Arquivo Histórico: Trabalhadores Sacodem o Brasil dos Generais

Terceiro Round: 400 mil metalúrgicos em greve
Trabalhadores Sacodem o Brasil dos Generais

[Originalmente publicado pela Liga Espartaquista em Workers Vanguard No. 256, de 16 de maio de 1980. Acompanha uma nota publicada em Workers Vanguard No. 278, de 10 de abril de 1981. Tradução para o português realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em dezembro de 2012]. 
O que foi potencialmente a mais explosiva greve em uma década e meia de regime militar no Brasil encerrou-se em 12 de abril, com dezenas de milhares de trabalhadores metalúrgicos retornando ao trabalho em São Paulo. Seus líderes ainda estão presos e 40 mil encaram a demissão após 41 dias em greve contra gigantes “multinacionais” como Ford, Chrysler, Volkswagen e Volvo.

A batalha começou em 1º de abril, quando 400 mil marcharam no mais industrializado dos estados do país exigindo um aumento de 15%. Vendo o perigo para os generais – esse foi o terceiro round em muitos anos de greves de massas contra a ditadura – de início os militares responderam com uma mão pesada: helicópteros sobrevoando reuniões de greve, veículos blindados para o transporte de tropas patrulhando as ruas, líderes grevistas presos. E a repressão policial cobrou seu preço: primeiro as áreas periféricas do estado voltaram ao trabalho, depois um por um foram os subúrbios industriais de São Paulo, finalmente deixando isolada a fortaleza dos trabalhadores metalúrgicos de São Bernardo. 
A ameaça ao regime autoritário de João Figueiredo foi evidente: a queda do ditador português Caetano em 1975 e a subsequente radicalização da classe trabalhadora em Lisboa continuam frescas na mente de todos. Então, até mesmo antes dos trabalhadores abaixarem seus punhos, surgiram divisões no seio da classe dominante brasileira sobre como lidar com a greve. Apesar de ter sido acordado de os metalúrgicos receberam apenas 1,9 por cento de aumento sob a política salarial do governo, os empregadores ofereceram 5 por cento de imediato e uma mesa de negociação regional ordenou 7 por cento. A mesa também se recusou a declarar a greve ilegal. Mas, em 19 de abril, a polícia invadiu as casas dos líderes sindicais e prendeu Luís Inácio da Silva, o principal líder sindical do país, além de 16 outros. Dois mil protestantes se juntaram para combater a prisão de da Silva, popularmente conhecido como “Lula”, e foram espancados por tropas do exército com equipamentos de choque.
Essa brutalidade não quebrou a força de vontade dos grevistas – 40 mil se juntaram no estádio de futebol para proclamar que a luta prosseguiria: “Ninguém trabalha até que Lula seja solto!”, eles gritaram. No Primeiro de Maio, após um mês de greve, milhares de trabalhadores desafiaram uma proibição do governo para organizarem uma marcha começando na principal igreja de São Bernardo. E, em 5 de maio, quando eles novamente votaram para continuar a caminhada, a polícia atacou violentamente, deixando 53 grevistas feridos. Quando os estádios foram cercados para evitar reuniões de greve, o arcebispo de São Paulo, [Dom Evaristo] Arns, anunciou que as igrejas estariam disponíveis para reuniões de greve. Então o Presidente Figueiredo acusou o cardeal paulista de incitar a greve. Quando o bispo emitiu um chamado por um novo “pacto social”, Figueiredo declarou que a conferência episcopal não mais estava autorizada a falar pela igreja brasileira. Quanto aos interesses do capital, um vice presidente da Ford Motors falou à imprensa que a disputa poderia ser facilmente resolvida se o governo se mantivesse fora dela.
A simpatia pela greve se estendeu muito além da classe trabalhadora. A fábula do “milagre econômico” brasileiro está claramente acabada, e o desencantamento se espalhou para as classes médias e setores da burguesia. Por mais de uma década a ditadura militar se manteve no poder através da repressão brutal dos trabalhadores e da garantia de super-lucros aos capitalistas. Conforme as dificuldades econômicas foram se aprofundando, o regime tentou evitar uma explosão através de uma série de pseudo-reformas políticas e contendo os temidos “esquadrões da morte”. Mas apaziguamento não funcionou. Pelos últimos três anos o país entrou em erupção de novo e de novo, em longas ondas de greve em desafio direto ao governo. O forte proletariado brasileiro de muitos milhões está fervendo e provavelmente irá produzir no futuro próximo uma revolta sindical de grandes proporções, que irá sacudir o continente. O que ele carece é de uma liderança revolucionária capaz de transformar a luta para derrubar a ditadura em uma luta contra a ordem capitalista.
O “milagre econômico” vira fumaça
O presente regime teve início com a derrubada de João Goulart em 1º de abril de 1964 e a instalação de uma junta militar apoiada pelos EUA. A “Revolução de Março” teve lugar com unidades da Marinha e da Força Aérea norte-americana aguardando caso fosse necessário entrar em ação, e foi apoiada por virtualmente toda a burguesia brasileira. Supostamente, ela se deu para salvar o país do comunismo, da corrupção e dos 81% de inflação. Em um primeiro momento, o novo regime buscou desmontar o controle estatal e o protecionismo legal herdado de 30 anos de governos populistas. Essa foi a primeira aplicação por parte de uma ditadura latino-americana das políticas econômicas de direita da “Escola de Chicago”, que posteriormente se tornou notória como conselheira para o programa de fome em massas de Pinochet, no Chile. O Ministro do Planejamento brasileiro, Roberto Campos, era tão pró-americano que ele foi comicamente chamado de “Bob Fields”. Mas o crescimento econômico do período 1964-67 foi pouco mais do que nos anos de crise sob o governo Goulart, quando empresários estavam levando a cabo um boicote.
Então, na década seguinte, a economia brasileira subitamente “decolou” em um ritmo que superou o de todos os outros países capitalistas “subdesenvolvidos”, exceto aqueles baseados em petróleo. De 1968 a 1977, o produto interno bruto brasileiro, ajustado pela inflação, cresceu 10 por cento ao ano. Isso era para ser a história de sucesso do “mundo livre”, confirmando as teorias dos economistas burgueses imperialistas, do keynesiano da CIA, W. W. Rostow, ao monetarista dos generais, Milton Friedman. Mas a economia do “milagre” do Brasil estava longe de um “mercado livre” desembaraçado – as políticas do Ministro da Fazenda, Delfim Neto, seriam melhor descritas como um controle militar tecnocrata do Estado. E a principal fonte de financiamento do boomfoi um massivo influxo de investimentos imperialistas, aumentando por 25% ao ano desde 1970. Consequentemente, corporações “multinacionais” não só controlam totalmente as indústrias automobilísticas e farmacêuticas, como também dominam tradicionais setores do capital brasileiro, como o têxtil, de bebidas e maquinário (Le Monde Diplimatique, janeiro de 1979).
A base fundamental do boom financeiro foi a superexploração de uma classe trabalhadora impedida de se defender da baioneta dos soldados. De 1964 a 1974, os salários reais caíram por 30%, um drástico corte nos padrões de vida. Atualmente o salário mínimo compra apenas metade do que comprava em 1959; e, enquanto a renda da parcela 50 por cento mais pobre da população caiu de 18 para 12 por cento durante 1960-77, os 5 por cento mais ricos aumentaram sua fatia de 28 para 39 por cento (Economist, 4 de agosto de 1979). Mas a economia capitalista só pode ir tão longe através de um contínuo empobrecimento da classe trabalhadora. A crescente população das favelas provêem um reservatório de mão de obra barata, mas não muito de mercado interno. E mesmo que o mago financeiro Delfim Neto tenha agora sido trazido de volta, a inflação nos últimos 12 meses subiu 83 por cento, excedendo o pior ano sob Goulart. Como resultado, setores da burguesia brasileira estão exigindo mudanças fundamentais na política econômica, e alguns não ligariam muito se os trabalhadores metalúrgicos de fato fossem vitoriosos em sua greve.
Revolta operária
O arrocho dos salários reais após o golpe de 1964 foi possível graças à supressão brutal do movimento sindical, então já atrelado ao Estado das mãos aos pés, através da estrutura paternalista estabelecida pelo Estado Novo de Getúlio Vargas nos anos 1940. Moldado segundo a Carta del Lavoro de Mussolini, os sindicatos verticalizados não tinham direito a greve ou negociação coletiva; todas as disputas eram submetidas a tribunais trabalhistas do Governo. De forma semelhante ao regime peronista na Argentina, militantes de esquerda eram duramente expurgados dos sindicatos e substituídos por capatazes do Governo (os pelegos). Os sindicatos eram financiados por uma taxa de desconto obrigatória, mantida em cofres estatais, e seus secretários eram pagos diretamente pelo ministério do trabalho; o governo possuía o direito de dissolver qualquer organização sindical ou remover seus lideres sem reparação. Coroando essa estrutura corporativista, estava o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de Vargas, para amarrar politicamente os trabalhadores ao regime populista.
Após a repressão inicial que se seguiu ao golpe de 1964, os militares logo puseram os sindicatos em suas mãos ao colocar seus próprios pelegos nos altos cargos. Os generais também adicionaram novas ajudas legais à patronal, como a rotatividade, através da qual uma empresa poderia demitir toda a sua força de trabalho ao alegar dificuldades econômicas e repô-la com novos trabalhadores, com menores salários. Sem liderança, removida de todos os direitos e morrendo de fome, a classe trabalhadora brasileira conseguiu sobreviver esses primeiros anos apenas através de jornadas de trabalho de 60-70 horas por semana e mandando mulheres e crianças às fábricas. Mas a rápida industrialização provocou um resultado que é potencialmente letal para ditadura: um proletariado em crescimento. E o maior crescimento foi em novas indústrias de produção em massa, tais como a automobilística, onde a força de trabalho não está viciada em uma longa tradição de tutela governamental. Assim, começou a surgir na última década um eclético movimento conhecido como oposição sindical (OS), liderado por uma nova camada de militantes que se opõem ao controle dos pelegos sobre os sindicatos.
As OS tem se concentrado nos trabalhadores metalúrgicos de São Paulo, particularmente no assim chamado cordão industrial do ABC (os subúrbios de Santo André, São Bernardo e São Caetano), e esse setor combativo é onde as séries de greves aguerridas têm explodido recentemente. A primeira onda tomou lugar no final de 1977, após protestos estudantis terem surgido em praticamente todas as principais cidades brasileiras no começo do ano (confira Lutas Estudantis Engolem o Brasil, Young Spartacus No. 56, de julho/agosto de 1977). Os trabalhadores metalúrgicos estavam exigindo um aumento salarial de 34%, e, por volta do começo de 1978, dezenas de milhares estavam em greve em São Paulo e no ABC, o maior centro industrial da América do Sul. O Governo foi incapaz de suprimir os trabalhadores automobilísticos e, por volta de agosto daquele ano, novas greves estavam ocorrendo em uma média de três por dia.
Temendo as consequências de uma forte repressão contra estudantes, grevistas e liberais burgueses, o então presidente Ernesto Geisel inaugurou uma série de falsas reformas em seus últimos meses de mandato. Mas isso apenas aguçou o apetite dos trabalhadores e, quando Figueiredo assumiu em abril de 1979, ele imediatamente se defrontou com uma greve de 215.000 trabalhadores metalúrgicos exigindo 70 por cento de aumento salarial. A administração de apenas 9 dias chamou então a polícia para cercar as sedes dos sindicatos para que oficiais do governo pudessem expulsar líderes sindicais, particularmente Lula, que havia ganho proeminência nacional como o líder das greves de 1977-78. Contudo, quando o regime atingiu um “acordo” com seus pelegos, ele foi rasgado pelo combativo líder grevista Bendito Marchio, presidente do sindicato de metalúrgicos de Santo André. O governo conseguiu uma “trégua” de 4 dias e, em 12 de maio, pôde negociar um “acordo de compromisso”. Os trabalhadores metalúrgicos não conseguiram seu aumento; contudo, o governo anunciou que Lula outros líderes sindicais seriam reempossados.
Os lacaios de Figueiredo espalharam que a “paz social” havia sido restabelecida no ABC, mas isto era apenas uma calmaria no meio da maior onda grevista desde o golpe militar de 1964. Dois dias depois, 200.000 funcionários públicos e professores do estado de São Paulo marcharam para fora de seus locais de trabalho e, conforme as greves se tornavam cada vez mais combativas, o exército e a polícia militar recuaram para os quartéis. Em meados de julho, o governo propôs uma nova política salarial de moderados aumentos trimestrais, mas os trabalhadores não aceitaram. Alguns dias depois, trabalhadores da construção civil em Belo Horizonte votaram entrar imediatamente em greve, em prol de um aumento salarial de 110 por cento. Sob a liderança de Lula, os trabalhadores da construção civil alcançaram uma vitória em 3 de agosto, quando o Tribunal Trabalhista dobrou o salário mínimo, mesmo com a greve tendo sido declarada ilegal. Greves pipocaram por todo o Brasil. Caminhoneiros fizeram bloqueios de ruas em algumas regiões e, em 16 de outubro, cem pessoas se feriram em confrontos entre seguranças e trabalhadores da construção civil no centro metalúrgico de Volta Redonda.
Enquanto a mídia americana e europeia tem minimizado a importância das greves no Brasil, a mídia empresarial está crescentemente alarmada. Business Week (de 17 de março) resumiu: “Em 1979, sindicatos brasileiros realizaram cerca de 300 greves, uma mudança social fundamental em um país onde 15 anos de repressão governamental aos trabalhadores e sindicatos fez das paralisações uma raridade […] Pela primeira vez desde a revolução militar de 1964, corporações operando no Brasil precisam aprender a viver com negociações coletivas oficialmente sancionadas – mas as tensões resultantes sobre a economia do Brasil podem gerar um retorno das medidas repressivas.” E o Economist (de 26 de abril) questionou “Eles Conseguem Calar Lula?”:
“O poder no Brasil continua firmemente centralizado nas mãos do governo. Mas uma tentativa de destruir Lula […] poderia ricochetear. Com pouco ou nenhuma ideologia para lhes dar apoio, sucessivos governos militares tem dependido de progresso econômico para seduzir as classes média e trabalhadora. Agora, com a inflação mordendo mais forte e o desemprego crescendo, uma tentativa de punir um homem muito popular poderia dar bastante errado.”
Abertura” – Maquiagem para a Ditadura
A mídia imperialista tenta apresentar o desmonte da ditadura militar brasileira como um plano por parte dos poderosos de “abrir” o regime à influência civil. Bussiness Week escreveu: “Em uma surpreendente virada, líderes brasileiros estão soltando algumas das amarras sobre o movimento sindical enquanto um passo necessário em seu esforço para estabelecer uma democracia política [!]. […] o processo de liberalização política – chamado de abertura – é um concomitante de reformas econômicas que estão sendo implementadas para transformar o Brasil em uma moderna nação industrial.”.
A tagarelice de abertura por parte da ditadura militar não é nada além de isca para liberais crédulos, e dificilmente qualifica os presidentes Figueredo e Geisel como “oficiais de inclinações democráticas”, como o Economist os classificaria. Ela está em curso desde os anos ‘60, quando o governo permitiu a formação de dois “partidos”, o pró-regime ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e a “oposição” domada, MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Enquanto isso, sob o Ato Institucional nº 5, decretado em 1968, foi permitido ao presidente suspender o Congresso à sua vontade, expedir novas leis, demitir oficiais e suspender os direitos políticos de qualquer um por dez dias. Jornais foram censurados e banidos; críticos do governo foram presos e exilados; esquerdistas foram violentados, torturados, assassinados. Um movimento de guerrilha urbana que surgiu no final dos anos ‘60 foi destruído pelo exército usando os mais brutais métodos de terror à disposição.
Propostas de “liberalização” extensiva só começaram de fato com as agitações estudantis e operárias de 1977-78. Em junho de 1978, Geisel anunciou um pacote de reforma incluindo a abolição do Ato Institucional nº 5, da pena de morte, da prisão perpétua e do banimento político. Enquanto ele se preparava para deixar o gabinete em março seguinte, Geisel declarou o fim das prisões políticas, da tortura, da censura e do poder absoluto do presidente sobre o Congresso e as cortes. (Claro que ele podia continuar fazendo tudo isso através da simples declaração de um estado de emergência). Seu sucessor, Figueiredo, foi ex-chefe do serviço secreto que orquestrou os notórios esquadrões da morte. Uma das frases mais famosas de Figueiredo é “Eu prefiro o cheiro de cavalos ao cheiro das pessoas”. Mas, pelos padrões do exército brasileiro, ele seria qualificado como uma “pomba da paz”. Além de ameaçar delicadamente a onda de greves de 1979, Figueiredo declarou uma anistia geral para exilados políticos (esperando que isso pudesse dispersar a oposição frouxamente aglutinada em torno do MDB). Todos, exceto 200 presos políticos, foram libertados, e 5000 exilados tiveram seu retorno aceito.
O estratagema da anistia não funcionou. Os cavalos de batalha de 15 anos atrás despertaram pouco entusiasmo nas massas brasileiras, e certamente eles não foram de uso algum em tirar dos trilhos os movimentos grevistas. O ex-líder do PTB, Leonel Brizola, o latifundiário milionário e governador populista do Rio Grande do Sul que distribuiu armas para a população para conter um levante do exército contra Goulart em 1961, chegou em setembro virtualmente sem ser noticiado. Quando Brizola apontou para a conciliação com o governo, outro líder populista, Miguel Arraes (ex-governador de Pernambuco), fez nome como um crítico do regime e mobilizou uma multidão de 60.000 em seu retorno. Entretanto, ele chamou a oposição a permanecer unida em torno do MDB, em um momento em que as classes médias estão saturadas de falsos oposicionistas que têm jogado conforme as regras da junta, fazendo nada para ameaçar o mando dos generais, mesmo quando eles haviam ganhado duas vezes as fraudulentas eleições. Havia uma aura de expectativa em torno do retorno do líder do Partido Comunista (PCB), o idoso de 81 anos Luiz Carlos Prestes, mas o PCB alinhado a Moscou chamou pela manutenção da “unidade do MDB”, a válvula de escape do regime!
O movimento do Partido dos Trabalhadores
Enquanto isso, o Partido Comunista está em meio a rachas. Depois de líderes do PCB terem retornado da Europa, uma ala “eurocomunista”, liderada por José Salles (que estava exilado na França), tomou o controle e, em diversas ocasiões, rebateu publicamente declarações do secretário geral Prestes à imprensa, declarando por fim que ele não estava mais autorizado a falar em nome do partido. Salles ganhou notoriedade ao chamar por uma “assembleia constituinte com João [Figueiredo]” – juntando-se aos planos do governo por mais uma falsa cobertura parlamentar para o mando dos militares. Mas, com a classe trabalhadora brasileira cada vez mais direcionada a contestar o regime, Prestes respondeu em uma “Carta aos Comunistas”, no começo de abril, declarando que a política do PCB estava “longe da realidade do movimento dos trabalhadores e do povo de hoje em dia” (O Trabalho, 8-14 de abril). Prestes denunciou a atual liderança do partido de oportunista, carreirista e sem princípios.
A presente situação no Brasil lembra momentos similares da fase de decomposição dos regimes bonapartistas, de Portugal ao Peru. Os PCs locais desenvolvem um modus vivendi com a ditadura (como na Cuba de Batista) e, conforme ela desmorona, os stalinistas se encontraram flanqueados na esquerda por grandes movimentos dos trabalhadores. No Peru, isso levou a um racha no partido em 1978, quando líderes sindicais do PC tentaram se desvincular da junta de Morales Bernardez e suas cada vez mais odiadas políticas de austeridade. Em Portugal, durante os últimos anos do regime de Caetano/Salazar, o PC atuou apenas nos sindicatos verticalizados, logo ele foi deixado para trás em 1974-75 pelas combativas “comissões de trabalhadores”, que surgiram no cordão industrial de Lisboa. No Brasil, o PCB também se recusou a atuar por fora dos sindicatos corporativistas, e nas greves de massas dos trabalhadores metalúrgicos eles emblocaram com os pelegos pró-governo, contra a dominante Oposição Sindical.
Enquanto isso, o movimento grevista foi acompanhado por um crescente movimento pela fundação de um partido operário, o Partido dos Trabalhadores (PT), liderado por Lula e outros militantes das OS. Ao lançar o PT janeiro passado, José Ibrahim, líder da greve de trabalhadores metalúrgicos de 1978, declarou que ele seria “um partido dos trabalhadores, não um partido para os trabalhadores”. Com os stalinistas ainda tentando atrelar os trabalhadores à carcaça do MDB (agora chamado de “PMDB”), e com os herdeiros da tradição de Vargas tentando em vão ressuscitar o “Partido Trabalhista Brasileiro” de araque, a aparentemente entusiástica resposta ao movimento por um partido operário entre os sindicatos combativos indica uma bem-vinda ruptura com décadas de populismo corporativista. Mas qual é a orientação política do novo PT? Acaso ele possui um programa capaz de mobilizar a classe trabalhadora em encarar com sucesso as lutas revolucionárias que esperam por ela? Qual é sua política frente a ditadura?
O manifesto inaugural do novo partido fala apenas de “uma democracia mais profunda”, “igualdade social e econômica” e um “regime multipartidário livre”. Ele sequer chama por “Abaixo a ditadura”! O documento conclui: “o PT pretende chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática” (Movimento, 14-20 de janeiro). Na melhor das hipóteses, essa é uma variável de direita da social democracia, uma versão insípida criada especialmente para as condições brasileiras. Ele expressa o fato de que o movimento grevista de massas e o nascente PT são liderados por um grupo de militantes sindicais com perspectivas políticas limitadas. (Recentemente, em junho, durante uma reunião das forças de oposição, Lula se opôs a formação de um partido operário). Suas visões se aproximam dos “Economicistas” russos da virada do século, que queriam apenas “emprestar à luta econômica um caráter político”.
Mas, apesar das perspectivas reformistas dos líderes do PT, no contexto da presente convulsão operária no Brasil, um amplo movimento por um partido trabalhista poderia escapar ao seu controle e assumir proporções explosivas. Alguns dos burocratas originalmente associados ao projeto do PT já foram empurrados para fora (Por outro lado, alguns parlamentares do MDB pegaram carona na ascendente estrela do PT). Qual, então, deveria ser a atitude dos proletários revolucionários frente a esse contraditório movimento pelo partido operário? Obviamente os stalinistas, do pró-Moscou PCB ao pró-Albânia PCdoB e vários outros grupos menores, simplesmente deram de ombros, uma vez que seu objetivo é atingir algum tipo de aliança frente-populista com as forças capitalistas.
Entre os que reivindicam o trotskismo, que chamam pela independência da classe trabalhadora perante a burguesia, a resposta tem sido variada. A Convergência Socialista [principal grupo fundador do PSTU], um grupo associado internacionalmente com a Fração Bolchevique de Nahuel Moreno [atual LIT-QI], parece mais interessada em correr atrás dos populistas que restaram. Quando Miguel Arraes aterrissou em Recife, eles carregavam uma faixa que dizia “O povo está com Arraes” – isso para o homem que liderou a repressão contra as radicais Ligas Camponeses de 1963-64 (lembram de Julião? [1])! A Organização Socialista Internacionalista (OSI) [atual Corrente O Trabalho do PT], atrelada internacionalmente à OCI francesa de Pierre Lambert, está promovendo uma política socialdemocrata de esquerda, de pressionar a liderança Lula/Ibrahim do PT. Durante a greve dos trabalhadores metalúrgicos eles simplesmente chamaram o PT a “assumir seu lugar” na liderança.
Mas o centro da política da OSI é sua palavra de ordem de “Abaixo a ditadura! Por uma assembleia constituinte!”. Sequer uma vez nos números mais recentes de O Trabalho, ligado à OSI, eles chamam por um governo dos trabalhadores e camponeses. Seu programa é inequivocamente etapista: democracia burguesa agora – é cedo demais para o socialismo. Isso coloca a OSI apenas marginalmente à esquerda da própria liderança do PT, e certamente não prepara os setores combativos da classe trabalhadora brasileira para as tarefas por vir. Uma genuína liderança trotskista teria, desde o começo da luta dos trabalhadores metalúrgicos, chamado por organizarem concretamente uma greve geral; a OSI só levantou essa demanda quatro semanas depois, e nos mais vagos termos. E, enquanto chamariam por uma assembleia constituinte revolucionária como parte de seu programa pra varrer a ditadura assassina, os bolcheviques alertariam que, enquanto um governo operário e camponês não for estabelecido, sustentado não pelo parlamentarismo burguês, mas por órgãos de poder proletário, o que espera pelos trabalhadores brasileiros é a perspectiva de uma “contrarrevolução democrática”.
O ciclo de greves combativas e o movimento pelo partido operário apontam para uma morte prematura do mando dos generais. Comparado a outros ascensos recentes em setores marginais da América Latina (Nicarágua, El Salvador), a batalha que está se formando no Brasil será centrada nos trabalhadores – em um país de 120 milhões, com o maior proletariado industrial dentre os países de capitalismo atrasado.* As possibilidades revolucionárias são manifestas e a necessidade de um partido trotskista para liderar a luta não poderiam ser mais claras. Isso será conseguido não através da diluição do programa trotskista na consciência sindicalista/socialdemocrata dos atuais líderes, mas através da luta pelo Programa de Transição em sua totalidade e pelo renascimento da Quarta Internacional.
(*) Correção: O artigo Trabalhadores Sacodem o Brasil dos Generais se refere ao proletariado industrial brasileiro como o maior dentre os países de capitalismo atrasado; entretanto, ao menos a Índia excede o Brasil nesse quesito. [Correção publicada em Workers Vanguard No. 258, de 13 de junho de 1980]
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Líder sindical brasileiro condenado
Tirem as Mãos de Lula!
[Workers Vanguard No. 278, de 10 de abril de 1981] 
Em 25 de fevereiro, uma corte militar condenou o mais conhecido líder sindical do Brasil, Luís Inácio da Silva (“Lula”), a três anos e meio de prisão. Outros dez líderes sindicais também receberam sentenças variando de dois a três anos e meio. Lula foi preso por liderar uma greve de seis semanas de trabalhadores metalúrgicos outono passado, na qual trabalhadores em luta exigiram não só grandes aumentos salariais, como também maior independência de seus sindicatos frente ao aparato estatal.
Os réus e seus advogados boicotaram o julgamento em protesto contra seu anúncio de apenas 48 horas de antecedência e contra as medidas estritamente repressivas que foram tomadas para esmagar qualquer protesto da classe trabalhadora. Esse julgamento de mentirinha não foi nada além de uma nítida tentativa de decapitar a oposição sindical brasileira, que existe por fora da estrutura de controle estatal imposta ao sindicalismo brasileiro pela ditadura de Figueiredo. O julgamento foi também um golpe por parte dos generais direcionado ao recém fundado Partido dos Trabalhadores (PT). Apesar do programa reformista e moderado do PT, os militares temem que o popular Lula e seus partido possam se tornar um ponto de convergência para o explosivo descontentamento dos trabalhadores.
Está sendo erguida uma campanha internacional contra esse ultraje. O New York Times (de 3 de abril) declarou que a repressão contra da Silva está fora de propósito frente à “presente política de gradualmente retornar o país às instituições democráticas”. Não de todo. A política de “abertura” da ditadura de Figueiredo foi formulada visando fornecer uma válvula de escape ao permitir uma limitada liberalização parlamentar, ao mesmo tempo em que mantivesse o movimento sindical sob estrito controle. Mas os trabalhadores enxergaram através disso. Agora Figueiredo se vê forçado a novamente acionar os velhos métodos de flagrante e indisfarçada repressão. Não se pode permitir que a ditadura militar brasileira se safe desse crime! Libertem Lula e os demais líderes sindicais condenados! Pelo direito de greve sem represálias!
Notas da tradução
[1] Francisco Julião, advogado e proeminente liderança das combativas Ligas Camponeses. Foi preso em 1964 e libertado em 1965, quando foi forçado a se exilar. Ao retornar ao Brasil em 1979, se aliou a Brizola na fundação do PDT.