, ter posições políticas sobre questões provavelmente importantes da luta de classes do país, às quais nós simplesmente não temos acesso. Frequentemente é preciso se limitar às questões teóricas mais essenciais, que envolvem a natureza do país e a partir daí desenvolver o programa marxista de forma limitada. A censura estatal norte-coreana, o PCB se “esqueceu” de acrescentar, também contribui para essa dificuldade.
         
        Mas o PCB, obviamente, não se limitou a declarar tais obstáculos empíricos. De forma um pouco surpreendente, afirmou:
         
        “No entanto, pelas poucas informações de fontes confiáveis de que dispomos e pela literatura oficial do regime, preocupam-nos os indícios de falta de democracia popular e de riscos de regressão dos fundamentos socialistas. Por outro lado, registramos como positivas diversas conquistas sociais, com destaque para a educação universal, e a firme postura anti-imperialista.”
         
        Devemos nos perguntar o que poderia estar por trás deste apanhado enigmático de afirmações. “Preocupa” o comitê central do PCB que não haja democracia, e que podem estar regredindo os “fundamentos socialistas” na Coréia do Norte. Mas quais são as causas dessa regressão e da falta de democracia proletária? Quem são os agentes sociais que levam à desagregação da economia planificada e às aberturas ao capitalismo? Quem são os responsáveis pela supressão de direitos de organização sindical e partidária dos trabalhadores e pela rígida censura estatal? Quais são as tarefas dos comunistas no país em decorrência disso? Sobre essas questões, a declaração do PCB nada tem a dizer. Obviamente, o partido não levanta nem sequer a mais sutil crítica contra o governo da burocracia.
         
        A suposta “firme postura anti-imperialista” do governo norte-coreano, por outro lado, carece de justificação. Se estivesse realmente preocupado com qualquer “fundamento” que representasse um avanço para a classe trabalhadora da Coréia do Norte, o PCB não prestaria tributo aos burocratas comprometidos em manter a sua “autossuficiência” cercada pelos Estados imperialistas e cada vez caminhando a passos mais largos para a completa capitulação diante deles. A burocracia que impede a democracia proletária há quase 60 anos (e com ela o exercício racional das formas econômicas coletivizadas e qualquer iniciativa pela revolução mundial) é a principal culpada pelo fato de o país estar isolado e sofrendo forte pressão imperialista.
         
        Muitos anos repetindo a mentira de que a União Soviética e outros Estados com os quais estivesse politicamente alinhado eram “socialistas” (num mundo ainda dominado pelas burguesias imperialistas) fez com que alguns membros da liderança do PCB desenvolvessem a compreensão de que para ser efetivamente “anti-imperialista”, não é necessário lutar pela revolução mundial – algo que definitivamente não é interesse dos burocratas norte-coreanos e que a burocracia soviética sempre trabalhou para evitar. A declaração continua:
         
        “O PCB expressa sua mais firme solidariedade ao povo norte-coreano, que soberanamente deve decidir os destinos de seu país, sem qualquer ingerência de potências estrangeiras. No que se refere ao processo de construção do socialismo, cabe ao PCB apenas nutrir esperanças de que os trabalhadores norte-coreanos possam ajustar seu rumo, assumindo papel dirigente no fortalecimento do poder popular e na luta contra qualquer forma de restauração capitalista.”
         
        Temos acordo com o PCB de que a Coréia do Norte deve ser defendida contra qualquer ataque de potências imperialistas, assim como também possíveis tentativas internas de restauração do capitalismo, por sinal. Está correto afirmar, em geral, que o povo norte-coreano deve decidir o seu destino. Mas falta a esta afirmação qualquer indicação sobre qual deve ser o programa político defendido pelas massas norte-coreanas, ou qual deve ser a sua atitude com relação ao governo despótico da burocracia que, na prática, impede que tais massas decidam seu destino.
         
        O resultado das contradições da Coréia do Norte enquanto Estado operário deformado ainda não foram decididas pela história. Por isso, prestamos nossa solidariedade à classe trabalhadora do país, a única capaz de resolver essa contradição a favor do socialismo, e dedicamos toda nossa ira e denúncias contra a casta de burocratas que usurpam e destroem a economia expropriada dos capitalistas e sempre afogaram, desde a sua subida ao poder, qualquer iniciativa dos trabalhadores. “Nutrir esperança” em um futuro socialista enquanto na prática não há a menor preocupação em apontar quem são os aliados e os inimigos dos trabalhadores, quais devem ser os seus objetivos estratégicos ou sequer se devem ou não apoiar politicamente o governo norte-coreano só pode significar lavar as mãos e deixar que a História se faça sozinha.
         
        O método do marxismo busca uma compreensão analítica sobre a realidade para poder intervir sobre ela. Este é o centro da afirmação de Marx de que a questão não é entender a realidade como um fim em si, mas para modificá-la. Os leninistas não devem enxergar o desenvolvimento histórico como uma sucessão de eventos pré-definidos que independem da dinâmica da relação entre as classes sociais e de seus respectivos estratos, assim como da intervenção consciente dos marxistas. Era por esse motivo que Lenin sempre estabelecia tarefas concretas para orientar a classe trabalhadora, tanto nos momentos de maior reação como nos de maior levante revolucionário.
         
        O PCB, entretanto, parece adotar uma metodologia de completa indiferença sobre as tarefas concretas da classe trabalhadora norte-coreana, já que o partido sequer tenta encontrar as causas dos problemas (pelos quais eles próprios reconhecem estar passando a Coréia do Norte) na dinâmica das relações entre as diferentes camadas sociais. Muito menos estão dispostos a reconhecer que o motivo principal dos problemas apontados está nos interesses da casta burocrática dominante liderada pela família Kim, que segue rumos diferentes das necessidades práticas e históricas da classe trabalhadora.
         
        Na política como na vida, as decisões que tomamos ontem são a base das que tomaremos amanhã. Os líderes do PCB não poderiam deixar de lado a escola na qual foram educados. Muitos membros mais jovens do “Partidão” não encaram o stalinismo com o mesmo entusiasmo que a liderança e veem nele até mesmo um mal “necessário” do século passado. Mas um estudo sério das posições do PCB no passado e no presente, desde o “voto crítico” em candidaturas burguesas como a de Dilma (no segundo turno das eleições de 2010) até a defesa dos principais crimes da burocracia da União Soviética contra os trabalhadores (como o esmagamento da revolução espanhola de 1936-7 e dos sovietes húngaros de 1956) encontram na metodologia do stalinismo a sua explicação. Na hora de afirmar seu progenitor ideológico, o PCB não teve dúvidas, nem foi deliberadamente vago:
         
        “O PCB nunca teve relações bilaterais formais com o Partido do Trabalho da Coréia. Historicamente, nossas relações internacionais têm origem no campo político que foi liderado pelo Partido Comunista da União Soviética. Recentemente, em 2010, um conselheiro da embaixada norte-coreana no Brasil nos honrou com sua presença e saudação em nosso XIV Congresso Nacional.”
         
        Para aqueles membros do PCB que tinham quaisquer dúvidas sobre a orientação do seu partido, está claro que um Comitê Central que se sente “honrado” com a presença da diplomacia de Kim Jong-Il em seu próprio Congresso não deve estar do lado dos trabalhadores da Coréia do Norte, nem a favor do sucesso a nível mundial da revolução socialista.
         
        Por que a Coréia do Norte é um Estado operário deformado?
         
        Apesar de declararmos que a classe trabalhadora da península coreana foi estrangulada pela contrarrevolução da ONU e pelo stalinismo, que ela não foi protagonista na construção do atual Estado da Coréia do Norte, e que hoje ela é oprimida pela burocracia, acreditamos que, apesar disso tudo, o país é um Estado operário deformado. Por que um Estado que controla e oprime a classe trabalhadora merece qualquer título de proletário?
         
        Esta não é uma questão teórica nova. Essa pergunta ignora as formas que podem tomar o domínio da classe proletária em países atrasados e isolados sob a pressão capitalista. Tal questionamento foi levantado em 1937 na disputa dentro do Socialist Workers Party (Partido dos Trabalhadores Socialistas) norte-americano a respeito da natureza e das tarefas para a URSS na guerra mundial que se aproximava. Leon Trotsky respondeu da seguinte forma ao questionamento sobre a possibilidade de haver uma “classe dirigente e ao mesmo tempo oprimida”:
         
        “Como nossa consciência política poderia deixar de se indignar — dizem os ultra-esquerdistas — quando nos querem obrigar a crer que na URSS, sob o regime de Stalin, o proletariado é a classe dirigente? Sob uma forma tão abstrata, semelhante afirmação é, efetivamente, suscetível de provocar indignação. Mas o problema é que as categorias abstratas, necessárias no processo de análise, não são totalmente convenientes para síntese que exige o maior caráter concreto possível. O proletariado soviético constitui a classe dirigente em um país atrasado, onde os bens materiais de primeira necessidade são produzidos em quantidade insuficiente. O proletariado da URSS domina em um país que não representa mais do que um doze avos da humanidade; o imperialismo domina os outros onze doze avos. A dominação do proletariado, já deformada pelo atraso e pobreza do país, está ainda duas ou três vezes mais deformada pela pressão do imperialismo mundial. O órgão de dominação do proletariado — o Estado — converte-se assim, em órgão da pressão do imperialismo (a diplomacia, o comércio exterior, as ideias e os costumes). Na escala histórica a luta pela dominação não se dá entre o proletariado e a burocracia, mas sim entre o proletariado e a burguesia mundial. Nesta luta a burocracia não é mais do que um mecanismo de transmissão. A luta não terminou. (…) A burguesia, seja fascista ou democrática, não pode satisfazer-se com as isoladas proezas contrarrevolucionárias de Stalin, tem necessidade da contrarrevolução completa nas relações de propriedade e de abertura no mercado russo. Enquanto não conseguir isto, considera o Estado soviético como um inimigo. E tem razão.” (Um Estado não operário e não burguês, novembro de 1937)
         
        Apesar de toda a podridão da burocracia dominada pela família Kim na Coréia do Norte, e de todos os seus crimes contra o socialismo e a classe trabalhadora, o país se baseia, até hoje, nas formas sociais proletárias. Esse modo de produção foi estabelecido numa situação excepcional, como resposta à pressão do imperialismo de um lado, e da classe trabalhadora coreana e mundial do outro; mas pelo atraso do país e pelo controle, desde o início, da casta burocrática de Kim Il-Sung, a classe trabalhadora não pôde exercer com eficiência e democracia as formas proletárias da economia, nem lutar pela revolução mundial através do Estado dominado pela burocracia “autossuficiente”.
         
        A burocracia tem o interesse principal de sugar as forças da economia nacionalizada. Mas a base econômica proletária não pode ser uma bolsa de sangue que alimenta um parasita. A burocracia está em contradição com a base social sobre a qual ela reside e vai, a todo o momento, deformar mais profundamente o Estado e as conquistas sociais, sujar o nome do socialismo para a classe trabalhadora do mundo inteiro e fazer surgir setores na sociedade norte-coreana, e dentro da própria burocracia, comprometidos diretamente com a destruição da economia coletivizada.
         
        Como não representam uma nova classe, os burocratas que se estabeleceram após a ocupação do exército soviético tiveram de repetir a mesma formação social criada pelos trabalhadores (e degenerada pela burocracia) que existia na URSS. Apesar de tais deformações, muitas tarefas da revolução dos trabalhadores já foram alcançadas. Chegando ao poder, os trabalhadores na Coréia do Norte não vão precisar, no dia seguinte à sua vitória, ter que expropriar a burguesia e enfrentar a resistência de uma classe exploradora enraizada na produção.
         
        Os trabalhadores norte-coreanos, apesar de oprimidos pela burocracia, são a classe principal na economia do país: a burocracia, mera administradora, não tem a posse das indústrias, terras, portos e outros meios de produção; não pode transmitir esses direitos por herança, por exemplo. Apenas os mais impressionistas considerariam que a sucessão aparentemente dinástica da burocracia norte-coreana pode representar algum tipo de herança familiar. A família Kim se mantém por um delicado equilíbrio de poder entre os vários setores da burocracia.
         
        Chamamos o Estado norte-coreano de Estado operário deformado, porque a coerência e a sobrevivência das formas de propriedade sob as quais ele reside pertence inteiramente à classe trabalhadora. Acreditamos que, para além do domínio da burguesia, a classe trabalhadora é a única capaz de estabelecer o seu próprio poder em longo prazo. Os coveiros stalinistas, que compartilham responsabilidade pelo estrangulamento da revolução coreana, foram capazes (em uma dentre cem oportunidades traídas) de expropriar a burguesia, em um país atrasado, através de métodos militares e burocráticos. Mas são incapazes em absoluto de desenvolver a revolução permanente, de usar isto como uma forma de alavancar a revolução mundial. Limitam-se à sua “autossuficiência” sob a pressão imperialista, isolamento e pobreza material. Essa situação não pode durar para sempre e a cada ano criam-se novas brechas que facilitam o objetivo dos restauracionistas. Só os caminhos da revolução de Outubro – a única revolução proletária vitoriosa até hoje – podem servir de exemplo ao objetivo dos trabalhadores na Coréia. “A luta não terminou”.
         
        Pela reunificação revolucionária da Coréia!
         
        Os revolucionários em todo o mundo devem lutar pelo fim da aberração criada pela Guerra da Coréia – um país dividido em dois. Mas a reunificação capitalista da Coréia, como desejam os imperialistas, só pode significar a contrarrevolução. Os trabalhadores da Coréia do Sul e do Norte devem buscar confraternizar e lutar pela revolução social no Sul, que derrube o capitalismo, e pela revolução política no Norte, para manter o essencial da base econômica e derrubar a burocracia que a usurpa, estabelecendo a democracia proletária em toda a península. Os trotskistas devem lutar pela reunificação revolucionária do país, o que poderia levantar a classe trabalhadora no mundo inteiro a partir do exemplo dado.
         
        É tarefa dos trabalhadores na Coréia do Sul, do Norte e em todos os outros países defender o Estado norte-coreano contra qualquer tentativa, interna ou externa, de restabelecimento do capitalismo. Nisso, pode ser necessário entrar em blocos militares temporários com setores da burocracia norte-coreana, que pelos seus próprios interesses parasitas, queiram defender as bases sociais coletivizadas. Esta tarefa dos trotskistas também inclui a defesa dos direitos da Coréia do Norte de possuir armas nucleares como forma de se defender das pressões imperialistas.
         
        Mas os métodos dos trabalhadores não podem ser os métodos policiais da burocracia. A forma suprema de defender (e estender) as conquistas sociais é não ter nenhuma confiança na burocracia dirigida por Kim, nem na sua capacidade de defender de forma consequente os trabalhadores e seus interesses sociais e democráticos. A burocracia é uma casta instável que cria as condições para o seu próprio fim, facilitando o trabalho dos imperialistas. Os trabalhadores só podem reagir contra isso preparando a sua revolução. Os trotskistas na Coréia devem se declarar abertamente como o partido da democracia proletária. Sua meta deve ser construir, nas lutas, um partido revolucionário de trabalhadores, no Norte e no Sul, como parte de uma Quarta Internacional a ser reconstruída. Essa a melhor forma de avançar para que a classe trabalhadora coreana esteja preparada, quando a oportunidade surgir, de retomar a sua história revolucionária após quase 60 anos do fim da guerra que dividiu o seu país. 
         
        Leia aqui, como apêndice de interesse histórico, um pequeno artigo publicado pela juventude da Liga Espartaquista dos Estados Unidos, comentando sobre a primeira transição na burocracia norte-coreana, entre Kim Il-Sung e seu filho Kim Jong-Il. 

        “Socialismo em uma só família”

        A Coréia do Norte dos Kim
        “Socialismo em uma só família”
        Estamos incluindo como apêndice de interesse histórico este pequeno artigo publicado pela juventude da Liga Espartaquista dos Estados Unidos, comentando sobre a primeira transição na burocracia norte-coreana, entre Kim Il-Sung e seu filho Kim Jong-Il. O artigo foi originalmente impresso em novembro de 1976, no nº48 de Young Spartacus. Para ler o artigo do Reagrupamento Revolucionário, clique aqui.

        “Vermelho é o Leste, o sol se ergue”. Assim é a abertura do hino maoísta.
        Mas uma nova aclamação pode ser adotada pelo regime stalinista da Coréia do Norte. De acordo com o New York Times (3 de outubro), o ditador stalinista norte-coreano Kim Il-Sung decretou que o novo “sol do povo coreano” será seu próprio filho.

        Em uma jogada da qual se afirma ter provocado “controvérsia política” entre seus subalternos burocráticos, Kim Il-Sung designou seu filho, Kim Jong-il, para sucedê-lo como o próximo “amado pai do povo coreano”. Determinado em impor esse triunfo da juche (autossuficiência), Kim e Cia. perpetraram recentemente ao menos três expurgos sucessivos na burocracia.

        Entretanto, nepotismo e traições burocráticas há muito são numerosos entre a panelinha que monopoliza o poder político no Estado operário deformado da Coréia do Norte. Antes de Kim Jong-il ter sido promovido a herdeiro esse ano, Kim Il-Sung havia nomeado Kim Young-Ju como seu sucessor. Seu currículo? Kim Young-Ju é o irmão de Kim Il-Sung. Além disso, o Comitê Central do autoproclamado Partido dos Trabalhadores Coreanos consiste em boa parte da família Kim – sua esposa, seu filho, seu irmão e seu sobrinho!

        O espetáculo de Kim Il-Sung preparando a sucessão dinástica certamente deve envergonhar aqueles que erroneamente consideram a Coréia do Norte um bastião de igualitarismo e democracia operária. Nem mesmo o Vaticano endossa tais privilégios monárquicos; afinal de contas, o Papa precisa ser eleito pelo Colégio de Cardeais.
        Para deixar claro, a derrubada do capitalismo na Coréia do Norte há três décadas possibilitou ganhos genuínos para as massas trabalhadores, os quais o proletariado internacional deve defender incondicionalmente. Durante a Guerra da Coréia de 1950-53, os trotskistas estenderam suporte militar sem reservas às forças norte-coreanas em batalha contra a intervenção imperialista e o regime de latifundiários capitalistas de Seul. Mas a defesa dos ganhos revolucionários da economia coletivizada da Coréia do Norte e seu pleno desenvolvimento rumo à construção do socialismo necessitam que Kim e sua camarilha sejam derrubados por uma revolução política que transfira o poder político para os trabalhadores e camponeses da Coréia do Norte.

        Arquivo Histórico: Teses sobre o Solidariedade Polonês

        Teses sobre o Solidariedade Polonês


        As seguintes teses sobre o Solidariedade polonês foram adotadas pela conferência de fusão entre a Tendência Bolchevique e a Tendência Leninista-Trotskista em 1986. Elas foram traduzidas para o português pelo Coletivo Lenin em 2007. A versão aqui presente foi copiada daquela disponível em coletivolenin.org com algumas correções baseadas no texto original. Seguidas às teses, estamos publicando um pequeno trecho traduzido para o português do livreto da Tendência Bolchevique “Solidariedade: Teste Ácido para os Trotskistas”.

        1. Antes de seu Congresso de setembro de 1981, o Solidariedade não podia ser caracterizado definitivamente; porém a ausência de uma autêntica liderança marxista enraizada no proletariado, a identificação do “socialismo” com as políticas do regime stalinista desacreditado, cheio de privilégios e anti-socialista, e o crescimento concomitante do sentimento clerical-nacionalista, prepararam a base para sua consolidação subseqüente ao redor de um programa e uma direção comprometidos com a restauração capitalista.

        2. A conduta da direção do Solidariedade na preparação do seu Congresso de setembro de 1981 indicava seu caráter pró-capitalista: (a) O esboço de programa apresentado por Walesa e companhia na edição do dia 17 de abril de 1981 do semanário do Solidariedade, de fato, propôs substituir por relações de mercado o planejamento centralizado. Este programa era aparentemente contraditório porque a direção contra-revolucionária teve que levar em conta as aspirações de milhões de trabalhadores poloneses e membros do Partido Comunista stalinista, que queriam reformar ou esmagar o stalinismo e manter a economia planejada. Portanto, o programa foi decorado com um pouco de retórica socialista. Defendia o controle operário (contra os stalinistas), junto com economia de livre mercado, clericalismo e nacionalismo polonês; (b) O documento programático principal produzido pelo Congresso de setembro exigia o fim do monopólio do comércio exterior; (c) Lane Kirkland, cabeça da abertamente pró-capitalista AFL-CIO, e Irving Brown, um notório agente da CIA que operava na Europa Ocidental, foram convidados ao Congresso, enquanto os sindicatos stalinistas da Europa Oriental foram ignorados; (d) O Congresso adotou deliberadamente os lemas da contra-revolução imperialista na Europa Oriental: “eleições livres” e “sindicatos livres” (ou seja, sindicatos anti-comunistas).

        3. Junto com a influência predominante da hierarquia católica anti-comunista dentro do Solidariedade; com o crescimento de correntes reacionárias nacionalistas, e mesmo abertamente anti-semitas; com os sentimentos pró-capitalistas expressos por elementos dirigentes (como por exemplo o comentário de Walesa de que a eleição de Reagan em 1980 era um “bom sinal” para Polônia) e o extenso apoio às exigências dos pequenos capitalistas do Solidariedade rural; o Congresso de setembro de 1981 deve ser visto como uma confirmação da transformação política do Solidariedade numa organização abertamente a favor da restauração capitalista. A questão da defesa das formas de propriedade da classe trabalhadora, sobre as quais a economia polonesa se baseia, foi portanto diretamente posta. A atitude dos revolucionários diante do Solidariedade, portanto, também mudou, ou seja, passou a reconhecer que tinha se tornado necessário suprimir a direção restauracionista e os seus seguidores contra-revolucionários.

        4. Isto não significa sugerir que os trotskistas desejariam suprimir os dez milhões de trabalhadores filiados ao Solidariedade — dos quais grande parte não desejava voltar às condições capitalistas do “mercado livre”, da escravidão assalariada, desemprego, etc. Uma organização trotskista na Polônia no outono de 1981 teria se oposto intransigentemente ao curso pró-capitalista de Walesa e companhia, enquanto continuasse a intervir em reuniões de massa do Solidariedade nos locais de trabalho, e em cada outra arena onde fosse possível receber uma audiência da classe trabalhadora para cristalizar uma oposição anti-stalinista pró-socialista à direção do Solidariedade.

        5. É um axioma do marxismo que os movimentos sociais e políticos devem ser julgados por sua liderança, programa, trajetória e composição de classe — não pelas ilusões da base. As mobilizações de massa contra o Xá do Irã em 1978-79 fornecem um caso exemplar. Apesar das esperanças e das intenções de muitos milhares de trabalhadores iranianos e militantes de esquerda que participaram (assim como as correntes pseudo-marxistas diversas que saudaram este suposto movimento “objetivamente revolucionário”), o fato era que a direção estava firmemente nas mãos dos reacionários teocráticos ao redor do Aiatolá Khomeini. A contradição objetiva entre a base e o topo indica que uma tarefa chave dos marxistas era lutar para destruir as ilusões que as massas tinham no resultado final de um movimento com tal direção e programa, levando os trabalhadores à oposição aos reacionários Mulás, assim como ao Xá. Assim como no Irã, os marxistas revolucionários não podem determinar a sua orientação em relação aos acontecimentos na Polônia simplesmente por hostilidade aos que no momento detém o poder — é também necessário avaliar o programa positivo e a trajetória dos dirigentes da oposição.

        6. A intenção contra-revolucionária da liderança de Solidariedade inequivocamente foi revelada (para os que quiseram ver) pelos acontecimentos do período imediatamente anterior ao contra-golpe de Jaruzelski: (a) as tentativas de estender o Solidariedade ao exército e à polícia; (b) as discussões abertas sobre a necessidade derrubar o Estado na reunião da direção geral do Solidariedade em Radom, em 3 de dezembro; e (c) a reunião de 12 dezembro em Gdansk de líderes do Solidariedade, que propôs “fazer um plebiscito nacional por conta própria sobre um voto de confiança no General Jaruzelski, e para estabelecer um governo provisório não-comunista e organizar eleições livres (New York Times, 14 dezembro 1981).

        7. O fato de que o Solidariedade se consolidou ao redor de uma direção e um programa pró-capitalistas é um testemunho eloquente da bancarrota política completa dos parasitas anti-operários stalinistas que, em mais de três décadas administrando o “socialismo” na Polônia, só conseguiram levar um grande setor da classe trabalhadora para os braços da reação clerical-nacionalista. Embora os trotskistas tomassem uma atitude de apoio crítico à supressão militar de 13 dezembro da ameaça contra-revolucionária posta pelo Solidariedade, era necessário manter uma atitude irreconciliável em relação a Jaruzelski e ao resto da burocracia stalinista.

        8. Tivesse a URSS intervido (como largamente foi imaginado) no outono de 1981, os trotskistas teriam apoiado criticamente, pela mesma razão que apoiaram criticamente as ações do Exército polonês em dezembro desse ano. Teríamos apoiado só as ações do exército soviético dirigidas contra a direção restauracionista do Solidariedade e sua base — e não contra toda a classe trabalhadora polonesa.

        9. Nosso apoio à supressão de Solidariedade pela burocracia se estende só aos golpes desferidos nas seções contra-revolucionárias do sindicato, particularmente os quadros pró-capitalistas da direção. Tivesse havido reuniões de trabalhadores anti-restauracionistas, nós nos oporíamos à sua supressão no curso do golpe. Os bolcheviques não teriam nenhum interesse em apoiar medidas que tornassem mais difícil para a classe operária polonesa se reunir, discutir e se recompor politicamente. O peso do obscurantismo religioso, do nacionalismo venenoso e da ideologia pró-capitalista sobre um setor grande dos membros do Solidariedade só poderia ser destruído pela intervenção política de autênticos marxistas — e não por medidas policiais stalinistas. Para este fim, depois do contra-golpe, os trotskistas teriam procurado conservar o espaço político limitado ganho pelas greves de 1980-81.

        10. Os burocratas privilegiados do Partido Operário Unido da Polônia [stalinista] estão interessados principalmente em conservar e estender os próprios interesses de casta à custa da classe trabalhadora. Em setembro de 1939, Trotsky propôs que a Quarta Internacional defendesse a União Soviética contra ataque nazista iminente sob o lema “Pelo Socialismo! Pela Revolução Mundial! Contra Stalin!” Com o perigo imediato de contra-revolução posto pelo Solidariedade, era o dever dos trotskistas defender a propriedade socializada sobre a qual os Estados Operários Deformados são baseados, enquanto deixassem claro “exatamente o que nós defendemos, exatamente como nós o defendemos, e contra quem nós o defendemos”. Apesar do fato que são obrigados, em última análise, a defender o organismo de que são parasitas contra correntes restauracionistas (que são geradas inevitavelmente pelo seu desgoverno burocrático), os burocratas stalinistas criam um perigo mortal para a preservação das formas de propriedade operárias na Polônia e em cada outro país que dominam. A defesa dos Estados Operários Deformados e Degenerados, assim, é inextricavelmente ligada à necessidade da revolução política proletária para esmagar a burocracia e o aparato policial pela ação revolucionária de massa.

        Um Trecho do Livreto
        Solidariedade: Teste Ácido para os Trotskistas” (1988)

        No outono de 1981 o Solidariedade havia se tornado um movimento restauracionista-capitalista com ambos o poder social e a liderança subjetivamente comprometida a derrubar o regime stalinista desacreditado e desmoralizado. Chamar pela defesa do Solidariedade seria chamar pela defesa dos seus quadros contra-revolucionários. Nós damos apoio militar ao ataque preventivo dos stalinistas contra a liderança do Solidariedade.

        Nós não damos aos stalinistas um cheque em branco para cercear os direitos democráticos dos trabalhadores de se organizarem, de se encontrarem para discutir política, e de recomporem-se politicamente. Nós sabemos que correntes restauracionistas-capitalistas só podem ser decisivamente derrotadas por uma revolução política proletária que esmague o poder dos parasitas stalinistas. Mas nós não identificamos a defesa dos direitos políticos dos trabalhadores poloneses com a defesa do Solidariedade.

        Nós valorizamos e buscamos preservar e estender o espaço político ganho para o movimento dos trabalhadores na greve de 1980 que deu origem ao Solidariedade. Em geral, nós nos opomos à supressão stalinista dos dissidentes ideológicos, mesmo aqueles pró-capitalistas. Os revolucionários também defendem a existência de sindicatos independentes do Estado mesmo em Estados operários saudáveis.

        Entretanto, o que separa os trotskistas dos Schatmanistas (ou seja, “socialistas democratas” anti-comunistas) é que nós, em última análise, não colocamos os “direitos democráticos” acima da defesa das formas de propriedade proletárias. Na Polônia em dezembro de 1981, era necessário escolher entre um e outro e nós seguimos Trotsky:

        A questão da derrubada da burocracia soviética, para nós, é subordinada à questão da preservação da preservação da propriedade estatal dos meios de produção na URSS, e a questão da preservação da propriedade estatal dos meios de produção na URSS, para nós, é subordinada à questão da revolução proletária mundial”. (Em Defesa do Marxismo)

        O golpe de Jaruzelski em 13 de dezembro de 1981 não fez nada para resolver as contradições que deram origem à crise na sociedade polonesa, mas ele interrompeu uma perigosa mobilização restauracionista. Nós não temos ilusões na capacidade dos stalinistas de proteger, muito menos de desenvolver, a propriedade nacionalizada na Polônia ou em qualquer outro lugar. De fato, a única garantia contra a restauração burguesa é a vitória da revolução política da classe proletária que esmague o poder dos parasitas burocráticos.

        Nós somos pela supressão da contra-revolução por um movimento proletário com consciência de classe. Mas os trotskistas não podem assumir uma atitude de neutralidade em um confronto decisivo entre um movimento restauracionista capitalista e o aparato stalinista. Em meio aos grandes expurgos stalinistas em 1937, Trotsky projetou que:

        Se o proletariado derrubar a tempo a burocracia soviética, então ele ainda vai encontrar no dia seguinte ao da sua vitória os meios de produção nacionalizados e os elementos básicos da economia planificada. Isso significa que ele não terá que começar do zero. Isso é uma tremenda vantagem!” (Escritos de Leon Trotsky 1937-38)

        Reagrupamento Revolucionário ahora en español!

        Es con gran placer que anunciamos a nuestros lectores y seguidores que ahora tenemos una sesión en español. Debido a las dificultades de traducción, por ahora ella tendrá más archivos históricos que los artículos propios del RR, pero con el tiempo esperamos traducir más de nuestros materiales. El artículo Introducción a la serie Polémica Marxista (diciembre de 2008), ya está disponible en español.
         
        Para acceder a la página, haga clic aquí.

        Polêmica com Membro do Secretariado Unificado

        Polêmica com Membro do Secretariado Unificado
        Programa Revolucionário vs. “Processo Histórico”

        Esta polêmica escrita pela Tendência Bolchevique foi originalmente impressa em 1917 número 5, no fim de 1988. Nós também incluímos como apêndice os comentários de Samuel Trachtenberg na conferência de 26 de julho de 2008 em Nova Iorque sobre “O Legado de Leon Trotsky e o Trotskismo dos Estados Unidos”. Sua tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em janeiro de 2012.


         Introdução


        Nós estamos reproduzindo abaixo uma disputa polêmica com Roy R., apoiador da Tendência Quarta Internacional norte-americana (FIT) de Nova Iorque. A carta de Roy foi motivada pela “carta aberta” de Neil Henderson anunciando a sua saída doSocialist Challenge [Desafio Socialista], o grupo irmão da FIT no Canadá anglófono. O Socialist Challenge, como a FIT, considera Ernest Mandel, líder do “Secretariado Unificado da Quarta Internacional” (SU) centrado na Europa como seu mentor ideológico. A “carta aberta” de Henderson, que nós não incluímos aqui por razões de espaço, não é essencial para uma compreensão da discussão a seguir (ela foi reimpressa, junto com outros materiais documentando a sua luta por uma política trotskista dentro do SC, no Boletim Trotskista número 4).

        Roy R. nem sempre foi um apoiador de Mandel. Quando era estudante na Queens College de Nova Iorque no fim dos anos 1970, ele era um conhecido simpatizante da Liga Espartaquista (SL). Em 1982, ele foi brevemente um membro aspirante da SL. Roy ficou politicamente inativo pelos quatro anos seguintes. Ele voltou à política de esquerda como um simpatizante da Tendência Bolchevique (TB) em Nova Iorque no início de 1987.

        Logo ficou aparente, entretanto, que Roy tinha mais em comum politicamente com Mandel e o SU do que com a Tendência Bolchevique. Ele rapidamente girou para a órbita da FIT, um dos três grupos norte-americanos associados com o SU. Roy atualmente escreve para o Boletim em Defesa do Marxismo, a revista mensal da FIT.

        Carta para a Tendência Bolchevique

        “Vocês experimentaram por si próprios a oposição entre o movimento de uma seita e o movimento de uma classe. A seita vê a justificativa para a sua existência e o seu ‘ponto de distinção’, não no que ela tem em comum com o movimento da classe, mas no seu código de honra particularque a distingue dele.”
        Carta de Karl Marx para J. B. Schweitzer, 13 de outubro de 1868, Correspondência Selecionada de Karl Marx e Friedrich Engels(ênfase no original).

        Considerando o movimento realizado por Neil Henderson, ele ainda não sentiu por si próprio aquele de uma seita. No entanto, isso vai sem dúvida mudar agora que lançou sua sorte junto com a da Tendência Bolchevique (TB). Já que as políticas da TB são baseadas naquelas da Liga Espartaquista (SL), políticas diretamente enraizadas na própria natureza do grupo como uma seita, que sob toda e qualquer condição deve buscar justificar a sua existência separada como tal. Dirigida por tal motivo, a sua perspectiva se torna inevitavelmente separada de qualquer análise objetiva ou conexão com a realidade e inteiramente subordinada à sua própria auto-justificação. A degradação da teoria para legitimar a existência da s eita; este é o verdadeiro significado do conceito da SL de “defender e aprofundar o programa do fator subjetivo”. Se o credo dos reformistas é “o movimento é tudo, o objetivo não é nada”, então aquele do sectário deveria ser (e de fato é) “o movimento e o objetivo não são nada, o ‘programa’ ou a ‘organização’ (ou seja, a seita) é tudo”. Em ambos os casos, construir um partido revolucionário de massa e atingir um objetivo socialista são colocados fora da agenda já que eles anulam, até onde vão as suas pretensões proletárias, tanto a ultra-direita e a ultra-esquerda, confortavelmente abrigadas nos seus pequenos nichos dentro da sociedade capitalista. De fato, o reformismo e o sectarismo são dois lados da mesma moeda já que o interesse de ambos está ligado com a preservação da ordem burguesa.

        Tendo perdido todo contato com a realidade, o sectário deve ou negar a realidade toda de uma vez ou “mudar” a realidade para que caiba no seu “programa” (o código de honra favorito do espartaquismo). Fazer o contrário é entrar em “liquidacionismo programático”; em outras palavras, questionar a compreensão da seita sobre o mundo e a sua relação com ele. Pior que tudo é levantar a questão se a luta de classes pode avançar (e a classe trabalhadora triunfar) sem a intervenção divina da seita no processo.

        Assim, toda o conjunto das “organizações do CI (Comitê Internacional)” que foram pegas despreparadas pelas mudanças no mundo pós-Segunda Guerra Mundial e não puderam cooperar com as vitórias da revolução proletáriana Iugoslávia, China, Vietnã e Cuba, buscaram ou ignorar a realidade (Gerry Healy) ou distorcê-la (James Robertson) em razão do seu medo dela torna-los historicamente irrelevantes. A “ortodoxia” estéril que Neil Henderson e seus amigos recém-encontrados na TB manifestam são meios de permanecer parados de forma não-dialética em face de uma realidade mundial em constante mudança. Isso pode cair bem para os seguidores “ortodoxos” de uma fé mosaica, mas certamente não é o caso para os marxistas revolucionários que buscam entender a sociedade para mudá-la. Esse “programa” merece ser enterrado já que ele não provê nenhuma resposta para crise alguma, muito menos aquela de liderança do proletariado.

        Levada à sua “conclusão lógica”, essa linha de pensamento leva ao culto ao líder, um fenômeno bem personificado por ambos Gerry Healy e James Robertson. Além do mais, se dentro do movimento de massas de muitos milhões, apenas um punhado de altos sacerdotes “ortodoxos” são capazes de interpretar as sagradas escrituras, deve-se concluir que dentro deste sacerdócio apenas o deus-rei infalível (ou secretário nacional) tem uma linha direta com os próprios deuses. Tal perspectiva leva a seita, assim como apontou Marx, a contraporo seu movimento ao movimento de massas, e no caso da SL, a se oporao movimento se ele falha em estar de acordo com os padrões rígidos da pureza programática estabelecidos por James Robertson. Neil Henderson e a TB podem responder que eles não juram mais lealdade a Robertson (depois de ter feito isso por anos), mas todo os seus pontos de honra sectários, ou “testes ácidos” no jargão da TB, são exatamente os mesmos que aqueles do espartaquismo. Um espartaquista com outro nome ainda é um espartaquista!

        Tendo contraposto o seu próprio movimento àquele das massas, o sectário tem pouca dificuldade em dispensar as massas e seus movimentos, com desprezo e condescendência, como nada além de fantoches de líderes em particular. Essa visão da classe trabalhadora pode de fato refletir a vida interna da SL e a relação entre Robertson e seu minguado bando da apoiadores, mas ela tem pouca semelhança com a estratégia e as táticas que revolucionários de Marx a Lenin a Trotsky empregaram para ganhar hegemonia comunista entre as colunas da classe trabalhadora. Quantas vezes Lenin escreveu sobre a necessidade de “pacientemente explicar as coisas para os trabalhadores”. Certamente não é o suficiente para os espartaquistas, como qualquer um que teve a desafortunada experiência de encontrar um deles bem sabe.

        É só através das experiências comuns em lutas comuns que as massas de trabalhadores serão ganhas para o marxismo revolucionário e romperão com a influência dos reformistas; é necessário para o primeiro demonstrar a superioridade do seu programa na prática, não no papel. Os sectários tem denunciado por anos o reformismo e ainda não exorcizaram esse demônio das colunas do proletariado. Nem eles nunca irão e as chances são de que eles não tenham o menor desejo de fazer isso, já que a existência dos primeiros provê uma desculpa para a existência do outro. Para o sectário, é claro, qualquer ação comum com qualquer um a não ser aqueles que estão em completo acordo com seus determinados pontos de honra constitui…”liquidacionismo programático”. Trotsky, entretanto, tinha isto a dizer sobre aqueles que preferem não agir de forma alguma ao invés de arriscar expor a suas pretensões vazias e colocar em questão o seu papel auto-proclamado de “vanguarda dos trabalhadores”:

        “É possível ver nessa política [a frente única] uma reaproximação com os reformistas apenas do ponto de vista de um jornalista que acredita que ele se livra do reformismo criticando-o ritualmente sem nunca deixar o seu escritório editorial, mas que tem medo de se enfrentar com os reformistas diante dos olhos das massas trabalhadoras e dar às últimas uma oportunidade para apreciar o comunista e o reformista num plano de igualdade da luta de massas. Atrás desse medo aparentemente revolucionário de ‘reaproximação’ está na verdade uma passividade política que busca perpetuar uma ordem de coisas onde os comunistas e os reformistas retém cada um a sua esfera de influência rigidamente demarcada, suas próprias audiências nas reuniões, sua própria imprensa, e tudo isso junto cria uma ilusão de luta política séria.”
        Leon Trotsky, “Sobre a Frente Única”, 1922.

        Tais são as “consequências organizativas” a que o fetichismo programático dos sectários leva. E tal programa, baseado no isolamento e na irrelevância, não vale o papel no qual é impresso, mesmo se esse papel for o WV[Workers Vanguard, jornal da Liga Espartaquista]!

        Levantado o véu, nós podemos ver que a obsessão da seita com o seu código de honra particular é o que está por trás da sua análise dos eventos importantes na luta de classes internacionalmente. Ao invés de se preocuparem analisar objetivamente eventos dados em cada país e usar essa análise como um guia para ação para ser capaz de melhor intervir neles, a seita busca acima de tudo colocar a si própria e frequentemente contra o movimento das massas. Para poder justificar isso é necessário recorrer à calúnia e acusações de “traição”. Assim, Henderson, talvez para mostrar aos seus amigos na TB o quão bem ele progrediu na escola espartaquista de sectarismo, audaciosamente declara que “o SU (Secretariado Unificado da Quarta Internacional) repetidamente demonstrou a sua tendência a estar do lado errado da luta de classes internacional”. Bastante forte! Alguém poderia pensar que “estar do lado errado” significa apoiar a classe capitalista contra a classe trabalhadora, aquilo que é o trabalho dos reformistas. No entanto, Henderson e companhia teriam muita dificuldade em apontar uma situação em que a QI [SU] de fato “esteve” do lado da burguesia. Ou seja, a não ser pelo termo “luta de classes internacional”, Henderson tem na verdade em mente a “guerra de classes global” de Sam Marcy [1], com cujas políticas stalinofílicas a SL-TB vieram a se parecer. Marcy rompeu com o trotskismo para emblocar com a burocracia stalinista na revolução húngara de 1956 e desde então teve uma linha praticamente indistinguível daquela do PC. Para a SL-TB, a questão chave no mundo hoje é a “questão russa” e o seu “teste ácido para trotskistas” é o apoio ao general Jaruzelski. Mais do que serem traidores nas colunas da classe trabalhadora, a QI [SU] ousou ir contra o código de honra sectário do espartaquismo segundo o qual a “defesa da URSS” começa em todo lugar desde Belize a Benin, de Burma a Burbank [2]. Hoje, enquanto Gorbachev e Reagan barganham sobre como melhor impedir a revolução ao redor do mundo, os sectários terão ainda maior dificuldade em fazer com que trabalhadores de consciência revolucionária aceitem o seu “teste ácido”, tanto quanto os patrões terão dificuldade em manter sobre eles a exigência de testes de urina.

        O catálogo de Henderson dos crimes alegadamente cometidos pela QI [SU] ao redor do mundo por si próprio merece pouco mais do que chacota. Fazer o contrário é dignificar o que não é nada além do que a caracterização espartaquista das posições realmente tomadas pela QI [SU] nos países em questão. Para os espartaquistas, obscurecer a posição dos oponentes é muito mais fácil do que confrontá-la (como a própria TB acabou descobrindo). Entretanto, eles tipificam a metodologia dos sectários quando confrontados pela presença de uma situação revolucionária e a bancarrota completa da sua “ortodoxia” programática como um tipo de guia para a ação para a classe trabalhadora.

        Assim, no Irã eles nos dizem que a QI [SU] “seguiu Khomeini criminosamente” e foi “incapaz ou não quis entender que a burguesia, muito menos os reacionários feudais, não tinham nenhum papel progressivo a cumprir”. No entanto, se nós examinarmos “Perspectivas e Problemas da Revolução Iraniana”, parte de “A Situação Política Mundial e as Tarefas da QI”, resolução adotada no Congresso Mundial de 1979, nós lemos que “não pode haver ‘etapa’ de desenvolvimento capitalista no Irã independente do imperialismo [e que] nem pode a burguesia iraniana levar adiante as tarefas democráticas…”. No parágrafo seguinte nos diz que “a hierarquia xiita liderada por Khomeini… é a carta chave que a classe dominante do Irã está jogando em sua tentativa de restaurar um aparato de Estado estável e uma nova liderança política burguesa para poder esmagar o processo revolucionário e relançar um processo de desenvolvimento capitalista ‘racionalizado’.” Soa mesmo como se realmente “seguíssemos criminosamente”.

        Henderson se entrega quando ele cita Ernest Mandel para o efeito de que “era correto apoiar o levante contra o Xá apesar de ele ser liderado pelo clero” (minha ênfase). O que ele não cita é a frase seguinte onde Mandel declara que “em todos os conflitos entre o novo regime e… as massas… nós estamos 100% do lado das massas contra o regime.” Ou o fim da seção sobre o Irã em Marxismo Revolucionário Hoje, onde Mandel declara que “identificar a revolução com o obscurantismo religioso é um ato de traição ideológica… que denigre a causa dos iranianos e do socialismo mundial.” Além do mais, o que os marxistas revolucionários supostamente deveriam fazer? Chamar por um “bloco militar” com o Xá contra os “reacionários feudais”? Como o sectário só pode ver os líderes e não as massas de trabalhadores e camponeses que de fato estavam fazendo a revolução, ele pode sem preocupação descartar todo o caso com um gesto de mão, o que obviamente não oferece nenhum caminho possível ou prático para ganhar as massas para a política comunista e de fato romper com líderes reacionários da laia de Khomeini.

        O mesmo é válido para a Polônia, o código de honra sectário por excelência para a SL-TB. Os trotskistas não vão ganhar muitos trabalhadores poloneses para a sua política formando um “bloco militar” com a burocracia stalinista. Por sorte, não havia espartaquistas na Polônia para causar descrédito ao trotskismo lá da mesma maneira como eles fizeram em todo lugar e em toda ocasião em que eles fizeram sentir sua presença. Henderson aparentemente atribui “a força crescente do sinistro anti-semita KPN ou ao plano para desmontar a economia planificada” ao proletariado polonês quando foram, e continuam sendo, os seus parceiros de bloco na burocracia stalinista que promoveram e fortaleceram tais tendências. Não é acidente que Jaruzelski está entre os maiores reforços das reformas econômicas anti-proletárias de Gorbachev hoje.

        Não há dúvida de que os sectários irão responder em uníssono que o poder da burocracia e os seus privilégios são baseados sobre “formas de propriedade proletárias”, o que significa que eles tem interesse material em preservar a ditadura do proletariado, ou então eles são condenados como “estúpidos” demais para perceber onde os seus verdadeiros interesses estão baseados, ao contrário de Robertson e seus amigos e parentes na burocracia, com os quais ele se relaciona tão bem. Assim, a SL tomou a lógica elitista inerente ao seu sectarismo à sua conclusão extrema ao tomar para si a causa comum da burocracia contra a classe trabalhadora. Falem sobre “abandono do trotskismo”, sombras de “pablismo”!

        Quanto a “desmascarar” as “pretensões ao trotskismo” da QI [SU] na Nicarágua, o que mais alguém precisa dizer sobre uma tendência (a linhagem SL-TB) que de fato reivindica que não há Estado nenhum na Nicarágua após quase dez anos e domínio da FSLN. É um achado que Henderson esteja perdido para dar uma caracterização de classe (seja proletária ou burguesa) para o “bonapartismo” dos sandinistas. Ou seja, a não ser que alguém leve a sério o papagaiado clichê “ortodoxo”, que para tudo serve, de rotular de todo e qualquer grupo fora das próprias colunas como “pequeno-burguês”. De fato, as pretensões da SL-TB ao trotskismo, e ao materialismo histórico em geral, são reveladas pela posição “única” de Robertson de que todas as revoluções socialistas após a Segunda Guerra foram realizadas por partidos “pequeno-burgueses” ao invés de partidos da classe trabalhadora burocratizados. De acordo com a SL-TB, a pequeno-burguesia, uma classe proprietária, se é que houve alguma, pode ser “pressionada” pelo imperialismo a romper com os seus próprios interesses materiais e levar adiante o processo da revolução permanente à sua conclusão, a criação de um Estado operário. É melhor conceder tal alto papel a outra classe do que a outra tendência dentro do movimento dos trabalhadores, não importa o que isso signifique para a teoria marxista, ignorando a realidade na qual ela se baseia! Tal linha tem mais em comum com aquela de Tony Cliff do que com a de Leon Trotsky, com a única diferença de o primeiro teve honestidade o suficiente para admitir onde ele deixa a companhia do primeiro, enquanto Robertson ainda considera a si próprio como o último trotskista “ortodoxo” no mundo.

        Poderia parecer que aqueles que reivindicam mais admirar Trotsky (Henderson consegue invocar o nome de Trotsky onze vezes em quatro páginas), na verdade o enterram, ou melhor, ao conjunto de políticas revolucionárias associadas ao seu nome, sob um túmulo de dogmatismo e sectarismo. Por isso, se houve qualquer “abandono” dos postulados básicos do marxismo revolucionário, em geral ou em particular, foi por parte dos cultuadores sectários de “Jimstown” (a SL, como apropriadamente rotulada pela TB), ambos no passado e no presente. A essência do espartaquismo é a total separação entre a teoria e a prática, pensamento e ação, partido (ou melhor, seita) e classe, junto com toda a perda de base da teoria para legitimar todos os anteriores.

        Esta é a base real por trás da crença de Robertson de que “programa gera teoria”!

        Para os marxistas revolucionários, o “programa” consiste de uma totalidade dialeticamente inter-relacionada e constantemente interativa do que uma organização faz bem como o que ela diz. Teoria marxista genuína, sendo ambos uma ciência viva e um instrumento para mudar a sociedade, só pode cumprir o seu papel apropriado como um guia para ação, não como uma desculpa para a inação, se ela é usada para analisar uma realidade em permanente mudança em nível objetivo. De outra forma, ela fica estagnada em um dogma estéril, totalmente divorciado de toda a realidade exceto, talvez, àquela da seita…vista através da sua cegueira sectária.

        Tendo usado a maior parte da sua vida política ativa dentro do reino do espartaquismo, os membros da TB se encontram como prisioneiros psicológicos dos seus passados, incapazes ou sem vontade de virarem suas costas para sua alma mater. Obcecados em se provarem como mais robertsonistas do que o próprio Robertson, todo e qualquer ato da TB é definido pelos parâmetros do espartaquismo. Neil Henderson pode ter sido atraído pela retórica de aparência revolucionária associada com tudo isso, mas no fim, ele irá ser, assim como o resto da TB, sufocado pelo cordão umbilical espartaquista, cortado de qualquer contato com a classe trabalhadora e condenado ao isolamento e à irrelevância ainda mais do que os verdadeiros espartaquistas.

        Sem dúvida o alto nível de integridade política e pessoal, honestidade, e dedicação à causa da classe trabalhadora caracterizam a vasta maioria dos membros da TB irá evitar que eles caiam vítimas do cultismo que hoje é o principal semblante do espartaquismo. No entanto, não há escapatória da evolução geral de todas as seitas enquanto se prendem tenazmente à sua base de apoio. Não há espaço na esquerda para o espartaquismo com uma face humana. Ninguém está procurando por alguns poucos bons robertsonistas. Porque a TB está tão amarrada à metodologia do espartaquismo com o seu fetichismo programático, ela falha em ver o que é de fato a aura do espartaquismo. Ao invés disso, ou melhor, precisamente em razão de todo o seu passado político que consistiu em servir o seu tempo ao Reino Espartaquista, eles são incapazes de ver o que realmente essa estória de espartaquismo significa.

        Psicose, neurose e um severo estado de sentimento de culpa que clama por uma figura de autoridade à qual se subordinar; isso é o que atrai indivíduos para o “culto de obediência” de Robertson, não o seu programa r-r-r-revolucionário. Aqueles hoje na TB eram e são exceção a essa regra que de fato se prova regra.

        Então se Neil Henderson prefere o movimento da seita ao invés do movimento das massas, que seja. Com o tempo, ele próprio certamente vai experimentar em sua própria pele. Quanto a mim, eu prefiro o segundo ao primeiro e prefiro me engajar em construir esse movimento com a QI [SU], mesmo se isso significar cometer erros (os quais a maioria dos seres humanos que não sejam James Robertson estão aptos a fazer) e sujar as mãos no processo. Melhor estar na margem esquerda dos “mandelistas” e “pablistas” do que na margem lunática com os espartaquistas!

        Pelo marxismo revolucionário; contra o espartaquismo/sectarismo. Roy [R.]

        Resposta da Tendência Bolchevique

        Apesar do tom bombástico e da falta de clareza intelectual da denúncia de Roy R. de um “sectarismo”  leninista, a sua crítica da nossa política claramente põe todas as questões importantes de programa vs. “processo” como o eixo central da política socialista. Roy começa depreciando a nossa aderência aos códigos de honra herdados da Liga Espartaquista que, afirma ele, nos leva a negar ou distorcer a realidade para podermos justificar nossa própria existência sectária. É claro, ele não se chateia para escrever o que precisamente esses “pontos de distinção” são. É abundantemente claro a partir de um balanço da sua carta, entretanto, exatamente quais “códigos de honra” estão sob ataque.

        Código de Honra número 1: A única classe na sociedade moderna com o interesse material e o poder social para realizar uma revolução socialista é o proletariado.

        Código de Honra número 2: Para o proletariado cumprir sua missão revolucionária, ele deve ser liderado por um partido de vanguarda que agrupe os seus elementos mais avançados e a sua mais alta consciência.

        Código de Honra número 3: Os Estados operários degenerados que se baseiam sobre fundações sociais criadas pela Revolução de Outubro, assim como os Estados operários deformados que exibem uma estrutura social essencialmente idêntica, devem ser defendidos contra ambos a agressão imperialista e todas as tentativas nativas de restaurar o capitalismo.

        O primeiro destes “códigos de honra” é o princípio essencial da teoria revolucionária de Karl Marx. O segundo incorpora a maior contribuição à essa teoria feita por Lenin, que guiou o Partido Bolchevique ao levar à frente a primeira e até agora a única revolução de proletários bem sucedida no mundo. O terceiro condensa a posição de Trotsky sobre a questão russa, e a sua extensão aos Estados operários deformados criados desde a Segunda Guerra Mundial. Estes três “códigos de honra”, tomados juntos, constituem a essência do programa pelo qual Trotsky lutou até que foi assassinado por um agente stalinista em 1940, e permaneceram a base política da organização que ele fundou – a Quarta Internacional.

        Stalinismo Pós-Guerra e o Racha na Quarta Internacional

        Roy está correto ao dizer que as transformações sociais anti-capitalistas seguidas à Segunda Guerra Mundial pegaram a Quarta Internacional despreparada. Mais significativamente, elas levaram a um racha nas suas colunas. Se, como Roy assume, estas transformações foram simplesmente revoluções proletárias com algumas poucas imperfeições, ele terá dificuldade em explicar porque a Quarta Internacional se ocupou tanto delas. Ao invés disso, o dilema diante dos seguidores de Trotsky consistiu precisamente no fato de que estas revoluções foram realizadas por stalinistas, a quem Trotsky julgava incapazes de qualquer liderança revolucionária, e a quem ele tinha de fato caracterizado como contra-revolucionários em seu papel internacional.

        Nesses países onde eles consolidaram o poder, os novos regimes stalinistas pós-guerra não apenas falharam em mobilizar o proletariado, mas permaneceram implacavelmente hostis a qualquer tentativa pela classe trabalhadora de organizar a si própria de forma independente. A burocracia soviética criou uma constelação de economias nacionalizadas ao longo da maior parte da Europa Oriental. Na Iugoslávia, China e Vietnã, partidos stalinistas, na liderança de exércitos de guerrilha de base camponesa, tomaram o poder. Em nenhum desses casos a expropriação dos capitalistas e a nacionalização dos meios de produção foi acompanhada pelo estabelecimento do poder político da classe trabalhadora. Ao invés disso, essas sociedades foram presididas do topo por burocracias estatais materialmente privilegiadas e nacionalmente arraigadas, politicamente idênticas à casta que se formou ao redor de Stalin depois da morte de Lenin.

        Em resposta a esses desenvolvimentos inesperados, emergiram dentro da Quarta Internacional duas correntes fundamentalmente divergentes. Por um lado havia aqueles – no Comitê Internacional (CI) – que resistiram a qualquer tentativa de revisar a apreciação básica do trotskismo sobre o stalinismo ou o programa da Quarta Internacional para a revolução mundial. Eles, de maneira geral, reconheceram que os partidos stalinistas, sob a pressão da guerra e da ocupação estrangeira, haviam sido compelidos a ir muito além na via anti-capitalista do que Trotsky havia previsto; eles concordaram que as novas economias coletivizadas representavam, um ganho parcial para a classe trabalhadora e deveriam, portanto, como a economia coletivizada na própria União Soviética, ser defendidas de todas as tentativas para restabelecer o capitalismo.

        Mas eles também insistiram que os recém-criados regimes stalinistas – enlameados em atraso material e fortemente controlados por burocracias que sufocavam as massas – eram politicamente deformados desde o início. Eles apontaram que na crise revolucionária que havia convulsionado o mundo desde os anos 1920, o stalinismo havia traído a classe trabalhadora muito mais consistentemente do que prejudicado o imperialismo, e portanto permanecia fundamentalmente um obstáculo para o poder proletário e não um instrumento para a sua realização. Assim, apesar dos eventos no pós-guerra que eles entendiam de forma imperfeita, a corrente “ortodoxa” do CI, liderada pelo Partido dos Trabalhadores Socialistas norte-americano (SWP), reafirmou a necessidade histórica por partidos trotskistas, enraizados na classe trabalhadora, para completar o trabalho iniciado por Lenin e os Bolcheviques em 1917. É esse legado que a Tendência Bolchevique defende.

        Já no polo oposto na controvérsia do pós-guerra estavam os seguidores de Michel Pablo, cabeça do Secretariado Internacional (SI) na época do racha. A ala de Pablo defendia que os sucessos pós-guerra dos stalinistas aconteceram em uma “nova realidade mundial” que tornou o “velho trotskismo” obsoleto. Em termos da sua perspectiva de longo prazo, isso significava que o proletariado mundial não podia mais aspirar pelo socialismo, mas ao invés disso por “séculos de Estados operários deformados”. Os pablistas concediam aos stalinistas não apenas o presente, mas também o futuro. De acordo com Pablo, os partidos stalinistas haviam provado pelas suas vitórias na Europa Oriental e na Ásia que eles eram instrumentos essencialmente adequados (ainda que “desafinados”) para a revolução socialista. Ele, portanto, clamava uma tática de “entrismo profundo” através da qual as seções nacionais da Quarta Internacional iriam se dissolver em partidos stalinistas. Lá, eles iriam agir como grupos de uma ala esquerda pressionando as várias lideranças do PC, ajudando a afinar os “instrumentos desafinados”. É com essa tradição, representada hoje pelo Secretariado Unificado (SU) liderado pelo antigo braço direito de Pablo, Ernest Mandel, que Roy R. escolheu jogar a sua sorte.

        Desde o racha na Quarta Internacional, os pablistas provaram que a sua característica definidora não é um compromisso de trabalhar dentro dos partidos stalinistas, mas ao invés disso uma inclinação a se acomodarem a qualquer corrente ideológica que esteja em voga na esquerda. Isso, na linguagem de V. I. Lenin e outros “sectários”, se chama oportunismo. Os mesmos instintos oportunistas que originalmente levaram Pablo na direção do stalinismo, hoje dirigem Mandel e seus seguidores rumo à socialdemocracia e até mesmo ao anti-comunismo declarado do Solidariedade polonês.

        Não é possível no espaço disponível recontar toda a história das manobras acomodacionistas do SU; mas nem mesmo é necessário. A carta de Roy R. representa o pensamento de seus mentores de forma bastante precisa, ainda que de forma mais bruta. Ela oferece um catálogo suficientemente extensivo de trapaças oportunistas e distorções para ilustrar nosso ponto.

        Stalinismo Insurrecional de Base Camponesa

        Roy afirma, sem oferecer qualquer argumento de apoio, que as revoluções na Iugoslávia, China, Cuba e Vietnã foram proletárias no seu caráter. Mas os países deixados de fora da sua lista são talvez tão significativos quanto aqueles incluídos. O que dizer sobre Polônia, Hungria, Bulgária, Romênia, Albânia, Tchecoslováquia e Alemanha Oriental? Eram esses Estados, depois de 1949, diferentes em sua estrutura social ou política daqueles mencionados no primeiro grupo? Se não há diferença qualitativa nos resultados finais, por exemplo, entre o Vietnã e a Bulgária, então a diferença deve estar no processo de formação.

        A diferença está certamente não no papel desempenhado pelo proletariado. Foi Ho Chi Minh, que aniquilou os trabalhadores liderados por trotskistas que ocupavam fábricas em Hanói em 1945, um milímetro menos hostil ao proletariado do que Georgi Dimitrov na Bulgária? A principal diferença entre os países da Europa Oriental e aqueles nomeados por Roy foi que os primeiros se tornaram Estados operários como resultado da conquista militar da União Soviética, enquanto os últimos foram transformados após a ascensão ao poder de movimentos de massa nativos. Mas qual precisamente o caráter de classe desses movimentos? Para responder a esta questão deve-se perguntar sobre o caráter de classe do campesinato, já que foi liderando exércitos camponeses que os stalinistas – em cada um dos países que Roy lista – marcharam para o poder. Em toda a sua carta, Roy ridiculariza a noção de que a pequeno-burguesia (“uma classe proprietária se é que houve alguma”) possa criar Estados operários. Mas Roy não pode negar que toda a tradição marxista, de Marx até Trotsky, caracterizou o campesinato como uma camada pequeno-burguesa. Por qual alquimia misteriosa o campesinato se transmutou para o proletariado?

        O mentor de Roy, Ernest Mandel, “resolve” esse problema teórico espinhoso afirmando que apenas partidos proletários poderiam ter destruído a propriedade burguesa. Em uma polêmica de dezembro de 1982 com Doug Jeness do Partido dos Trabalhadores Socialistas (SWP), que usou o fato dos movimentos camponeses liderados por stalinistas terem em diversas ocasiões derrubado a propriedade capitalista como um argumento para reviver a teoria de duas etapas dos Mencheviques, Mandel declarou:

        “o Exército de Libertação Popular chinês, para não mencionar o Partido Comunista Chinês, que foram instrumentos históricos da destruição das propriedades capitalista e camponesa, só podem ser considerados um exército ou partido ‘camponês’ esvaziando a análise de classe marxista de toda a sua substância.”

        O argumento de Mandel para o caráter “proletário” do ELP é pura tautologia. Ele afirma que o campesinato como classe só pode ser:

        “centralizado ou por uma liderança burguesa – caso no qual a revolução é levada à certa derrota – ou sob liderança proletária (ainda que seja extremamente burocratizada, como na China) e nesse caso, apenas nesse caso, a vitória da revolução é possível.”

        Na verdade, o resultado da revolução chinesa, e as outras insurreições de base camponesa que derrubaram a propriedade capitalista desde a Segunda Guerra Mundial demonstram que, em certas situações históricas específicas, a propriedade privada dos meios de produção pode ser encerrada por movimentos sociais não-proletários.

        Cuba e a Teoria Marxista

        Nós estamos felizes que Roy tenha escolhido incluir Cuba na sua lista de revoluções proletárias. Porque nas outras instâncias (China, Iugoslávia, Vietnã), a natureza dessas revoluções é parcialmente obscurecida pelo fato de que os partidos que as lideraram terem mantido o título de “comunistas” e terem tido certa vez uma composição de proletários.

        Cuba, por outro lado, fornece um caso clarificador precisamente porque o Movimento 26 de Julho (M26) que levou Fidel Castro ao poder em 1959 não teve conexão histórica com a Internacional Comunista ou o movimento dos trabalhadores. Não apenas os seus quadros foram retirados quase exclusivamente da intelectualidade pequeno-burguesa; a sua base consistia de talvez mil camponeses recrutados na Serra Maestra. A sua propaganda não continha nada da retórica familiar do stalinismo. Mais importante, o seu programa – longe de ter como objetivo o socialismo – nem mesmo chamava por uma reforma agrária extensiva ou a nacionalização da indústria, mas era limitado à demanda pela restauração da constituição “democrática” pré-Batista de 1940. E ainda, apenas vinte e um meses depois de ter marchado sobre Havana, Castro se viu a frente de uma economia nacionalizada e um membro do “bloco soviético”. Os episódios particulares desse drama são bem conhecidos. Como uma simples questão de autopreservação, Castro, ao assumir o poder, desmontou o aparato repressivo (exército e polícia) do regime Batista pró-EUA que ele havia acabado de derrubar. Isso não soou bem em Washington, que suspeitou que Castro fosse um proto-comunista todo o tempo. A aumentada hostilidade do imperialismo dos EUA deixou Castro sem ninguém para quem se voltar a não ser para os trabalhadores e as massas camponesas cubanas, cujas esperanças por justiça social haviam sido levantadas pelo expurgo da odiada ditadura de Batista. Para consolidar sua base de poder, Castro realizou uma série extensiva de reformas agrárias e decretos de limitação da renda. Essas medidas causaram um racha dentro do governo que o Movimento 26 de Julho tinha inicialmente instalado. Quando Castro expulsou os elementos burgueses que resistiram às suas reformas agrárias, as relações com Washington se tornaram tensas e ficaram no fio da navalha, e Castro começou a se voltar para a União Soviética, com a qual ele assinou uma série e acordos militares e comerciais. O clímax veio no outono [do hemisfério norte] de 1960, quando Castro, em resposta ao bloqueio econômico total imposto pela administração Eisenhower, anunciou a nacionalização de extensivas posses dos EUA que, até aquele ponto, tinham dominado a economia Cubana.

        Então um bando de democratas pequeno-burgueses foi impelido pela dupla pressão do imperialismo e da sua própria base popular, ao longo de um caminho que terminou em uma sociedade qualitativamente a mesma que aquela da Europa Oriental e da China, ou seja, um Estado operário deformado.

        A precursora da Liga Espartaquista (a Tendência Revolucionária [TR]), se cristalizou como uma fração dentro do Partido dos Trabalhadores Socialistas norte-americano em oposição ao giro crescentemente reformista desse partido e a sua adulação sem limites a Castro. De acordo com a TR, a revolução cubana possuiu o significado teórico ao menos tão grande quanto o seu impacto político: ela ofereceu a chave para compreender as revoluções no pós-guerra que haviam causado tanta perplexidade aos seguidores de Trotsky. A TR argumentou que, apesar das suas origens e retórica proletárias, os partidos stalinistas que tomaram o poder no Vietnã, Iugoslávia e China estavam muito mais perto do M26 de Castro do que do Partido Bolchevique de 1917.

        Tim Wohlforth, na época um porta-voz e líder da TR, explicou sua posição tão claramente que ele pode ser citado longamente:

        “A força motivadora da transformação dos países da Europa Oriental (excluindo a Iugoslávia) em Estados operários deformados foi o exército soviético. A classe trabalhadora desempenhou um papel essencialmente disperso, passivo, nesses eventos. A força motivadora por trás da Revolução Chinesa que colocou Mao e companhia no poder foi primariamente o campesinato… A transformação da China em um Estado operário deformado foi instituída, não pela classe trabalhadora da China, nem primariamente por causa da grande pressão da classe trabalhadora – ela foi levada adiante pela iniciativa de cima da própria burocracia maoísta como um ato defensivo contra o imperialismo.”
        (…)
        “Cuba torna esse processo totalmente claro precisamente em razão da característica central única da Revolução Cubana – que a transformação em um Estado operário deformado ocorreu sob a liderança de um partido que não era sequer subjetivamente ‘proletário’, por uma formação pequeno-burguesa não-stalinista.”

        “Assim, a experiência cubana não apenas ilustra o pequeno papel que a classe proletária desempenhou nessas transformações; ela também sugere que a assim chamada natureza ‘proletária’ dos partidos stalinistas em muitos desses países coloniais recebeu também ênfase demais. O fato de que o Movimento 26 de Julho de Castro foi capaz de levar a frente uma transformação social em uma maneira quase idêntica à do PC Chinês de Mao reflete… a identidade essencial da natureza do PC Chinês com a do M26. Ambos partidos eram essencialmente formações pequeno-burguesas – pequeno-burguesas na natureza de classe da sua liderança, nos seus membros, na sua base de massas, e na sua ideologia.

        “Enquanto a ideologia dos stalinistas contém certos elementos socialistas dentro dela e nesse aspecto é diferente daquela do M26, é questionável se esses elementos mudaram essencialmente a natureza do movimento. Isso é especialmente duvidoso quando se percebe que a perversão stalinista da ideologia socialista é precisamente na direção do nacionalismo pequeno-burguês. Assim, esses partidos devem ser vistos… como essencialmente os instrumentos das classes pequeno-burguesas na sociedade – não como instrumentos ainda que distorcidos da classe trabalhadora.”
        Cuba e os Estados operários deformados”, 20 de julho de 1961.

        Se os trabalhadores têm tão pouco em comandar essas sociedades quanto eles tiveram em criá-las (que é de fato o caso), com que direito histórico ou teórico os trotskistas persistem em chamá-los de Estados operário, deformados ou de qualquer tipo? Wohlforth respondeu como se segue:

        “Em razão da extrema crise do capitalismo somada à crise de liderança da classe trabalhadora, essas classes socialmente intermediárias foram capazes de desempenhar um papel extremamente radical que o movimento marxista não havia previsto anteriormente – elas foram capazes de romper com o próprio capitalismo. Entretanto, as suas ações muito radicais provaram a fraquezaessencial desse extrato social – enquanto eles foram capazes de negar ao esmagar o sistema capitalista, elas foram incapazes de superar positivamente, substituindo o poder dos capitalistas pelo seu próprio. Ao invés disso, elas são forçadas a lançar as bases econômicas para o poder de outra classe – a classe proletária – uma classe da qual na verdade eles desconfiam e desprezam. Enquanto por um lado a sua própria fraqueza histórica como uma força social intermediária a obriga a criar a propriedade para outra classe, a crise de liderança da classe trabalhadora lhe permite consolidar um poder político inimigo da classe proletária. Daí o desenvolvimento de uma casta burocrática e a necessidade da revolução política.”

        Implícito em todo o argumento de Wohlforth está a noção de que a propriedade coletivizada, embora ela possa ser criada por forças pequeno-burguesas ao invés do proletariado, não pode atingir todo o seu potencial e amplitude sem a democracia proletária e o posterior desenlace da revolução internacional. Porque a propriedade coletivizada exige o poder dos trabalhadores para garantir o seu futuro nesse planeta, é uma forma de propriedade para com a qual a classe trabalhadora retém o seu título histórico. Mas onde as formas de propriedade foram criadas por forças não-proletárias hostis ao poder proletário e à revolução mundial, essas forças pequeno-burguesas, uma vez no poder, são inevitavelmente compelidas a replicar a função da casta dominante stalinista na União Soviética e levantam obstáculos burocráticos para o desenvolvimento posterior da revolução.

        Os Estados que hoje representam as formas de propriedade proletárias (exceto pela URSS, que nasceu de uma genuína revolução proletária, mas que se degenerou) podem então ser chamados de deformados, ou seja, aleijados desde o nascimento. Para abrir o caminho do socialismo, eles requerem uma revolução política, na qual os trabalhadores varram para longe suas respectivas burocracias e coloquem no lugar os genuínos instrumentos do comando democrático da classe trabalhadora. Dessa forma, a Tendência Revolucionária desatou o nó de dificuldades teóricas que haviam envolvido as transformações sociais do pós-guerra.

        Roy afirma que a teorização acima representa uma distorção da realidade para poder justificar a existência sectária da Liga Espartaquista (e por decorrência a da TB). Mas a SL nem existia na época em que essa análise foi formulada. As conclusões da TR dos eventos em Cuba foram não apenas baseados empiricamente, mas também representaram a únicateorização da experiência revolucionária do pós-guerra que defendeu o programa da Revolução Permanente.

        Solidariedade: um movimento de Massa pela Restauração Capitalista

        Por muitos anos, Ernest Mandel, a liderança inspiradora do SU, tem se especializado em inventar razões teóricas “marxistas” sofisticadas para seguir qualquer tendência política que esteja favorecida na “ampla esquerda”. Roy, que absorveu o espírito do oportunismo de Mandel, é menos capaz na arte do embelezamento teórico. Com uma ousadia que poderia envergonhar seu mentor, ele proclama o seu desejo de estar ao lado o “movimento de massa de muitos milhões” sem nenhuma preocupação aparente sobre quem está liderando esse movimento ou quais são os seus objetivos. Roy pode questionar o nosso critério específico para decidir quais “movimentos de massa” apoiar e a quais se opor. Mas pode ele argumentar seriamente que não existe tal critério para os marxistas e que qualquer um que diga o contrário é um sectário por definição?

        De todas as posições que a Tendência Bolchevique manteve da Liga Espartaquista, nossa oposição ao Solidariedade da Polônia é de longe a mais difícil de ser engolida pelos centristas. Isso se deve não apenas enorme popularidade do Solidariedade no Ocidente, mas também ao fato de que esse movimento foi organizado e liderado principalmente por trabalhadores e recebeu o apoio da esmagadora maioria da classe trabalhadora polonesa. A classe trabalhadora, de acordo com a teoria marxista, se supõe que seja um agente do progresso histórico. Que a liderança do Solidariedade era de fato reacionária, tinha como objetivo a restauração do capitalismo e estava realmente fazendo uma luta pelo poder de Estado em 1981 foi extensivamente documentado em um livreto separado da TB (Solidariedade: Teste Ácido para os Trotskistas). Mas pode-se conceber, reclamam os centristas em uníssono, que dez milhões de trabalhadores poloneses possam ter sido iludidos a respeito dos seus próprios interesses, e é em algum momento permitido emblocar com os stalinistas contra os trabalhadores? Nós respondemos ambas essas questões afirmativamente, e podemos talvez tornar nossa posição mais clara por meio de uma analogia.

        Trotsky comparou a URSS stalinista a um sindicato burocratizado: uma organização de trabalhadores dominada por uma oficialidade privilegiada que se identifica mais com a burguesia do que com o proletariado. Vamos agora levar essa comparação um passo a frente. Suponha que os trabalhadores de uma determinada planta foram traídos tantas vezes pela liderança nacional do sindicato que começa a crescer entre eles o sentimento de destruir o sindicato de uma vez, ou seja, fechar o sindicato. Nessa planta uma pequena minoria de trabalhadores com consciência de classe tentam, como diz Roy, “pacientemente explicar aos trabalhadores” que, ainda que o aparato do sindicato esteja apodrecido, o sindicato é a última linha de defesa dos trabalhadores contra os patrões e que fechá-lo seria um erro. Mas também há um grupo sindical de direita que está divulgando o sentimento anti-sindicato. Esses elementos propõem concorrer com uma chapa de candidatos na próxima eleição local comprometidos a organizar o imediato fechamento. Como um conforto para aqueles trabalhadores que não gostam de pagar taxas em dinheiro para um bando de picaretas corruptos no escritório nacional, mas que ainda pensam que algum tipo de organização coletiva é necessária, os direitistas prometem estabelecer uma associação de empregados depois que o fechamento do sindicato ocorra. A patronal cumprimenta esse acontecimento com entusiasmo e cede fundos e locais de reunião para os dissidentes. Quando os votos são contados, o grupo de direita ganha esmagadoramente, dando assim um passo para o fechamento do sindicato. Nesse momento, o escritório nacional do sindicato se movimenta para desviar o fechamento suspendendo a liderança eleita da planta e indicando uma chapa interina mais ao seu estilo.

        Essa situação, ainda que hipotética, não é completamente inconcebível. Poderia haver alguma dúvida de que em tais circunstâncias os trotskistas considerariam a remoção pelos burocratas dos líderes locais democraticamente eleitos como um mal menor? Enquanto de forma alguma absolvendo a burocracia de suas incontáveis traições que fizeram com que os trabalhadores se voltassem contra o sindicato, os militantes iriam ser forçados a reconhecer que nessa situação particular as ações da burocracia temporariamente impediram a total extinção do sindicato. Enquanto não atingisse a raiz do problema, ela ao menos ganhou algum tempo para os elementos com consciência de classe virarem a hostilidade legítima dos trabalhadores para longe do sindicato enquanto instituição e em direção à corrupta liderança.

        A existência dos corruptos e burocraticamente dominados sindicatos da AFL-CIO representam um ganho histórico para a classe trabalhadora; as economias coletivizadas dos Estados operários degenerados e deformados são um ganho ainda maior, e são preferíveis do ponto de vista dos interesses a longo praz dos trabalhadores do que uma economia de “livre mercado”. E quando os trabalhadores que vivem sob uma economia coletivizada são jogados pelas décadas de arrogância e inaptidão stalinista nos braços de uma liderança que iguala administração burocrática com a propriedade coletivizada enquanto tal, e que diz a eles que eles estariam melhores sob o capitalismo, então é a tarefa dos trotskistas prevenir tais falsos líderes de tomar o poder de Estado.

        Roy tem alguma dúvida de que Walesa e companhia pretendiam restaurar o capitalismo? Nenhuma outra conclusão pode ser tirada sobre uma organização que comemorou a eleição de Ronald Reagan, buscou o mais reacionário Papa eleito em décadas como seu líder espiritual, convidou um conhecido operativo da CIA no movimento sindical para o seu congresso, deletou todas as menções ao socialismo no seu programa, invocou a memória do líder do Exército Branco Josef Pilsudski, e adotou um programa econômico chamando pelo desmantelamento da economia de propriedade estatal. É obsceno que Roy compare este movimento abertamente restauracionista com o heróico levante pró-socialista dos trabalhadores húngaros em 1956. Recentemente se tornou público que o Solidariedade aceitou prontamente mais de 5 milhões em dinheiro e recursos do Congresso dos EUA e do Departamento de Estado nos últimos três anos. Se esses fatos são insuficientes para convencer Roy das intenções contrarrevolucionárias do Solidariedade, nós devemos concluir que nada além da real restauração capitalista na Polônia faria com que ele mudasse de ideia.

        Irã: SU Capitula à Reação Islâmica

        A polêmica de Roy ao menos tem a virtude da consistência. Ele não fica para trás ao adotar a herança do SU, mesmo nas suas mais grosseiras traições. Lembramos que a Liga Espartaquista respondeu ao levante iraniano de 1979 com o slogan “Abaixo o Xá! Abaixo os Mulás!”. O restante da esquerda, incluindo o SU, seguiu Khomeini. Roy ridiculariza a acusação de Neil Henderson de seguir Khomeini como uma grotesca caricatura espartaquista da posição do SU, e para provar seu ponto cita Mandel para o efeito de que os marxistas deveriam ter apoiado as massas iraniana contra o Xá e apesar do fato de que eram lideradas pelos reacionários islâmicos. Mas as massas iranianas estavam naquele momento apoiando a luta pelo poder de Khomeini. Qual é, portanto, o significado operacional da distinção entre a liderança e as “massas” nesse caso? A distinção faz sentido apenas se for assumido que o funcionamento automático do “processo revolucionário” pode transcender a liderança reacionária.

        Apoiar um movimento de massas ou um “processo revolucionário” apesarda hegemonia de líderes que são admitidamente considerados reacionários, presume que as massas engajadas nessa mobilização política vão espontaneamente se mover para alguma direção diferente daquela reivindicada por seus líderes e produzir algum resultado que não a ascensão desses mesmos líderes ao poder. Eram as massas iranianas, sem uma liderança alternativa, capazes de descartar Khomeini e guiar a insurreição de 1979 rumo a algum resultado mais progressivo? Foi o triunfo de Khomeini um mero prelúdio a algum desabrochar posterior de um “processo revolucionário” que iria no fim instalar os trabalhadores no poder? A diferença entre a SL e o SU sobre o Irã volta-se para a resposta a essas questões.

        Roy parece se esquecer que as respostas não exigem mais a capacidade de prever, mas podem ser obtidas com a vantagem de quase uma década olhando para o passado. Foram Khomeini e seus capangas postos de lado por um surto à esquerda do movimento de massas? De acordo com nossa mais recente informação, o Aiatolá provavelmente vai morrer no cargo, e o seus sucessores designados estão agora se mexendo para reatar os laços com o imperialismo dos EUA. A “revolução iraniana” resultou em algum ganho significativo para as massas? Pergunte às milhões de mulheres iranianas que não podem se aventurar porta afora sem vestir a burca. Ao menos a revolução criou uma abertura democrática para o movimento dos trabalhadores e a esquerda, como a revolução de fevereiro que derrubou o Czar em 1917? Pergunte aos quinze militantes do Partido Tudeh (PC Iraniano) e os Fedayin Populares postos na ilegalidade e que atualmente enfrentam a execução nas mãos da república islâmica. Melhor ainda, Roy pode consultar os camaradas sobreviventes do HKE e do HKS (os dois afiliados iranianos do SU), que foram ou aprisionados ou jogados para o exílio. O fato de que muitos desses militantes até hoje defendem o seu apoio a Khomeini em 1979 simplesmente atesta a sua recusa em aprender as lições da história, mesmo quando essas lições são escritas com seu próprio sangue.

        Mas, retorce Roy, vocês sectários nem mesmo serão capazes de falar com os trabalhadores se vocês insistem em contrapor os seus próprios dogmas ao poder deles, o movimento de muitos milhões! Ora, nós seríamos os últimos a argumentar contra falar aos trabalhadores. A questão, entretanto é: o que você diz uma vez que você tem a atenção deles? Se você acredita que a única forma de fazê-los ouvir é repetindo (talvez com umas poucas ressalvas “marxistas” e qualificações) o que eles já pensam, ou melhor, o que os seus falsos líderes os encorajaram a pensar, eles irão corretamente concluir que você tem pouco de novo a oferecer, e continuarão no mesmo curso de antes. Os mais astutos entre eles podem até mesmo observar que você não está tentando persuadir, mas agraciar a você próprio e concluiriam que o marxismo de que você fala não deve valer muito a pena. Qualquer um tentando propor uma forma de pensar nova ou não-familiar deve ao menos temporariamente reter um certo grau de impopularidade. Aqueles que se abstém de contrapor o seu programa à atual consciência política das massas não estão interessados em liderar, mas seguir.

        Sobre a Frente Única

        Uma tática empregada pelos trotskistas para ganhar pessoas para o seu programa é a frente única. A frente única é definida na tradição leninista como uma cooperação entre o partido revolucionário e outras organizações que não compartilham o seu programa, em busca de objetivos apoiáveis, limitados e claramente definidos. Como uma condição para a sua participação, os leninistas insistem apenas que eles tenham direito a total liberdade de dizer e fazer qualquer coisa que não contradiga as demandas imediatas da frente única – incluindo a liberdade de expor as suas diferenças com os colaboradores não-revolucionários sobre questões políticas mais amplas.

        Roy acusa os “sectários” de se recusarem a participar em ações de frente única por medo de comprometer a sua pureza doutrinária. E é inegável que a Liga Espartaquista nos anos recentes evitou mesmo a cooperação mais principista com outros grupos por causa do seu pavor de que o contato com qualquer um que ela não controle possa minar a fé dos seus membros na sabedoria absoluta da sua liderança. Mas, porquê o leque de Roy também aponta para a Tendência Bolchevique, nós só podemos presumir que ele também está nos acusando de tal covardia sectária. Para essa acusação, como para as outras, nenhuma evidência é oferecida. A mais convincente refutação dessa acusação é a nossa própria história política.

        Em 1984, apoiadores da Tendência Externa da iSt (a precursora imediata da TB) iniciaram um boicote operário de um carregamento sul-africano a bordo do navio de frete Nedlloyd Kimberley – ao nosso conhecimento a única greve operária contra o apartheid na história dos EUA. Estamos lisonjeados pela inferência de Roy de que nós, por nós próprios, fomos capazes de parar esse carregamento por onze dias em São Francisco. Na verdade, o boicote foi bem sucedido porque os oficiais da regional 10 do Sindicato Internacional dos Estivadores e Armazenadores (ILWU) foram forçados pela pressão da base a continuar com ela, e porque os estivadores – incluindo nacionalistas negros, apoiadores do Partido Comunista, e membros sem afiliação política do sindicato – estavam determinados em realizá-la. Nós não hesitamos em cooperar com todos os grupos e indivíduos nesse boicote – ou em expor os burocratas e o PC quando eles cederam a uma liminar contra ele. Nós também podemos apontar o trabalho contínuo do nosso núcleo na Área da Baía de São Francisco no Comitê pela Liberdade de Moses Mayekiso – um militante sindical condenado à pena de morte na África do Sul. Mais significativo de todo o nosso atual propósito polêmico é o nosso recente trabalho com os colaboradores canadenses de Roy no Socialist Challenge[Desafio Socialista] (conhecido antes de maio como a Alliance for Socialist Action [Aliança pela Ação Socialista] e referido daqui em diante como ASA/SC) na Coalizão Anti-intervenção de Toronto (TAIC). Aqui nós podemos diretamente contrastar nossas ações com a dos colaboradores de Mandel em Toronto para ver quem foi mais consistente em defender os princípios da frente única.

        A TAIC foi formada como um bloco de propaganda reformista dedicado a se opor à intervenção dos EUA na América Central. Em novembro passado, irrompeu uma luta na coalizão quando o Partido Comunista e os seguidores canadenses de Jack Barnes [líder do SWP reformista] exigiram um apoio formal aos acordos Esquipulas II, também conhecidos como Plano Arias. Os acordos, que os sandinistas haviam acabado de assinar, os levava, dentre outras coisas, a legalizar a oposição apoiada pela CIA na Nicarágua e a libertar da prisão milhares dos sanguinários Guardas Nacionais de Somoza. Elementos da ASA/SC na época tinham uma posição consideravelmente à esquerda da liderança internacional do SU, que comemorou a aceitação de Ortega do Plano Arias como uma vitória. Na convenção da TAIC, a ASA/SC votou contra endossar Esquipulas II. Nesse momento os reformistas saíram da TAIC.

        Muitos meses mais tarde, depois que a TAIC havia sido reconstituída como uma frente única principista e a TB havia entrado, foi decidido chamar um protesto contra o fundo dos EUA construído para apoiar os mercenários Contras. O protesto foi organizado como uma frente única, e cada organização que participou teve garantido o direito de falar. No início de fevereiro, uma multidão de mais de trezentas pessoas no protesto escutou o porta-voz da TB denunciar os Plano Arias, enquanto firmemente se opunha à intervenção dos EUA (e do Canadá) na América Central. O porta-voz da ASA/SC também criticou o retrocesso dos sandinistas, embora de forma mais confusa. Um representante da Ação Canadense pela Nicarágua reafirmou seu apoio ao plano Arias do palanque. Enquanto a mobilização foi bem sucedida em termos de números, ela também gerou um pequeno furor político em Toronto. Os círculos radicais liberais de “solidariedade” à América Central ficaram escandalizados pelo fato de que qualquer um ousasse criticar os sandinistas em uma marcha anti-intervenção.

        Em resposta a essa pressão reformista, a ASA/SC executou uma abrupta reviravolta. Na reunião subsequente da TAIC, o líder da ASA/SC procedeu para forçar uma série de moções que explodiram a frente única. Ele argumentou que para permitir que grupos como a TB falassem em futuros protestos iria “afastar” os amigos liberais da TAIC. Quando as suas moções foram aprovadas, a TB se retirou da TAIC. A ASA/SC posteriormente proclamou os Esquipulas II como uma “vitória” e“um perigo” para a revolução nicaraguense (leia o Boletim Trotskista número 4). Estes eventos desempenharam um papel direto na decisão final de Neil Henderson de deixar a ASA/SC e entrar na TB.

        Os ziguezagues políticos da ASA/SC oferecem uma ilustração nítida do modus operandi dos falsos militantes de esquerda. Em Minha Vida, sua autobiografia, Trotsky descreveu o mesmo fenômeno no movimento dos trabalhadores russos.

        “O líder dos mencheviques, Martov, deve ser contado como uma das figuras mais trágicas do movimento revolucionário. Um escritor talentoso, um hábil político, um pensador penetrante, Martov estava muito acima do movimento intelectual do qual ele se tornou o líder. Mas o seu pensamento carecia de coragem, suas percepções eram desprovidas de vontade… a reação inicial de Martov aos eventos sempre apresentava uma tendência revolucionária de pensamento. Imediatamente, no entanto, o seu pensamento, ao qual faltava apoio de uma força de vontade viva, desaparecia.”

        Se os nossos mencheviques contemporâneos carecem dos dons e do pensamento de Martov, eles ao menos compartilham os piores elementos da sua psicologia. Em raras ocasiões os seus impulsos iniciais podem incliná-los a tomar uma posição principista. Quando confrontados, entretanto, com as consequências de defender tal posição consistentemente, quando sujeitados à menor pressão dos círculos reformistas no qual eles se desenvolvem, eles irão invariavelmente engolir os seus princípios e emblocar com os reformistas contra a esquerda revolucionária.

        Em nosso trabalho com a TAIC, a Tendência Bolchevique aplicou a tática de frente única no espírito leninista. Nós aderimos a ela enquanto nos foi garantido a plena liberdade de propaganda, e nos permitia a oportunidade de ganhar militantes girando à esquerda para o nosso programa quando nossos colaboradores vacilassem. Nas coalizões “de ampla unidade” iniciadas ou conformadas pelo SU, espera-se dos participantes que enterrem diferenças fundamentais no interesse de uma unidade mais ampla. Qualquer expressão não compatível com os sentimentos dos componentes mais à direita da coalizão é condenada como “desagregadora”, e a ala esquerda deve, portanto, confinar a si própria a repetir inteiramente as demandas e os slogans mantidos em uma visão de mundo liberal. Ao concordar com tais condições os pretensos marxistas permitem que a “frente única” se torne um veículo para os reformistas, enquanto aqueles são relegados a fazer cartazes e preencher envelopes.

        Por que a SL se degenerou?

        Exceto em períodos de agudas crises sociais e políticas, os revolucionários em qualquer sociedade são raramente mais que uma minoria. Mas mesmo no padrão dos “tempos de calma”, o terreno político dos Estados Unidos durante os anos Reagan foi extraordinariamente ermo. Das dezenas de milhares de membros da Nova Esquerda, estudantes radicais e militantes negros que vinte anos atrás abraçaram uma gama de políticas subjetivamente revolucionárias (ainda que parcialmente ou de forma confusa), poucos hoje acreditam que a revolução é possível, ou mesmo desejável. O punhado de manteve um comprometimento político em sua maior parte adotaram a socialdemocracia como a única alternativa “realista”. Hoje, aqueles que se consideram marxistas revolucionários são uma minoria da minoria de esquerda da sociedade norte-americana, menor do que em qualquer outra época desde o período do macarthismo nos anos 1950.

        Não pode haver dúvida de que o isolamento político foi uma das causas da degeneração da Liga Espartaquista, virtualmente a única organização que tentou manter um curso genuinamente trotskista em meio ao giro à direita do fim dos anos 1970. Essa intransigência não foi sem consequências organizativas. Conforme a base estudantil radical da qual a SL havia recrutado ao longo da década anterior se esgotou, e a prevista radicalização da classe trabalhadora não se materializou, uma crise de esperanças desfeitas criadas entre os membros; novos recrutas começaram a ficar difíceis de encontrar, e quadros começaram a sair em grandes números.

        Essas pressões objetivas, entretanto, não explicam por si próprias a destruição da SL como uma organização revolucionária mais do que, em uma escala muito maior, o isolamento da revolução russa por si só explica o Termidor stalinista. Ao peso de difíceis circunstâncias deve-se somar a resposta consciente de indivíduos particulares na liderança. James Robertson, o Secretário Nacional da SL, respondeu ao impasse do fim dos anos 1970 devorando a organização que ele, mais do que qualquer outro indivíduo, havia trabalhado para criar. Conforme as colunas diminuíram, Robertson sem dúvida se preocupou com o fato que a convicção marxista dos membros estava fraca e vacilante demais para sustentar a SL através de um período reacionário. Ele também temeu que no fim, o crescente sentimento de isolamento e irrelevância social dos membros iria resultar em uma explosão fracional que iria abalar o núcleo de quadros da SL.

        Robertson concluiu que apenas aceitação inquestionável da sua autoridade pessoal poderia garantir a sobrevivência da organização. Isso levou a uma série de expurgos desmoralizantes, não apenas daqueles que se aventuravam a discordar do líder em questões secundárias, mas também daqueles que eram julgados capazes de oposição no futuro. A lição desses expurgos não deixou de ser aprendida pelos quadros que restaram na SL, que se tornaram intimidados demais para tomar iniciativas e fazerem ouvir as suas próprias opiniões. O resultado final foi o culto de obediência sem vida, bizarro e asqueroso que a Liga Espartaquista virou hoje.

        Na visão de Roy, entretanto, a degeneração da SL é uma consequência inevitável da sua política e programa. Com esta afirmativa avassaladora, Roy evita a responsabilidade de analisar o processo concreto da sua evolução. Era a SL uma “seita” ou um culto ao líder desde o seu nascimento? Se não, então quando e como ela se tornou uma? Roy nem mesmo coloca estas questões porque fazer isso iria exigir uma apreciação do papel desempenhado pela liderança política nesse processo. E é a negação da importância da liderança, com ambas  consequências positivas e negativas, na qual se baseia toda a metodologia objetivista do SU. A mesma lógica que permite a Roy minimizar o significado da intervenção marxista no “processo revolucionário” também o leva a considerar a degeneração da SL como um resultado automático do seu programa, absolvendo assim Robertson da responsabilidade pelos seus crimes específicos.

        Quais então, de acordo com Roy, são as posições políticas que levaram ao isolamento da Liga Espartaquista e a sua consequente metamorfose em uma seita? Quando toda a ladainha e generalização vazia de Roy sobre “sectarismo” são postas de lado, nós encontramos uma proposição de que a SL está agora falida porque (1) ela não considerou as tomadas de poder stalinistas de base camponesa no período pós-guerra como revoluções proletárias; (2) que ela não quis seguir Walesa e o Solidariedade no caminho da restauração capitalista na Polônia ou a maioria da esquerda iraniana no reino de massacres da República Islâmica; e (3) que ela se recusa a participar em coalizões de “unidade ampla” nos termos estabelecidos pelos reformistas. Se uma oposição principista ao stalinismo, à reação religiosa e ao reformismo são os pecados capitais do espartaquismo, então nós só podemos concluir que Roy encontra a causa da degeneração da SL no próprio trotskismo revolucionário. De fato, Roy e os seus camaradas do SU tem muito mais em comum com Karl Kautsky e a socialdemocracia alemã, cujo medo de isolamento os impediu de se opor a outro “movimento de massas” – a debandada das classes trabalhadoras para apoiar as cores das suas respectivas classes dominantes no começo da Primeira Guerra Mundial. Mas aqueles que carecem da coragem de nadar contra a corrente da opinião popular também são débeis demais para reconhecer as suas próprias afinidades históricas.

        A Necessidade da Liderança Revolucionária

        Em nossa opinião, a Liga Espartaquista durante os primeiros quinze anos da sua existência representou a única corrente autenticamente trotskista em toda a esquerda internacional. Nós consideramos a sua degeneração subsequente como uma infelicidade genuína para o movimento dos trabalhadores. Agora é necessário para nós lutar pelo programa trotskista que ela um dia defendeu sob a bandeira da Tendência Bolchevique.

        A degeneração da Liga Espartaquista não deveria ser vista de forma isolada. Os últimos dez anos têm sido marcados por uma massiva ofensiva de direita, ambos nos Estados Unidos e internacionalmente. Derrotas sindicais, continuadas atrocidades racistas, um acúmulo gigantesco de armas contra a União Soviética – esse é o legado dos anos Reagan. O crescimento do reformismo no presente período é evidência da desmoralização de muitos militantes que se consideram de esquerda em face aos ataques de Reagan.

        Mas a investida não vai continuar sem oposição. É apenas uma questão de tempo antes que os ressentimentos latejantes acumulados sob o regime Reagan explodam. Uma renovada onda de luta de classes irá abrir oportunidades reais para o crescimento de uma organização comunista séria que não se reduza a dizer a amarga verdade para as massas. E quando essa erupção ocorrer, não pode haver dúvida de que aqueles que carregam consigo suas armas estarão em melhor posição para se aproveitar dela do que aqueles que levantaram uma cortina de fumaça de fraseologia “marxista” para cobrir as suas vergonhosas traições.

        ***

        Trotsky sobre “sectarismo”:

        “Nós estamos passando por um período de reação colossal que se segue aos anos revolucionários (1917-1923). Em uma nova e mais alta etapa histórica, nós, marxistas revolucionários, nos encontramos jogados numa posição de uma minoria pequena e perseguida, quase como foi no início da guerra imperialista. Como toda a história demonstra começando com, digamos, a Primeira Internacional, tais regressões são inevitáveis. Nossa vantagem sobre nossos predecessores está no fato de que a situação hoje é mais madura e que nós próprios somos mais ‘maduros’ por estarmos sobre os ombros de Marx, Lenin e muitos outros. Nós iremos tirar proveito disso apenas se nós formos capazes de demonstrar a maior intransigência ideológica, mais forte do que a de Lenin no estourar da guerra [de 1914-18]. Impressionistas sem caráter, como Radek, vão se afastar de nós.  Eles vão invariavelmente falar do nosso ‘sectarismo’. Nós não devemos temer palavras (…). A maior honra para um genuíno revolucionário hoje é permanecer um ‘sectário’ do marxismo revolucionário aos olhos dos filisteus, dos lamuriadores e dos pensadores superficiais.
        12 de julho de 1929 (ênfase adicionada)

        Apêndice

        Os apontamentos a seguir foram feitos por Samuel Trachtenberg na sessão da conferência intitulada “O que aconteceu com o SWP?”. Após um período em que, apesar de erros e vacilações, o SWP norte-americano combateu o revisionismo de Michel Pablo e Ernest Mandel (1953-61), ele passou a convergir com estes num processo que culminaria na “reunificação” sob a base do pablismo em 1963, que fundou o Secretariado Unificado. Foi contra o giro do SWP para o pablismo que surgiu a Tendência Revolucionária do SWP (TR), precursora da Liga Espartaquista. Posteriormente, disputas entre as diversas alas do SU fariam com que surgissem várias seções nacionais dessa corrente no mesmo país. Muitos dos participantes desta conferência, realizada em Nova Iorque em 2008, assim como o palestrante ao qual essa intervenção foi uma resposta, eram antigos membros da “Tendência Quarta Internacional” (FIT) em nome da qual Roy R. escreveu a polêmica acima. A FIT há muito se dissolveu no núcleo Solidarity [Solidariedade].

        Eu concordo com Paul LeBlanc [um dos palestrantes no painel] que a degeneração do SWP não era inevitável. Mas olhando para essa degeneração, muitos daqueles expulsos do SWP no início dos anos 1980 são extremamente relutantes em associar a aberta renúncia do trotskismo por Jack Barnes [3] com a anterior aceitação acrítica da revolução cubana, que levou à reunificação com os pablistas. Isto é apenas não querer enxergar.

        Hoje nós podemos dizer que para ver as consequências lógicas de apoiar Castro como um “trotskista inconsciente” exigiu alguma capacidade de previsão na época, no começo dos anos 60 (e a TBI descende daqueles que tiveram essa capacidade de prever). Afinal de contas, enquanto agiam como apoiadores das lideranças cubana e argelina e outras forças não-trotskistas e não-proletárias, eles [os líderes revisionistas do SWP] ainda, ao menos formalmente, reivindicavam continuar aderindo ao trotskismo.

        Similarmente, enquanto Stalin bem primeiramente proclamou a teoria do “socialismo em um só país”, ele nunca renunciou formalmente à necessidade da revolução mundial, e poucos fora do movimento trotskista naquela época reconheceram a lógica de que aquela teoria necessariamente significava a traição da revolução mundial.

        Mas décadas depois, entender ambas as posições não exige mais capacidade de prever, mas capacidade de fazer um balanço, e um desejo de aprender as lições da história de olhos abertos. Então para aqueles dentre vocês nessa sala que ainda não fizeram isso, eu peço para que abram seus olhos.

        Notas da Tradução

        [1]Sam Marcy foi um membro do SWP norte-americano até 1959, que rompeu para formar o Workers World Party (Partido Mundial dos Trabalhadores), tendo como motivo principal o seu apoio à supressão da revolução política dos trabalhadores húngaros pelo exército soviético em 1956. O grupo de Marcy apoiou sucessivamente vários regimes stalinistas e cometeu inúmeras capitulações a líderes stalinistas ao longo da sua história.

        [2]Para uma crítica a essa posição da Liga Espartaquista na década de 1980, leia IG/LQB:Ainda Cambaleando em Torno de uma “Explicação Séria”, de agosto de 2010.

        [3]Jack Barnes foi um líder do Partido dos Trabalhadores Socialistas norte-americano (SWP) que emergiu na liderança do partido no início da década 1980 e foi responsável pela renúncia aberta do trotskismo por parte dessa organização no fim dessa década e o giro para um apoio acrítico ao nacionalismo burguês.

        Carta da TBI para o IG e a LQB

        Carta da TBI para o IG e a LQB

        [Esta é uma tradução para o português das partes políticas mais importantes de uma carta escrita pela Tendência Bolchevique Internacional (TBI) para o Grupo Internacionalista dos Estados Unidos (IG) e para a Liga Quarta-Internacionalista do Brasil (LQB) em 15 de Dezembro de 1996. O IG e a LQB haviam acabado de romper com a Liga Comunista Internacional (LCI), organização liderada pela Liga Espartaquista (SL), da qual também se originou a TBI. A primeira versão português foi encomendada pela TBI a um tradutor profissional. Ela foi posteriormente editada pelo Coletivo Lenin em 2007. A presente versão foi revisada pelo Reagrupamento Revolucionário. Como introdução, traduzimos as acusações levantadas contra a TBI pelo IG no seu primeiro documento público após romper com a LCI. Esta versão foi copiada, com correções baseadas no texto original e notas explicativas entre colchetes, daquela disponível em http://bolshevik.org/portugues/PortlettertoIG.html].

        Nota do Grupo Internacionalista sobre a TBI

        [A declaração a seguir foi incluída na primeira publicação do IG, “De um Giro Rumo ao Abstencionismo até a Deserção da Luta de Classes” sob o título de Uma Nota sobre a Tendência ‘Bolchevique’].

        Esperando tirar algum lucro das recentes expulsões na LCI, a “Tendência Bolchevique” publicou um panfleto regozijante que mais parece uma mistura de revista de fofoca com investigação barata. Enquanto se reveste de uma bajuladora “análise” personalista, deve ficar claro para todos que as “críticas” da TB vem da direita.

        As questões imediatas envolvendo a recente campanha de expulsões tem a ver com o Brasil, onde paralelamente às nossas expulsões, a liderança da LCI deslealmente rompeu relações com a Luta Metalúrgica/Liga Quarta-Internacionalista do Brasil. Isso acompanhou uma retirada covarde e imprudente da luta que tinha o objetivo de separar a polícia do sindicato dos trabalhadores municipais de Volta Redonda. Mas ficará evidente para aqueles que conhecem os membros da TB que luta de classes em um lugar majoritariamente negro e turbulento como o Brasil não é a praia deles. O que a SL sempre disse sobre a TB é verdade. Eles são mentirosos de direita e caluniadores que fugiram das pressões e perigos de ser um comunista nos anos Reagan.

        Eu pessoalmente testemunhei as mentiras, comportamento provocativo e vergonhosa orientação da TB para a aristocracia operária branca desde o começo. Por exemplo, eu estava a menos de três metros de distância de Bob Mandel no piquete de Greyhound, em São Francisco, quando ele foi supostamente vítima de um ataque por membros da SL – um ataque que nunca aconteceu! Essa invenção caluniosa foi forjada precisamente quando a SL estava sendo perseguida pelo Estado. Eu vi como eles acusaram a SL de ter uma orientação para o “gueto” enquanto nos culpavam por demissões durante a greve dos telefônicos de 1983; como eles tentaram invadir o palanque em uma manifestação para Gerônimo Pratt [um ex-membro dos Panteras Negras perseguido pelo Estado] em Oakland; e muitos outros incidentes que provaram de fato as caracterizações da SL. Desde então a TB continuou a deixar clara a sua natureza. Eles chamaram por guardas de defesa dos trabalhadores (sic) para acabar com a “violência” como na revolta [da população negra] em Los Angeles, e uniram-se ao “Cop-watch”, um grupo com o objetivo professado de fazer a polícia “prestar contas” (então não foi nenhuma surpresa quando um dos seus ex-membros mais antigos, Gerald, hoje no “CWG” [Communist Workes Group], afirmou que “Nós não somos antipolícia”). Eles rejeitaram [a palavra de ordem da SL] “Viva o Exército Vermelho no Afeganistão!” com argumentos stalinofóbicos. Eles se enfiaram em coalizões frente-populistas sem princípios durante a Guerra do Golfo. Agora eles publicaram um livreto inteiro em defesa de atravessar piquetes de greve! Qualquer revolucionário genuíno só pode ter desprezo pela TB.

        A sua aparente postura de defensismo soviético ao apoiar o golpe de agosto de 1991 do “Bando dos Oito” na União Soviética não deve enganar ninguém: eles deram apoio “militar” depois do ocorrido para os antigos stalinistas que não levantaram um dedo militarmente contra Yeltsin (nem mesmo para cortar sua linha telefônica com Washington) e garantiram aos capitalistas apoio às “reformas de mercado”. Ao mesmo tempo, a TB se apressou em declarar o Estado operário degenerado soviético morto e enterrado. Descartando toda perspectiva de luta na então União Soviética, eles buscaram tirar a questão russa das costas enquanto vestiam uma fantasia “defensista”. Por isso, não é acidente que a linha deles fosse igual à de virulentas formações nacional-centristas na América Latina, como o PBCI [Partido Bolchevique pela Quarta Internacional] e seus companheiros na LBI [Liga Bolchevique Internacionalista] brasileira, conselheiros abertos da fração pró-polícia no sindicato dos trabalhadores municipais de Volta Redonda.

        Os detetives da TB vivem de anticomunismo. Os membros da LCI que pensam devem encarar essa dura realidade: fugir de uma batalha de classe no Brasil tem mais a ver com o pseudotrotskismo tingido de Segunda Internacional da TB do que com o programa e as tradições sobre os quais foi construída a tendência Espartaquista.

        — Negrete, 25 de julho de 1996

        Carta da Tendência Bolchevique Internacional para o Grupo Internacionalista e a Liga Quarta-Internacionalista do Brasil

        7 de Fevereiro de 1997
        Caros camaradas da LQB,

        Apresentamos a seguir uma tradução em português das partes políticas mais importantes de uma carta que estamos enviando para vocês e o IG. Tivemos algumas dificuldades para traduzir para o português e então, para simplificar a tarefa, encurtamos o texto. Nós também incluímos uma cópia do texto na língua inglesa, mas não sabemos se vocês podem ler. Aguardamos a sua resposta e esperamos dialogar com vocês.

        Saudações bolcheviques,

        Tom Riley
        Pela Tendência Bolchevique Internacional

        15 de Dezembro de 1996
        Para: Grupo Internacionalista e Liga Quarta-Internacionalista do Brasil
        Caros companheiros,

        Estudamos com interesse os materiais referentes à sua recente separação da LCI. Encontramos neles um padrão familiar: um expurgo cínico dos quadros, cuja infração principal parece ter sido uma relutância em engolir tudo o que foi apresentado pelos que estão em posição de autoridade. No passado, muitos companheiros foram expurgados da Liga Comunista Internacional/Tendência Espartaquista Internacional [LCI/iSt] por razões semelhantes.

        Nós sempre dissemos que a ausência de uma vida interna democrática dentro da iSt/LCI somente poderia criar uma organização burocrática e, em grande parte, despolitizada. A recente experiência de vocês parece confirmar esta previsão. Ao longo dos anos, a direção da SL  realizou uma série de  desvios das posições programáticas trotskistas que ela uma vez defendeu. Atualmente, a LCI é uma formação que, apesar das pretensões trotskistas ortodoxas, é um obstáculo para a refundação da Quarta Internacional. Tanto o IG quanto a LQB chegaram a conclusões semelhantes ― embora pareça que tenhamos fortes diferenças com o IG sobre a história da degeneração da LCI.

        Algumas Perguntas para o Grupo Internacionalista

        O quadro da LCI de aproximadamente 1996, como apresentado pelos colegas do IG, é de uma organização que durante décadas funcionou como um modelo da democracia leninista e foi então transformada, do dia para a noite, numa seita burocratizada, cínica. Isto colide tanto com a lógica elementar como com os fatos.

        Se a SL era, até muito recentemente, caracterizada por um respeito escrupuloso à verdade em seu tratamento com oponentes internos (bem como externos) então por que iriam querer repetir tão avidamente as mentiras e as acusações falsas feitas contra vocês? Por que eles estariam dispostos a condenar os companheiros sem estudar os documentos? Como poderia uma comissão de controle, composta de membros antigos da SL, estar disposta a agir tão brutalmente contra os réus? Por que todas as seções da LCI (com a única exceção da LM [precursora da LQB], não-assimilada) apoiariam imediatamente as acusações falsas, sem fazer qualquer pergunta? E por que os membros de um grupo trotskista saudável, com quadros experimentados, aceitariam, com apenas um murmúrio de discórdia, a ruptura das relações com a LQB sobre tal pretexto absurdo e cínico?

        Ninguém com qualquer experiência política pode levar a sério a ideia de que estruturas revolucionárias, forjadas durante décadas numa atmosfera onde o pensamento crítico foi encorajado, onde as diferenças foram abertamente debatidas e opiniões minoritárias respeitadas, repentinamente poderiam ser transformadas num bloco sólido de caluniadores, mentirosos e políticos covardes.

        única explicação é que muito da fibra revolucionária dos quadros da LCI foi destruído bem antes do lançamento da campanha contra Norden-Stamberg-Negrete-Socorro [os dirigentes da LCI expulsos].

        Fuzileiros navais vivos”: o Grande Desvio da SL

        O LQB caracterizou como um “ato de covardia” o rompimento pela direção da LCI das relações fraternais no momento em que a sua luta contra a presença da polícia no sindicato [dos trabalhadores municipais de Volta Redonda] se intensificou.

        Embora haja claramente um elemento de covardia envolvido, nós acreditamos que a motivação primária para o comportamento da direção da LCI era o objetivo fracional de manter seu controle organizativo absoluto. Se a direção da LQB não pudesse ser induzida a denunciar Norden e Negrete, os dois quadros da LCI com quem que eles tinham trabalhado mais próximos, então a LQB poderia emergir dentro da LCI como o núcleo de uma oposição futura. O fato de que a LQB gozaria do prestígio de ser a única seção da LCI com qualquer tipo de base proletária aumentaria o perigo. Tais cálculos burocráticos explicam as manobras informadas pela LQB:

        “Em sua carta anterior [da LCI], datada de 11 de junho, [a dirigente da LCI] Parks escreveu que Norden e Abrão [Negrete] queriam destruir as relações fraternais da LQB com a LCI. Então, em 17 de junho, seis dias mais tarde, vocês escreveram para romper as relações fraternais!”De um Impulso em Direção ao Abstencionismo até Deserção da Luta de Classes,” página 84


        Parece claro que os argumentos de Parks sobre os perigos de enfrentamentos [com a polícia] eram simplesmente uma manobra para exigir que a LQB provasse a sua “lealdade” à direção da LCI dissolvendo o seu trabalho sindical, e se afastando das lutas que tinham começado.

        Mas, se a covardia não era o fator principal neste caso, a direção da iSt/LCI  certamente foi culpada de agir covardemente no passado. O mais chocante desses casos foi o chamado a salvar as vidas dos Fuzileiros Navais norte-americanos no Líbano. A explosão da base dos fuzileiros, ocorrida em Beirute em outubro de 1983, matou 240 marinheiros ― o maior e único revés para o militarismo dos EUA desde a ofensiva dos Vietcongues de 1968. Em nossa declaração inicial, caracterizamos o chamado da SL a poupar os fuzileiros navais que sobreviveram como um “perfil de covardia”. Na introdução para uma coleção das polêmicas entre nós e Workers Vanguard [jornal da Liga Espartaquista] sobre esta questão, nós analisamos as suas origens:

        “O interesse repentino pelo bem-estar dos Fuzileiros Navais, que só um ano antes Workers Vanguard tinha descrito como ‘os açougueiros imperialistas mais notórios do mundo’, marcou uma guinada radical da postura formal da SL como continuadora do trotskismo ortodoxo. Isso iluminou totalmente a dimensão programática da evolução da SL do trotskismo para o banditismo político ― uma forma peculiar e eclética de centrismo, principalmente caracterizada por uma capacidade para guinadas programáticas excêntricas e selvagens. A degeneração da SL foi consolidada, em última análise, pela perda de confiança na possibilidade de ganhar a classe trabalhadora para o programa revolucionário, entretanto foi revestida com um elemento substancial de culto à direção (…)”.“Mercenários políticos estão sempre dispostos a subordinar questões de linha política formal às exigências de seus requisitos organizacionais concebidos em curto prazo. O reflexo covarde exibido pela liderança da SL sobre os fuzileiros navais no Líbano foi claramente motivado pelo temor de desagradar a ‘própria’ classe dominante.”Prefácio a Boletim Trotskista No. 2, “Marxismo vs. Social-Patriotismo”, dezembro de 1984.


        Alguns anos mais tarde, outra capitulação covarde feita pela liderança da SL ocorreu quando a nave espacial Challenger, carregada com tecnologia de espionagem antissoviética e oficiais militares norte-americanos, incendiou-se espontaneamente em janeiro de 1986. Naquela ocasião, Workers Vanguard (14 de fevereiro de 1986) escreveu:

        “O que nós sentimos em relação aos astronautas [isto é, os especialistas militares, cuja missão era instalar um satélite-espião avançado] não é mais ou menos do que para com qualquer pessoa que morresse em circunstâncias trágicas, tal como os nove pobres salvadorenhos que foram mortos num incêndio em um porão de apartamento em Washington, DC, dois dias antes.”


        Em 1917 [revista teórica da TBI] No. 2, comentamos que nós pensávamos que deveria haver algo seriamente errado com “comunistas revolucionários” que sentiam “nem mais nem menos” compaixão pelos refugiados empobrecidos do terror da direita que por um punhado de guerreiros do imperialismo norte-americano.

        Corrupção na SL/LCI?

        Da mesma forma, o IG negou qualquer elemento de corrupção no regime de Robertson [dirigente central da SL], e ainda sugeriu que tais acusações são características de “anticomunistas estúpidos”. Em 1917 No. 4, falamos sobre o uso dos fundos da SL para comprar e reformar uma casa espaçosa na Área da Baía de São Francisco para o companheiro Robertson. Relembramos como, em 1971, Workers Vanguard criticou fortemente Huey P. Newton, do Partido Panteras Negras, por assegurar acomodação luxuosa para si à custa dos seus militantes.

        Pelo nosso conhecimento, somente Robertson e alguns dos seus associados próximos gozam de quaisquer privilégios materiais significativos. De fato, o restante dos militantes profissionais vive muito modestamente. Mas há também corrupção de um tipo político/moral, em que companheiros são forçados a situações em que devem ou comprometer sua integridade ou romper com o movimento ao qual dedicaram uma boa parte de suas vidas. A exigência de que os camaradas da LQB apoiassem a expulsão de Norden/Stamberg sem que tivessem lido os documentos ou ouvido os argumentos é um exemplo deste tipo de “corrupção”. O companheiro Negrete refere-se a uma camada de “mentirosos e inventores autoconscientes” na LCI. A existência de tais elementos por si só é uma evidência da corrupção e também sugere que os problemas na LCI não são de origem recente. Em “A Estrada para Jimstown” de 1985, nós apontamos que a LCI:

        “realiza seus congressos quase tão frequentemente quanto a Comintern [Internacional Comunista] de Stalin. Não há disciplina para a liderança privilegiada da seção norte-americana (que tem peso duplo como liderança internacional), enquanto completa obediência é exigida de todos os outros, até mesmo nos mais triviais detalhes organizativos.”


        A LCI e a TBI

        A LCI tem se interessado (e se mostrado sensível) imoderadamente por nossas críticas políticas nos últimos anos, e foi com prazer que aceitamos a distinção de ser o alvo de questões mais polêmicas que qualquer outra organização política nas páginas de WV. Na sua edição de 27 de setembro de 1991, por exemplo, WV publicou dois artigos em resposta às posições da esquerda internacional em relação à vitória de Yeltsin [na crise política que destruiu a União Soviética]: um tratava da nossa posição e o outro do restante da esquerda! A maior parte da série “Odeie o Trotskismo, Odeie a Liga Espartaquista”, emitida nos últimos 15 anos tratou da TBI (embora o IG e a LQB agora também sejam honrosamente incluídos).

        Nós retribuímos a grande atenção da direção da LCI e escrevemos numerosas polêmicas contra eles. Vemos também os desafiando repetidamente para um debate, uma oferta que eles têm recusado insistentemente (com a exceção de um debate improvisado em Wellington em 1994, pelo qual a liderança australiana, que aprovou o debate, foi devidamente sancionada por Nova Iorque). Há, naturalmente, uma boa razão para que nós recebamos tanta atenção polêmica na imprensa da LCI, ao mesmo tempo em que a direção se recusa completamente a que nos reunamos para um embate político: as nossas críticas os atingem de uma maneira que os vários pseudotrotskistas não conseguem.

        As Lições da RDA: 1989-90

        A intervenção na crise terminal no Estado Operário Deformado Alemão [RDA – Alemanha Oriental] em 1989-90 foi a maior iniciativa jamais empreendida pela iSt/LCI. O papel-chave do camarada Norden na campanha da RDA foi, evidentemente, um elemento importante nas disputas dentro da LCI antes de sua retirada e da de Stamberg. Como indicamos em nossa declaração de primeiro de julho, é um absurdo para a direção da LCI tentar descarregar toda a responsabilidade sobre Norden pelos seus erros políticos em sua intervenção na RDA.

        Depois que quatro décadas de domínio do stalinismo, os trabalhadores da RDA foram, em grande medida, despolitizados, e o sentimento pró-socialista ficou muito pouco enraizado. O colapso da RDA foi condicionado pelo fato de que nenhuma organização socialista se enraizou suficientemente no proletariado para iniciar uma luta que pudesse mudar essa consciência. As proclamações equivocadas da LCI de que os atos de protesto das massas, politicamente ingênuos e amorfos, que se seguiram à saída de Honecker [o antigo dirigente stalinista] constituíram uma “revolução política dos trabalhadores”, provaram ser o ponto de partida para a sua desorientação subsequente.

        A virada inesperada na véspera de Ano Novo, quando Gunther M. (naquela época um contato [do grupo Espartaquista na RDA]) conseguiu ser recebido pela direção do SED [Partido da Unidade Socialista, o partido stalinista dirigente na Alemanha Oriental] para endossar a proposta do protesto de Treptow, levou Robertson a imaginar que tinha achado um meio de estabelecer contato direto com as figuras mais velhas no aparato do stalinismo. Gunther foi instruído para tentar organizar reuniões de Robertson com o líder do partido, Gregor Gysi, o general soviético Snetkov, e o espião mestre da RDA, Markus Wolf. O fato de que Robertson tentou planejar uma coligação com uma ala do SED sem dúvida explica a ausência da rispidez trotskista no discurso escrito do companheiro Renate [do grupo Espartaquista] para a base do SED na manifestação de Treptow. A crítica mais aguda à direção do SED levantada foi a observação de que:

        “Nossa economia está sofrendo com o desperdício e a obsolescência. A ditadura de partido do SED mostrou a sua incompetência para lutar contra isto. A Alemanha Oriental necessita urgentemente… de uma modernização seletiva da indústria existente.”WV, 12 de janeiro de 1990


        O fato é que os burocratas do SED eram muito mais que gerentes econômicos incompetentes. Depois que atomizaram politicamente a classe trabalhadora com 40 anos de mentiras stalinistas, repressão policial e um programa massivo de informantes, a casta dirigente do SED já estava preparando a capitulação ao imperialismo. A tarefa dos trotskistas nesta situação era procurar expor os “reformadores” do PDS/SED e provocar a ruptura entre eles e os setores pró-socialistas dos trabalhadores. Mas Robertson procurou, ao contrário, formar uma aliança com uma seção do partido stalinista em decadência, na esperança de ganhar influência sobre a sua base de massas.

        A pergunta sobre quem na LCI foi o responsável pela palavra de ordem “Unidade com o SED” não é particularmente importante em qualquer caso, porque ela mesma era parte de toda uma perspectiva errada, que começava com o equívoco de que uma revolução política proletária estava acontecendo. Era evidente para nós que, naquela época, embora a revolução política fosse uma possibilidade, havia também muitas outras possibilidades. A avaliação da situação em nosso suplemento especial de janeiro de 1990, 1917 em língua alemã,  provou ser consideravelmente mais precisa que a projeção da LCI:

        “No momento, o que existe é um vácuo político na RDA. A menos que conselhos de trabalhadores sejam organizados, e estabeleçam seus próprios órgãos de administração, este vácuo será certamente preenchido em detrimento da classe trabalhadora, através de um representante eleito ou designado pelo Volkskammer [parlamento da RDA].”


        Nossa declaração de março de 1990, sobre as eleições na RDA, observava que:

        “a afirmação do SpAD/LCI de que a RDA hoje está no meio de uma revolução política proletária é simplesmente falsa…. Nós urgentemente esperamos que os trabalhadores da RDA tomem o caminho da revolução política proletária – mas é bom não tomar nossos desejos subjetivos pela realidade.”Traduzido em 1917 No. 8


        Em muitas discussões calorosas com os camaradas da LCI sobre este assunto, fomos ridicularizados por nossa recusa “pessimista” em reconhecer uma revolução política quando estaria na nossa cara. Desde então, vários membros antigos da LCI se lembraram dessas discussões e admitiram que as nossas estimativas estavam corretas.

        Observamos que o camarada Norden está sendo atualmente atacado pela sua negação semelhantemente “pessimista” de que o SpAD [o grupo Espartaquista na RDA] constituiu uma “direção revolucionária” concorrendo pelo poder na RDA. A ideia de que um grupo minúsculo de propaganda, sem influência no proletariado e incapaz de, a qualquer momento, ter mais de 100 pessoas sob a própria bandeira seja de alguma maneira um perigo para o poder estatal é uma noção digna de um Posadas ou um Healy. Para o crédito de Norden, ele “recuou” de tal absurdo. Mas houve um preço a pagar. A sua relutância em rejeitar suas próprias posições e afirmar a linha oficial claramente teve um papel importante na decisão final para expulsá-lo.

        Stalinofobia’ da TBI na RDA

        A resposta de Norden/Stamberg à direção da LCI tenta “inverter as acusações” de afinidade com a TBI:

        “Seymour [um dos dirigentes da SL] também argumenta que atualmente é impossível para uma seção da burocracia vir até os trabalhadores numa revolução política.”“Você procurará em vão nos materiais da LCI na Alemanha em 1989-90, ou no documento da conferência de 1992 da LCI, a afirmação de que o SED ‘conduziu a contrarrevolução’. Você irá, entretanto, achá-la nas publicações da stalinofóbica TB [Tendência Bolchevique] que, em 1989-90, estava gritando nas reuniões dos Espartaquistas que o primeiro ministro da RDA e dirigente do SED, Modrow, era o inimigo principal.”


        Nós de fato criticamos o SpAD por não conseguir alertar os trabalhadores da RDA sobre o caminho traiçoeiro em que os elementos principais do SED os estavam embarcando. Nós devemos lembrar que em “Stalin Depois da Experiência Finlandesa,” de 13 de março de 1940, Trotsky comentou:

        “Considero a fonte principal de perigo para a URSS, no presente período internacional, ser Stalin e a oligarquia encabeçada por ele. Uma luta aberta contra eles, às vistas da opinião pública mundial, para mim está inseparavelmente ligada à defesa da URSS.”


        Parece a nós que esta avaliação era tão aplicável quanto no período em que os “reformadores” como Modrow estavam prosseguindo com seus planos para ceder a RDA ao imperialismo alemão.

        A acusação de que nós dirigimos a maioria de nossas críticas contra o SED/PDS, ao invés de dirigi-las contra o abertamente restauracionista SPD [Partido Socialdemocrata Alemão] e os partidos burgueses lembra as reclamações dos centristas contra Trotsky por ele concentrar os seus ataques políticos na Frente Popular e, particularmente, no componente da “extrema-esquerda”, o POUM, durante a Guerra Civil espanhola. Afinal de contas, Franco não era o “inimigo principal”? As mesmas críticas foram feitas a Lenin em 1917, quando os bolcheviques dirigiram a maioria de suas polêmicas à falsa esquerda, ao invés de aos czaristas, às Centúrias Negras e outros contrarrevolucionários. Isto é, naturalmente, um ABC para os trotskistas, mas a conversa de “inimigo principal” na RDA talvez exija reiterá-lo.

        Se vocês olharem para o que nossos camaradas escreveram na época, acharão uma descrição notavelmente clara do papel dos burocratas stalinistas:

        “Um novo regime de Modrow com a oposição burguesa exercendo a influência dominante, um regime pró-capitalista, teria a tarefa de assegurar a segurança da contrarrevolução social pela política de Anschluss [reunificação] com a RFA [Alemanha Ocidental]. Empurrada contra a parede pela pressão imperialista, e ameaçada pela dissolução de seu aparato, a fração de direita da burocracia stalinista procura um passaporte capitalista para a salvação de seus privilégios, tornando-se um agente direto da burguesia (…). O fraco bonapartista Modrow distancia-se do SED-PDS e mostra a sua capitulação definitiva com a remoção dos últimos obstáculos para o capital da Alemanha Ocidental.”Boletim No. 1, janeiro de 1990


        A LCI não podia proporcionar, em comparação, uma análise trotskista clara, por causa da orientação política fundamentalmente inútil da sua direção. O folheto publicado por nossos camaradas alemães sobre a intervenção da LCI no colapso da RDA (em 1917 No. 10) proporciona uma visão geral útil do curso de acontecimentos:

        “Com sua perspectiva de uma ‘comunidade’ entre a RDA e a RFA, o Primeiro-Ministro Modrow já tinha sinalizado a sua prontidão para capitular ao imperialismo da Alemanha Ocidental, quando o novo governo foi formado em 17 de novembro de 1989. Os privilégios que ele ofereceu não deram à burocracia, entretanto, o seu espaço para respirar, mas somente mais ímpeto para os contrarrevolucionários. A direita ganhou terreno, enquanto a confusão prevaleceu entre os trabalhadores mais politicamente conscientes, que confiaram em um stalinismo ‘honesto e reformado’. É por isso que o regime de Modrow era especialmente perigoso, e por isso era imperativo advertir os trabalhadores contra ele.”“Os fios mais delgados que tinham ligado o regime bonapartista às bases econômicas proletárias da RDA (controle estatal sobre os meios de produção) finalmente foram cortados. Com a formação de uma ‘grande coalizão’, no final de janeiro de 1990, Modrow foi transformado inicialmente de um dirigente vendido do Estado operário deformado da RDA, em um comprador para os capitalistas da Alemanha Ocidental, e por isto em seu representante direto (…).”1917 No. 10, op. cit.


        Norden/Stamberg estão certos sobre que a burocracia stalinista não é capaz de dirigir a contrarrevolução “sem se fragmentar”. Mas a fragmentação do regime stalinista estava datada pelo menos desde o colapso do regime de Honecker. O regime stalinista “reformado” de Modrow, com seu programa socialdemocrata e restauracionista, representou os elementos da burocracia que procuraram assegurar o próprio futuro ao abrir a porta para a burguesia da Alemanha Ocidental. Não há nenhuma dúvida de que uma seção do SED teria vindo para o lado do proletariado se houvesse uma revolta revolucionária. Mas os anúncios repetidos da LCI de que uma revolução política dos trabalhadores estava “em andamento” não poderia ser um substituto para a revolução política real.

        De Yuri Andropov a Gregor Gysi

        A adaptação ao SED na RDA foi preparada politicamente por uma série de erros programáticos anteriores em relação à questão do stalinismo. O mais extraordinário deles foi a designação de uma coluna da SL na mobilização antifascista em Washington em 1982 como “Brigada Yuri Andropov”, o nome do chefe burocrata do Kremlin. Em uma carta não-pública de 13 de dezembro de 1982 à SL, onde é feita uma crítica desta posição (naquele tempo nós éramos ainda a “Tendência Externa da iSt”), lembramos à SL o seguinte: “No nível mais geral, Andropov e os burocratas que ele representa são tudo contra o que Trotsky lutou”. Nós também lembramos que:

        “Um dos fundamentos do trotskismo é que a defesa efetiva da União Soviética é inextricavelmente ligada à necessidade da revolução política proletária contra Andropov e sua casta (…)”.


        O camarada Robertson respondeu em agosto de 1983 com uma leve sugestão de que nós talvez estivéssemos nos movendo na direção ao Terceiro Campo [aqueles que não diferenciam os regimes stalinistas dos regimes burgueses]. Em nossa resposta, nós lembramos o comentário de Trotsky de que o stalinismo era:

        “Um aparelho de privilegiados, um freio sobre o progresso histórico, um agente do imperialismo mundial. Stalinismo e Bolchevismo são inimigos mortais.”


        Comentamos na carta que:

        “Chamarem a si mesmos de ‘Brigada de Yuri Andropov’ foi um erro. Toda sua experiência política muito considerável, assim como os talentos dos marxistas capazes e dedicados que produzem WV não podem mudar isso. Se tivéssemos que oferecer algum conselho, seria o seguinte: não tentem defender o indefensável, isto só pode produzir maus resultados.”


        Como chefe da KGB, Andropov foi responsável por esmagar a vida política na URSS. Workers Vanguard, em 13 de fevereiro de 1976, publicou um artigo intitulado “Parar a Tortura ‘Psiquiátrica’ Stalinista na URSS!”, denunciando “as atrocidades repulsivas da burocracia russa.” Na sua escalada para o poder, Andropov cumpriu um papel-chave na repressão aos trabalhadores húngaros após a [derrota da] revolução política de 1956, como indicamos em nossa carta de 22 de abril de 1984. De acordo com [o historiador] Bill Lomax:

        “Nos primeiros meses de supressão militar direta da revolução, Andropov era efetivamente o chefe supremo soviético da Hungria… Foi neste período que os últimos remanescentes da resistência armada foram eliminados, as organizações dos trabalhadores e dos intelectuais foram esmagadas e milhares de húngaros foram detidos e internados (…)”.


        Ao defender a identificação da direção da SL com Andropov, Workers Vanguard sugeriu que a nossa crítica revelava uma prova de stalinofobia [uma tendência a igualar o regime stalinista com um governo burguês], fraqueza socialdemocrata, etc. Hoje, uma dúzia de anos mais tarde, a Brigada Andropov só pode ser uma vergonha para aqueles que são leais do regime da LCI. Esta é uma questão que vocês, camaradas, podem desejar revisar proximamente, considerando-a um dos momentos na história da degeneração política da SL.

        A Revolução e a Verdade

        No documento do IG, Norden/Stamberg afirmam o seguinte:

        “Um aspecto notável das lutas recentes e da virada acentuada para a direita da LCI tem sido o seu uso sistemático de deformações e mentiras descaradas, em contradição flagrante com a tradição orgulhosa da tendência Espartaquista.”


        Infelizmente, não há nada “recente” sobre a aparição de “mentiras descaradas” na imprensa da SL. Durante anos, WV esteve disposta a tomar liberdades consideráveis com a verdade para propósitos fracionais.

        Um exemplo recente desta técnica da LCI (e que está plenamente documentada) ocorreu quando, no meio de uma polêmica contra nós em Quebec, em 3 de novembro de 1995 WV declarou:

        “Há três anos, a TB se recusou a votar Não à manobra Charlottetown de Mulroney [o referendo de 1992 no Canadá a respeito da reforma na Constituição]. Sua declaração não defendeu os direitos do Quebec à independência.”


        É verdade que nós não tomamos partido na disputa burguesa sobre a reforma da constituição do Canadá. Mas a nossa declaração de outubro de 1992 (que nós reimprimimos em 1917 No. 12) incluiu a seguinte defesa explícita dos direitos nacionais dos Québécois:

        “A designação do Quebec como uma ‘sociedade distinta’ dentro do Canadá obscurece o fato de que ele é uma nação, e como tal, tem um direito inalienável e incondicional à autodeterminação. Se os Québécois decidirem se separar e formar seu próprio Estado (algo que nós não reivindicamos atualmente), apoiaremos o seu direito de fazê-lo. Se a burguesia canadense tentar manter o Quebec à força, será dever dos trabalhadores com consciência de classe no Canadá inglês defender os Québécois com todos os meios à sua disposição, incluindo protestos, greves e auxílio militar.”


        Mais uma vez, ainda que depois de indicarmos que a declaração de WV era plenamente falsa, não houve nenhuma retratação ou correção. Poderíamos citar outros exemplos, mas pensamos que estes são suficientes para demonstrar que a “distorção sistemática e as mentiras descaradas” empregadas contra o IG e a LQB tem precedentes. Naturalmente, tais técnicas aparecem mais claramente quando se está no lado receptor.

        IG: Entre a LCI e a TBI

        Embora talvez seja natural que os camaradas do IG preferissem evitar ter que revisar criticamente o passado da LCI, não existe saída honesta da necessidade de confrontar os erros do passado. A direção da SL está ridicularizando os camaradas do IG por sugerirem que tudo estava bem na LCI até antes deles serem expulsos. Robertson faz uma abordagem oposta na sua resposta recente a um defensor do IG (WV, 27 de setembro), onde ele retroage os problemas com Norden a uma diferença de 1973 sobre os acontecimentos no Vietnã! Isto é supostamente um exemplo de como, de acordo com Robertson, Norden “enfraqueceu sua autoconfiança política revolucionária e também piorou sua imagem aos olhos de outros camaradas”, o que, por sua vez, limitou a sua capacidade de assumir um papel dirigente na Liga Espartaquista. Mas o fato é que na SL a ninguém (exceto naturalmente ao próprio camarada Robertson) foi permitido o luxo da “autoconfiança política revolucionária”.

        A maioria dos expurgos ao passar dos anos foram feitos para eliminar, ou pelo menos humilhar, os quadros inclinados demais a pensar por si próprios. A pressão interna crescente sobre Norden e Stamberg foi projetada para “piorar sua imagem aos olhos dos outros camaradas” e sem dúvida contribuiu para a sua “falta de apoio pela militância” de que Robertson se vangloria em WV. O seu sarcasmo sobre sua “falta de apetite para luta política desde o começo” e “sua oposição ‘não-fracional’ e da boca para fora” tem certa ressonância, mas só porque a linha do IG sobre a evolução da LCI é implausível. Se a LCI tinha sido um modelo de democracia leninista até o começo de 1996 (como sugere a literatura do IG), então a recusa por Norden/Stamberg em lançar uma luta fracional organizada iria de fato demonstrar uma aversão à luta política desde o começo.

        A tentativa de Norden/Stamberg de manter uma posição tática “não-fracional” levou-os a votar pela expulsão de Socorro [ocorrida antes das demais]. Observamos que Workers Vanguard (27 de setembro), recentemente proclamou que Socorro “cruzou a linha de classe” (!!!) por comparar desfavoravelmente os procedimentos de julgamento da SL com os das cortes burguesas! Robertson consideraria “cruzar a linha de classe” sugerir que um réu comum nas cortes dos EUA nos anos 1930 receberia mais justiça do que os Oposicionistas de Esquerda receberam no Estado Operário soviético sob Stalin? No fórum da SL em Nova Iorque, em 1º de agosto, Richard G., um membro da SL, sugeriu publicamente que qualquer um que afirmasse, como Socorro o fez, que havia mais justiça nas cortes burguesas do que nas mãos da SL, poderia facilmente receber pagamento do Estado capitalista. Esta insinuação de corrupção é escandalosa, e os camaradas do IG estavam muito certos em se opor a ela. Mas a condenação de Socorro pelo próprio IG tende a limitar o seu protesto.

        Norden e Stamberg cometeram um erro ao votar pela expulsão de Socorro. Ela não era culpada de nada mais do que contar a verdade. Sugerimos que um bom lugar para o IG começar sua reavaliação da iSt/LCI é francamente repudiar a sua expulsão.

        Um próximo passo poderia ser discutir francamente por que os camaradas mais antigos, como Norden, Stamberg e Negrete sentiram-se compelidos a optar por uma posição internamente “não-fracional”, apesar do padrão de infrações brutas da prática ao leninismo que eles relataram. Eles não exerceram seu “direito” de declarar uma fração porque sabiam que não era mais possível conduzir uma luta política séria dentro da LCI, tanto quanto havia sido para Robertson travá-la no Comitê Internacional de Gerry Healy em 1966.

        A Liquidação do Trabalho Sindical da SL

        A declaração de Negrete, na sua “Nota sobre a TB”, de 25 de julho, de que temos aversão contra a “luta de classes num lugar com grande maioria de negros, turbulento, como o Brasil”, repercute uma calúnia que data do começo dos anos 80, quando a direção da SL tentou encobrir a sua liquidação das frações sindicais nos sindicatos estratégicos dos Estados Unidos, chamando de racista qualquer um que criticasse isto. A direção da SL decidiu renunciar a seu trabalho sindical porque este exigiu um investimento político considerável e o retorno nos anos 70 tinha sido relativamente pequeno. Além do mais, enquanto a pressão sobre a SL aumentava, a direção de Robertson ficou com medo de que os sindicalistas da SL adquirissem uma visão independente da realidade social, e uma autoridade real na classe trabalhadora poderia ajudar a criar um polo de oposição política interna. Particularmente no sindicato dos telefônicos, mas também entre os estivadores da costa oeste e os trabalhadores automotivos de Detroit, as colaterais políticas impulsionadas pela SL tinham alguma autoridade entre a força de trabalho, e foram vistos como uma formidável oposição potencial pelos burocratas sindicais.

        Lembramos que o camarada Negrete estava nas atividades dos telefônicos quando a SL abandonou a sua orientação sindical. Em nosso folheto de junho 1983, intitulado “Parar a Liquidação do Trabalho Sindical! Interromper a má liderança de Robertson-Foster-Nelson!”, reimprimimos um panfleto, de 16 de maio de 1983, distribuído [pela SL] aos telefonistas em Los Angeles, na conclusão de uma campanha bem sucedida que derrotou as tentativas dos burocratas de remover os defensores da SL dos cargos de diretores. O panfleto começava com “A Colateral de Ação Militante gostaria de agradecer a todas as irmãs e irmãos desta regional, que saíram para apoiar-nos na luta pela nossa reintegração como diretores da regional”, e adiante anunciava que “todos os diretores do bloco submeterão a seguinte carta de renúncia ao sindicato.” Em nosso documento, escrevemos:

        “A autoridade que os quadros da SL em LI, T1, T2, II e BI [vários setores industriais] acumularam com anos de suor, sangue e perseguição está sendo deixada para trás da noite para o dia; a direção da SL sabe que os efeitos desta liquidação são quase irreversíveis (…) a completa desistência dos diretores da CAM [Colateral de Ação Militante] já está criando a reputação de desertores (…)”.“Não se leva as pessoas para a luta e então as deserta. Mas é justamente isso que a CAM está fazendo. Tendo lutado e vencido na regional 11502 para manter-se na direção, a CAM agradeceu aos muitos diretores e membros que a defenderam… e se retirou. Também, na regional 9410, onde justo há seis meses 1000 membros manifestaram-se para a defesa de Kathy, exigindo um fim do seu julgamento e do golpe dos burocratas, a CAM está se retirando. Stan, membro da Colateral Militante, apoiado pela SL [nos estivadores], corretamente defendeu uma moção, em uma reunião dos membros, pela realização de uma paralização dos trabalhadores do sindicato para protestar contra as atividades nazistas em Oroville. A moção foi aprovada. Então ele foi orientado a voltar atrás e a se autocriticar de forma desprezível, para não ir para Oroville, e atacasse os estivadores que foram e carregaram cartazes exigindo autodefesas de trabalhadores e negros para esmagar os fascistas. Esse abstencionismo alimentou um ressentimento que tornou mais fácil para a direção desacreditá-lo.”


        Se a SL era culpada pelo abstencionismo em relação a eventos como a manifestação de Oroville em 1983, a sua retirada dos sindicatos foi abstencionista em grande escala. Nós também podemos ver nisso precedentes da exigência de que a LQB liquidasse seu trabalho em Volta Redonda. Em ambos os casos, aqueles que resistiram ao ultimato da direção da SL foram acusados de “oportunismo sindical”.

        Howard Keylor, um dos dois maiores apoiadores da SL nos portuários, continuou a sua atividade de sindicalista como um simpatizante da ET/TB. Em 1984, ele iniciou e foi um dos líderes do boicote de 11 dias dos estivadores contra o regime de Apartheid da África do Sul, no cais 80 em São Francisco (ver Boletim da ET No. 4). Neste caso, a SL fez pior do que abster-se – ela denunciou a ação, colocou um “piquete” para abortá-la, caracterizou os trabalhadores que conduziram a greve como “fura-greves” e, finalmente, em desafio aberto à política do sindicato, fez com que os seus apoiadores fornecessem uma evidência documental (na forma de um panfleto) de que o boicote era uma ação sancionada pelo sindicato. Isto era o que os empregadores necessitavam para assegurar uma injunção federal para quebrar o boicote. Quando a esquerda juntou uma meia dúzia de estivadores para armar um piquete de grevistas em desafio à injunção, os Espartaquistas no local recusaram-se a unir-se! E então, depois que a ação acabou, WV retroativamente elogiou-a. A motivação para as ações da SL era a mesma que na exigência de que a LQB abandonasse sua atividade sindical – um mesquinho sectarismo organizativo.

        Norden/Stamberg afirmaram que nós “zombamos das mobilizações de trabalhadores/negros, feitas pela Liga Espartaquista para barrar a KKK, como ‘trabalho de gueto’”. Isto não é verdade. Nós nunca zombamos das mobilizações anti-Klan da SL e, aliás, nos unimos a elas quando pudemos, assim como nos unimos às iniciadas por outros esquerdistas. Nós nunca nos referimos às mobilizações das LLNOs [Ligas de Luta Negra e Operária, que a SL lançou em substituição ao seu trabalho nos sindicatos], nem tampouco às mobilizações anti-Klan como “trabalho de gueto.” O único lugar em que se pode achar este termo é nas páginas do WV, onde era repetidamente atribuído a nós.

        Nós sempre sustentamos que a chave para a libertação negra nos Estados Unidos é através da união das lutas das massas negras ao poder social do movimento organizado dos trabalhadores. Isto requer uma luta por uma nova direção, revolucionária, nos sindicatos.

        Libertação Negra e ‘Guardas de Defesa dos Trabalhadores’

        Esperamos que, depois de uma investigação cuidadosa, o camarada Negrete retire sua acusação de que alguma vez nós chamamos “por ‘guardas de defesa dos trabalhadores’ (sic) para parar a ‘violência’ como na revolta de Los Angeles”. Se ele não estiver preparado para fazê-lo, o convidamos a especificar os fundamentos desta alegação. Nossa declaração sobre a revolta [dos subúrbios negros] de Los Angeles em 1992 teve um impulso inteiramente diferente em relação à explosão de “violência” que se seguiu à absolvição dos policiais racistas que brutalmente tinham agredido [o trabalhador negro] Rodney King:

        “Os marxistas não podem ter mais que desprezo em relação às condenações hipócritas da ‘violência’ e das ‘ações ilegais’ que chovem agora nos noticiários, púlpitos e nas declarações dos capitalistas que concorrem à presidência. Mesmo assim, os militantes sérios também reconhecem que o racismo, a pobreza e a violência do Estado capitalista não terminarão através de explosões desorganizadas de ódio dos negros e minorias, ainda que justificadas. Porque faltam às massas negras um programa e uma direção para lutar por uma verdadeira revolução social, a sua raiva espontânea frequentemente termina em ataques aos alvos errados, deixando seus verdadeiros exploradores e opressores intocados.”“Os negros e as minorias formam uma grande porcentagem da classe proletária industrial nos EUA. Eles também estão concentrados nos sindicatos das grandes cidades da nação. Esses trabalhadores operam os ônibus e trens, coletam o lixo, varrem as ruas e são também os trabalhadores dos hospitais. Podem proporcionar o elo necessário entre o gueto e a classe trabalhadora organizada. Uma única greve geral contra a brutalidade da polícia poderia levar cidades como Los Angeles a parar, e provaria ser uma arma infinitamente mais potente do que cem revoltas do gueto. Tais greves poderiam abrir o caminho para uma poderosa contraofensiva de classe dos trabalhadores contra o racismo e a austeridade capitalista. Mas isto requer uma direção classista orientada a quebrar a força opressora dos burocratas sindicais e do Partido Democrata. A Tendência Bolchevique dedica-se a forjar tal direção, na luta por uma sociedade socialista, que é a única que pode fazer justiça a Rodney King e outras vítimas incontáveis da ‘nova ordem mundial’”.Los Angeles: Dias de Cólera”, suplemento de 1917, maio de 1992


        Em outubro de 1992, publicamos uma edição de 1917 West intitulada “Policiais, Crime e Capitalismo”, para desafiar as noções anarquistas/liberais predominantes entre a juventude. Este artigo, que absurdamente foi caricaturado numa polêmica que apareceu em Workers Vanguard (12 de fevereiro de 1993), deixou a nossa atitude em relação ao braço armado da burguesia muito clara:

        “A união entre o temor do crime e a questão racial cria uma barreira enorme à unidade da classe trabalhadora. O status quo econômico e político estarão seguros enquanto a classe trabalhadora, e outras vítimas do sistema, estiverem divididas entre si. O capitalismo necessita do racismo e o reproduz – porque ele mantém a classe trabalhadora dividida.”“A polícia não faz parte da classe trabalhadora, e seus ‘sindicatos’ não fazem parte do movimento dos trabalhadores. Eles devem ser expulsos de todas as federações sindicais e outras organizações da classe trabalhadora. A polícia serve como a linha de frente de defesa da propriedade capitalista, e resguarda a ditadura da classe capitalista sobre a sociedade. Como um braço do Estado, a polícia não é neutra em nenhuma disputa entre trabalhadores e patrões, inquilinos e proprietários ou opressores e oprimidos. Os policiais reforçam a lei e a ordem capitalista, que coloca a defesa da propriedade, da riqueza e dos privilégios sociais acima de tudo.”


        No texto de 1917 West, nós chamamos por “guardas da defesa dos trabalhadores”, mas de uma maneira diametralmente oposta à afirmação de Negrete:

        “É de vital importância unir as atividades das organizações que monitoram a polícia e defendem as suas vítimas às organizações da classe trabalhadora. Os mesmos policiais que atormentam as pessoas desabrigadas e a juventude negra também escoltam os fura-greves através das filas de grevistas, e batem nos grevistas para quebrar as greves (…)”.“Somente o proletariado tem o poder social e o interesse objetivo de eliminar as causas do crime. Um movimento forte dos trabalhadores que estabeleça guardas de defesa dos trabalhadores integradas poderia dar um grande passo pela defesa dos trabalhadores e dos oprimidos contra a brutalidade e os crimes da polícia (…)”.“Para serem efetivas, as guardas de defesa dos trabalhadores devem se integrar à luta contra o racismo, que divide a classe trabalhadora. Elas geralmente seriam iniciadas como uma resposta contra ataques contra os piquetes dos trabalhadores pelo Estado capitalista, seus aliados fascistas ou os capangas particulares dos empregadores. Uma vez empenhados na luta de classes, os trabalhadores rapidamente verão a utilidade das guardas de defesa para proteger os trabalhadores e os oprimidos em outras áreas de suas vidas, incluindo a luta para se livrar do crime e das agressões da polícia”.Policiais, Crime e Capitalismo,” 1917 West número 2, outubro 1992


        Gostaríamos que o camarada Negrete explicasse exatamente o que ele pensa que está errado com esta forma de se posicionar pelas guardas de defesa dos trabalhadores.

        Finalmente, notamos que enquanto Negrete está aparentemente feliz reciclando a difamação da SL sobre a nossa suposta indiferença pela opressão negra, ele se esqueceu de mencionar que Gerald Smith, o ex-membro da TBI que é citado [na nota do IG] como “não sendo antipolícia” é também um antigo membro do Partido Pantera Negra, bem como da Liga Espartaquista. Ele também não menciona que, em 1983, a SL convidou Smith para que ele encabeçasse as suas LLNOs! Smith estava relutante em aparecer como ponta de lança de uma organização fantasma. Mesmo assim, permaneceu na órbita da SL, e no próximo ano concordou em participar do “piquete” da SL contra o boicote dos portuários de 1984 aos carregamentos destinados para a África do Sul, no cais 80 em São Francisco. Ele se assustou tanto com o sectarismo destrutivo que testemunhou naquela noite, que rompeu com a SL de uma vez por todas. Ele depois se uniu à TB e foi um membro proeminente de nosso núcleo na Área da Baía de São Francisco por muitos anos. No início da década de 90, ele começou a girar à direita, e finalmente deixou a TBI em 1993.

        A LCI e a Greve Geral: ‘Uma Caricatura do Trotskismo’

        Concordamos que a nova oposição da LCI a levantar qualquer chamada propagandística pelas greves gerais na ausência de um partido operário revolucionário hegemônico é de fato “uma caricatura do trotskismo,” como o IG sugere. “E a campanha dos trotskistas franceses por uma greve geral na metade dos anos 30?”, ele [o IG] pergunta. Uma boa pergunta, mas nenhuma que a LCI esteja ansiosa em responder.

        Parece a nós que a questão da greve geral está colocada para o trotskismo francês na metade dos anos 90 também. Como explicamos em nosso artigo de 1917, No. 18, a situação em dezembro de 1995 parecia ser para nós uma circunstância em que os revolucionários deveriam ter focalizado a sua agitação no chamado por uma greve geral para derrubar [o presidente francês Alain] Juppé, concretizada com o chamado por comitês de greve eleitos em cada local de trabalho, nos níveis local, regional e nacional. Isto poderia ter chamado a atenção dos membros mais militantes dos sindicatos, que estavam tentando empurrar os burocratas nesta direção, e proporcionaria uma abertura para os militantes revolucionários estenderem a sua influência política. Mas, mesmo chamando a estender as greves ao setor privado, a Liga Trotskista da França [seção da LCI] ponderadamente absteve-se de convocar uma greve geral, afirmando, ao contrário, que “a questão do poder está posta.” Seu lema central era o chamado a construir uma “nova direção revolucionária,” (isto é, a LTF). Embora muitas das observações e propostas específicas na propaganda da LTF estivessem corretas, a sua reivindicação de que “a tarefa urgente da hora” seria preparar a tomada do poder estatal pareceu para nós qualificar-se como outra “caricatura do trotskismo”.

        Norden e Stamberg não criticam a posição da LCI/LTF em Paris [em 1995, quando se recusaram a chamar por uma greve geral] e ainda parecem endossar implicitamente a luta de Parks contra a “passividade” da LTF. Isto parece a nós ser outro caso em que os camaradas do IG até agora não conseguiram generalizar suficientemente a partir de uma crítica fundamentalmente correta.

        No Canadá, a LCI/TL está atualmente se recusando a convocar uma greve geral em Ontário, apesar do fato de que a burocracia sindical organizou uma série de “greves gerais” em uma única cidade, com duração de um dia (que até agora envolveram centenas de milhares de trabalhadores). Os burocratas querem permitir que a base expresse sua ira mas, ao mesmo tempo, esperam evitar um confronto sério com o governo, enquanto ganham um pouco de vantagem, mostrando aos patrões que poderia haver problemas se os Conservadores levassem as coisas muito adiante. Esta é uma situação em que os revolucionários devem procurar explorar a contradição entre o desejo das massas de lutar e os passos covardes dados pela direção, através da agitação das medidas práticas necessárias em direção à mobilização do poder e da raiva da base contra os ataques do governo. Concretamente, advogamos uma greve geral que seja “organizada e controlada por comitês de greve eleitos democraticamente em todos os locais de trabalho, coordenados através de assembleias provinciais e regionais por delegação.” Por sua vez, a TL está fazendo a sua agitação principal exigindo “construir um partido revolucionário” – isto é, eles mesmos.

        Socialistas, Apoio a Greves e ‘Fura-Greves’

        Os camaradas do IG reivindicam que nós “furamos a greve” dos limpadores de construção de Nova Iorque no último inverno. Esta é uma questão séria, que nós discutimos na nossa correspondência com WV (recentemente publicada por nossa regional de Nova Iorque na forma de um folheto). Como indicamos, há frequentemente situações em que os grevistas de uma empresa ficam na frente de uma entrada compartilhada com trabalhadores de empresas inteiramente diferentes que não estão em greve (por exemplo, praças públicas, parques industriais, edifícios de escritório). A melhor resposta em tais casos é que os trabalhadores das outras companhias se unam aos seus irmãos e irmãs, pressionando por greves de solidariedade. Mas se isto não for possível, não é dever dos militantes isolados executaram uma “greve de solidariedade individual” quando, se o fizerem, puderem ser demitidos.

        A campanha de WV sobre isso foi uma tentativa motivada por interesses fracionais de difamar Jim C., um militante da TBI que pode ter feito mais para ajudar os grevistas do que todos os membros da SL de Nova Iorque juntos. Jim C. tomou a iniciativa de receber os membros do sindicato no seu local de trabalho para fazer com que estes doassem um total de $3000 aos seis trabalhadores grevistas que normalmente limpavam seu edifício. Os dirigentes também se asseguraram de que nenhum fura-greve seria permitido dentro do prédio durante a greve, e que a empresa de limpeza não receberia nenhum dinheiro do seu empregador até o final desta. Nenhum militante sindical consideraria isto “furar greve”.

        Uma nota interessante em toda esta disputa foi proporcionado pela camarada Marie Hayes (uma antiga militante que foi por 23 anos da iSt/LCI), num fórum público no festival anual do Lutte Ouvriere deste ano. Ela respondeu às denúncias da LCI a nós como “fura-greves”, relembrando como, quando era da SL de Nova Iorque, ela foi confrontada por uma situação análoga, quando alguns piqueteiros de uma empresa diferente apareceram do lado de fora do edifício da [companhia aérea] Pan Am, onde ela trabalhava. Ela ligou para a sede da SL para pedir instruções, e disseram que, como os piqueteiros não tinham relação com os trabalhadores da empresa dela, não havia nenhuma razão para não ir trabalhar!

        LCI vs. TBI e a Questão Russa

        Em sua ladainha de uma página, o camarada Negrete queixa-se de que rejeitamos a palavra de ordem da LCI, “Viva o Exército Vermelho no Afeganistão” com “argumentos stalinofóbicos”. Na verdade, rejeitamos “Viva o Exército Vermelho” em favor de “Vitória Militar para o Exército Vermelho no Afeganistão”. Nós o fizemos porque a “saudação” da intervenção militar de Brezhnev no Afeganistão tendia a apagar a distinção crítica entre o apoio político e o militar. Os trotskistas apoiaram as forças armadas soviéticas no Afeganistão militarmente, assim como a SL apoiou militarmente o Vietcongue contra o EUA no Vietnã. Foram os pablistas que “saudaram” os exércitos de Ho Chi Minh e desfilaram a bandeira do Vietcongue. Nós não vimos nenhuma razão para aplicar critérios diferentes no Afeganistão (ver nosso artigo em 1917 No. 5).

        O lado reverso das divagações algumas vezes stalinofílicas [que tende a identificar os interesses dos trabalhadores com os do aparato stalinista] da LCI apareceu quando eles se recusaram a tomar militarmente o lado da “linha-dura” do Kremlin contra Iéltsin, em agosto de 1991 [no confronto que terminou com a destruição da União Soviética]. A zombaria de Negrete sobre a indecisão e a incompetência do golpe dos conspiradores repercute os pseudotrotskistas que reivindicam que [os líderes da “linha dura”] Yanaiev, Pugo e companhia eram tão pró-capitalistas quanto Iéltsin. Negrete acusa-nos de termos sido ansiosos em abandonar a defensa da União Soviética porque nós reconhecemos, naquela época, que a vitória de Iéltsin representou o “Triunfo da Contrarrevolução”.

        O golpe de agosto foi decisivo precisamente porque ele colocou os restauracionistas contra os remanescentes da burocracia que queriam manter o status quo. É por isso que os defensores da União Soviética tinham um lado nesse confronto. A afirmação da LCI, de que os conspiradores não estavam tentando defender, ainda que de forma vacilante, o Estado Operário, mas somente um império capitalista, somente pode significar que as forças restauracionistas teriam triunfado antes do golpe de agosto.

        A recusa da LCI em tomar partido no confronto final levou inevitavelmente ao próximo erro; eles se recusaram teimosamente, por mais de um ano, a reconhecer que o Estado Operário Degenerado soviético tinha sido de fato destruído. Até hoje, a LCI não pode dizer quando o Estado Operário soviético deixou de existir. Esperamos que no curso do reexame da história da iSt/LCI, isto esteja entre as questões que vocês desejarão retomar.

        A tentativa de Negrete [em sua nota] de identificar-nos com o [grupo argentino] PBCI porque sustentamos posições semelhantes sobre o golpe de agosto de 1991 não é um argumento, e sim um amálgama. Nós poderíamos igualmente salientar com facilidade que o PBCI, assim como a LCI (e o IG?), reivindicam que o Estado Operário sobreviveu sob Iéltsin. O que isso provaria?

        O Expurgo do IG: “Deja Vu Tudo de Novo”

        A noção dos quadros do IG de que eles são as primeiras vítimas de abusos na LCI não é incomum, como nós anteriormente relatamos.

        Mas, se o tratamento do IG de fato nunca foi visto na história da iSt/LCI, por que as descrições do IG sobre o que aconteceu a eles seriam tão parecidas com as que publicamos há dez anos? Por exemplo, Norden e Stamberg descrevem como Negrete foi acusado de “machismo” no GEM [Grupo Espartaquista do México]:

        “O método de vomitar uma pilha de acusações falsas sem considerar os fatos foi repetidamente usado na disputa sobre a Alemanha (…) e novamente no ataque relâmpago para remover a direção da seção mexicana, afirmando que Negrete era um ‘opressor machista’, contornando a LQB e isolando a seção da discussão internacional.”De uma Tendência…” página 29


        Negrete confirma este relato:

        “Tendo passado pela ‘disputa Brasil/México’, posso declarar categoricamente que a campanha atual envolve uma coleção de invenções intencionais. A luta explodiu quando Camila e eu perguntamos sobre as declarações significativamente incorretas sobre o Brasil numa correspondência do SI [Secretariado Internacional da LCI]. Ao mesmo tempo em que algumas daquelas declarações foram explicitamente corrigidas, foi inventado um relato de que eu teria me comportado como um ‘opressor machista’ com Camila (o que a própria Camila negou ser verdade) e que eu a tinha ameaçado para fazer as perguntas que ela escreveu. Quando as testemunhas disseram e escreveram que isto não foi o que aconteceu, não só isso foi ignorado, como eles foram acusados de fazer panelinha, de serem personalistas e anti-internacionalistas. Ao mesmo tempo em que os pedidos de Socorro e meus por uma investigação interna formal foram rejeitados imediatamente, a mentira não somente foi repetida, como também foi aumentada como um suposto padrão de comportamento”.Ibid. páginas 74-75


        Compare o que está descrito acima com o relato em “A Escola de Robertson de Construção de Partido” (1917 No. 1, inverno 1986) onde descrevemos como uma acusação de “manipulação sexual” foi usada na iSt:

        “Quando o acusado questionou como essa acusação poderia ser feita quando ele a negava, e todas as suas supostas vítimas a negavam, ele foi informado de que esse era o pior tipo de manipulação – ela tinha sido tão bem feita, que mesmo sob considerável pressão do partido, as próprias vítimas não conseguiam ver o que havia acontecido! Essa é a característica de ‘Alice no País das Maravilhas’ da vida interna ‘democraticamente rica’ da tendência Espartaquista. Manipulação sexual, como todo o resto na SL, significa exatamente aquilo que a liderança quiser que signifique.”


        Outro exemplo é a descrição de Norden/Stamberg sobre como os alvos do expurgo estão sujeitos a uma pilha de acusações não substanciadas:

        “Quando nos opusemos às várias inexatidões e declarações ultrajantes sem sustentação, Parks entrou rapidamente em cólera, e prosseguiu expulsando primeiramente Negrete e Socorro, do México, e então Norden do SI. Em ambos os casos, acusações inventadas foram lançadas a esmo, e quando uma não colava, era simplesmente substituída por uma nova. Jogar lama no ventilador é uma técnica de ‘caça às bruxas’ muito familiar, baseada na suposição de que eventualmente alguma coisa irá colar ou os alvos se cansarão de retirar a lama.”Op. Cit. página 29


        Negrete aponta o mesmo:

        “Mais uma vez, o retrato grosseiramente deturpado foi repetido por uma série de declarações comprovadamente falsas. Cada declaração, quando era desmentida, abria caminho para uma nova. Era falso que o memorando do CEI não tinha sido traduzido, que não tinha sido distribuído, que não tinha sido discutido, ou que fora discutido somente uma vez. Era falso que a disputa na Alemanha tinha sido encoberta, que tinha sido discutida somente uma vez, que foi discutida muito brevemente, etc. Era falso que a luta na França, a luta na Itália, a ‘greve geral por tempo indeterminado’, a luta contra Y. Rad, a luta em relação ao Quebec etc., não tinha sido discutida, que as conversas não aconteceram nas reuniões, que os materiais não foram traduzidos (dúzias foram) etc.”.
        “O que está descrito acima é só uma amostra das declarações falsas empilhadas umas sobre as outras naquela disputa. Entretanto, um grande número de camaradas bem-intencionados reclamava que todos estes ‘detalhes’ fossem ignorados em favor do ‘quadro geral’. Mas, antes de tudo, as regras da Quarta Internacional nos dizem para ‘sermos verdadeiros nas coisas pequenas, assim como nas grandes’. E, em segundo lugar, neste caso, o ‘quadro geral’ é composto de ‘pequenas’ mentiras e invenções, que continuam a aumentar”.Ibid. Páginas 75-76


        Mais uma vez, compare os relatos dos camaradas do IG à nossa descrição de 1985 de uma “disputa” típica na SL:

        “Eis como as coisas funcionam na SL. É convocada uma reunião em que o camarada designado é chamado a explicar os erros que ele supostamente cometeu. Cada item dos pormenores é grosseiramente exagerado e extrapolado; motivações traiçoeiras (políticas ou pessoais) são atribuídas. Críticas pessoais acidentais do estilo de vida ou comportamento do indivíduo são usadas como boas comparações. Aqueles que comandam o ataque gritam tipicamente, de forma teatral, e fazem poses para criar a atmosfera adequada, carregada emocionalmente. Espera-se que a militância proporcione o coro: repetindo e embelezando as acusações. Não há nenhuma interrupção. Se você puder provar que algumas das acusações são falsas, novas acusações são rapidamente inventadas. Ou você é acusado de ‘usar argumentos de advogado’ ou de tentar obscurecer a visão geral com picuinhas sobre os ‘detalhes’ (…)”.A Estrada para Jimstown”


        A semelhança entre os nossos relatos e os do IG só podem ser explicadas de duas maneiras: ou a direção da SL estudou cuidadosamente as nossas descrições supostamente inventadas de suas técnicas de expurgo e decidiu empregá-las pela primeira vez contra Norden, Stamberg, Socorro e Negrete, ou o tratamento dos camaradas do IG seguiu o padrão dos expurgos anteriores.

        O Caso de Bill Logan

        Negrete recicla a acusação da SL de que o camarada Bill Logan da TBI é um “psicopata malicioso.” Robertson investiu muito do seu capital político para “provar” que Logan, o líder mais proeminente da iSt fora da seção norte-americana, era não um pervertido comum, mas sim um “sociopata” que sempre foi inadequado para a vida do movimento operário. O caso de Logan foi, aliás, um marco na degeneração da iSt/LCI. O camarada Norden, que era um membro dirigente da SL/EUA naquela época, pode relembrar a comissão que se reuniu na sede central da SL em Nova Iorque, no período de agosto-setembro de 1974, para considerar as queixas de John Ebel, um membro descontente da SL/ANZ (Austrália-Nova Zelândia). As queixas de Ebel tocaram em todas as alegações (incluindo a feita por uma camarada supostamente pressionada a realizar um aborto) que, cinco anos mais tarde, a direção da SL fingiu que tinha acabado de ouvir. Entretanto, a comissão de Ebel em 1974, depois de considerar as evidências, não achou que havia qualquer impropriedade na SL/ANZ. Como os camaradas do IG explicam isso?

        Nós nunca negamos que os camaradas da SL/ANZ de fato sofriam abusos organizativos sob o regime de Logan, nós meramente afirmamos que a vida na SL/ANZ não era qualitativamente diferente que na SL/EUA. Isto é provado pelo fato de que nenhum dos dirigentes girados pela SL/EUA ter notado qualquer coisa fundamentalmente diferente na vida da SL/ANZ, e que eles eram todos assimilados dentro do regime, sem dificuldades imprevistas. Lidamos completamente com o caso de Logan em nosso Boletim Trotskista No. 5 (“LCI vs. TBI”).

        O Expurgo do IG/LQB: Ataques Preventivos

        A explicação política para o expurgo pela LCI dos camaradas do IG e para o rompimento das relações fraternais com a LM/LQB oferecidas por Norden/Stamberg (pág. 68) está fundamentalmente correta:

        “Ao aumentar a pressão e perseguir os ‘oponentes internos’ percebidos, e tentar forçar a declaração de uma fração, o SI claramente procurou fazer um ataque preventivo. O resultado foi a criação de uma atmosfera venenosa no partido.”


        É também aparente que a ruptura com a LQB foi uma manobra profundamente cínica. Mas isso mostra mais uma vez a contradição fundamental nas explicações do IG: como poderiam os dirigentes de uma organização revolucionária trotskista se tornar, de pronto, expurgadores, provocadores, perseguidores e levantadores de mãos? De onde veio essa camada de “mentirosos e inventores autoconscientes” que “vangloriam-se” de seus crimes? E por que Norden e Stamberg estavam tão seguros de que não havia nenhuma razão para aparecer no seu “julgamento” programado? Numa organização saudável, se esperaria uma reação violenta da parte dos membros de base diante das impropriedades evidentes no procedimento de julgamento do caso de Socorro. Por que não na SL? E por que Norden e Stamberg não esperaram que a base da SL estivesse horrorizada pelas mentiras e calúnias partidariamente motivadas? Por que uma visita de surpresa, à meia-noite, por uma “tropa de elite” exigindo submissão instantânea não seria um choque para pessoas com décadas de experiência na LCI? A razão é que este tipo de coisa vem acontecendo há muito tempo. Essa é a razão pela qual as nossas descrições das técnicas empregadas são tão próximas das do IG.

        Está claro, pela declaração de relações fraternais entre a LM e a LCI (a qual nós presumimos que a LQB e o IG ainda sustentam) que nós não só reivindicamos uma herança política comum, como também compartilhamos posições comuns em algumas questões programáticas centrais. Estas incluem a oposição dura à frente popular; a necessidade do partido leninista em agir como o tribuno dos oprimidos; o elo inextricável entre a liberação dos negros e a revolução socialista tanto nos EUA como no Brasil; e mais geralmente, um reconhecimento de que a revolução permanente é o único caminho para a liberação das massas no mundo semicolonial.

        Estamos interessados em iniciar discussões sérias entre nós e sua organização, com o propósito de diminuir nossas diferenças, ou pelo menos esclarecer nossas posições em relação um ao outro. Claramente, tais conversas também permitiriam a identificação e a correção dos erros em fatos ou interpretação dos dois lados. Lamentavelmente, há muitas dificuldades objetivas substanciais para mantermos discussões entre nós e a LQB. Em primeiro lugar, há o problema de que não sabemos falar a língua portuguesa, e não sabemos se a LQB sabe inglês ou alemão. Há também o problema da nossa separação geográfica. Acreditamos que nenhum destes problemas seja insuperável. Mas eles serão obstáculos substanciais para um intercâmbio político sério.

        As conversas com o IG não são impedidas por qualquer uma das considerações acima, e como supomos que haja uma colaboração política próxima entre os dirigentes do IG e da LQB, talvez faça sentido que as primeiras conversas devam ocorrer entre nós e o IG. Esperamos que vocês considerem cuidadosamente os pontos que nós levantamos e aguardamos a sua resposta o mais breve possível.

        Tom Riley
        Pela Tendência Bolchevique Internacional

        Arquivo Histórico: Carta Sobre a Iugoslávia

        A Seção Britânica e o Secretariado Internacional 
        Carta Sobre a Iugoslávia

        [A seguinte carta para o Comitê Executivo Internacional da Quarta Internacional foi escrita por Jock Haston, líder do Partido Comunista Revolucionário (RCP), seção britânica da Quarta Internacional, a respeito do desvio centrista desta após ruptura entre os stalinistas iugoslavos e a burocracia soviética. Embora o documento não seja datado, provavelmente foi produzido no verão europeu de 1948. A carta foi importante ao apontar um erro grave da direção da Internacional, que flertou com a possibilidade de ganhar a burocracia iugoslava dirigida por Josip Broz Tito para o trotskismo, um tipo de perspectiva que se tornaria o cerne da organização com a ascensão do revisionismo pablista no Terceiro Congresso Mundial de 1951. Embora não compartilhemos a perspectiva e as posições políticas posteriores dos líderes do RCP, reconhecemos que estes prestaram resistência contra alguns desvios da Quarta Internacional em seus escritos no fim da década de 1940. A tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em dezembro de 2011.]

        Para o CEI [1] 


        Caros camaradas,

        A disputa entre a Iugoslávia e o Cominform [2] oferece à Quarta Internacional grandes oportunidades para expor aos militantes de base dos stalinistas os métodos burocráticos do stalinismo. É possível sublinhar a forma com a qual as lideranças stalinistas suprimem qualquer forma genuína de discussão sobre o conflito ao distorcer os fatos e esconder as respostas da liderança do PCY [Partido Comunista da Iugoslávia] dos seus membros de base. Ao ressaltar tais aspectos da expulsão iugoslava, nós podemos causar um profundo efeito nos militantes dos partidos comunistas.

        No entanto, a nossa aproximação com esse grande evento deve ser principista. Nós não podemos dar crédito, silenciando sobre aspectos da política e do regime do PCY, a nenhuma impressão de que Tito ou os líderes do PCY são trotskistas, ou de que não há grandes obstáculos que os separam do trotskismo. Nossa exposição das formas burocráticas da expulsão do PCY não podem significar que nos tornamos advogados da liderança do PCY, ou que criamos sequer a menor ilusão de que eles não permanecem sendo, apesar da ruptura com Stalin, stalinistas em método e treinamento.

        Em nossa opinião, as Cartas Abertas do SI [Secretariado Internacional da Quarta Internacional] para o Congresso do PCY falharam em cumprir essas condições absolutamente essenciais. Elas falharam em pôr direta e claramente o que há de errado, não apenas com o PCUS, mas com o PCY. Toda a aproximação e o tom geral das cartas são tais que criam a ilusão de que a liderança do PCY é composta por comunistas, equivocados no passado, e que descobriram pela primeira vez os males dos métodos burocráticos de Moscou, ao invés de líderes que participaram ativamente e ajudaram a burocracia, ao agir como seus agentes no passado.

        As cartas parecem se basear na perspectiva de que os líderes do PCY podem ser ganhos para a Quarta Internacional. Sob a pressão dos eventos, estranhas transformações de indivíduos já aconteceram, mas é excessivamente improvável, para dizer o mínimo, que Tito e outros líderes do PCY possam se tornar novamente bolcheviques-leninistas [3]. Obstáculos tremendos estão no caminho dessa eventualidade: tradições passadas e treinamento no stalinismo, e o fato de que eles próprios descansam sobre um regime burocrático stalinista na Iugoslávia. As cartas falharam em apontar a natureza desses obstáculos, falharam em sublinhar que para os líderes do PCY se tornarem comunistas, seria necessário que eles não apenas rompessem com o stalinismo, mas que repudiassem o seu próprio passado, os seus atuais métodos stalinistas, e reconhecessem abertamente que eles próprios nutrem responsabilidade pela construção da máquina que está agora sendo usada para esmagá-los. Não estamos tratando aqui de comunistas encarando um “terrível dilema”, sentindo uma “enorme responsabilidade” pesando sobre eles, a quem nós oferecemos um modesto conselho: é uma discussão sobre burocratas stalinistas se tornaremcomunistas.

        O objetivo de tais Cartas Abertas só poderia ser limitado. Ao colocar na balança uma análise correta e principista do papel da burocracia stalinista e da liderança do PCY, e ao oferecer assistência ao PCY em uma luta comunista estritamente delimitada, as Cartas Abertas poderiam ser uma propaganda útil, ajudando a aproximação com a base que busca uma liderança comunista.

        Da forma como estão, entretanto, pelo seu silêncio sobre aspectos fundamentais do regime na Iugoslávia e a política do PCY, as cartas atingem uma marca oportunista.

        Não faz parte da nossa experiência que os mais corajosos e mais independentes militantes comunistas “estão hoje estimulados pela sua ação [do PCY]”. A crise do Cominform, ao invés disso, semeou confusão nas colunas do PC e desorientou os seus apoiadores. Isso é para nossa vantagem. Mas embora seja uma tarefa relativamente fácil expor as manobras do Cominform, há verdade suficiente em algumas das suas acusações contra Tito – particularmente no que diz respeito ao regime interno, à Frente Nacional [4] – para causar entre as colunas e bases stalinistas um mal-estar com relação aos líderes do PCY. Isso nos dá uma oportunidade para ganhar esses militantes, não para a causa de Tito, mas para o trotskismo.

        Tito está tentando, e irá tentar, seguir um curso independente entre Moscou e Washington, sem alterar a máquina burocrática ou girar para o internacionalismo proletário. Um regime burocrático que tem sua base principalmente no campesinato não pode ter perspectiva independente entre a União Soviética e o imperialismo norte-americano. A ênfase principal das cartas deveria ter sido mostrar a necessidade de um rompimento radical com a política atual do PCY, a introdução da democracia soviética dentro do partido e do país, aliado a uma política de internacionalismo proletário. A posição deve ser colocada diante dos militantes iugoslavos, não como uma escolha entre três alternativas – a burocracia russa, o imperialismo norte-americano e o internacionalismo proletário – mas, primeiro e mais importante, uma escolha entre a democracia proletária dentro do regime e do partido, o internacionalismo proletário, e a presente estrutura burocrática instalada, que deve inevitavelmente capitular diante da burocracia russa ou do imperialismo norte-americano.

        As cartas do SI analisam a disputa somente no plano da “interferência” dos líderes do PCUS, como se fosse somente uma questão dessa liderança buscar impor sua vontade sem consideração pelas “tradições, a experiência e as relações” dos militantes. Mas a disputa não é simplesmente a luta de um Partido Comunista por independência dos decretos de Moscou. É uma luta de uma seção do aparato burocrático por tal independência. A posição de Tito representa por um lado, é verdade, a pressão das massas contra os desmandos da burocracia russa, contra a “unidade orgânica” exigida por Moscou, descontentamento com os especialistas russos, pressão do campesinato contra uma coletivização excessivamente rápida. Mas por outro lado, há o desejo dos líderes iugoslavos de manter uma posição burocrática independente e promover as suas próprias aspirações.

        Não é suficiente expor os crimes do stalinismo internacionalmente nas portas da liderança do PCUS. Não apenas com relação à Iugoslávia, mas também com relação aos outros países, a Carta Aberta dá a impressão inteiramente falsa de que a liderança russa é a única culpada. Colocar as relações do movimento stalinista internacional da forma como faz a carta do SI – que a liderança do PCUS “forçou Thorez [5] a desarmar os membros do partido francês”, “forçou os comunistas espanhóis a declarar (…) que a tomada das fábricas (…) era ‘uma traição’”, “proíbe completamente as lideranças dos partidos comunistas nos países capitalistas de falar de revolução” – pode criar ilusões de que os líderes dos partidos stalinistas nacionais poderiam ser bons revolucionários simplesmente se Moscou os deixasse em paz. É verdade que a degeneração dos PCs fluiu basicamente da degeneração da União Soviética. Mas a doença do movimento stalinista também é responsabilidade da corrupção completa das lideranças nacionais que estão ligadas à máquina burocrática. Esses líderes participam ativamente na preparação dos crimes. Então também para Tito, não foi uma questão de ter sido “forçado” a levar adiante os desejos de Moscou no passado.

        É inadmissível vacilar sobre a natureza do PCY e a sua identidade, nos pontos fundamentais, com a dos outros partidos stalinistas. Tal vacilação só pode desorientar os trabalhadores stalinistas de base. No entanto, toda tentativa possível é feita pelo SI para estreitar o abismo que separa a política do PCY do bolchevismo-leninismo. Que outra conclusão pode ser tirada de declarações tais como esta a seguir:

        (…) o Cominform acusa vocês de compreenderem errado o ‘internacionalismo proletário’ e de seguir uma política nacionalista. Isso é dito pela mesma liderança russa cuja propaganda chauvinista durante a guerra (…) é largamente responsável pela ausência de uma revolução na Alemanha enquanto que [ênfase do RCP] na Iugoslávia, o movimento partidário foi capaz de ganhar para as suas colunas milhares de soldados proletários dos exércitos de ocupação. Isso é dito por Togliatti [6], que não hesitou em se lançar, junto com os verdadeiros fascistas do Movimento Sociale el Italia (MSI) em uma campanha chauvinista pelo retorno das velhas colônias à sua terra natal imperialista. Isso é dito por Thorez, cuja histeria nacionalista na questão da reparação da França imperialista delicia os herdeiros burgueses de Poincaré [7].”

        É verdade que os stalinistas iugoslavos resolveram, com algum sucesso, o problema nacional no seu próprio país. Foi o programa deles com relação a essa questão que lhes permitiu ganhar membros dos exércitos de ocupação das próprias nacionalidades. Mas os camaradas devem ficar cientes de que a propaganda do PCY em direção à Alemanha era do mesmo caráter chauvinista que a dos russos e outros partidos stalinistas. A carta do SI lida com a necessidade do internacionalismo proletário abstratamente, sem levantar a questão concreta da política do PCY hoje, nem no passado. Era certamente necessário apontar concretamente o que esse internacionalismo proletário significa ao lidar com a política passada e presente do PCY, que não tem sido um milímetro menos chauvinista do que a dos outros partidos stalinistas. O SI menciona o chauvinismo de Togliatti, a histeria nacionalista de Thorez, e deixa a impressão de uma comparação favorável entre a política dos outros partidos stalinistas e aquela do PCY. Nós não podemos silenciar sobre a campanha chauvinista do PCY em Trieste [8], a sua atitude sobre as reparações de guerra, o seu apoio acrítico à demanda da burocracia russa de reparações a serem cobradas do povo alemão. É necessário levantar estas questões de forma que fique claro precisamente qual é o abismo entre uma política nacionalista e uma política internacionalista, e precisamente contra o que é que os militantes iugoslavos devem lutar.

        Mas há outro aspecto das cartas do SI que não pode passar pelo IEC sem que esse adote uma atitude e expresse uma opinião.

        A maioria do Congresso Mundial adotou uma posição de que os países da zona intermediária [9], incluindo a Iugoslávia, eram países capitalistas. Ela rejeitou a resolução do RCP de que essas economias estavam sendo alinhadas com a da União Soviética e não poderiam ser caracterizadas como capitalistas. A emenda do partido britânico à seção “A URSS e o Stalinismo” foi derrotada. Mas é evidente, a partir dessas cartas, que o SI foi forçado pelos eventos a proceder de acordo com o ponto de vista do partido britânico, de que as relações produtivas e políticas na Iugoslávia são basicamente idênticas àquelas da União Soviética. 

        Se, de fato, existe na Iugoslávia um Estado capitalista, então as cartas do SI só podem ser caracterizadas como completamente oportunistas. Isso porque o SI não coloca as tarefas para a Iugoslávia que deveriam ser levantadas caso lá as relações burguesas existissem como forma dominante. As cartas são baseadas sobre conclusões que só podem fluir da premissa de que aconteceu a derrubada básica do capitalismo e do latifúndio.

        A segunda carta aberta apresenta inúmeras condições necessárias para que a Iugoslávia siga um progresso verdadeiramente revolucionário e comunista. No entanto, em lugar nenhum chama pela destruição das relações burguesas na economia e pela derrubada do regime e do sistema burgueses. As tarefas definidas na carta são:

        Os comitês da Frente (…) devem ser órgãos de democracia soviética (…).”
        Revisar a presente constituição [baseada na da União Soviética]
        Admitir em princípio o direito dos trabalhadores de organizarem outros partidos da classe trabalhadora, com a condição de que estes se posicionem dentro dos limites da legalidade soviética.”
        Buscar a participação mais ampla das massas na esfera do planejamento (…).”
        Estabelecer a plena soberania dos comitês de fábrica (…) para estabelecer um verdadeiro controle operário da produção.”

        E por aí vai. Em nenhum lugar o SI julgou necessário chamar os trabalhadores iugoslavos a derrubar o capitalismo. Tivesse o SI que se basear no documento do Congresso Mundial, essa teria sido a demanda principista essencial. Os camaradas vão se lembrar que o documento do Congresso dá como sua primeira razão para o porquê declarar que “a natureza capitalista da zona intermediária é aparente” que “Em nenhum lugar a burguesia como tal foi destruída ou expropriada”. Por que nenhuma menção a isso nas Cartas Abertas? De todas as sete condições dadas no documento do Congresso que tornariam “aparente” a natureza capitalista da Iugoslávia e dos outros países intermediários, a carta do SI menciona apenas um – a nacionalização da terra. Mas até aqui, a questão da falha em nacionalizar a terra é levantada não do ponto de vista de provar a natureza capitalista da Iugoslávia. Ela é levantada para apontar, corretamente, que a nacionalização da terra é necessária para combater a concentração de renda e de terra nas mãos dos kulaks [grandes camponeses]. A questão é levantada no contexto geral da carta, como uma ajuda ao desenvolvimento socialista da agricultura em um país onde o capitalismo e o latifúndio foram derrubados, mas o perigo de nova exploração ainda está presente no campo.

        Não só as tarefas principais colocadas pela Carta Aberta são idênticas àquelas que devem ser realizadas para depurar um Estado similar em relações políticas e produtivas à União Soviética, mas nós devemos adicionar que a impressão dada é de que essas relações são um bocado mais saudáveis do que na Rússia.

        Os artigos que apareceram na nossa imprensa internacional revelaram uma coisa: as teses adotadas pelo Congresso Mundial falharam em prover um guia claro aos problemas que surgiram do racha entre o Cominform e a Iugoslávia e as tarefas dos revolucionários em relação ao regime e sua base econômica.

        Nós apelamos para que o CEI rejeite a orientação da Carta Aberta, e para que corrija e repare o dano que foi feito, reabrindo a discussão sobre os países da zona intermediária, e coloque a nossa posição de acordo com os desenvolvimentos políticos e econômicos desses países.

        Com saudações fraternais,
        J. Haston
        Em nome do Comitê Central do RCP 

        Notas da Tradução 

        [1] Comitê Executivo Internacional da Quarta Internacional, encarregado de avaliar a atuação do Secretariado Internacional, eleito entre os membros do primeiro. Era a instituição maior da Quarta Internacional entre os períodos do Congresso Mundial.

        [2] Cominform, ou Escritório Comunista de Informação, foi a organização dirigida pela burocracia soviética que coordenou escassamente os partidos stalinistas entre os anos de 1947 e 1956, após a dissolução da Internacional Comunista (Comintern) em 1943. Em 1948, diante das divergências políticas entre as burocracias iugoslava e soviética, o partido iugoslavo foi expulso da organização.

        [3] Diz respeito ao fato de que Josip Broz Tito, assim como outros líderes do PCY, participaram ativamente da revolução russa e dos primeiros e revolucionários anos da Internacional Comunista, para depois se degenerarem ao adotarem os métodos e o programa do stalinismo.

        [4] Frente de Libertação Nacional, organização guerrilheira dominada pelos stalinistas que derrotou os nazistas no território iugoslavo antes da chegada do exército soviético. Continuou a existir após a instauração do regime titoísta como uma organização paraestatal dominada pelo PCY.

        [5] Maurice Thorez, líder stalinista do Partido Comunista Francês. Foi presidente do PCF entre 1930 e 1964, ano da sua morte.

        [6] Palmiro Togliatti, líder stalinista do Partido Comunista Italiano de 1927 até o ano da sua morte em 1964.

        [7] Raymond Poincaré, presidente da França (1913-20) durante a Primeira Guerra Mundial. Conhecido pelo seu nacionalismo ufanista e pelo revanchismo contra a Alemanha no entre guerras.

        [8] Cidade na fronteira entre a Iugoslávia e a Itália que foi ocupada pelo exército de Tito após a derrota dos nazistas. Em seguida à sua dominação, o exército titoísta esmagou a resistência nativa de Trieste, organizada no Comitê de Libertação Nacional. Durante os quarenta dias em que ocuparam a cidade (“os quarenta dias de Trieste”), os titoístas realizaram inúmeras execuções sumárias, não apenas de nazistas, mas de quaisquer opositores políticos, inclusive os trabalhadores de esquerda do Comitê de Libertação. 

        [9] Região da Europa Oriental dos países ocupados pela União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial e compreendidos entre esta e os países imperialistas da Europa Ocidental. O termo reflete o período de incerteza a respeito da natureza desses países, antes que se tornasse definitiva para a Quarta Internacional a sua classificação como Estados operários deformados.

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