Eleições 2014

Os comunistas e as eleições de 2014

Pedro Abreu, setembro de 2014

Estamos nas vésperas das eleições burguesas no Brasil. A televisão, o rádio, os jornais, a internet e as ruas são tomadas por propaganda de diversos candidatos, todos prometendo ser a salvação do povo. Como revolucionários não temos ilusões nas possibilidades de reformar a democracia dos ricos ou tornar o capitalismo mais humano. Politicamente, nós do Reagrupamento Revolucionárionos encontramos em oposição ao governo de colaboração de classes encabeçado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), mas também vamos além, nos colocando em irredutível oposição ao Estado dos patrões, que é uma ditadura de classe da burguesia contra os trabalhadores e pobres. Defendemos portanto a derrubada desse estado pela classe trabalhadora, organizada em volta de um partido revolucionário. 

Por outro lado, não somos cegos perante as possibilidades de propaganda que o parlamento e as eleições burguesas oferecem aos revolucionários. Candidatos revolucionários são capazes de aumentar em muito a visibilidade do programa que defendem e expor a causa revolucionária às massas trabalhadoras. Se eleitos para cargos no legislativo, são capazes de usar os seus mandatos para apoiar as lutas do proletariado, além de gozar de contínua visibilidade, que pode e deve ser revertido para a construção do partido entre as massas.

Infelizmente o Reagrupamento Revolucionário ainda é pequeno demais para investir em uma campanha eleitoral própria. Portanto, no presente momento, nosso foco é intervir nesse processo através de polêmicas com as demais forças na esquerda, a fim de expor suas contradições e dialogar com a vanguarda a partir de um programa revolucionário. 

PSTU, PSOL e independência de classe 

Um fenômeno que se repete em toda eleição é a colaboração de classes dentro da esquerda. O Grupo Zaffari, quinta maior cadeia de supermercados do Brasil, “doou” R$ 30 mil para a campanha de Roberto Robaina a governador do Rio Grande do Sul e R$15 mil a campanha à presidência de Luciana Genro, ambos da corrente MES do PSOL(que corriqueiramente recebe doações eleitorais do tipo). Essa verba, apesar de pequena se comparada às grandes candidaturas, é apenas uma expressão da disposição do PSOL de governar em colaboração com os patrões, o que desmente o discurso de sua candidata a presidente. Além disso, em diversos outros estados, correntes do PSOL – principalmente como a Unidade Socialista de Ivan Valente, que dirige o partido nacionalmente – se aliaram a partidos burgueses (DEM, PV, PSDB, PMN), como a candidatura de Heloísa Helena em Alagoas, que tem apoio tucano.

Quem paga a banda escolhe a música, e se corporações doam dinheiro para uma campanha, é porque estão fazendo um investimentoe esperam ter seus interesses defendidos. Como marxistas, acreditamos que não se pode conciliar os interesses dos trabalhadores com os dos patrões e repudiamos qualquer candidatura que não possua independência financeira e organizativa (e, portanto, política) em relação à burguesia. Para nós isso é o mais básico dos critérios e, como a candidatura de Genro e de outras correntes locais do PSOL não são capazes de respeitá-lo, sequer vale a pena (ao menos na presente declaração) entrar nos pormenores dos programas limitados e reformistas que defendem.

Como nós, o PSTUtambém denunciou essa posição sem princípios de Genro e do PSOL:

“As eleições começaram e o PSOL recebeu R$ 50 mil do Grupo Zaffari. Esse valor financia diretamente a campanha à presidência de Luciana Genro (R$ 15.000,00) e a campanha a governador de Roberto Robaina no Rio Grande do Sul (R$ 30.000,00). Tragicamente, essa não é uma história nova. O PT trilhou esse caminho e vimos no que deu. O PT começou aceitando dinheiro da burguesia e com o tempo foi se adaptando e mudando o discurso até mudar de lado.
“O PSTU não aceita recursos de empresas porque queremos manter nosso compromisso com os trabalhadores e a nossa independência em relação aos patrões. Só assim a campanha eleitoral da esquerda socialista poderá cumprir a sua tarefa de contribuir para o avanço da luta da nossa classe para acabar com toda forma de exploração e opressão dos trabalhadores e trabalhadoras.”
PSOL-RS recebe R$ 50 mil do Grupo Zaffari. Disponível em:
http://www.pstu.org.br/node/20882 

Mas os centristas não se preocupam com a coerência. No mesmo texto aonde atacam a colaboração de classes do PSOL, admitem:

“O PSTU e o PSOL fecharam um acordo eleitoral no Rio Grande do Sul formando a Frente de Esquerda nas eleições do estado. Estivemos nas ruas apoiando as mobilizações de junho de 2013 e, mesmo com nossas diferenças programáticas, fechamos um acordo para construir uma alternativa de oposição de esquerda ao governo Tarso Genro (PT) baseada na formação de uma candidatura independente, dos trabalhadores e que representasse, nas eleições, as pautas levadas para as ruas e não resolvidas em junho.”

De fato o PSTU e o PSOL ainda estão coligados no Rio Grande do Sul, mesmo após a fingida surpresa em relação às doações recebidas pela chapa. Assim, ao contrário do que dizem os morenistas do PSTU, essa candidatura não é nem independente e nem dos trabalhadores, portanto é incapaz de representar as pautas das lutas de junho e do proletariado em geral. Dessa forma, o PSTU repete a vergonhosa participação em uma chapa de colaboração de classes, como já havia feito em 2012 em Belém, tudo em prol de uma aliança programática com correntes reformistas e de uma política de oportunismo eleitoreiro [1].

Diferentemente do PSOL, que possui várias correntes distintas (apesar de o grosso delas chamar voto no colaboracionismo de Genro) o PSTU é um partido centralizado, portando não podemos encarar essa “frente de esquerda” que recebe dinheiro de patrão como um caso isolado de um diretório regional do partido ou de uma corrente em específico. Se o PSTU está disposto a participar de uma frente como essa, legitimando e efetivamente auxiliando a colaboração de classes do MES/PSOL, não podemos oferecer qualquer apoio aos candidatos desse partido nessas eleições em nenhum lugar do país. Fazer isso seria legitimar sua traição à independência de classe. 

Apoiaríamos em certas circunstâncias a campanha do PSTU nestas eleições apenas mediante um rompimento seu com as candidaturas do PSOL. Dessa forma, ainda que não de maneira revolucionária, a campanha do PSTU mereceria um voto de protesto dos trabalhadores contra os patrões. Mas nas atuais condições, esse partido sequer defende a independência de classe de forma coerente. Nós do RR, portanto, não apoiaremos nem essa candidatura e nem a candidatura de Luciana Genro ou qualquer outra candidatura que tenha participação da burguesia. 

A posição eleitoral incoerente da LER 

ALER (Liga Estratégia Revolucionária), apesar de fazer críticas muito semelhantes às nossas ao oportunismo do PSTU, não leva tais críticas às últimas consequências, e declarou voto nas candidaturas desse partido onde não estiver coligado com o PSOL (ou com o PCB) [2]. Rejeitamos o argumento “técnico” levantado pela LER, de que deve-se votar no PSTU nas partes do país em que ele não está coligado com o PSOL sob a premissa de que o único motivo para não se votar no PSTU no Rio Grande do Sul ou em São Paulo é o risco de que os votos possam ir para candidatos do PSOL (devido à legislação eleitoral brasileira sobre as coalizões partidárias) e que, onde não é o caso, apoia-se uma candidatura dos trabalhadores. Nessas eleições, o PSTU não representa uma candidatura independente dos trabalhadores, uma vez que suas alianças em SP, RS e outros estados partem da direção nacional que centraliza o partido como um todo.

Adicionando mais incoerência à sua posição, a LER alega que não é possível um voto crítico em outras candidaturas da esquerda como a do PCO, por conta de suas constantes capitulações ao governismo, nem no PCB, por ter participado de uma chapa de colaboração de classes no Macapá em 2012 e por apoiar Assad na Síria. Deve-se perguntar o que torna o PSTU melhor que tais partidos, uma vez que em 2012 também participou de uma chapa colaboracionista em Belém e está repetindo a dose atualmente. Além disso, ao longo de toda a “Primavera Árabe”, o PSTU tem apoiado grupos pró-imperialistas, tendo chegado ao absurdo de defender uma “unidade de ação” com os bombardeios da OTAN na Líbia e de apoiar os rebeldes que configuraram então as tropas terrestres do imperialismo no país. Os critérios da LER claramente não se sustentam e sua posição parece muito mais guiada pelo hábito de se aproximar de grupos centristas maiores [3]. A tática de voto crítico foi usada pela Quarta Internacional e pela Internacional Comunista como uma forma de se aproximar da base de um partido reformista ou centrista apontando a armadilha de seu programa de colaboração de classes e (caso este tivesse chances de ser eleito) denunciando a traição que cometeriam uma vez no poder. Mas um critério fundamental para um “voto crítico” era que os grupos os quais se estava apoiando não estivessem em aliança com a burguesia e que suas campanhas tivessem um caráter de classe proletário, mesmo que distorcido por suas políticas oportunistas. Se a LER fosse coerente com esses critérios, não apoiaria a candidatura do PSTU nas atuais eleições. 

As campanhas do PCB e do PCO 

Consideramos que um voto nas candidaturas de Mauro Iasi (PCB)ou deRui Pimenta (PCO)à presidência não vai contra os princípios da independência de classe, diferente das candidaturas do PSTU e do PSOL.Apesar de seus oportunismos na arena da luta de classes, esses dois partidos têm feito campanhas que se pautam por um discurso classista e pela denúncia do capitalismo, expressando assim, mesmo que distorcidamente, os interesses da sua base social sem estarem envolvidos com frentes que recebem dinheiro de empresas ou que apoiam candidatos burgueses(segundo checamos, as alianças regionais do PCB com o PSOL são com correntes que não estão envolvidas nas chapas colaboracionistas do MES e da US). Apesar de não ser contra os princípios, nós não estamos empenhados numa campanha de voto crítico por essas candidaturas porque sua falta de peso e consequente viabilidade faz com que sejam muito mais ferramentas de propaganda e recrutamento para seus grupos específicos do que um potencial voto de classe mais amplo.Por esse motivo, também não consideramos um erro votar nulo nestas eleições.

Apesar de reconhecermos o caráter classista independente dessas candidaturas e concordarmos com alguns elementos de seus programas, não estamos em nenhum momento dando um voto de confiança nessas organizações. De fato ambos os partidos já cometeram inúmeros oportunismos no passado. Sua momentânea independência de classe não é fruto de coerência revolucionária e sim proveniente do fato que ambos são partidos sem expressão e pequena inserção orgânica na classe trabalhadora, situação essa que torna mais difícil a formação de alianças, sejam essas com outras organizações operárias ou com partidos burgueses.

O PCB tem dado um giro à esquerda nesses últimos anos, tendo abandonando parte da herança podre do estalinismo e atraído militantes muito diferentes entre si, incluindo até mesmos defensores do trotskismo. Mas está longe de possuir um programa correto. Esse partido mantém o costume da colaboração de classes, praticada através do apoio a vários governos burgueses ditos “progressistas”na América Latina, como o governo venezuelano de Nicolas Maduro e o governo Evo Morales.Sua campanha também vacilaentre uma chamada pelo socialismo e outrapelo conceito abstrato e sem de caráter de classe de “poder popular”, que segundo mostra seu apoio ao governo venezuelano, poderia significar um governo burguês com um discurso “radical”. Outroexemplo gritante dos ziguezagues oportunistas do PCB foi o seu voto em Dilma no segundo turno de 2010. [4]. 

O PCO por sua vez, conforme já denunciamos [5], é uma organização caricata que passou os últimos meses anunciando a vinda de um suposto golpe de Estado por parte da direita reacionária e minimizando a responsabilidade do PT nos seus ataques aos trabalhadores. Nessa linha de pensamento, chegaram a afirmar que o PT não governa de fato o país e acusar a direita, em aliança com o PSOL e o PSTU, de ter sido a grande responsável pela derrota da seleção brasileira na Copa do Mundo futebol de 2014! Como era de se esperar sua campanha tenta atacar o capitalismo sem atacar o PT, partido que administra o capitalismo no Brasil faz 12 anos. 

Segundo turno e a conversa do “mal menor” 

Realisticamente falando, nenhuma candidatura na esquerda tem chances reais de ganhar as eleições ou mesmo ir para um segundo turno. Os únicos três candidatos com chances de vencer são:

  1. Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores – PT, atual presidente, representante da frente de colaboração de classes que hoje governa o país em prol do grande capital e do imperialismo. É responsável por inúmeros atentados contra a classe trabalhadora, como a repressão violenta às greves operárias que sacudiram o país nos últimos anos (COMPERJ, Pecém, Jirau, etc.), às manifestações de Junho de 2013 e à greve de 2012 das Universidades Federais. Entregou o Pré-Sal às potências imperialistas e todo seu governo é marcado pela condução de políticas no interesse dos grandes capitalistas, dando continuidade aos ataques da gestão Lula, que implementou a contrarreforma da previdência e a contrarreforma universitária, além de ter facilitado a precarização do trabalho através leis que incentivam a terceirização e manter o “tripé neoliberal” da era FHC (câmbio flutuante, superavit primário alto e regime de metas de inflação).
  2. Aécio Neves do Partido da Social-Democracia Brasileira – PSDB, representando uma ala direita da burguesia brasileira, prega um neoliberalismo ao estilo do governo FHC, sem as migalhas do “social liberalismo” petista. Ganhou notoriedade após a apreensão de um helicóptero lotado de cocaína, ligado a um de seus principais aliados em Minas e por construir um aeroporto para valorizar as terras pertencentes a sua família nesse estado.
  3. Marina Silva do Partido Socialista Brasileiro – PSB, ao qual se filiou porque não conseguiu fundar seu partido “Rede Sustentabilidade” e foi alçada à atual posição com a morte do ex-candidato Eduardo Campos. Está angariando o voto de muitos trabalhadores frustrados com o governo do PT com seu discurso de “nova política”, mas além de ser uma figura ligada à bancada evangélica e contra os direitos dos LGBT e das mulheres, tem toda a sua campanha financiada e coordenada por grandes bancos e empresas. Em total contraste com seu discurso, as empresas que a financiam e muitos de seus secretários de campanha defendem o agronegócio violento e nada sustentável.

Diante desse quadro, muitos na esquerda defenderão que os trabalhadores votem em Dilma, temendo a famigerada “volta da direita”. Deve-se lembrar a esses companheiros que o governo Dilma foi o que mais matou índios desde a ditadura, que fez menos reforma agrária até que o governo de FHC, que editou o “AI5 da Copa”, armou as guardas municipais para que sejam mais eficazes na sua função de reprimir o proletariado, sobretudo os trabalhadores negros informais e que fez tantos outros ataques aos trabalhadores. [7]Uma grande parte da direita está inserida neste governo, de forma que é até cômico falar da “volta da direita”, quando o PT está no poder com Sarney, Collor, Maluf etc.

O governo do PT não ficou atrás da direita: sua contrarreforma da previdência e o leilão do Pré-Sal são apenas exemplos de 12 anos de um governo que tira do trabalhador para dar ao patrão. Até as ditas “conquistas” da classe trabalhadora durante o governo petista, como o Bolsa Família, nada mais são que parte do seu projeto neoliberal, que necessita que o proletariado tenha uma renda mínima para consumir e continuar perpetuamente endividado.

Essencialmente, os fatores que supostamente tornam o PT um “mal menor” não devem ser entendidos sequer como um compromisso em “humanizar” o capitalismo através da fórmula fracassada de “Governo Popular e Democrático” (ocupar o Executivo e pressionar o Legislativo a partir da mobilização dos movimentos sociais). A gestão petista realizou algumas reformas (muito parciais e limitadas), mas que são apenas uma forma mais eficaz de gerir o capitalismo, evitando gerar caos social e resistência combativa em grande escala – ao que se combina ainda o seu controle burocrático sobre os sindicatos e demais organismos de luta.

O que alguns enxergam como um “reformismo” do PT é, na verdade, um programa de ataques em longo prazo, que visa destruir os serviços públicos e atacar as condições de vida da classe trabalhadora a partir de uma política de “contenção” da luta de classes, fazendo algumas concessões em curto prazo. Basta ver o caso da contrarreforma universitária: no curto prazo, o governo abriu as portas do ensino superior a uma parcela dos estudantes pobres, via expansão das vagas nas universidades públicas, bolsas nas privadas e cotas raciais (todas essas completamente aquém da demanda e sem que esses estudantes tenham os recursos para uma educação de qualidade). Mas em longo prazo, o mesmo governo destrói a educação pública, favorecendo os grandes monopólios que mercantilizam o ensino através da transferência de gigantescos recursos públicos – sendo ambos processos partes integrantes de um mesmo projeto liberal, mais “sofisticado” e “cauteloso” que aquele dos tucanos – e justamente por isso, capaz de melhor atender aos interesses de classe da burguesia e do imperialismo.

Essas eleições estão vendo o desgaste total da política do PT, cujas “melhorias” extremamente limitadas começam a encontrar uma crescente insatisfação popular, que está tendo como um de seus efeitos colaterais lançar muitos trabalhadores nos braços da direita “renovada” de Marina Silva, que nesse momento aparece empatada com Dilma nas pesquisas de intenção de voto no segundo turno. A saída para essa situação está não no “voto útil” em Dilma, mas no aprofundamento das greves e mobilizações populares que não pararam de ocorrer no país desde o ano passado e que precisam ser orientadas por uma política combativa sem ilusões no governo e sem conciliação. Apenas assim será possível quebrar as ilusões em supostas vias alternativas que servem apenas ao interesses burgueses, ao mesmo tempo em que se combate os brutais ataques da gestão petista. O destino dos trabalhadores não será resolvido nas urnas, mas nas greves e nas ruas.Para o marxismo, o Estado burguês nada mais é que um gestor dos negócios dos patrões. Somente a luta dos trabalhadores produz vitórias reais e não a boa vontade da burguesia ou de seus governos! Dessa corja que polui nossas televisões a cada eleição o proletariado só pode esperar falsas promessas.

Como revolucionários, não buscaremos um “mal menor” no segundo turno nas eleições. Os três principais candidatos são representantes da burguesia e, portanto, não merecem nem um único grama de apoio. A única coisa que chamamos os trabalhadores a darem para essa corja é a promessa de que o seu governo será combatido pelo proletariado. Não legitimamos a ilusão da democracia burguesa falando para os trabalhadores votarem no carrasco menos cruel e por isso pregamos o voto nulonum possível segundo turno, acompanhado de muita mobilização e luta contra os patrões e seus diferentes candidatos a gestores dos futuros ataques a nossa classe. 

NOTAS

[1] Ver nossa crítica em A frente de Belém na lógica do morenismo, disponível em:
http://rr4i.milharal.org/2012/08/25/a-frente-de-belem-psol-pstu-pcdob-na-logica-do-morenismo/ 

[2]Ver Nenhum voto na conciliação entre trabalhadores e patrões, disponível em:
http://www.ler-qi.org/Nenhum-voto-na-conciliacao-entre-trabalhadores-e-patroes 
[3]Ver Fração Trotskista (LER-QI) e sua ruptura incompleta com o morenismo, disponível em:
http://rr4i.milharal.org/2013/05/28/ft-ler-qi-e-sua-ruptura-incompleta-com-o-morenismo/ 
[5] Ver nossa polêmica em Da histeria golpista à Copa do Mundo, disponível em:
http://rr4i.milharal.org/2014/07/17/as-capitulacoes-do-pco-ao-governismo/. 
[6]Todos esses dados podem ser confirmados nos seguintes materiais. 
Assassinatos de indígenas no Brasil crescem 269% nos governos Dilma e Lula, disponível em:
http://www.portaldomeioambiente.org.br/denuncia/7272-assassinatos-de-indigenas-no-brasil-crescem-269-nos-governos-dilma-e-lula
Omissão do governo é a maior causa da violência contra os indígenas no Brasil, disponível em:

http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=7627 
Número de índios assassinados aumenta 168% nos governos Lula e Dilma, aponta jornal, disponível em:
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/08/numero-de-indios-assassinados-aumenta-168-nos-governos-lula-e-dilma-aponta-jornal.htm 
Com Dilma, reforma agrária cai em 2011 e tem a pior marca desde Fernando Henrique, disponível em:
http://oglobo.globo.com/brasil/com-dilma-reforma-agraria-cai-em-2011-tem-pior-marca-desde-fernando-henrique-7206885 
CUIDADO! PERIGO! O que são o AI-5 da Copa e o Plano de “Garantia da Lei de Ordem”,disponível em:
http://capitalismoemdesencanto.wordpress.com/2014/01/30/cuidado-perigo-o-que-sao-o-ai-5-da-copa-e-o-plano-de-garantia-da-lei-de-ordem/ 
Sancionada lei que permite porte de arma de fogo por guardas municipais, disponível em:
http://www.conjur.com.br/2014-ago-12/lei-permite-porte-arma-fogo-guarda-municipal

23 anos do Golpe de Agosto

Hoje, dia 20 de agosto de 2014, é o aniversário de 23 anos da tentativa de golpe perpetuada por parte da burocracia soviética, encabeçada pelo grupo que viria a ser chamado posteriormente de “Gangue dos Oito”, contra o então premier Mikhail Gorbachev. Nós do Reagrupamento Revolucionário (RR) nos mantemos fiéis a posição que herdamos da, então revolucionária, Tendência Bolchevique Internacional (TBI), de apoio militar a esse movimento da burocracia. Enquanto bolcheviques-leninistas defensores das teorias formuladas por Leon Trotsky, defendemos tal posição não por que temos qualquer ilusão nos parasitas estalinistas que orquestraram o fracassado golpe, mas por uma questão de defesa da URSS e das suas formas de propriedade coletivas, que naquele momento estavam sob ataque mortal das forças que desejavam restaurar o capitalismo e a ditadura da burguesia. Além disso, nós somos, enquanto trotskistas, pela derrubada da burocracia estalinista, mas o papel de derrubar essa corja é da classe operária e não da restauração capitalista. Tendo em vista a data, publicamos as seguintes traduções de textos da TBI que tratam sobre a agonia e a morte da URSS: Revolução Mundial Sim, “Socialismo de Mercado” Não – Perestroika: Uma Caixa de Pandora (quarto trimestre de 1989) e Carta para o Grupo Internacionalista – Os stalinistas e a contrarrevolução (9 de setembro de 2004). Também chamamos a atenção para a seguinte polêmica escrita pelo camarada Samuel Trachtenberg, militante do RR, direcionada à Liga pelo Partido Revolucionário (LRP), sobre os eventos decisivos da destruição do Estado operário degenerado soviético: Uma Explicação Marxista sobre o Fim da URSS – As “Revisões de Teoria Básica” da Liga pelo Partido Revolucionário (LRP) (07 de julho de 2011)

Israel’s War on Gaza

We call our readers’ attention to the recently published statement on Israel’s war on Gaza and the Palestinian question, available at our English page. It can be read at:
 


Chamamos a atenção de nossos leitores para a declaração recém-publicada acerca da guerra de Israel contra Gaza e da questão palestina, disponível na nossa página em inglês. Ela pode ser lida em: http://rr4i.milharal.org/2014/08/11/defender-os-palestinos-nenhuma-confianca-no-hamas-e-no-fatah/

Defender os palestinos! Nenhuma confiança no Hamas e no Fatah!

Ataque de Israel contra Gaza:
Defender os palestinos! Nenhuma confiança no Hamas e no Fatah!

Agosto de 2014
Algumas pequenas modificações foram realizadas em 13/08/14

Nas últimas semanas, uma série de novos ataques de Israel contra a Faixa de Gaza já levou ao assassinato, por bombardeios e até mesmo através de uma investida terrestre, de cerca de dois milhares de palestinos, sendo na maior parte civis e incluindo um número alto de crianças. Também tem se verificado uma brutal repressão aos protestos de solidariedade que vem ocorrendo na Cisjordânia. Os trabalhadores conscientes de todo o mundo tem o interesse em frear mais essa manifestação da barbárie capitalista. Apoiado pelo governo Obama e sob a vista grossa da Organização das Nações Unidas, o assassino Estado de Israel, dirigido por Benjamin Netanyahu, segue realizando uma carnificina cruel contra uma população indefesa.

As duas principais forças políticas atualmente existentes entre a população palestina são os partidos Fatah e Hamas. Apesar das diferenças históricas entre os métodos por eles defendidos, ambos representam a mesma classe social: a burguesia palestina. Isso significa que, além de não apresentarem uma estratégia que atenda aos interesses históricos das massas palestinas (sua emancipação do capitalismo e de todas as formas de opressão que ele engendra), esses partidos são ainda capazes de rifar a luta pelos direitos nacionais do povo palestino em troca de seus interesses de classe.

Limpeza étnica: bombadeios sobre Gaza tem
assassinado principalmente civis e crianças. (ummid.com)
Isso fica claro se analisado o histórico da Organização para Liberação da Palestina (OLP). Fundada em 1964 defendendo uma tática guerrilheira como forma de retomar as fronteiras anteriores a 1948, já na década de 1970 sob a liderança de Yasser Arafat e do Fatah, havia recuado em seus propósitos iniciais e aceitado a proposta de criação de um “mini Estado” que compreendesse a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, ficando assim cercado por territórios dominados por Israel e totalmente à mercê do racista projeto sionista. Já o Hamas, enquanto está atualmente forçado a uma posição mais militante de desafio à beligerância de Israel, também não defende os interesses das massas palestinas. Não se deve esquecer o seu fundamentalismo islâmico, que inclui ataques aos direitos democráticos seculares dos palestinos, ataques às mulheres e aos LGBT.

Além de serem incapazes de lançar um chamado aos trabalhadores judeus para que abandonem o sionismo e se mobilizem pela defesa das massas palestinas, cuja força combinada é capaz de por fim ao atual massacre, ambos os grupos apoiam a manutenção do capitalismo em qualquer Estado do qual estejam à frente. Dessa forma, não pode haver nenhuma confiança nesses partidos enquanto portadores de um projeto de emancipação do povo palestino.

A libertação palestina deve se dar em torno de um programa anticapitalista, em oposição ao fundamentalismo religioso e a toda e qualquer forma de opressão. Todavia, quando tais partidos resistirem às assassinas investidas militares sionistas contra os palestinos, nós somos pela sua defesa militar contra Israel. Mas deve ficar claro que isso não implica nenhum tipo de apoio político a esses partidos – diferente, portanto, de muitos grupos de esquerda que capitulam politicamente ao Hamas ou ao nacionalismo árabe.

Além das tarefas imediatas colocadas pelos revolucionários na região palestina, é fundamental também que no resto do mundo se organizem grandes campanhas de solidariedade internacionalista, fundamentadas nos históricos métodos de luta do proletariado. Em uma economia cada vez mais globalizada, greves e as ações de massa dos trabalhadores em outros países podem desferir importantes golpes na burguesia israelense e seus aliados imperialistas, fortalecendo assim a resistência dos palestinos.

É fundamental também mobilizar o proletariado israelense!

Um erro comum da esquerda, além da capitulação a grupos como o Hamas, é ignorar (ou mesmo negar) a importância de se mobilizar também o proletariado de fala hebraica na luta contra o projeto sionista e por uma revolução socialista na região. A recorrente alegação de que toda a população hebraica de Israel é um “enclave militar imperialista” (ou mesmo de que é uma “força de ocupação”) ignora a complexa situação de interpenetração de dois povos em um mesmo território e o fato de Israel ser uma sociedade dividida em classes, cujo Estado não representa os interesses objetivos do proletariado de fala hebraica.

A população israelense não pode ser considerada simplesmente como colonos nesse momento da história. Quer queira quer não, se desenvolveu na região uma nacionalidade de fala hebraica. Os trabalhadores judeus, dos quais as massas palestinas necessitarão em última instância do apoio para conquistar a vitória, podem ser convencidos a se aliar aos seus irmãos e irmãs palestinos contra o Estado sionista porque possuem com estes interesses de classe comuns. Negar os seus direitos nacionais apenas os lança nas mãos dos sionistas.

Nessas últimas semanas de massacre contra os palestinos, milhares de jovens israelenses tem protagonizado uma corajosa campanha de boicote ao alistamento militar obrigatório, em um claro desafio à política sionista  ao mesmo tempo em que diferentes setores da população israelense tem tomado as ruas de grandes cidades, como Tel Aviv, em massivos protestos contra a limpeza étnica que está acontecendo em Gaza. Isso demonstra o potencial do proletariado israelense para derrotar o projeto sionista desde o interior de Israel, defendendo os direitos nacionais do povo palestino.

Por um partido revolucionário binacional que lute por uma Federação Socialista no Oriente Médio!

Muitos na esquerda defendem uma “Palestina laica, democrática e soberana”, sem menção ao caráter de classe, que significa a subordinação da luta dos trabalhadores à construção de um Estado burguês no território. Ao contrário, desde uma perspectiva classista e internacionalista, declaramos que somos pela formação de um partido revolucionário binacional, composto por trabalhadores árabes palestinos e israelenses judeus (além de outras minorias étnicas e religiosas oprimidas pelos sionistas, como os drusos e etíopes), que exproprie a burguesia da região, tornando possível uma convivência fraterna entre os dois povos sem que um oprima o outro.

Esse partido revolucionário teria a tarefa fundamental de defender o povo palestino e combater as ilusões geradas pelo nacionalismo árabe. Ao mesmo tempo, deve travar uma luta desde o interior de Israel, unificando trabalhadores judeus e árabes contra o chauvinismo racista do projeto sionista, que sistematicamente nega os direitos básicos dos palestinos. Para nós, essas lutas encontram sua conclusão lógica e necessária na expropriação da burguesia da região, através da destruição de Israel e da derrota política dos projetos nacionalistas árabes, e na construção de um Estado operário.

No presente momento, conforme a resolução desse conflito nacional através de uma revolução socialista não está colocada de imediato na consciência do proletariado da região, e conforme os trabalhadores palestinos, por si sós, não são capazes de destruir o Estado de Israel, romper suas ilusões no nacionalismo burguês e ganhar o apoio dos trabalhadores judeus para uma perspectiva internacionalista não é uma opção, mas uma necessidade fundamental. Uma medida central para permitir essa união, quebrando as desconfianças e medos sistematicamente incutidos nesses proletários ao longo de tantos anos (com vistas a mantê-los divididos) é o reconhecimento do direito de ambos à autodeterminação, dentro de fronteiras democraticamente redesenhadas, se assim for desejado. Ao mesmo tempo em que um partido revolucionário na região defenderia tal medida, ele deve reivindicar prioritariamente a construção de um único Estado operário binacional, nos marcos do qual os dois povos possam avançar na construção de uma sociedade socialista livre de desigualdades nacionais e de classe.

Leia também:
A Posição Trotskista na Palestina
Contra a Corrente
Liga Comunista Revolucionária da Palestina, maio de 1948

Liga pelo Partido Revolucionário (LRP) sobre a revolução na Palestina e em Israel

Agosto de 2009

As capitulações do PCO ao governismo

Da histeria golpista à Copa do Mundo

As capitulações do PCO ao governismo

Rodolfo Kaleb, julho de 2014

O Partido da Causa Operária (PCO) busca para si uma identidade de defensor de uma política revolucionária. Embora algumas vezes esse grupo faça críticas corretas a tendências oportunistas, essa autoimagem não passa de uma farsa, conforme demonstramos em uma polêmica escrita no ano passado, na qual expusemos sua capitulação de longa data às candidaturas eleitorais do PT, assim como seu paralelo nas formulações do Partido Obrero argentino, com o qual o PCO manteve relações por muitos anos. [1]

Tanto no Brasil, em relação às candidaturas formadas pelo PT a partir do fim da década de 1980, quanto internacionalmente (como, por exemplo, em relação à campanha de Evo Morales na Bolívia em 2005), o PCO possui um histórico nada “ortodoxo” de apoio velado a candidaturas burguesas. Dessa forma, ele se distancia drasticamente da posição revolucionária diante de um dos elementos essenciais do marxismo revolucionário de nossa época (e que Trotsky considerou a “questão das questões”), que é a necessidade de uma oposição intransigente ao papel da colaboração de classes em desarmar politicamente o proletariado para um enfrentamento com a classe dominante.


Recentemente, o PCO tem cometido capitulações e feito caracterizações oportunistas (e nada sutis) sobre o PT e o papel desse partido na luta de classes, do gênero:

Aqueles que atacam o governo fazendo coro com a direita está [sic] apenas contribuindo com a própria direita, semeando a confusão e desorientando as fileiras proletárias. A colaboração com a direita, nosso inimigo de classe, é o pior erro que um partido de esquerda pode cometer. É preciso compreender que o PT não é o inimigo, mas um obstáculo a ser superado pela classe operária na luta contra seus verdadeiros inimigos, os grandes capitalistas, os banqueiros e o imperialismo.”

O inimigo é a direita, o problema é o PT, 27 de agosto de 2013. Ênfase nossa. Disponível em:

O PCO está correto em denunciar aqueles que não diferenciam as denúncias pela esquerda dos discursos reacionários contra o PT (do tipo “contra a corrupção”) e aplaudem as investidas direitistas contra o governo como se representassem alguma vantagem para os trabalhadores.

Mas ao mesmo tempo, comete uma gritante capitulação ao dizer que o PT “não é o inimigo” e que apenas atrapalha a luta contra a oposição de direita – que seria (esta sim) “nosso inimigo de classe”. Isso cumpriria um nefasto papel de desorientar e confundir as fileiras proletárias se o PCO tivesse alguma influência relevante no cenário atual.

Se o inimigo do proletariado é a classe burguesa, “os grandes capitalistas, os banqueiros e o imperialismo”, então o governo do PT certamente é também um inimigo, pois congrega todos estes em seu seio, atuando como o escolhido da vez para melhor gerir e viabilizar seus interesses. Outro artigo do PCO afirma que o PT é de “esquerda” e “nacionalista”:

“Alguns chegam a contestar o caráter de esquerda do próprio PT, se ele não estaria completamente integrado ao sistema e seria já um partido da grande burguesia e do imperialismo. Que isso não é assim pode ser visto no fato de que o PT não apenas participa do bloco de países nacionalistas latino-americanos, como lidera o mesmo, a exemplo do Foro de São Paulo.”

― Editorial O PT e a direita, 24 de julho de 2013. Disponível em:

É verdade que o governo do PT e a oposição de direita são duas forças burguesas diferentes, que possuem conflitos entre si e não devem ser confundidas. Mas isso não quer dizer que ambos não incluam o que há de mais podre da burguesia e sejam absolutamente submissos aos imperialismos. O PCO pinta o PT com matizes que não tem nenhuma correspondência com a realidade – e ainda aproveita para estender tais cores aos pares latino-americanos.

O suposto caráter “nacionalista” do PT e a ideia de que ele “não estaria completamente integrado ao sistema” nada tem a ver com o governo que reúne Collor e José Sarney um governo liderado por um partido que está há mais de uma década no poder como ponta de lança das investidas contra a classe trabalhadora, mantendo o país submisso ao capital internacional.

Em relação ao governo do PT, sequer pode ser invocado o “nacionalismo” dotado de certo teor de contradições com o imperialismo, ainda que extremamente parciais, pois esse é um dos governos mais entreguistas que o país já teve. O PT não só não expropriou nenhuma empresa internacional, como alguns caudilhos latino-americanos fizeram no passado para criar uma imagem de “anti-imperialistas”, como, ao contrário, tem entregado de bandeja ao imperialismo as valiosas reservas naturais do país (como o pré-sal), rivalizando de perto com seus predecessores tucanos! [2]

É óbvio para qualquer militante sério que tanto a oposição de direita quanto o governo do PT são inimigos. Ambos reprimem o movimento dos trabalhadores, realizam ataques sociais contra a população e mantém o país submisso ao imperialismo, como o PCO sabe muito bem. Táticas diferentes podem e devem ser utilizadas no combate a essas duas forças, devido ao fato de que o governo, por exemplo, possui um controle burocrático sobre muitas organizações sindicais e populares. Ou seja, as formas de desmascará-los podem ser até diferentes, mas ambos buscam realizar exatamente os mesmos ataques contra a classe trabalhadora e devem ser considerados inimigos mortais do proletariado.

Nem por um minuto devemos perder de vista que o PT não é apenas um “obstáculo” burocrático, mas sim núcleo de um governo burguês, que tem feito os maiores ataques contra os movimentos sociais e a esquerda na última década. Ao dizer que o PT “não é o inimigo” e que retém um caráter “de esquerda” e que não está “completamente integrado ao sistema”, o PCO está minimizando o papel daquele como principal agente da burguesia brasileira (e indiretamente do imperialismo) nos últimos 12 anos.

O PCO e o alarmismo sobre um golpe da direita

As caracterizações embelezadas do PCO sobre o governo petista têm sido acompanhadas de uma análise nada sóbria do atual momento político nacional, e revelam toda uma histeria impressionista (e oportunista) dos líderes do grupo. Em meio às jornadas de lutas de 2013, vários grupos expressaram uma posição assustada de que havia um risco de golpe armado pela direita burguesa e outros setores reacionários. Na análise que publicamos na época acerca do ascenso de junho, nós já explicamos nossa posição sobre essa questão [3].

Era central naquele momento não ceder ao alarmismo e sim intervir com uma política classista em oposição tanto aos elementos da direita que se infiltraram nos protestos como também aos governistas. Entretanto, na contramão do bom senso, o PCO foi a corrente que mais insistiu na perspectiva de que a situação apontava para um golpe. Segundo tal partido:

“A ação de grupos de extrema-direita contra partidos de esquerda nas manifestações após a repressão do dia 13 de junho, a investida da direita contra o governo do PT e as tentativas de golpes ou golpes efetivos na América Latina e agora no Egito levantaram a discussão sobre a possibilidade de um golpe de Estado no Brasil. O PCO afirmou claramente que a situação aponta nesse sentido, enquanto as organizações da esquerda pequeno-burguesa insistem em que não há essa possibilidade.”

Sobre o golpe de estado no Brasil, 28 de julho de 2013. Disponível em:

Os revolucionários não aceitam o conto da carochinha de que vivemos em uma época inteiramente distinta do recente passado ditatorial, como apregoam os diferentes setores que apoiaram a transição controlada ao regime democrático-burguês – desde aqueles que contribuíram ativamente com a ditadura durante o período anterior à “distensão”, quanto os dirigentes do PT, que de combatentes contra a ditadura passaram hoje a gestores do Estado burguês brasileiro.

Muitos dos aparatos de repressão da ditadura continuam operando sob outra fachada. Os torturadores e generais ficaram impunes e seus herdeiros seguem em postos de comando. A ditadura de classe da burguesia se manteve sob uma forma “democrática”, fortalecida com os enormes ganhos de certas frações burguesas beneficiadas pelo golpe. Os ataques aos mais básicos direitos são constantes nas favelas e a repressão ilegal contra os direitos democráticos de manifestação, recorrentes. Além disso, desde uma perspectiva histórica, nada garante que as classes dominantes rejeitarão um novo golpe caso encarem necessário – afinal, já o fizeram mais de uma vez no século passado.

Mas a definição da ação política dos revolucionários deve se basear em análises concretas, não em meras suposições ou cenários hipotéticos, desligados de cuidadosa observação e intervenção que os sustentem. Uma tentativa de golpe contra o governo do PT só ocorreria caso esse governo não fosse mais capaz de manter domesticada a enorme força do proletariado brasileiro e uma situação de radicalidade da classe trabalhadora se avizinhasse, gerando grande instabilidade política e econômica para a burguesia. Nesse caso, alas estratégicas da burguesia romperiam com o governo do PT e importantes dirigentes das forças armadas se colocariam abertamente em uma postura de desafio ou insubordinação a este.

Não há dúvidas de que há elementos da burguesia que desejam uma ditadura, mas esse é um tipo de regime extremamente custoso (em muitos aspectos) para o conjunto dos capitalistas, ao qual eles só recorrem quando a democracia burguesa não é lhes parece ser mais capaz de assegurar a ordem. O que determina se ocorrerão tentativas de estabelecer um regime ditatorial é quão sentida é essa necessidade pela burguesia e quão apoio ela possui das classes médias.

Tanto movimentações em direção a uma saída golpista quanto uma postura significativamente insubordinada por parte de cúpulas militares estiveram ausentes no último período. Os setores reacionários que apregoam abertamente a necessidade de uma “intervenção militar” permanecem pateticamente isolados. Efetivamente, o governo do PT segue tendo apoio da maior parte da classe dominante e também das potências imperialistas. Por exemplo, no encontro realizado por Dilma com prefeitos das capitais e governadores em 24 de junho, no auge das manifestações de 2013, a presidente recebeu apoio de todos os presentes, inclusive os representantes da oposição de direita [4].

Esse foi um importante “voto de confiança” da maior parte da burguesia no governo do PT. Ao mesmo tempo, não houve até o momento nenhuma manifestação por parte de chefes das Forças Armadas de insatisfação ou rompimento com o governo. Um golpe não surge da vontade subjetiva de alguns reacionários: é um processo de polarização de forças de classe com interesses claros. Até o momento, esse movimento simplesmente não existiu. O grosso da classe dominante segue confiando ao governo do PT a tarefa de manter a ordem capitalista.

Levantar frequentemente o risco de um golpe quando isso não corresponde a uma realidade concreta desorienta a classe trabalhadora e desvia sua atenção das questões que estão de fato colocadas na ordem do dia. Um golpe de Estado não deve ser compreendido como algum tipo de processo sempre prestes a acontecer, mas sim como uma conjuntura na qual a classe trabalhadora deve adotar táticas de preparação para ações de resistência diante do primeiro sinal de ação dos golpistas. [5]

Agitar cotidianamente esse fantasma sem que haja justificação é, no mínimo, mostrar despreocupação sobre as tarefas imediatas do proletariado. Embora tenha crescido em função da onda de protestos de 2013, a ladainha dos líderes do PCO data de antes. Desde fins de 2012, o grupo já avaliava que o julgamento do mensalão era o prelúdio de um golpe contra o PT.

“Ao conjugar o julgamento do ‘mensalão’, as denúncias de corrupção que procuram insistentemente envolver Lula e a própria presidenta Dilma Rousseff em um novo julgamento político, e a movimentação no Supremo para forçar a mão e tomar para si o poder de decidir sobre o Legislativo eleito pelo voto popular, somos levados à pergunta: o quê, na atual situação, nos separa de um golpe de Estado?

A ditadura do judiciário e a posição dos trabalhadores, 15 de dezembro de 2012. Ênfase nossa. Disponível em:

Não pode haver dúvida sobre a intenção da oposição de direita no julgamento do mensalão de enfraquecer a gestão do PT e preparar terreno para seu retorno ao governo, aproveitando-se de um escândalo de corrupção muito semelhante ao que ela própria sempre realizou por trás dos panos. Mas seu interesse naquele momento era principalmente eleitoral, não golpista. Queria ganhar vantagem sobre seu principal concorrente eleitoral e por esse motivo armou todo o teatro. Confundir essa disputa sórdida com uma investida golpista exige um tanto de miopia política.

De novembro de 2012 para cá, não houve nenhum movimento significativo de polarização de setores da burguesia em prol da derrubada armada do governo petista. A forma com a qual os líderes do PCO falam sobre golpe de Estado lembra um pouco a história infantil Pedrinho e o Lobo. O partido levanta tão indefinidamente esse risco que já perdeu a noção sobre o significado de tal afirmação. Essa sempre foi uma mania difundida pelos petistas ou advogados do petismo (dos quais cada vez mais o PCO se aproxima): de que um golpe estaria sempre na ordem do dia, porque o PT jamais seria aceito pela classe dominante.

O PCO e os movimentos contra as injustiças da Copa

Recentemente, a capitulação do PCO ao governismo tem ganhado outras cores. Enquanto nas favelas do Rio de Janeiro moradores revoltados com a brutal repressão cotidiana dos aliados locais de Dilma e do PT se revoltavam aos gritos de “Não vai ter Copa”, o PCO se perguntava “o que os trabalhadores têm a ganhar” com uma campanha contra os ataques deste governo às vésperas do início do evento. O PCO se colocou contra protestos realizados nas maiores capitais do Brasil contra as agressões dos governos envolvendo a preparação da Copa do Mundo de futebol porque, supostamente, eles estariam auxiliando uma “campanha golpista da direita”:

O movimento operário e estudantil deve lutar por objetivos reais e não passar um semestre inteiro, até o início da Copa, atrás desta campanha vazia que não contém reivindicação nenhuma, além de ataques direitistas ao governo do PT. Enquanto o PCO denuncia essa campanha como golpista, a esquerda pequeno-burguesa diz que se trata de uma ‘teoria da conspiração’…”.

Campanha contra a Copa: o que os trabalhadores têm a ganhar?, 4 de fevereiro de 2014. Ênfase nossa. Disponível em:

Para aqueles interessados em enxergar a realidade sem o intermédio das lentes do oportunismo, é um tanto quanto óbvio que, ao levantar esse grito, muitos trabalhadores e jovens estavam desabafando sua indignação com sua situação material – que lhes impossibilita acesso a moradia, saúde, transporte e educação de qualidade, ao passo em que o governo brasileiro estava mais interessado em financiar empresários da construção civil, do turismo e especuladores.

Os comunistas não tem nenhum interesse em se colocar contra o esporte futebol, nem tampouco contra os eventos esportivos. É evidente para qualquer um que as campanhas, denúncias e palavras de ordem contra “a Copa” são uma expressão da insatisfação dos trabalhadores e oprimidos sobre a desigualdade social brutalmente revelada diante das remoções, ataques e repressão para que um punhado de ricos lucrasse com esse evento. Além de acusar as manifestações de “golpistas”, o PCO tentou passar a impressão de que os protestos não tinham objetivo político, pois seriam “contra um evento esportivo”.

Certamente há limitação em tal “desabafo” e a necessidade dos revolucionários disputarem tal indignação, visando canalizá-la para um programa revolucionário de enfrentamento ao capitalismo e seus governos. Mas isso não impedia que os comunistas participassem de movimentos e protestos que levantassem tais demandas num claro questionamento aos ataques da FIFA e do PT contra a população. Para o PCO, entretanto, fazer isso seria cerrar fileiras com a direita golpista, facilitando sua suposta empreitada em curso. Curiosamente, é o PCO que repete muitos argumentos do governismo. Um deles é dizer que não seria justo reclamar das injustiças envolvendo a Copa do Mundo depois de que muitas das remoções, ataques, precarizações do trabalho já tivessem sido realizadas:

“Esta esquerda tomou os argumentos dados pela direita, cínica, de que a Copa do Mundo não deveria ser prioridade de um país atrasado e com tantos problemas, que o evento custa muito aos cofres públicos e aumentou a exploração dos trabalhadores envolvidos nas obras e diretamente no evento. Esta campanha, no entanto, foi levantada depois que a maior parte dos gastos já havia sido feita e as obras concluídas, de forma a ser uma reivindicação na prática inócua e que politicamente servia apenas para a campanha eleitoral, da direita.”

Não é só contra a Copa, é contra o Brasil, 7 de julho de 2014. Disponível em:

Mesmo o título do artigo citado acima já mostra até que ponto o PCO comprou o discurso governista, tanto no futebol quanto na política [6]. Isso é um exemplo de como a linha do PCO funciona como uma delirante (e frágil) retórica para justificar sua capitulação ao governo do PT. Se os trabalhadores quiserem travar novas grandes lutas em 2014 e colocar o governo contra a parede, é bom estarem cientes que não poderão contar com o PCO. Este poderá muito bem estar do outro lado da barricada afirmando que não se deve enfrentar este governo dos patrões sob o risco de “fortalecer a direita”. O PCO parece querer enfrentar os efeitos do capitalismo no Brasil sem colocar em perigo a estabilidade do PT.

Conclusão

Tanto no seu alarmismo sobre a suposta iminência de um golpe da direita quanto na sua hostilidade injustificada aos protestos contra os ataques da burguesia antes e durante a Copa do Mundo, o PCO revelou que receia um enfrentamento dos oprimidos que ponha em cheque o Partido dos Trabalhadores, e que pudesse enfraquecê-lo eleitoralmente e possivelmente causar sua derrota no próximo pleito. Os trabalhadores não tem nada a perder ao denunciar amplamente a responsabilidade direta do PT nas prisões arbitrárias, na repressão de greves e protestos às vésperas e durante a Copa, assim como nas condições de trabalho precárias que levaram à morte de quase uma dezena de operários na construção dos estádios.

É preciso mencionar que a histeria do PCO acerca de um hipotético golpe reacionário em muito se assemelha à clássica posição stalinista frente a governos de colaboração de classes. Diante de grandes mobilizações de massas contra governos burgueses supostamente “progressivos” apoiados pelos stalinistas, estes logo sacavam de sua cartola uma retórica alarmista. Se os trabalhadores fizessem greves e saíssem às ruas, iriam desestabilizar o governo “progressivo” e abririam espaço para a reação de direita. Os trabalhadores, portanto, não deveriam buscar um enfrentamento destemido com o governo de turno, sob o risco de “fortalecer a reação”.

O PCO já anunciou suas candidaturas para as eleições de 2014, mas o que fará o partido no caso de um segundo turno, o qual geralmente evoca em muitos o pânico de que o PT seja derrotado e faz com votem “contra a direita” (ou seja, na coalizão governista)? Repetirá as ocasiões no passado em que apoiou eleitoralmente as candidaturas burguesas do PT, ou será constrangido a não fazê-lo para manter as suas aparências? Não é possível adivinhar o que passará na cabeça dos dirigentes do PCO, que certamente acreditam que podem tomar posições esdrúxulas sem qualquer resistência dos membros de seu grupo.

O embelezamento do PT como um partido “de esquerda”, a afirmação de que “não é o inimigo” da classe trabalhadora e o pânico de que este seja derrubado a qualquer momento porque não estaria “integrado ao sistema”, assim como as acusações de que aqueles que participam num movimento contra os ataques sociais do governo durante a Copa estão “colaborando com a direita”, tudo isso conduz logicamente ao passo seguinte dessa capitulação vergonhosa. De uma forma ou de outra, todo o discurso recente do PCO aponta para a gradual transformação desse grupo em uma pata de apoio “de extrema esquerda” do petismo. Para aqueles que se dedicam à tarefa fundamental da construção de um partido revolucionário no Brasil, o PCO nada tem a oferecer.

NOTAS

[1] Para nossa polêmica com o PCO, conferir PCO, Altamirismo (Partido Obrero) e as frentes populares, de fevereiro de 2013. Disponível em:
http://reagrupamento-rr.blogspot.com.br/2013/02/pco-altamirismo-e-as-frentes-populares_21.html
[2] É bom ressaltar que mesmo que o governo do PT fosse “nacionalista”, seria um absurdo usar essa classificação na forma de elogio velado ou eufemismo, como faz o PCO. Ao longo da história da luta de classes, partidos nacionalistas tem desviado a classe trabalhadora da luta para chegar ao poder e sempre defendem os interesses capitalistas, ainda que sob alguma coloração radical. Uma vez no poder, eles sempre mantem a classe trabalhadora política e organizativamente paralisada diante de golpes direitistas motivados pela sua retórica (retórica essa que não é usada pelo PT) ou pequenas reformas. O objetivo do nacionalismo nos países atrasados não é derrubar as relações capitalistas, mas sim limitar o poder do imperialismo (enquanto colabora com este no quadro geral) em favor de setores da burguesia nacional em tais relações.

[3] Revolta de Massas no Brasil, de 23 de junho de 2013, disponível em:

[4] Governadores e prefeitos apoiam proposta de 5 pactos de Dilma, de 24 de junho de 2013. Disponível em:

[5] Essa análise do PCO é tão deslocada da realidade que o próprio partido não a leva tão a serio. No último período, não fez nenhum tipo de agitação sistemática para que os sindicatos e universidades onde possui inserção preparassem formas de resistência preventivas contra o suposto golpe. De certa forma, esse é o reconhecimento implícito de que o próprio grupo não acredita fielmente que se aproxime uma investida golpista.

[6] Quando a versão final deste artigo já se encontrava pronta, nós fomos brindados pelo chilique oportunista do dirigente do PCO, Rui Costa Pimenta, diante da derrota da equipe brasileira de futebol na Copa do Mundo. O fato de que o time brasileiro foi derrotado por uma grande diferença de gols fez com que o PCO lançasse sobre a “esquerda pequeno-burguesa” que protestou contra as injustiças da Copa do Mundo (são citados PSOL, PSTU e “grupos menores do mesmo quilate”) a culpa em ajudar a direita para conseguir a derrota do Brasil na partida. O PCO não fornece nenhuma explicação de como isso teria acontecido, mas este e outros artigos publicados em sequência ao jogo estão cheios de remorso pela derrota:

“O povo brasileiro que torceu pela seleção brasileira com todo o coração está sofrendo desta mesma humilhação. Há os chacais, como a direita, que querem agora tirar proveito desta humilhação e desmoralização. Há os pequeno-burgueses de esquerda e de direita que vão festejar a tristeza do povo e a sua humilhação. É o seu ofício, por isso, merecem o justo desprezo do povo. O ódio é reservado à burguesia.”

‘Eles’ conseguiram… e agora?, 8 de julho de 2014. Disponível em:

Entretanto, enquanto o PCO estava preocupado com a “humilhação” envolvendo a derrota do time brasileiro num campeonato de futebol e os possíveis efeitos eleitorais disso, o PT tem imposto verdadeiras humilhações aos trabalhadores e oprimidos em todo o último período relacionado à Copa do Mundo. O PCO tratou com desprezo os protestos que buscaram combater tais ataques sob o suposto risco de “fortalecer a direita”. Os revolucionários afirmam que humilhação de verdade são as prisões realizadas pelos aliados de Dilma, as mortes dos trabalhadores negros nas favelas que os seus “companheiros” Paes e Pezão tem feito quase cotidianamente no Rio de Janeiro, escondidos sob os holofotes do “espetáculo”, e tudo o mais que este governo assassino prepara para os trabalhadores (quase sempre em plena sintonia com seus consortes da direita).

Arquivo Histórico: Aos 45 anos da Revolta de Stonewall

Aos 45 anos da Revolta de Stonewall, publicamos em nosso Arquivo Histórico três artigos que lidam com as questões de liberdade sexual e do combate à opressão de gênero aos LGBTTs desde a perspectiva revolucionária do marxismo. Eles foram escritos pela Liga Espartaquista e por sua sucessora programática, a Tendência Bolchevique Internacional – grupo do qual o Reagrupamento Revolucionário se originou. Boa leitura! 

Os Maoístas e o seu preconceito malicioso (1974)
Feminismo e Histeria Moral (1986)
Apenas o Socialismo Pode Emancipar as Lésbicas e os Gays! (1992)

Uma contribuição à história do trotskismo brasileiro

Dos arquivos do trotskismo brasileiro
O Partido Socialista Revolucionário (PSR)
Por Marcio Leandro Torres, junho de 2014
 
Temos a alegria de adicionar ao nosso Arquivo Histórico um artigo do extinto Partido Socialista Revolucionário (O momento político e a posição do Partido Socialista Revolucionário, de agosto de 1945) e com isso atuarmos no sentido de contribuir com a recuperação de parte da história do trotskismo brasileiro – em grande medida esquecida ou negligenciada pelos grupos atuais que reivindicam nossa tradição.

PSR: encontro de duas gerações revolucionárias

 
O PSR foi fundado em 1939 e existiu até o começo da década de 1950. Durante esses anos, ele foi a seção brasileira da Quarta Internacional. A origem do PSR remonta às primeiras gerações de trotskistas brasileiros, que se organizaram em 1929 (apenas sete anos após a fundação do Partido Comunista do Brasil) com o nome de “Grupo Comunista Lenine” e que posteriormente formariam a Liga Comunista Internacionalista (LCI, seção brasileira da Oposição de Esquerda Internacional).
 
O PC brasileiro, fundado em 1922, era um partido extremamente heterogêneo em seus primeiros anos. Muitos de seus fundadores possuíam origens anarquistas e não só não haviam rompido por completo com tal tradição, como possuíam uma formação muito deficitária (afinal, grande parte das obras de Marx e Engels sequer estava disponível no país). Assim, sua unidade política era frágil (basicamente reduzida à simpatia pela Revolução Bolchevique) e logo alguns anos depois já se expressariam entre alguns de seus quadros dirigentes aspectos da vulgarização stalinista do marxismo, com seu programa etapista. Essa fragilidade inicial do PCB explica, em grande parte, o porquê de ter levado tão pouco tempo para surgir um núcleo trotskista em seu interior, em oposição ao rumo stalinista da direção – sem perdermos de vista, claro, a batalha travada pela Oposição de Esquerda Internacional, que se esforçava nessa época por alcançar as jovens seções da Internacional Comunista e que encontrou em dirigentes como Mario Pedrosa, Lívio Xavier, Fúlvio Abramo, João Pimenta e Aristide Lobo a ponte para ser ouvida entre a militância do PCB.
 
A repressão do regime Vargas contra a vanguarda do movimento operário, entretanto, não poupou os primeiros trotskistas brasileiros. Após alguns anos de trabalho realizado através do GCL e da LCI (1929-1935), essa primeira geração acabou se dispersando a força. Foi então que, em 1936, em uma tentativa de reorganizar as forças trotskistas dispersas pela repressão do Estado, membros da antiga célula do Rio de Janeiro da LCI se reagruparam e fundaram o POL – Partido Operário Leninista. Três anos depois, o POL se fundiu com uma ruptura do PCB originada em 1937 na seção regional de São Paulo e liderada por Hermínio Sacchetta – expulso do partido sob acusações de “trotskismo” e de promover lutas fracionais, ao liderar uma batalha interna contra a política da “Frente Popular” do Comitê Central e da Comintern. Tal ruptura, que contou com adesão de boa parte do Comitê Regional de São Paulo, deu origem à “Dissidência Pró-Reagrupamento da Vanguarda Revolucionária” que progressivamente aderiu aos pontos principais do programa trotskista. Assim, em 1939 foi possível a fusão do grupo de Sacchetta com o POL e sua adesão à recém-fundada Quarta Internacional.
 
Os atritos de Sacchetta com a linha oficial do PCB (ditada diretamente por Moscou) vinham desde meados de 1934 e tinham muito a ver com o trabalho desenvolvido então pelos trotskistas brasileiros. Nesse ano, a LCI impulsionou uma firme campanha em prol de uma Frente Única Antifascista entre as organizações operárias, com o objetivo de derrotar nas ruas a fascista Ação Integralista Brasileira (AIB), que vinha então em um crescente. Na época, o PCB se opunha a conformar uma frente única com qualquer outro grupo, preferindo uma campanha “anti-guerra” politicamente estéril – posição que advinha da orientação ultraesquerdista que a burocracia soviética então seguia (durante o assim chamado “Terceiro Período”), igualando correntes reformistas do movimento operário com o fascismo sob o argumento de que ambas se pautavam pela manutenção do capitalismo (a tese do “social-fascismo”).
 
Entretanto, diferentemente da Alemanha, onde a política criminosa do PC stalinista permitiu a vitória nazista sem nenhuma resistência significativa do proletariado, o fascismo verde e amarelo recebeu uma firme resposta de classe ainda no seu nascimento. Apesar do abstencionismo do PCB, os trotskistas conseguiram promover uma série de comícios e reuniões antifascistas – em especial na cidade de São Paulo. Seu aliado principal nessa luta foi a tendência anarcossindicalista que então dirigia a FOSP (Frente Operária de São Paulo, uma alternativa à federação sindical dirigida pelo PCB – a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil).
 
Página do “Diário Carioca” contendo o artigo resgatado pelo RR

No dia 7 de outubro de 1934, a Frente Única Antifascista se preparou para sua maior investida contra a ABI: um ataque ao comício organizado na Praça da Sé, onde discursaria o dirigente fascista Plínio Salgado. Compreendendo a importância fundamental da iniciativa, principalmente depois da vitória de Hitler na Alemanha, Sacchetta usou sua posição de dirigente regional do PCB para fazer com que a militância do partido em São Paulo, rompendo com ordens expressas do Comitê Central, engrossasse as fileiras do contra-ato antifascista no último instante. A resistência operária foi heroica. Enquanto colunas de trabalhadores armados de porretes se dirigiram para a praça, cercando o comício fascista, outros tantos militantes se posicionaram nas janelas de algumas sedes de sindicatos localizados em prédios próximos e abriram fogo contra a escória reacionária. No desespero, os fascistas correram para todos os lados, arrancando seus uniformes verdes para que não fossem perseguidos pelos trabalhadores que os atacavam. O evento entrou para as manchetes de jornais e para os anais da história como “A Revoada dos Galinhas Verdes” – mas custou a Sacchetta seu posto de dirigente e seu prestígio entre a liderança do PCB. Certamente, tal evento foi fundamental para seu afastamento do stalinismo e sua progressiva aproximação com o trotskismo – da qual outros companheiros seus fizeram parte, como a conhecida feminista Patrícia Galvão, a “Pagu”.

Dessa forma, a fundação do PSR foi fruto do encontro de duas gerações de revolucionários: uma primeira que remontava à gênese da tradição trotskista no Brasil, construída a partir da luta contra as formulações teóricas do Comitê Central do PCB e da Terceira Internacional stalinista, e que então era representada pelo POL; e uma segunda, liderada por Sacchetta e fruto de um rompimento progressivo de setores da regional de São Paulo do PCB no fim dos anos 1930.

O cenário brasileiro no pós-guerra e o stalinismo
 
No momento em que foi publicado o artigo do PSR que reproduzimos, o país passava por um importante processo político: a completa ruína do “Estado Novo”, um aprofundamento ditatorial da experiência bonapartista instalada em início dos anos 1930, sob a liderança do caudilho latifundiário Getúlio Vargas. Seguindo a política (herdada da recém-dissolvida Comintern) de aliança com os “campos progressivos” da burguesia, desde a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial o PCB vinha dando apoio ao governo – mesmo esse tendo prendido e torturado diversos de seus quadros, incluindo seu Secretário Geral, Luís Carlos Prestes. Com o enfraquecimento da ditadura, o Comitê Central do PCB defendeu a criminosa política de uma transição constitucional que não removesse Vargas do poder, aliando-se ao assim chamado “queremismo” – movimento em prol de uma Assembleia Constituinte com Vargas no poder. Essa política foi duramente criticada pelo PSR no artigo que se segue.
 
Ao criticar a linha do PCB, o artigo do PSR dialoga diretamente com artigos e discursos de Prestes, principal dirigente e figura pública do partido à época. Seu discurso no Estádio Pacaembu (São Paulo), proferido em 15 de julho de 1945, pode ser encontrado transcrito em http://www.marxists.org/portugues/prestes/1945/07/15.htm. Já seu discurso no Estádio São Januário (Rio de Janeiro), proferido em 23 de maio de 1945, pode ser encontrado em http://www.marxists.org/portugues/prestes/1945/05/23.htm. Ambos são citados em determinados momentos do artigo do PSR e são muito reveladores da política defendida então pelos stalinistas brasileiros.
 
Além das duras críticas feitas à política de colaboração de classes do PCB, o artigo em questão possui alguns outros méritos, como uma delimitação e análise das forças políticas de então segundo critérios internacionalistas e de classe, demonstrando a relação das frações da classe dominante com o imperialismo. No plano nacional, veicula uma denúncia classista das forças políticas que se apresentavam então para o pleito eleitoral. O PSR também não poupa críticas à burocracia stalinista em Moscou, corretamente caracterizada como uma degenerescência parasitária que punha em risco a existência do Estado Operário soviético através de sua política de “coexistência pacífica” com o imperialismo.
 
Outra característica interessante do artigo é a firmeza com a qual o PSR trata a questão religiosa, deixando clara a incompatibilidade entre ideologias obscurantistas e o marxismo, ao criticar a perspectiva do PCB de negligenciar essa questão – algo comum em boa parte da esquerda brasileira atual, tendo em vista as dificuldades apresentadas pela existência de uma classe trabalhadora consideravelmente religiosa.
 
Quaisquer que sejam as fraquezas do artigo que possamos detectar em retrospectiva, a adesão do PSR a perspectiva trotskista permitiu a tal grupo manter o quadro geral de uma linha revolucionária frente ao período do pós-guerra. E, conforme tal artigo demonstra tão bem, eles se encontravam em nítido contraste com os stalinistas.
 
A denúncia do PSR da política de colaboração de classes do PCB coloca em cheque o balanço histórico que muitos stalinistas atuais fazem do PCB. Aqueles que imaginam alguma suposta integridade política do partido ao longo de sua história, ao se depararem com as críticas trotskistas feitas tanto pelo PSR quanto por seus predecessores, encontrarão sérias dificuldades em sustentar tal mito.
 
Já uma série de stalinistas “ortodoxos” que se opõem à linha do PC soviético após seu XX Congresso (1956), encarando-o a partir de então como “revisionista”, tentam fugir do fato de que o oportunismo dos partidos comunistas pelo mundo teve sua raiz nas décadas de orientação de Stalin e da burocracia soviética desde meados da década de 1920. Além de não ter representado um rompimento consistente com as práticas burocráticas e colaboracionistas, tais correntes como os maoístas agrupados em torno do jornal “A Nova Democracia”, o atual PCR e alguns elementos isolados do atual PCB buscam jogar toda a culpa pelos erros e traições oportunistas que já não podiam esconder nas costas de alguns funcionários menores, sem jamais reconhecer no “grande organizador de derrotas” (Stalin) e em seus asseclas a causa das políticas criminosas seguidas pelos partidos comunistas oficiais. Para sustentar essa farsa, precisam fazer cambalhotas incríveis.
 
Atualmente os maoístas do jornal “A Nova Democracia”, por exemplo, fazem críticas à política do PCB no pós-guerra que são (inadvertidamente?) muito parecidas com aquelas expressas no artigo do PSR que reproduzimos aqui. Eles condenam o pacifismo do PCB e sua colaboração de classes, por apoiarem Vargas e defenderem uma transição prolongada e pacífica ao socialismo. Entretanto, não só fazem tais críticas muitas décadas depois, a posteriori (enquanto somente os trotskistas combateram esse oportunismo à época), como não são capazes de ligar tais posições ao stalinismo de forma geral, já que permanecem defendendo o legado podre de Stalin. Encaram que estas posições criminosas do PCB teriam sido “desvios browderistas” (Earl Browder foi um dirigente direitista do PC americano que foi feito de bode expiatório), e não teriam nenhuma conexão com as posições defendidas por Stalin e pelo governo soviético no pós-guerra, os quais “A Nova Democracia” segue considerando que eram “revolucionários”:
 
“O balanço superficial de 1935, tomado como um erro de tipo golpista, e a entrada do Brasil na guerra levam a direção do PCB a mudar a caracterização do governo Vargas, passando a considerá-lo um representante da ala ‘progressista’ da burguesia nacional, sendo um aliado da classe operária e cabendo ao partido apoiar setores progressistas no governo através da política de ‘União Nacional’. É de suma importância destacar desde já que esta tese da existência de ‘setores progressistas no governo’, devendo então os revolucionários ‘apoiar tal governo’, é a enfermidade que se tornou crônica no movimento popular e de esquerda no país, manifestando-se quase que como ato contínuo na vida do partido comunista, de suas frações e da ‘esquerda’ brasileira, no período mais recente e dias atuais. A influência do browderismo como reformismo fica evidente quando, com o PCB já na legalidade, Prestes, em seu famoso discurso no estádio de São Januário, no Rio de Janeiro, afirma: ‘Antes da guerra, nós, comunistas, lutávamos contra a democracia burguesa aliada dos senhores feudais mais reacionários e submissa ao capital estrangeiro colonizador, opressor, explorador e imperialista. Hoje, o problema é outro, a democracia burguesa volta-se para a esquerda’.”
 
Vitória sobre o nazi-fascismo, Conferência da Mantiqueira e as ilusões constitucionais. AND n. 82, de outubro de 2011. Disponível em:
 
Ao contrário do que crê “A Nova Democracia”, tais posições tem suas raízes no próprio Stalin e na liderança da Internacional Comunista stalinista, cuja política do “socialismo num só país” e posteriormente da “frente popular” conduziam à contenção da luta de classes em prol de uma unidade com partidos burgueses embelezados como “antifascistas”, “democráticos”, “progressivos”, “nacional-revolucionários” etc. etc. Isso é demonstrado pelo artigo do PSR através do paralelo traçado entre a política do PCB e a de Stalin, que também deu pleno estímulo na época à política traidora dos Partidos Comunistas europeus, como o francês e o italiano, em seu apoio aos fracos governos imperialistas “democráticos” estabelecidos após a derrota do nazismo. Achar que a política do PCB em 1945 estava de alguma forma em desacordo aos desígnios da liderança soviética é uma tentativa de falsificação com o objetivo claro de sustentar o mito de que o revisionismo só teria dominado o movimento comunista após a morte de Stalin. Os burocratas stalinistas sempre se utilizaram da tática de jogar toda a culpa por erros e oportunismos que já não podiam ser escondidos em burocratas locais, para se livrarem da sua responsabilidade, como fizeram com Browder nos EUA. Estamos diante de uma tentativa moderna (a posteriori) de fazer o mesmo.
 
As dificuldades e o fim da trajetória do PSR
 
Apesar do conteúdo correto do programa exposto no artigo do PSR em questão, ainda se sabe pouco a respeito das posições do partido em outras situações, o que impede a realização de um balanço crítico mais completo de sua história nesta nossa modesta contribuição. A maior parte das seções da Quarta Internacional na América Latina à época eram marcada por uma série de fragilidades políticas e organizativas e o PSR não escapou a esses problemas e dificuldades.
 
Existem algumas pistas, por exemplo, que indicam algumas de suas fragilidades já durante a Segunda Guerra Mundial. Mario Pedrosa, veterano trotskista que esteve presente desde a fundação do GCL e se tornou uma importante liderança local e internacional (chegando a ocupar um assento no Comitê Executivo Internacional da Quarta, após representar as seções latino-americanas em seu congresso de fundação), havia se alinhado à fração Burnham-Shachtman em 1940, com sua proposta de abandono da defensa revolucionária da URSS após o pacto Hitler-Stalin. Pedrosa não só tentara influenciar o PSR em torno dessa posição, como parece ter feito o possível para dificultar a comunicação do partido com a Internacional após deixar suas fileiras – momento a partir do qual Sacchetta se tornou seu principal dirigente. Conforme um relatório apresentado na Conferência de Emergência da Quarta Internacional, em 1940, pelo seu Departamento Latino Americano:
 
“O movimento pela Quarta Internacional no Brasil é um dos mais antigos no continente; ele foi organizado em torno de 1930-31. Desde sua formação, ele passou por diversas crises políticas e organizativas. Politicamente, ele tem sido um dos grupos mais ativos; mas devido à sua falta de uma liderança firme e estável, sua vida política assume uma forma desorganizada e se traduz, frequentemente, em crises organizativas. A ‘virada francesa’ [política de ‘entrismo’ em movimentos reformistas em meados dos anos 1930] acarretou em sua completa desorganização e levou um grande tempo para isso ser revertido. No momento, de acordo com as informações disponíveis, o grupo brasileiro apoia a posição dos desertores do SWP [fração Burnham-Shachtman]. Ele se constitui sob o nome de Partido Socialista Revolucionário. De acordo com um informe do Camarada Smith, ele possui cerca de cinquenta membros. Nós não temos relações diretas com eles, devido ao fato de Lebrun [Mario Pedrosa], seu representante, que desertou a Quarta Internacional, continuamente se recusar a nos entregar seu endereço.”
 
Relatório à Conferência de Emergência da Quarta Internacional pelo Departamento Latino-Americano. Aprovado em 19-26 de maio de 1940. Disponível, em inglês, em:
 
Nesse sentido, a mesma Conferência adotou uma declaração desautorizando Pedrosa e outros membros do Comitê Executivo Internacional alinhados a Shachtman a seguirem falando em nome da Quarta Internacional. Esse documento menciona uma carta enviada pelo PSR à maioria do Comitê, no qual o partido reafirma (até segunda ordem) sua centralização frente ao programa da Quarta em relação à defesa da URSS, mas informa da existência de sérias divergências internas quanto à situação – o que demonstra que Pedrosa foi capaz de influenciar parte de seus membros:
 
“É importante mencionar que Lebrun [Mario Pedrosa] e Cia. já não representam absolutamente nada entre as fileiras da Quarta Internacional. (…) A autoridade de Lebrun residia sobre o mandato que lhe foi conferido pelo Congresso Mundial [1938], enquanto representante das seções latino-americanas. Todas as seções latino-americanas, até onde sabemos, se expressaram a favor da manutenção da posição de defesa incondicional [da URSS], isto é, de permanecerem leais às decisões do primeiro congresso mundial e aos princípios da Quarta Internacional. Até mesmo sua própria seção, a brasileira, em uma carta mencionada na declaração [da maioria do Comitê Executivo Internacional], se declarou pronta para continuar defendendo o slogan de defesa incondicional até que uma decisão internacional seja atingida, apesar de existir entre suas fileiras uma forte tendência derrotista. (…)”
 
Declaração Suplementar do Comitê Executivo Internacional. Aprovado em 19-26 de maio de 1940. Disponível, em inglês, em:
 
Os historiadores do movimento operário brasileiro ainda não desenvolveram pesquisas acerca do PSR que sejam tão aprofundadas em termos de informações e documentação quanto as produzidas sobre as organizações que o antecederam – em especial a LCI. Entretanto, sabe-se que ele angariou o apoio de importantes personalidades – como a já citada Pagu, que rompeu com o PCB para se juntar aos trotskistas (sua carta de ruptura pode ser lida em http://www.ler-qi.org/Carta-de-uma-militante) – além de terem passado por suas fileiras algumas figuras que se tornariam intelectuais marxistas de relevo nos anos seguintes – como Florestan Fernandes e Maurício Tragtenberg.
 
Devido à atual insuficiência das informações disponíveis, ainda não se sabe com exatidão o que levou ao seu fim. É certo que o PSR passou por duros momentos de isolamento internacional após a ruptura de Mario Pedrosa, apesar de ter retomado contato no começo dos anos 1950. Em um documento aprovado pelo Terceiro Congresso da Quarta Internacional (1951), “Latin America: Problems and Tasks”, é mencionada a “seção reorganizada” do Brasil. Além das dificuldades em manter comunicações com o Secretariado Internacional após a saída de Pedrosa, o PSR parece ter passado por uma crise sem volta quando da ruptura entre pablistas e anti-pablistas na Quarta Internacional entre 1952-53.
 
Alguns anos depois (por volta de 1956), parte de seus membros, como Sacchetta e Tragtenberg, fundariam a Liga Socialista Independente, organização frequentemente caracterizada por historiadores como “luxemburguista”, da qual também fizeram parte conhecidas figuras, como Paul Singer e Michael Löwy (atual dirigente do Secretariado Unificado). Em 1952, era fundado no país um novo grupo reivindicando-se trotskista – o Partido Operário Revolucionário, sob coordenação de Juan Posadas, então dirigente do Birô Latino Americano da Quarta Internacional. Esse, entretanto, já é outra página da história do trotskismo brasileiro, que teve lugar já sob o manto do revisionismo pablista.
 
Conclusão
 
O artigo do PSR foi originalmente publicado em 1945 sob a epígrafe “A pedidos”, no Diário Carioca – um periódico de grande circulação do Rio de Janeiro e que na época fazia oposição ao governo de Getúlio Vargas. Em suas oficinas, certamente trabalhavam alguns militantes do partido, seguindo a tradição do trotskismo brasileiro de ter forte inserção entre os trabalhadores gráficos e jornalistas. Não podemos saber ao certo, mas é possível que sua publicação tenha sido fruto de pressão da União dos Trabalhadores Gráficos, dirigida pelo PSR tanto no Rio quanto em São Paulo.
 
Ele se encontra na edição número 5.263, de 12 de agosto, sob o título “O momento político e a posição do Partido Socialista Revolucionário”. Sua transcrição e atualização ortográfica foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário a partir de um exemplar disponível no acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Ao que nos parece, tal artigo encontrava-se esquecido, pois não encontramos referências a ele mesmo em pesquisas de historiadores especializados no movimento trotskista brasileiro.
 
Cabe ressaltar que existe uma tradução de tal artigo para o inglês disponível já há alguns anos na Encyclopedia of Trotskyism Online (https://www.marxists.org/history/etol/). Essa versão foi originalmente publicada em abril de 1946 em Fourth International (revista teórica do SWP norte-americano), v. 7, n. 4, sob o título “The Political Situation in Brazil”, com algumas modificações em relação à versão original em português.
 
Sem a pretensão de termos esgotado as questões que cercam a existência do PSR, fica a nossa modesta contribuição à história do movimento operário brasileiro e à memória dos nossos antepassados programáticos, dos quais podemos tirar importantes lições para nossas lutas presentes.
 
ALGUMAS INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS
 
ABRAMO, F. e KAREPOVS, D. Na contracorrente da História – Documentos da Liga Comunista Internacionalista (1930-1933). São Paulo: Brasiliense, 1987.
 
ALMEIDA, Miguel Tavares de. “Os trotskistas frente à Aliança Nacional Libertadora e aos levantes militares de 1935” in Cadernos AEL: trotskismo (v. 12, nº. 22/23). Campinas: Unicamp/IFCH/AEL, 2005, p. 83-117.
 
CASTRO, Ricardo Figueiredo de. “Os intelectuais trotskistas nos anos 30” in REIS FILHO, Daniel Aarão (org.). Intelectuais, história e poder (séculos XIX e XX). Rio de Janeiro: 7 letras, 2000, p. 137-152.
 
FERREIRA, Pedro Roberto. “O Brasil dos trotskistas (1930-1960)” in Cadernos AEL: trotskismo (v. 12, nº. 22/23). Campinas: Unicamp/IFCH/AEL, 2005, p. 11-58.
 
NETO, José Castilho M. Solidão Revolucionária – Mário Pedrosa e as origens do trotskismo no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

Arquivo Histórico: o pós-guerra e o estalinismo no Brasil

“A pedidos”
O momento político e a posição do Partido Socialista Revolucionário
 
Originalmente publicado no Diário Carioca, n. 5.263, de 12 de agosto de 1945. Para a introdução do Reagrupamento Revolucionário a este documento, leia Dos arquivos do trotskismo brasileiro – O Partido Socialista Revolucionário, de junho de 2014.
 
O povo brasileiro mal começa a afastar as sombras trevosas da longa noite do Estado Novo. Compelida por fatores de ordem interna e, sobretudo, por motivos de ordem internacional, a ditadura aparentemente capitulou. Estão marcadas para 2 de dezembro do ano em curso as eleições presidenciais e para as Câmaras.
Num desentorpecimento moroso, porém progressivo, todas as camadas populares principiam a mobilizar-se para o pleito eleitoral, deixando, contudo, entrever ainda certo desinteresse e ceticismo. O vírus totalitário, inoculado pela camarilha pré-fascista de Getúlio Vargas, não logrou, todavia, eliminar de vez a consciência política das massas populares do Brasil. Dia a dia, afloram para a vida partidária ativa novos setores.
 
O proletariado brasileiro, de tão gloriosas tradições de luta e alvo mais golpeado pela fúria totalitária do getulismo, que o sangrou pela miséria crescente e o paralisou com recursos terroristas e de demagogia social, demonstra – embora ainda confuso sobre o itinerário a empreender – decisão de retomar seu curso histórico interrompido pelo golpe de 10 de novembro [de 1937].
 
As forças políticas em campo
 
Agrupamentos políticos de várias colorações ideológicas, representando interesses econômicos os mais diversos, começam a proliferar por todo o país. Deles, três correntes principais, pelo seu valor quantitativo, ocupam o cenário brasileiro: duas disputam a presidência da República e representações parlamentares e a terceira declara-se, antes de mais nada, pela convocação da Assembleia Nacional Constituinte.
 
Agrupam-se em torno da legenda do Partido Social Democrático, os adeptos francos e aparentes do general Gaspar Dutra, ministro da Guerra, considerado candidato situacionista à presidência da República [ao final, foi Dutra o candidato eleito]. Não obstante a sua heterogeneidade, dado o caráter de nossa economia e a imaturidade histórica da classe burguesa brasileiras, as forças que integram a corrente dutrista representam o que de mais nitidamente reacionário há entre os detentores dos meios de produção no Brasil. Reúnem-se sob a bandeira do P.S.D. o industrialismo e o grande comércio nacional em sua expressão mais acabada (os Sres. Roberto Simonsen, Matarazzo, Euvaldo Lodi, Gastão Vidigal, Brasilio Machado Neto, etc.) – o grupo industrialista de tendências abertamente protecionistas e com ligações mais estreitas com o imperialismo inglês.
 
Aparentemente, todo o aparelho estatal, através das interventorias [modelo implementado por Vargas para controlar os governos estaduais], forma igualmente ao lado do general Gaspar Dutra.
 
Bem mais heterogênea pelo seu conteúdo econômico-social que a primeira facção, a “União Democrática Nacional” constitui um amálgama da burguesia rural (PRP [Partido Republicano Paulista], PRM [Partido Republicano Mineiro], com os Sres. João Sampaio, Julio Prestes, Alberto Whately, Artur Bernardes, etc.), e das classes médias remanescentes do “tenentismo” (como Jurací Magalhães, José Américo, Manuel Rabelo, Virgilio de Melo Franco, Miguel Costa, Eliezer Magalhães, etc.), comércio médio e setores da pequena burguesia urbana de tendências radicais no campo das reformas sociais: União Democrática Socialista, Movimento Libertador, Intelectuais franco-atiradores, etc. – a chamada “esquerda democrática”, de inclinações socializantes. Mal grado a presença “circunstancial” de fortes núcleos de latifundiários, o conteúdo econômico-social desse agrupamento determina e revela, como traço dominante em sua expressão programática, tendência liberal tanto no campo econômica, manifestada pelo não-intervencionismo estatal e pelo livre-cambismo, como no plano político, expressa pela concessão de liberdades públicas e democracia operária (liberdade sindical e direito de greve). Na esfera internacional mantém laços mais chagados com o imperialismo norte-americano, principal consumidor de nossos produtos agro-pecuários e matérias primas – fornecendo, em troca ao Brasil, capitais e produtos mecano-faturados.
 
Extremamente mais complexa que as duas correntes anteriores, apresenta-se a que se poderia denominar “prestista-queremista”. Muito embora esteja bem distante de possuir “unidade orgânica absoluta”, engloba tendências que, com “objetivos próprios”, visam centralmente, por mais que o procurem dissimular, o afastamento das eleições presidenciais. Seus chefes manifestos são Luis Carlos Prestes, líder do stalinismo no Brasil, e o ditador Getúlio Vargas. Se as molas internas da posição de Prestes encontram sua explicação mais em fatores internacionais que nacionais (manobras da diplomacia de Stalin, para conseguir-se governos “amigos”, relações de comércio, etc.), a posição de “apaziguadores” dos dirigentes do Partido Comunista do Brasil, que lutam pela “ordem” e pela solução “pacífica e unitária” da crise brasileira, com a mão estendida a uma imaginária “burguesia progressista”, finca raízes por mais estranho que possa parecer – na mesma base bonapartista da ditadura pré-fascista de Getúlio Vargas. Como até há pouco a ditadura se situava “acima” dos grupos políticos beligerantes para manter a “ordem” e proteger a propriedade, pretendendo desempenhar papel de árbitro, assim, agora, Prestes e seus seguidores ex-comunistas abandonam, totalmente, o campo da luta de classes, em busca de um “desenvolvimento pacífico da humanidade” por eles idealizado – e abandonam, igualmente o internacionalismo, como inútil, em face da “cooperação crescente das grandes potências”. Com sua posição de equidistância das candidaturas e com o seu semi-alheiamento da luta presidencial, reivindicando em primeiro lugar a convocação da Assembleia Constituinte, “com Vargas e comparsas ainda no poder”, Prestes revela o caráter bonapartista de sua política e efetiva “na prática”, um bloco do PCB com os remanescentes do Estado Novo.
 
Não é por mera casualidade que a posição de Prestes hoje se confunde quase inteiramente com o bonapartismo pré-fascista de Getúlio Vargas. A ideologia termidoriana de Stalin, que promoveu a degenerescência do Estado Operário Russo, projeta-se sobre todas as antigas seções da defunta III Internacional. Daí a razão de Prestes levar os ex-comunistas do Brasil, com algumas exceções, a essa posição de nacional reformismo bonapartista, condensada no programa lido em São Januário e preterido, com acentuada nota demagógica, para “todo o povo” de São Paulo no Pacaembu. O bonapartismo prestista, com sua obsessão “anti-golpista” e “apaziguadora”, recorre ao mesmo arsenal da demagogia social de que lançou mão Getúlio para justificar o golpe de 1937, visando defender a dominação de classe da burguesia contra a agitação eleitoral de seus próprios partidos políticos. Se, com essa posição, leva água ao moinho da ditadura que, como aparelho estatal, tudo tentará fazer para sobreviver, é verdade, também, que Prestes tem objetivos próprios nacionais-reformistas, que procura realizar com a participação de sua tendência “num governo de confiança nacional”. Na órbita externa esse governo atenderia às aspirações de sobrevivência da casta burocrática que domina a Rússia, hoje em acentuada regressão nacionalista, promovida pelos senhores do Kremlin.
 
As razões porque, não obstante essa criminosa política de colaboração de classes, o PC do Brasil vem conquistando certo prestígio de massas, residem no profundo atraso político de certos setores do proletariado brasileiro, entravado em sua formação ideológica nestes últimos quinze anos, pela linha nefasta da defunta III Internacional e pela demagogia totalitária do Estado Novo; de outra parte porque mais do que comunismo, as camadas pequeno-burguesas e largos setores “plebeus” vêem em Prestes o radicalismo democrático do antigo prestismo da Coluna [Prestes-Maia, principal destacamento do ‘tenentismo”], que se confunde com suas limitadas aspirações de hoje.
 
Pouco difere a base de massas do “queremismo” [setor que defendia a permanência de Vargas na Presidência] da de Prestes. Com exclusão do setor do prestismo que acompanha Prestes por nele entender estar o símbolo do comunismo, trabalhadores e intelectuais que antes da libertação do chefe do PC do B. seguiam Getúlio Vargas com o apoio dissimulado que hoje os stalinistas emprestam ao “queremismo”, se integram praticamente numa só corrente “prestista-queremista”, que pode desaguar num “golpe branco”, tomando a forma de “governo de confiança nacional”.
 
Os discursos – plataforma de Prestes
 
Mesmo ao mais bisonho dos marxistas, àquele cujo conhecimento da doutrina de Marx e Engels não vai, ainda, além do “ABC do Comunismo”, as teses defendidas por Prestes em seus discursos devem ter soado como as teorias de Paracelso a um discípulo de Saddy ou Ashton.
 
Seria ultrajante aos próprios “socialistas humanitários” do século XVIII estabelecer-se um paralelo analógico entre suas ideias e as do “líder nacional”.
 
O falso radicalismo pequeno-burguês do chefe do P.C.B. não consegue sequer mascarar o abandono total do marxismo pelo antigo capitão da “Coluna Prestes”. As fontes de sua linha geral são visíveis. A orientação “tático-estratégica” do P.C.B. emana da afirmativa de Stalin de que “terminou o período de guerra, e começou o período do desenvolvimento (!) pacífico”. Essa constatação do mágico do Kremlin bastou para que seus satélites no mundo todo se apressassem em lançar ao desvão das coisas imprestáveis até mesmo a fraseologia pseudorrevolucionária.

Para Prestes, a crise brasileira só encontrará solução justa através de uma União Nacional pela “colaboração sincera (!) e leal (!) de todos os verdadeiros (!) patriotas, sem distinção de categoria social, ideologias políticas e credos religiosos”. E, agora a justificação “teórica”, pela natureza dos problemas brasileiros que “são problemas da revolução democrático-burguesa”: a solução desses problemas “interessa, sem dúvida, ao proletariado, que em países como o nosso sofre muito menos da exploração capitalista do que da insuficiência do desenvolvimento capitalista.” A extensão dessas ideias de colaboração de classes ao domínio internacional, leva o orador de Pacaembu a dividir o capital financeiro, isto é, o imperialismo, em colonizador e benéfico. Torna-se evidente, pois, que com tal ordem de ideias, que nem mesmo encontram amparo nos mais servis reformistas da II Internacional, o Sr. Luiz Carlos Prestes se atole no pântano da colaboração com a ditadura, a qual dá “apoio franco, aberto e decidido” na sua “marcha para a democracia e enquanto assim proceder”, porque a “prática verdadeira (!) e sincera (!) da democracia é coisa das mais necessárias em nossas terras”.
 
Dos arroubos líricos de Prestes sobre União Nacional, verdadeira democracia, capital estrangeiro benéfico, partido comunista de todos (céticos, agnósticos, ateus, católicos, etc.), o proletariado consciente, formado na escola do marxismo, só pode ser levado a uma conclusão: o chefe do P.C.B., mais do que um revisionista da teoria revolucionária de Marx, Engels, Lenin e Trotsky, é um renegado do socialismo. Não cabe aqui justificar com textos dos mestres do socialismo científico o que afirmamos. Basta para isso a simples leitura do “Manifesto Comunista” de 1848, ou então do “Imperialismo, última etapa do capitalismo” e “O Estado e a Revolução” de Lenin.
 
O idólatra da “ordem” e da “solução efetiva, sem maiores choques e atritos, dos graves problemas econômicos e sociais da hora que atravessamos” finge ignorar que na sociedade capitalista a “ordem” sempre significa a submissão do proletariado à classe dominante e que as soluções “sem maiores choques e atritos não podem deixar de ser senão as soluções impostas pelos detentores das fábricas e das terras aos seus escravos assalariados. Suas declarações místicas em torno da democracia nada tem a ver com o conceito marxista desse regime, em que a “escravidão assalariada é o quinhão do povo”.
 
Prestes ignora, ou finge ignorar, que os leninistas, sempre que lutam pela república democrática, o fazem apenas porque nela veem a melhor forma de governo sob o sistema capitalista, sem perder de vistas que esse regime é o que mais meios proporciona ao proletariado para este atingir o socialismo, e que jamais constitui para a classe avançada um fim em si.
 
A União Nacional “de todos os verdadeiros (!) patriotas sem distinção de categoria social, ideologias políticas e credos religiosos”, preconizada pelo “caudilho”, é a hipertrofia colaboracionista de tática de Frente Popular, de tão trágicas consequências para o proletariado espanhol e francês. Mais do que a Frente Popular, a União Nacional apaga de vez as delimitações de classes no Estado burguês, o que quer dizer, subordina sem restrições o proletariado ao aparelho burocrático-policial da dominação capitalista. União Nacional implica abandono da luta de classe, que redunda, na prática, na entrega dos trabalhadores de punhos e pés atados aos donos das fábricas e das terras.
 
O apelo aos “verdadeiros patriotas” feito pelo “guia” dos stalinistas, não pode ser dirigido às massas operárias urbanas e rurais. Só quando o proletariado se apodera do Estado é que passa a ter uma pátria a defender. Surge nele, então, o sentimento de patriotismo revolucionário, que não deve ser confundido com o nacionalismo chauvinista da burocracia soviética. Por ora, pertencem às classes dominantes os “verdadeiros patriotas” do Brasil.
 
O Partido Comunista apresenta-se hoje como partido de “todos”. Nisso, também, o pensamento de Prestes não se eleva um milímetro de um vulgar “populismo”, agravado pelo caráter da época em que ressurge. Igualmente, a esse respeito, de nada valem ao líder do P.C. os ensinamentos do leninismo sobre a natureza do “partido do proletariado” – organização rigorosamente da classe operária, estruturada por uma ideologia materialista e ateia. Como não podia deixar de ser, a mentalidade pequeno-burguesa e colaboracionista do chefe projeta-se no plano organizatório, plasmando uma contrafação de partido comunista, que se esboroaria ao primeiro choque decisivo que viesse a travar com a burguesia.
 
Não é de outro teor a consistência das ideias econômicas de Prestes, na “política prática”. Quando não contorna as questões que mais afligem o proletariado, como a carestia da vida, o pauperismo, as condições de trabalho, indicando “soluções” genéricas que não podem ser entendidas pelas massas trabalhadoras, ou se abre em desbragada demagogia nociva à classe operária, ou descamba para fórmulas primárias, rejeitadas como inócuas até pelos economistas burgueses.
 
Desconhecendo ou fingindo desconhecer a lei do desenvolvimento desigual do capitalismo na esfera nacional e internacional para afagar a sua idealizada burguesia “progressista” industrial, poupa esta voraz devoradora de “lucros extraordinários”, desfechando o furor de sua crítica sobre os latifundiários. Sem dúvida, está no primeiro plano das transformações radicais porque deve passar o Brasil a questão da distribuição das terras. Porém, não nos moldes indicados pelo “chefe nacional”. Se a experiência revolucionária mostra que em determinadas condições o problema agrário pode e deve ser apresentado no plano da “legalidade burguesa”, isto não significa que deva ser desfigurado, por contingências de adaptação ao Estado capitalista em seus objetivos finais: “a revolução agrária”. Se não se pretende disseminar confusão na mente das massas trabalhadoras rurais, deve-se, dentro dos quadros do regime burguês, desfraldar a reivindicação de confisco das propriedades territoriais que passem de certa extensão, variável segundo as regiões.
 
Ainda assim, a expropriação, sem indenização, das grandes glebas, não pode apresentar-se desvinculada de outras medidas de caráter revolucionário como o controle operário da produção.
 
Reivindicações dessa ordem não são, porém, lançadas arbitrariamente. Impõem-se condicionadas por determinada conjuntura econômico-política, quando a relação das forças sociais começa a manifestar-se favorável ao proletariado.
 
No entanto, o obsessivo menchevismo nacional-reformista de Prestes o leva a reduzir a questão agrária brasileira ao problema da criação de “mercados internos”, para o desenvolvimento da sua idealizada burguesia “progressista”… Desprezando as fecundas experiências das lutas camponesas da história, e, impelido por seu entranhado oportunismo, o lendário capitão apresenta, para um dos mais vitais problemas brasileiros, uma solução utópica e reacionária.
 
As vociferações de Prestes contra os “trotskistas”
 
A doutrina de Prestes nada tem, pois, de comum com o marxismo leninismo. As consequências de sua renúncia teriam efeitos bem menos nocivos se o famoso capitão o confessasse de público. Não o faz, porém. E, assim, se torna um mistificador do proletariado.
 
Para mascarar a capitulação diante da burguesia, e o jogo combinado que trava com a ditadura, o líder stalinista cobre de insultos todos quantos lhe denunciam o oportunismo. Os marxistas revolucionários, que qualificam com o termo próprio a política colaboracionista do P.C.B: Traição. E os intelectuais de esquerda e a oposição “liberal”, que lhe exprobram o apoio ao ditador Getúlio Vargas e ao Estado Novo.
 
O orador da “festa” do Pacaembu, com a imprudência do mentiroso consciente, envolve sob o mesmo rótulo de trotskistas os socialistas revolucionários – discípulos de Lenin e Trotsky – e a esquerda da pequena burguesia, que nada tem de comum com o marxismo. E as críticas às suas palavras, “ordeiras e seguras”, às suas posições falsas, que deram novo alento à ditadura, o “caudilho” as chama de “provocações a serviço do fascismo”. A “canalha trotskista”, para esse “Füher” semicolonial, não são unicamente os marxistas da mesma escola de Lenin e Trotsky, que, fiéis à teoria dos chefes do bolchevismo, não procuram ludibriar o proletariado com colaboração de classes e patriotismo pequeno-burguês; que apontam às massas populares o caminho da luta sem quartel contra a ditadura getuliana e todas as demais formas de despotismo; que não veem na burguesia brasileira nenhuma fração “democrático-progressista”; que não dissimulam seu objetivo final, o comunismo, através da ditadura do proletariado, apoiado no semiproletariado rural e no campesinato pobre, e que declaram abertamente, sem rebuços, que só pela via da luta de classes e de internacionalismo o proletariado poderá minorar esta miséria presente e, quando as condições econômico-politico-sociais o permitirem, libertar-se definitivamente dos grilhões da escravidão capitalista. Para Prestes, a “canalha trotskista” abrange, igualmente, os intelectuais da pequena burguesia socialista que, embora anti-trotskista, lutam honestamente contra o ditador Vargas e seus comparsas e por uma democracia formal.
 
Lançando num mesmo saco marxistas revolucionários – que se orgulham de ter tido em suas fileiras um militante proletário da envergadura de Leon Trotsky, cujo papel histórico e ensinamentos marxistas as vociferações caluniosas jamais lograrão destruir – e pequenos burgueses radicais ou liberais oposicionistas, dedicados a desmantelar a ditadura burocrático-policial do usurpador do [Palácio do] Catete, o chefe do P.C.B. visa atemorizar a estes últimos, forçando-os a silenciar a crítica a seu oportunismo desastroso. Nisso, também, Prestes se utiliza dos métodos de seu “aliado” de hoje que, até há pouco, chamava de comunistas a quantos ousassem se opor à totalização do Brasil.
 
Berre, pois, o Sr. Luiz Carlos Prestes, contra os “trotskistas”, que a ditadura e a burguesia em conjunto se alegrarão.
 
A posição dos socialistas revolucionários
 
Os marxistas revolucionários rejeitam como falsa e de traição deliberada a perspectiva do “desenvolvimento pacífico” da sociedade, iniciado, seguindo Prestes e seu mestre, com a derrota militar do fascismo.
 
Aos ex-comunistas de defunta III Internacional com seus Stalin, Togliatti, Browder, Galagher e consortes, coube, desta vez, ao fim de uma segunda chacina imperialista, descobrir o processo de “adaptação do capitalismo” que os Bernstein, Briand, Millerand, e companhia anunciaram quando se encerrou a matança de 1914-18.
 
Os reformistas de nossos dias, em sua volúpia “apaziguadora”, estão se precipitando. A destruição dos bandidos nazi-fascistas não só, nem remotamente, tem algo que ver com a abolição dos antagonismos entre o proletariado e a burguesia, como em nada reduzirá as contradições de interesses entre os vários grupos imperialistas.
 
Que não se deixe iludir a classe operária, com a vitória dos trabalhistas ingleses [Labour Party] ou com a participação dos comunistas de “fachada” nos governos burgueses de coalizão. A burguesia sabe defender-se. Ela concede com a mão esquerda o que pretende tomar, em dobro, com a direita. A participação dos falsos esquerdistas no poder é o “consolo” dado pelo capitalismo ao proletariado e às massas populares, que saem mais miseráveis do que nunca desta guerra. É, também, o recurso de que se servem as classes dominantes, a fim de evitar “explosões” revolucionárias.
 
Os reformistas da defunta III Internacional, em sua ânsia conservadora, de “soluções pacificas e unitárias”, se antecipam, com suas teses de “desenvolvimento pacífico”, a uma pouco provável nova estabilização relativa do sistema capitalista. Mas, com seu descarado e cínico oportunismo, “de fato, para ela concorrem”. Pregam a “paz social”. Sufocam os movimentos grevistas e insurrecionais. Promovem ou endossam todos os novos acordos imperialistas.
 
Esses valetes do capitalismo, representados no Brasil por Prestes, poderão desempenhar, provisoriamente, como já sucedeu em outras situações históricas, o papel de médico-de-cabeceira do moribundo. Contudo, o efeito de sua terapêutica é precário. Porque o doente agonizante não tem mais salvação.
 
As duras e terríveis derrotas impostas ao proletariado mundial pelas classes dominantes, nestes últimos vintes anos, “em consequência das traições de sua antiga vanguarda – a III Internacional”, não podem deixar de fazer sentir suas consequências nos dias presentes. Mas, em virtude de sua própria missão histórica, o proletariado tem limitadas possibilidades de recuperação.
 
Com esta guerra, a burguesia mundial não deu solução a um só de seus problemas, ao contrário, agravou-os extremamente. As massas populares europeias, empobrecidas ou esfomeadas, já se defrontam com o inverno, em condições da economia do Velho Mundo mortalmente desorganizada. As reações anti-capitalistas da classe operária, agora ainda inseguras e confusas, poderão assumir, sob a direção da nova vanguarda que se cristaliza – a “IV Internacional” – proporções tais, que autorizem o inicio de novo ciclo de revoluções proletárias pela instauração do “Socialismo”.
 
Contudo, se sólidas perspectivas há nesse rumo, as massas trabalhadoras e sua legítima vanguarda – os marxistas revolucionários – ainda se encontram distantes dele.
 
No Brasil, é hora de batalhas defensivas de retaguarda, “contra a miséria crescente e pela democracia operária”.
 
No curso de escaramuças de classe pela “reconquista e fortalecimento dos sindicatos”, hora sob controle de uma burocracia corrupta a serviço do Ministério do Trabalho e da polícia; de arremetidas por aumento de salário mínimo, como base, e por uma escala móvel dos salários; por melhores condições de trabalho, pela constituição e direito de existência legal dos “Comitês de fábricas, fazendas e quartéis”; pela organização e manutenção de seus “partidos” e “jornais proletários”, a classe operária readquirirá e ampliará a confiança em suas próprias forças, desenvolverá sua consciência de classe, delimitando, com rigor e precisão, seu próprio campo e o de seus inimigos.
 
Esse plano de lutas parciais, posto em execução, rearticulará as forças operárias, unificará suas fileiras, forjará o exército do trabalho para as “batalhas decisivas da vanguarda”, contra o “Capitalismo” e pelo “Socialismo”.
 
O proletariado não deve deixar-se envolver pela embriaguez eleitoral. O voto, que, para os reformistas e oportunistas de quaisquer colorações, constitui a panaceia para todos os males sociais, para a classe operária não passa de um instrumento acessório de luta política. Pode e “deve” ser utilizado como recurso auxiliar, particularmente na conjuntura econômico-política em que se encontra o Brasil. Mas deve ser exercido como outra “afirmação” de consciência de classe.
 
As sereias eleitoreiras de todos os agrupamentos se voltarão agora, com redobrada hipocrisia e novas e sedutoras promessas, para as massas populares, requestando-lhes os votos.
 
Pusemos à mostra o conteúdo político, econômico e social das três mais poderosas correntes que se apresentam, “legalmente” para disputa das urnas:
 
O “Partido Social Democrático”, utlrarreacionário, efetivamente continuador legal do Estado Novo, e aglutinador do que há de mais conscientemente contrarrevolucionário do fascismo e semi-fascimo brasileiros, até às oligarquias do passado.
 
A “União Democrática Nacional”, popularizando as oposições liberais, em conjunto “conservadora”, com tinturas democráticas, que lhe são emprestadas pela “ala esquerda” formada pelo radicalismo pequeno-burguês.
 
O “prestismo-queremismo”, de composição mais popular pelo predomínio nele do Partido Comunista do Brasil, que especula com os anseios socialistas do proletariado, mas que, “na prática”, se situa mais “à direita” que as oposições burguesas, prestando-se ao jogo da ditadura em seus esforços de sobrevivência, quer por um possível “golpe branco”, quer pela indicação não menos possível do nome do ditador às eleições presidenciais.
 
Esse quadro político é, ainda, passível de recomposição. Representa, porém, em suas linhas gerais, as tendências dominantes da situação brasileira.
 
Nenhuma destas candidaturas à presidência da Republica, pelas suas origens de classe e pelas forças sociais que as plasmaram, deve merecer a confiança do proletariado urbano e rural, do campesinato semiproletário e pobre. Mais do que o pleito presidencial, que não obstante, “pode” constituir uma etapa, o que interessa ao povo brasileiro, “em seu conjunto”, é a convocação de uma “Assembleia Constituinte”, eleita por sufrágio universal, direto e secreto.
 
Nenhuma fé supersticiosa nutrimos pelas “virtudes” das eleições burguesas, como, também, quase nada pode esperar o proletariado de parlamentos constituídos dentro dos quadros do Estado Capitalista. Todavia enquanto as relações das forças sociais se mostrarem desfavoráveis às massas operárias, não lhes é permitido substituir, no poder a burguesia historicamente já falida, desta deve arrancar a maior soma de liberdades democráticas, a fim de se organizar livremente e se educar revolucionariamente. É só nesse sentido que lutamos por eleições livres, e por uma Assembleia Nacional Constituinte, em que a voz do proletariado de vanguarda possa se fazer ouvir.
 
Frente única da ação
 
Em sua luta pela conquista de “democracia operária” (liberdade de associação sindical e partidária, liberdade de imprensa para os trabalhadores, etc.) o “Partido Socialista Revolucionário” declara-se disposto a marchar em frente única com todas as forças democráticas e socialistas do campo pequeno-burguês, bem como, “através de atos concretos”, com a oposição liberal voltada “agora” contra o Estado Novo, principal inimigo, na presente etapa da democracia proletária, por que os marxistas revolucionários lutam dentro do regime burguês.
 
Essa frente única “dinâmica de ação”, não implica no compromisso de renunciarem os socialistas revolucionários à sua autonomia organizatória e à crítica de ideologia de seus aliados “circunstanciais” e deve manifestar-se, desde já, em atos concretos pela conquista das aspirações mais sentidas pelas massas populares. No plano eleitoral, pode atingir a forma de um acordo técnico, para conjugação de forças socialistas e radicais, sob uma legenda comum.
 
Os socialistas revolucionários declaram-se dispostos a lutar, ombro a ombro, com quantos o estejam “efetivamente” também, contra as manobras ditatoriais visando impedir as eleições, o que, “de fato”,  redundaria na restauração das formas terroristas do governo com que o Estado Novo se sustentou até princípios de 1945.
 
Reivindicações imediatas
 
Entendemos que, como “objetivos imediatos”, o proletariado e as massas populares têm à sua frente as seguintes tarefas:
 
1º) Derrubada do Estado Novo e consequente abolição da “Constituição” de 1937, com todos os seus apêndices. Convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita por sufrágio universal, direto e secreto, extensivo a todos os maiores de 18 anos, aos praças e aos analfabetos.
 
2º) Liberdade de associação político-partidária sindical e cultural; liberdade de imprensa. Reconhecimento de existência legal dos organismos de locais de trabalho (comitês, grupos sindicais, seções partidárias, etc.).
 
3º) Irrestrito direito de greve.
 
4º) Elevação dos salários mínimos em 50% com a incorporação do abono e adoção da escala móvel de salários em correlação aos artigos de consumo. O salário, com o mínimo estritamente assegurado, segue, assim, o movimento dos preços.
 
5º) Supressão do Tribunal de Segurança e dissolução das polícias políticas e especiais.
 
6º) Escala móvel de horas de trabalho, “sem redução dos salários de oito horas”, tendo em vista as perspectivas de desemprego em futuro próximo. Seguro contra o desemprego.
 
7º) Melhora da legislação trabalhista e consequente revogação de todas as leis fascistas nesse domínio. Extensão de legislação trabalhista aos trabalhadores rurais.
 
8º) Melhora das pensões e aposentadorias, assegurando-se aos aposentados e beneficiários o recebimento integral dos salários, que devem acompanhar o movimento da escala móvel. Unificação dos Institutos e Caixas [previdenciários] e entrega da direção aos trabalhadores.
 
9º) Abolição dos impostos indiretos e confiscação dos lucros extraordinários, como uma das formas de luta “efetiva” contra a crescente carestia da vida.
 
A tarefa estratégica dos socialistas revolucionários não consiste em reformar o capitalismo, mas em suprimi-lo. Torna-se evidente, pois, que as reivindicações acima capituladas não constituem nosso “programa de transição”, já dado a público, e muito menos nosso programa máximo. Representam um corpo de aspirações “mínimas” e imediatas do proletariado e das massas populares, para cuja conquista no todo ou em parte o P.S.R. chama a classe operária à luta e as organizações socialistas e populares “à frente única de ação”.
 
Todo movimento reivindicatório ativo, na hora que passa, transforma-se em golpes acertados contra a ditadura e seus sustentáculos.
 
Tanto mais asseguradas estarão as eleições quanto mais o proletariado e as demais camadas do povo nelas interessadas se mobilizarem em ações concretas contra o Estado Novo e pelos seus interesses mais imperiosos.
 
Rio de Janeiro, julho de 1945.
 
O Comitê Central do Partido Socialista Revolucionário.

(Seção Brasileira da Quarta Internacional)

Arquivo Histórico: Dia Internacional da Mulher Trabalhadora

Em homenagem a todas as trabalhadoras, publicamos neste Dia Internacional da Mulher Trabalhadora dois artigos de interesse histórico para os defensores dos direitos da mulheres que se reivindicam ou se interessam pela tradição trotskista.

O primeiro é um artigo escrito em 1954 por Evelyn Reed, importante revolucionária norte-americana, ativista em prol dos direitos das mulheres e dirigente do Partido dos Trabalhadores Socialistas (SWP/EUA). O outro foi escrito pela então revolucionária Liga Espartaquista dos EUA em 1975, em seu periódico Women and Revolution (“A mulher e a Revolução”), e traduzido para o português pelo Reagrupamento Revolucionário. Boa leitura!

Dia Internacional da Mulher Um Feriado Proletário (W&R, 1975)

Arquivo Histórico: Vern-Ryan e a Revolução Boliviana

Comunicamos aos nossos leitores a publicação de três importantes documentos históricos, escritos entre 1952 e 1954 por Sam Ryan e Denis Vern, militantes da filial de Los Angeles do SWP (Socialist Workers Party) norte-americano. A “fração Vern-Ryan”, como ficaram conhecidos, foi a única voz a criticar, à época, a posição oportunista do Partido Obrero Revolucionario boliviano (POR) ante a revolução deflagrada a partir de abril de 1952, bem como a conivência com a mesma por parte dos órgãos dirigentes da Quarta Internacional, já então sob direção pablista.

Tais documentos são de grande importância histórica na luta contra o revisionismo que dominou o movimento trotskista, ainda que possuam falhas e insuficiências. Sua tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário a partir da versão em inglês disponível na publicação da Liga pelo Partido Revolucionário (LRP/EUA), “Bolivia: The Revolution the ‘Fourth International’ Betrayed” (1987). Acesse:

      Reagrupamento Revolucionário n. 06

      É com alegria que anunciamos a nossos leitores o lançamento da nova edição da revista Reagrupamento Revolucionário. Disponível em formato PDF ou com nossos militantes. Boa leitura!
       

      Reagrupamento Revolucionário n. 06
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      Balanço das Jornadas de Lutas de 2013

      Panfleto do RR no Fórum de Lutas do Rio de Janeiro

      A greve dos educadores do Rio de Janeiro

      Sobre o fim da greve da educação

      A posição do PSTU ante o golpe militar no Egito

      Da experiência com o estalinismo ao trotskismo

      Debate com a FT (LER-QI) sobre a Líbia e a Síria

      Traduções inéditas de artigos de Leon Trotsky: O que é um “jornal de massas”? e Lutando contra a corrente.

      Balanço das Jornadas de Lutas de 2013

      Questão negra, Black Blocs e classe operária
      Um Balanço das Jornadas de Lutas de 2013 e Algumas Posições na Esquerda
       
      Rodolfo Kaleb, janeiro de 2014
       

      No último ano, o Brasil da “Pax Petista”, com a relativa estabilidade política da última década, simplesmente ruiu diante de nossos olhos. A ideia oportunista de que o governo burguês liderado pelo PT, mesmo em meio a uma crise econômica internacional, caminhava tranquilamente com sua agenda capitalista foi abalada por uma onda de choque. Protestos massivos que tinham como pano de fundo a precarização dos serviços públicos e o aumento dos custos de vida, além do repúdio contra a violência policial – talvez os maiores na história do nosso país em termos de abrangência nacional – chegaram ao auge em junho e se prolongaram em muitas cidades, como no Rio de Janeiro, pelos meses seguintes.

      Para aqueles ativistas que lutam por uma mudança revolucionária em nossa sociedade – e consequentemente não acreditam no caminho da aliança com a classe dominante e nem que os esquemas eleitorais e reformistas possam trazer as transformações das quais precisam os trabalhadores e a juventude – faz-se necessário um estudo atento das principais tendências na esquerda que se reivindicam revolucionárias e de como estas se posicionaram diante dos desafios conforme eles foram se apresentando no último ano. A luta para a construção de uma corrente revolucionária só pode avançar com um debate franco e aberto entre as diferentes concepções na esquerda. Esse artigo apresenta nosso balanço sobre algumas das questões políticas centrais e é complementado por dois pequenos artigos que lidam com análises da conjuntura [1].
       
      De certa forma, ninguém estava completamente preparado para lidar com este grande processo de lutas. Surpreendidos, os diversos setores da burguesia demoraram até se reorientar. Nas primeiras semanas de protestos, no começo de junho, o terror estava estampado nas faces dos governos e da imprensa capitalista, chocados ao verem pela primeira vez, em muito tempo, a juventude enfrentar sem medo suas polícias, seus carros blindados e outras forças de repressão. Inicialmente exigiram uma criminalização sem piedade de todo o movimento, até perceberem que isso não era o suficiente e passarem a combinar a repressão com a difusão de ideologias pacifistas e despolitizantes, para tentar deformar o caráter originalmente progressivo dos protestos [2].
       
      Essas lutas demonstraram várias coisas, dentre elas que o governo petista, com sua poderosa força de repressão, seu controle sobre muitos sindicatos e sua retórica “desenvolvimentista” não é nem tão forte e nem tão acreditado como poderia parecer. Para muitos jovens, essas jornadas representaram também um primeiro contato com as organizações de esquerda e com o conjunto dos movimentos sociais. Nesse sentido, tais jornadas significaram essencialmente a ruptura de um consenso político que vinha marcando profundamente as gerações posteriores ao fim da ditadura: o consenso neoliberal, do individualismo pautado no “crescer na vida” e na desilusão com a política, reduzida aos joguetes palacianos dos parlamentos e seus bastidores.
       
      Mas as lutas também tiveram muitas limitações: seus triunfos foram muito parciais, já que apenas pequenas melhorias foram conseguidas, basicamente a redução dos preços das passagens (e ainda assim sob financiamento estatal). Além disso, um forte sentimento antipartido, fruto de anos de desilusão com a “política oficial”, deixou a vanguarda isolada, dificultando a disputa desses jovens que se tornaram ativos na luta (alguns dos quais acabaram por aderir frouxamente a idéias anarquistas). Um dos principais motivos limitadores é que, apesar da heroica luta da juventude e dos setores populares, eles não tinham em sua crista a classe social que tem ao mesmo tempo o interesse e o poder para derrotar os governos capitalistas: o proletariado.
       
      O “Dia Nacional de Lutas” e a CSP-Conlutas
       
      Durante a maior parte do período de junho e julho, a classe trabalhadora não interviu enquanto força política organizada, mas sim diluída entre outras classes, em manifestações e protestos de rua – mesmo que boa parte dos jovens que lotaram ruas e avenidas fossem trabalhadores. O primeiro momento em que a classe trabalhadora saiu às ruas fazendo uso de seus métodos de luta históricos (greves, piquetes, bloqueios de rodovias, etc.) foi o dia 11 de julho, o “Dia Nacional de Lutas” que seria repetido de forma anêmica no dia 30 de agosto.
       
      É importante compreender que tais métodos apresentam possibilidades muito mais poderosas para golpear os governos e os patrões contra os quais os protestos de massas estavam direcionados. Sem eles, o máximo que as manifestações podem fazer é uma demonstração de força contra os símbolos do capitalismo e suas forças policiais. Para arrancar as demandas avançadas e derrotar os governos, são necessárias formas de luta que atinjam o coração da besta capitalista. Discordamos daqueles que se recusaram a participar das mobilizações do “Dia Nacional de Lutas” e consideraram-no meramente um “fiasco” da burocracia. Apesar dos limites de tais ações, não se pode menosprezar o fato de que em 11 de julho e em 30 de agosto a classe trabalhadora realizou (apesar das amarras e armadilhas da burocracia sindical) demonstrações significativas de seu poder social.
       
      Os setores da classe trabalhadora com tradição de luta e sindicatos com vida interna (mesmo que controlados por governistas e pelegos) visivelmente queriam tomar parte nas batalhas que vinham se dando nas ruas. Mas os burocratas que dominam os principais sindicatos brasileiros foram um empecilho monstruoso que efetivamente preveniu que ela se pusesse à frente das poderosas manifestações de junho e julho. Apenas após os atos diminuírem e os ânimos de protesto se acalmarem um pouco, foi que se convocou o “Dia Nacional de Lutas”, de forma conjunta (e propositalmente tardia) pelas centrais sindicais brasileiras (CUT, Força Sindical, UGT, CTB, CGTB, CSP-Conlutas e outras). A maior parte dos seus dirigentes claramente buscou manter a mobilização contida a um nível “aceitável” para o governo do PT. Em muitas categorias importantes, não houve greve ou agitação. Paralelamente, as centrais alinhadas diretamente com o governo, CUT e CTB, tentaram transformar o dia 11 em um dia de apoio velado ao governo Dilma e sua promessa vazia de “ouvir a voz das ruas”.
       
      A maioria dos sindicatos está nas mãos de carreiristas pró-capitalistas, que destroem as possibilidades de uma luta bem organizada e consciente, minam a confiança e desanimam o proletariado, além de semearem ilusões nos governos burgueses (e têm feito isso por décadas). Para manterem suas posições privilegiadas, os burocratas precisam impedir uma luta destemida dos trabalhadores. Os revolucionários atuam nos sindicatos não como um fim em si (até porque estes são atualmente bastante burocratizados e reúnem apenas uma parcela minoritária da classe trabalhadora). Eles adentram os sindicatos como um meio para chegarem ao conjunto do proletariado. Seus interesses são distintos das práticas institucionalizadas dos burocratas da CUT, Força Sindical, e demais. Durante uma situação explosiva como a que vivemos, um partido revolucionário de trabalhadores teria buscado intervir com a proposta de uma greve geral contra os governos e os patrões.
       
      Enquanto defendesse demandas imediatas sentidas pelos trabalhadores, um partido revolucionário também apontaria a necessidade de os proletários construírem seu próprio governo; tentaria popularizar demandas que vão além dos limites do capitalismo, como o reajuste imediato de salários de acordo com o aumento do custo de vida, o direito a um salário mínimo para todas as necessidades essenciais (como calculado pelo DIEESE – R$ 2.761 em novembro de 2013) e redução progressiva das horas de trabalho (sem redução de salário) até acabar com o desemprego; impulsionaria organização dos trabalhadores contra a repressão policial, formando autodefesas baseadas nos sindicatos; realizaria uma campanha implacável de denúncia contra todos os burocratas que traem e freiam as mobilizações; chamaria o movimento operário a se colocar na vanguarda do combate contra cada caso de opressão racial, machista ou homofóbica; proporia soluções radicais para questões que afligem o povo trabalhador, como é a questão da moradia nas grandes cidades, por exemplo, defendendo o direito de confisco de todos os imóveis fora de uso pelos trabalhadores que precisam.
       
      Dirigida majoritariamente por um partido que se reivindica revolucionário (o PSTU), a CSP-Conlutas se coloca em oposição de esquerda ao governo Dilma. Poder-se-ia esperar dessa central um papel chave em desmascarar todos os burocratas que apoiam o governo do PT e se fazem de aliados dos trabalhadores. A CSP-Conlutas teve, de fato, um papel de destaque em muitos estados nas ações do dia 11 de julho (e mais ainda no dia 30 de agosto, quando as demais centrais em grande parte boicotaram a luta) apesar do seu peso pequeno no movimento sindical brasileiro.
       
      Entretanto, sua política passou muito longe de orientar adequadamente os trabalhadores contra os burocratas. A direção da CSP-Conlutas não apoiou as promessas vazias feitas por Dilma em seu pronunciamento televisivo de 21 de junho. Mas caiucompletamente na armadilha “de esquerda” que promove a burocracia, que é a ideia de que seria preciso pressionar o governo para que ele passe a defender os trabalhadores e “mude o país” para melhor:
       
      “Se o governo não demonstra nenhuma intenção de resolver os problemas, a tarefa é aumentar a mobilização. Este é o desafio do momento… É hora de parar o Brasil inteiro para cobrar do governo uma mudança de rumo no país e o atendimento das reivindicações dos trabalhadores. Este é o caminho.” (Ênfase nossa).
       
      — Nota da CSP-Conlutas, 26 de junho de 2013. Disponível em:
       
      “Precisamos parar as privatizações (a começar com o fim dos leilões das reservas de petróleo) e reverter as que já formam feitas, recuperar o patrimônio público que foi entregue para empresas privadas a preço de banana. Sem isso não há soberania nem futuro para o país. O governo precisa parar de dar dinheiro público para as grandes empresas, para que haja recursos para financiar as políticas públicas que melhorem a vida do povo.” (Ênfase nossa).
       
      — Nota da CSP-Conlutas, 1º de julho de 2013. Disponível em:
       
      Essa forma de colocar a questão, que está absolutamente naturalizada no discurso dos dirigentes da CSP-Conlutas, contém um problema gravíssimo, que desorienta os trabalhadores se levarmos em conta uma perspectiva revolucionária. É claro que o proletariado exige o atendimento de reivindicações que são feitas aos governos burgueses nas lutas e os revolucionários devem participar em todas as mobilizações por reformas e melhorias parciais. Mas isso é muito diferente de exigir do governo burguês uma “mudança nos rumos do país” que “melhore a vida do povo”. Os revolucionários não pedem que o governo burguês “passe a favorecer os trabalhadores”. Isso é uma ilusão e/ou uma enganação. Ao contrário, é essencial explicar pacientemente que um governo baseado nas instituições do Estado burguês jamais poderá servir aos proletários.
       
      Por sinal, esse tipo de “estratégia” (“Este é o caminho”) baseada em falsas exigências (falsas, pois não podem jamais ser alcançadas cobrando-as do governo do PT) vai contra a luta por um “governo dos trabalhadores” contra ambos o PT e a oposição de direita, que a CSP-Conlutas diz reivindicar. Ou é preciso derrotar o governo burguês do PT quando a classe trabalhadora estiver suficientemente madura e consciente, ou deve-se apostar em pressioná-lo a “mudar sua política econômica” a favor da classe operária. Não é possível apontar os dois caminhos, mas a direção da CSP-Conlutas frequentemente passeia entre essas duas perspectivas opostas pela raiz. Fazendo isso, auxilia a tese dos burocratas governistas e semigovernistas do “governo em disputa”, a ideia de que se pressionarmos o governo ele pode de alguma forma passar a favorecer os trabalhadores. Essa lógica coloca a CSP-Conlutas no papel de “conselheira de esquerda” do governo burguês.
       
      A CSP-Conlutas é um setor minoritário do movimento sindical brasileiro e não poderia sozinha realizar um movimento capaz de abalar seriamente o governo petista. O que se poderia exigir dela enquanto entidade é, durante as lutas, a realização de uma campanha implacável de denúncia do governo e dos burocratas governistas, com absoluta clareza a respeito das tarefas dos trabalhadores. Como vimos, durante os dias 11 de julho e 30 de agosto isso não foi realizado. Apesar de algumas críticas aos governistas no jornal do PSTU e em alguns folhetos da entidade, prevaleceu o clima de um dia de “unidade de todas as centrais” para cobrar do governo uma “mudança de rumo” na sua pauta econômica (do qual a CSP-Conlutas nada destoou). Assim, no momento em que a classe proletária protagonizou as maiores ações organizadas nos últimos anos, ficou clara a incapacidade do PSTU de fazer da CSP-Conlutas uma alternativa concreta ao sindicalismo governista, pois tal partido coloca a central sindical que dirige no caminho do reformismo e de uma pauta dentro dos marcos do governo petista.
       
      A questão negra entre sangue e fogo
       
      A opressão sofrida pelos negros brasileiros também se revelou de forma dramática nas lutas do último ano. A perseguição policial preferencial aos negros e nordestinos deixa uma fila de mortos. Amarildo, pedreiro negro detido pela polícia no dia 14 de julho por ser considerado “suspeito” de envolvimento com o tráfico de drogas (sem nenhuma “evidência” para além da cor de sua pele e do local onde morava), foi torturado com choques elétricos até a morte e seu corpo ocultado pelos policiais da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha. Impossível esquecer também o assassinato dos moradores na chacina da Favela da Maré durante um protesto no dia 24 de junho, no auge das manifestações de rua. Ao longo dos meses, agressões, assassinatos e desrespeitos contra a população pobre e negra se seguiram um após o outro por parte da polícia, expressando nitidamente como o Estado burguês racista acha que a vida dessa camada da população não possui valor algum.
       
      Rodrigo Pimentel, o aclamado autor do livro e filme Tropa de Elite e atual comentarista de segurança da Rede Globo, deixou clara essa posição em uma de suas colocações: “O Fuzil AR-15 deve ser utilizado em guerra, em operações policiais em comunidades e favelas. Não é uma arma para se utilizar em área urbana”. Para a burguesia brasileira e seus porta-vozes, é natural usar armas de guerra nas áreas em que vive a população negra. A polícia que mata na favela é a mesma que reprime no asfalto, porém na favela as balas não são de borracha.
       
      O racismo é uma das características históricas do capitalismo em nosso país, e está presente em praticamente todos os aspectos da vida do brasileiro, inclusive na superexploração dos proletários negros (expressa no trabalho informal, na flexibilização dos direitos trabalhistas, no pagamento de salários mais baixos, etc.). A posição dos revolucionários não pode ser de indiferença com relação ao racismo, ou de nada ter a oferecer aos negros além do “programa geral para os trabalhadores”.
       
      Devemos combater ativamente todas as manifestações de opressão e tomar uma postura ativa de defesa dos que são mais oprimidos pelo capitalismo. Essa posição vai ganhar para a luta anticapitalista uma camada significativa dos proletários e semiproletários negros e nordestinos que sentem na pele a opressão do Estado da forma mais intensa e tem um interesse objetivo na sua destruição. Por essas condições, não temos dúvidas que serão os negros e as mulheres trabalhadores que estarão à frente da revolução proletária brasileira – mas esse entendimento não parece ser compartilhado por muitos na esquerda que pouco tocaram na questão do racismo durante as lutas do ano passado.
       
      Nós do Reagrupamento Revolucionário defendemos ativamente que os “Fóruns de Lutas” que surgiram em algumas capitais buscassem integrar não só a juventude, mas também a classe trabalhadora e, principalmente, seu setor mais explorado. O momento era propício para soldar, sob a liderança do proletariado, uma unidade entre todos os oprimidos que se chocam com os interesses do capitalismo e dos governos burgueses. Sob uma liderança e um programa proletários, tal unidade apresenta possibilidades extraordinárias para derrotar o capitalismo e o racismo. Como dissemos em nosso artigo Marxismo e Questão Negra no Brasil (maio de 2012):
       
      “O fim do racismo no Brasil, a plena integração do negro à sociedade, não é possível sem o fim do capitalismo. Mas esta não é uma relação de mão única: a luta da população negra contra sua forma de opressão também contribuirá para fortalecer a luta de classes do proletariado em geral. Logo, é necessário combinar as demandas da população negra contra a opressão, principalmente seu setor majoritário que se encontra no proletariado, com as demandas objetivas do conjunto da classe trabalhadora e sua luta pelo socialismo”.
       
      — Disponível aqui.
       
      Algumas vezes a mídia corporativa insistiu em caracterizar os jovens que tomaram as ruas ao longo das jornadas de lutas como os filhos privilegiados da “classe média”, que não tinham muito do que reclamar (basta lembrarmos do comentário de Arnaldo Jabor, “especialista” em asneiras da Rede Globo). Se a condição de classe dos primeiros contingentes a tomarem as ruas, antes da explosão que tomou o país de cabo a rabo, era em grande parte de filhos de setores menos pauperizados da classe trabalhadora e dos estratos inferiores da pequena-burguesia (o que o senso comum costuma chamar de “classe média”), esse quadro mudou severamente de meados de junho em diante.
       
      Um amplo setor daqueles jovens que enfrentaram corajosamente as forças de repressão eram trabalhadores precarizados, advindos das periferias e favelas, que vivem de um salário de fome. Isso foi demonstrado por uma pesquisa realizada na manifestação de 20 de junho no Rio de Janeiro, segundo a qual a média era de manifestantes com mais de vinte anos, escolarização de nível médio, trabalhando e com renda familiar entre dois e três salários mínimos [3].
       
      Grande parte dessa juventude integra a classe trabalhadora, porém não tomou as ruas como tal. Não possuem consciência de seus interesses de classe e estiveram muitas vezes confundidos pelo lixo nacional-pacifista que era propagado pela grande mídia burguesa com o intuito de desmobilizar as lutas. Certamente, esses trabalhadores também não reconhecem em seus sindicatos um instrumento de luta, pois estes são ou inexistentes na prática (entidades fantasmas controladas por uma camarilha interessada no recolhimento do imposto sindical) ou pró-patronais, chegando mesmo a delatar aos patrões qualquer trabalhador que se interesse em organizar lutas. Estes casos são ainda mais comuns com as empresas de trabalhadores terceirizados, que são em maioria negros e cujos “direitos” são praticamente inexistentes.
       
      É essencial buscar formas de organizar essa juventude proletária pauperizada que estava presente de forma dispersa nas lutas. Uma demanda essencial é que os sindicatos integrem e organizem os trabalhadores terceirizados de suas categorias e ramos. Num nível mais alto de mobilização, seria possível a organização desses trabalhadores por locais de moradia e de trabalho, conforme apontamos enquanto perspectiva no Fórum de Lutas do Rio de Janeiro [4].
       
      Mais do que salários melhores (pauta quase que exclusiva do “sindicalismo de resultados”), é central colocar o combate ao racismo, à violência policial e às mil formas de discriminação e opressão em primeiro plano para mobilizar tal setor, expressando tal combate em âmbitos que não só o do trabalho (que deve incluir demandas como igual salário para igual trabalho e efetivação com plenos direitos de todos funcionários terceirizados), mas também lutando de forma firme e intransigente pelo fim da polícia que os extermina cotidianamente nas periferias e favelas; na defesa de um transporte público, gratuito e de qualidade; livre acesso à educação via fim do vestibular e estatização das universidades privadas; dentre outras demandas.
       
      A coragem e disposição para lutar dessa juventude proletária precarizada ficou evidente no ano passado. Tal setor tende a continuar protagonizando atos de combatividade nas lutas que esse ano promete, contra a barbárie que os megaeventos (Copa e Olimpíadas) tem perpetrado nas favelas e periferias e também nos canteiros de obras. Mas para que tal energia seja canalizada de maneira produtiva para a luta, é necessário integrar tal camada aos setores já organizados do proletariado, buscando despertar sua consciência de classe e sua identidade operária, baseando-se em um programa socialista. Apenas assim poderão transcender o beco sem saída de tomar as manifestações como um fim em si (como muitos fizeram) e sua desconfiança em relação à construção de um partido de trabalhadores revolucionário (já que os partidos em geral foram associados ao jogo sujo da política parlamentar).
       
      O Black Bloc e a “respeitabilidade” burguesa
       

      Um dos assuntos que mais se destacou ao longo dessa jornada de lutas de 2013 foi certamente o surgimento em peso de adeptos da tática Black Bloc, que deixou atônitos os porta-vozes da burguesia (que fizeram de tudo para criminalizá-los) e os social pacifistas da esquerda. Apesar de bastante heterogêneos em sua composição, os Black Blocs são quase sempre jovens que rejeitam a organização partidária como princípio, associam-se vagamente com o anarquismo e se organizam para se proteger dos ataques da polícia ou mesmo buscar o enfrentamento com os repressores. Suas ações variam entre a defesa contra as investidas policiais (montando barricadas nas ruas, por exemplo), até ataques contra alvos identificados como símbolos do capitalismo – vitrines de lojas e bancos e prédios institucionais. 

      Talvez a faceta mais clara do papel e do caráter reacionário da burocracia sindical tenha vindo à tona quando, no dia 11 de julho no Rio de Janeiro, os bate-paus a serviço dos dirigentes da CTB atacaram violentamente e empurraram para o cordão policial o grupo do Black Bloc e outros setores radicalizados no protesto convocado pelas centrais. Enquanto uma juventude combativa se confrontava com o aparato policial do governador assassino Sergio Cabral (aliado de Dilma, PT e PCdoB), esses verdadeiros “capatazes da burguesia dentro do movimento operário” tomaram o lado da polícia.

       
      Nossa atitude com relação aos Black Blocs é, antes de tudo, de defesa incondicional de seus membros contra a repressão policial. Estamos ao seu lado contra os ataques que sofrem das polícias e dos burocratas por serem um setor radicalizado das manifestações. Defendemos a libertação imediata de todos os ativistas presos e a queda dos processos e o fim dos órgãos de repressão e espionagemestabelecidos pelos governos no decorrer das lutas, como foi a CEIV (Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo) de Cabral. Os representantes do capital é que são os verdadeiros bandidos!
       
      Mas, apesar de ser fácil para um militante combativo simpatizar com o sentimento por detrás desses ataques simbólicos à propriedade burguesa, na prática tais ações são de fato puramente simbólicas, deixando intacto o verdadeiro poder capitalista por detrás de tais símbolos. Elas ainda expõem de forma desnecessária estes ativistas jovens a possíveis prisões e indiciamentos, uma vez que a correlação de forças atual as torna isoladas frente ao poderoso aparato repressivo do Estado.
       
      Além disso, somos opostos à ausência de estratégia revolucionária na concepção do Black Bloc. Embora em algumas ocasiões seus membros tenham realizado ações heroicas de resistência contra a polícia e ajudado a proteger manifestantes despreparados, não tem nenhum projeto que aponte para a necessidade de ligação com o proletariado para que este esteja à frente das massas oprimidas e muito menos uma perspectiva de governo direto dos trabalhadores. Não colocam a centralidade da classe proletária, se deixando levar pelo espontaneísmo e por uma perspectiva imediatista de “ação direta” sem estratégia.
       
      Tal tática é, em última análise, uma expressão de ira da juventude oprimida contra os poderes estabelecidos, mas que carece completamente de um norte estratégico, que possa de fato antagonizar o poder do capital. E sem isso, não será possível triunfar sua revolta contra os inimigos que são a polícia e os capitalistas. Não é o suficiente fazer a polícia recuar, é necessário destruí-la como instituição; de nada serve o esforço de quebrar as vitrines dos bancos e das grandes empresas, o que é necessário é expropriar os capitalistas; isso só pode ser feito pela força do proletariado imbuído de um programa revolucionário.
       
      Ademais, por mais que tenha sido positivo o Black Bloc ter recolocado na agenda a questão da autodefesa contra as forças de repressão, é fundamental que essa seja submetida e organizada através de um controle democrático das assembleias de luta, para evitar ações aventureiras que possam acabar sendo desastrosas para os próprios manifestantes. Defendemos que as autodefesas devem ser prioritariamente organizadas ao redor da classe operária, que tem a estrutura necessária para garantir que elas transcendam a improvisação e o espontaneísmo, que são fraquezas constantes do Black Bloc. Um controle democrático também coloca a autodefesa enquanto uma responsabilidade coletiva dos manifestantes, evitando assim o aventureirismo individualista.
       
      Uma organização revolucionária buscaria dialogar com essa juventude radicalizada que compõe os Black Blocs, oferecendo a perspectiva estratégica do bolchevismo, a importância de construir um partido disciplinado de luta contra a “democracia” dos ricos e preparação revolucionária dos trabalhadores em oposição aos burocratas e reformistas. Como colocou o revolucionário norte-americano James P. Cannon certa vez com relação ao anarquismo (e se aplica também aos Black Blocs):
       
      “Isso pode parecer uma contradição em termos, mas se não fosse pelo anarquismo dentro de nós enquanto indivíduos, nós não precisaríamos da disciplina de uma organização. O partido revolucionário representa uma unidade dialética de opostos. Por um lado ele é, de fato, a fusão dos instintos rebeldes de indivíduos com o reconhecimento intelectual de que sua rebelião só pode ser efetiva se eles estiverem combinados e unidos em uma única força de ataque, que apenas uma organização disciplinada pode fornecer.”
       
      Carta a Myra Tanner, 29 de julho de 1955. Disponível em:
       
      A posição de vários setores da esquerda com relação aos Black Blocs também foi notória do seu nível de adaptação à “respeitabilidade” burguesa. O Deputado Estadual Marcelo Freixo do PSOL (“queridinho” de muitos setores da esquerda no Rio de Janeiro), defendeu o cumprimento da “Lei e Ordem” burguesa. Segundo uma entrevista de Freixo publicada no jornal O Dia, o deputado defende a prisão de qualquer ativista que fizer “depredação”:
       
      “Não dá para concordar com quebra-quebra e claro que a polícia tem que prender quem estiver depredando o patrimônio público ou privado. A polícia tem que agir dentro do que a lei determina. O que está sendo questionado não é o cumprimento da lei por parte da polícia, mas o contrário, o descumprimento dela.”
       
      — Reportagem do jornal O Dia, 18 de julho de 2013. Disponível em:
       
      Essa posição escandalosa, entretanto, foi recebida com um espantoso silêncio por parte de todos os setores do PSOL, inclusive aquelas correntes autoaclamadas revolucionárias que se consideram da “ala esquerda” desse partido (como a CST e a LSR/CWI), que jamais se manifestaram publicamente sobre isso e seguem vendo em Freixo uma “alternativa” para o PSOL. Essa mesma “ala esquerda” do PSOL também apoiou Freixo com entusiasmo nas últimas eleições municipais em 2012. Naquela época, essas correntes também ficaram caladas diante de afirmação de Freixo, em rede de televisão, que “dependendo da situação”, poderia sim cortar ponto de trabalhadores municipais em greve. Assim como antes, fingem que não veem as posições reacionárias de seu candidato para poderem se manter na sua aba, posicionamento que só faz aprofundar a desconfiança e repúdio dos novos lutadores em relação a partidos de esquerda.
       
      A polêmica do PSTU com o Black Bloc
       
      Uma posição sectária (e ao mesmo tempo oportunista) com relação aos Black Blocs foi desenvolvida pelo PSTU. O partido realizou uma série de polêmicas públicas com os Black Blocs que reverberaram por toda a esquerda. Mas os argumentos dessa polêmica não vêm do arsenal do marxismo revolucionário:
       
      “Nós, do PSTU, não temos nenhum apreço por essas instituições [bancos, empresas e lojas que tiveram suas vitrines quebradas]. Muito pelo contrário. Mas, consideramos que esses métodos não enfraquecem os grandes empresários. Ao contrário, lhes dão um argumento para jogar a opinião pública – e muitos trabalhadores – contra as manifestações e, assim, preparar a repressão. Sua ‘ação direta’ é típica de setores de vanguarda, descolados das massas, que terminam por fazer o jogo da direita, justificando a repressão.”
      (…)
      “Os ‘Black Blocs’, porém, têm uma ação distinta [da simples defesa contra os ataques da polícia]. Entram nas passeatas e, sem que tenha havido qualquer deliberação por parte dos manifestantes ou dos grupos que organizaram o protesto, atacam de forma provocativa a polícia, que reage, sistematicamente, reprimindo e muitas vezes acabando com as mobilizações. Agem como provocadores da repressão policial, tendo sido responsáveis, muitas vezes, por acabar com várias passeatas. Foi o que aconteceu no Rio de Janeiro, nas últimas manifestações pelo ‘Fora Cabral’.”
       
      Boletim do PSTU Rio de Janeiro, 27 de julho de 2013. Disponível em:
       
      Em primeiro lugar, chama atenção o vocabulário do PSTU. Os membros do Black Bloc seriam “provocadores da repressão policial” e “responsáveis, muitas vezes, por acabar com várias passeatas”. Como já afirmamos, não temos acordo com os métodos espontaneístas e aventureiros dos Black Bloc, que podem levar a ações desastrosas em momentos de correlação de força desfavoráveis, tendo um desfecho negativo para esses manifestantes. Mas o PSTU tende a simplificar a questão, como se tivessem sido os Black Blocs os responsáveis pela repressão brutal que ocorreu na maior parte das manifestações do ano passado.
      Diferente do que dá a entender o PSTU, a polícia não precisou de nenhuma “justificativa” para atacar brutalmente e mesmo assassinar lutadores e manifestantes no último ano: sua repressão era sistemática tanto em atos pacíficos quanto em protestos radicalizados. Responsabilizar o Black Bloc pela reação truculenta da polícia é uma piada de mau gosto. Fazer isso é confundir quem são os oprimidos e quem são os opressores da história, é limpar a ficha da polícia, pois sua ação seria aparentemente “justificada” pelos “provocadores”. Na concepção do PSTU, os Black Blocs não seriam manifestantes que utilizam táticas radicalizadas, mas indivíduos aparentemente infiltrados nas lutas, que “entram nas passeatas” e “se aproveitam das mobilizações”.A polêmica do PSTU com o Black Bloc não é uma discussão a respeito dos melhores métodos de resistência para a classe trabalhadora e a juventude, e sim uma “crítica que poderia ser (com alguns retoques) publicada por um socialdemocrata. Os Black Blocs não são criticados centralmente pela inadequação ou insuficiência de suas políticas, e sim porque vão contra a “opinião pública”, quer dizer, as concepções pacifistas atuais predominantes na população, que rejeitam qualquer resistência organizada contra as forças policiais. Ora, a primeira tarefa de um partido revolucionário é justamente combater esse tipo de “opinião pública” (inclusive entre os trabalhadores) que se preocupa mais com algumas vitrines quebradas do que com a fúria assassina da polícia contra a juventude.

       

      Um autêntico partido revolucionário não viraria os olhos para o fato de que a radicalização da juventude (da qual o Black Bloc é apenas uma das formas assumidas) é uma expressão contraditória de um desejo de se levantar contra o sistema capitalista. Desejo esse que, apesar de partir de um impulso progressivo, carece de um guia de ação, de métodos adequados e de um programa revolucionário. Ao contrário, os revolucionários buscariam dialogar com esses jovens sobre a necessidade de aliança com o proletariado e sobre a importância de construir um partido trotskista. Não se faz isso dizendo que tais jovens são provocadores e culpados pela reação policial.

      Mas se podemos criticar a postura hostil do PSTU em relação aos jovens do Black Bloc, o mesmo não se pode dizer da sua caracterização generosa dos cães de guarda da burguesia, chamados de “trabalhadores uniformizados” ou “trabalhadores da segurança”, que esse partido tem repetido dezenas de vezes ao longo dos anos. O PSTU também revelou (no boletim distribuído por sua regional no Rio de Janeiro) que sua postura com relação ao Black Bloc tinha muito a ver com sua adaptação (de longa data) às instituições do Estado burguês:

       
      “Não é através da ação de grupos conspiradores, sem vínculos com as lutas reais da classe trabalhadora e sua própria auto-organização, que o capitalismo irá conhecer seu fim. Além disso, o enfrentamento com a polícia não pode ser uma estratégia em si (como pensam os Black Blocs), e sim uma necessidade que por vezes é colocada para a militância quando a classe trabalhadora e a juventude são atacadas covardemente pelo aparelho policial nas manifestações. E mais: queremos dividir a polícia, trazer uma parte dela para o campo dos trabalhadores. Isso foi fundamental para o processo revolucionário na Rússia, por exemplo.”
       
      “Nós do PSTU queremos tornar as passeatas cada vez maiores. Queremos atrair a classe trabalhadora para estar junto à juventude nesta luta. Sem os trabalhadores, nossa luta contra Cabral, Paes e Dilma não tem a menor chance de ser vitoriosa. O permanente enfrentamento com a polícia dificulta o crescimento do nosso movimento, e pior, facilita a criminalização dos movimentos sociais. Cedo ou tarde, a mídia vai jogar a opinião pública contra as manifestações e vai abrir caminho [para] mais repressão.”
       
      Nota do PSTU Rio de Janeiro, 06 de agsoto de 2013. Disponível em:
       
      É verdade que o enfrentamento com a polícia não é “uma estratégia em si”. Mas tampouco enfrentar a polícia é algo a ser feito “por vezes”, somente quando os trabalhadores são atacados. Na verdade, um dos pontos essenciais do marxismo revolucionário é a necessidade de “esfacelar” a máquina estatal burguesa, cujo esqueleto são as forças de repressão. O que o PSTU não diz é que a destruição da polícia é uma tarefa estratégica para os trabalhadores, embora nem sempre seja tático entrar em confronto com ela.
       
      Os trabalhadores devem entrar na luta preparados para vencer. Não é tático entrar em uma briga de vida ou morte quando o inimigo está mais forte. O melhor nessa situação é resistir tanto quanto possível e preparar as forças para uma investida futura, sem jamais perder de vista que é necessário derrotar e desmembrar o aparato repressor burguês. O PSTU se “esquece” de mencionar esse aspecto. É verdade que o “enfrentamento permanente” com a polícia, quando as condições não o permitem, não é nada vantajoso para os trabalhadores e a juventude. Os que defendem ações aventureiras devem ser combatidos. Mas isso não tem nada a ver com a maioria dos confrontos de resistência contra a violência policial que testemunhamos no último ano, que são não apenas quase que inevitáveis ante a ação brutal das forças de repressão, mas expressão do direito dos manifestantes de se defenderem dessa violência.
       
      O receio do PSTU é de que, se houver mais enfrentamento com a polícia, “a mídia vá jogar a opinião pública contra as manifestações” e “abrir caminho para mais repressão”. A lógica dessa frase é de que não se deve enfrentar a polícia porque isso joga a opinião pública contra as manifestações. Se o PSTU está esperando o momento em que a imprensa capitalista vai apoiar um enfrentamento dos oprimidos contra o Estado burguês, então vai ficar esperando eternamente. Mas na verdade, a grande parte da população passou longe de acreditar no discurso da imprensa. Ao contrário, percebiam muitas de suas mentiras descaradas para criminalizar os Black Blocs e os demais manifestantes.
       
      Em outras ocasiões, nós já polemizamos com o PSTU sobre a questão de rachar as forças de repressão [5]. De um ponto de vista revolucionário, dividir as forças armadas da burguesia é importante para esfacelaressas forças em meio a uma conjuntura revolucionária. Rachar o aparato repressivo é um passo para abolir toda a sua estrutura num contexto de luta pelo poder. Nada tem em comum com a proposta levantada pelo PSTU de “desmilitarização” da polícia ou com seus esquemas para que ela se torne um órgão de “defesa dos interesses da população”. Também jamais vai acontecer tal racha sem que seja em uma situação revolucionária, na qual os trabalhadores montem destacamentos baseados em suas organizações de luta, que devem ser o núcleo das suas forças contra os policiais da classe dominante. O autor do texto do PSTU afirma que ganhar a polícia foi “fundamental para o processo revolucionário na Rússia, por exemplo”. Talvez ele devesse estudar melhor a mais importante revolução da história contemporânea. Um dos seus líderes centrais, Trotsky, relatou:
       
      “Entretanto, a palavra de ordem geral é desarmar os faraós [apelido dos policiais russos]. A polícia é o inimigo feroz, inexorável, odiado e odioso. A questão da conciliação nem se coloca. Eles são agredidos ou abatidos.
       
      História da Revolução Russa, 1930. Disponível em:
       
      O que nos diz o PSTU é que, para “dividir a polícia, trazer uma parte dela para o campo dos trabalhadores” deve-se evitar se confrontar com esse aparato repressor da burguesia. Ora, numa futura situação revolucionária, rachar os aparatos de repressão não é uma tarefa deslocada do enfrentamento dos trabalhadores contra tais forças, e sim um elemento complementar. Dizer para os trabalhadores e para a juventude que não se deve enfrentar a polícia porque “queremos ganhar uma parte dela” é depositar expectativas nas instituições da classe dominante e não na ação direta do proletariado. Quando isso é colocado num momento de confrontos com a polícia em defesa do direito de livre manifestação, como foi o caso, só serve para semear a passividade nas massas.
       
      Uma posição desse tipo fica diretamente oposta à realidade dos jovens trabalhadores precarizados que enfrentam cotidianamente a repressão policial nas favelas e periferias e se dispõem ao enfrentamento nas manifestações. Esta disposição deve ser organizada ao redor da classe proletária e preparada coletivamente com o máximo de profissionalismo, superando o espontaneísmo do seu conteúdo atual. Criticar tal disposição de luta e resistência sob o argumento de que atrapalha ganhar os policiais, joga a opinião pública contra os protestos ou acaba sendo “responsável pela repressãosó serve para fortalecer ilusões pacifistas e repelir instintos combativos.
       
      Por um partido revolucionário de trabalhadores!
       
      Em todos os aspectos das lutas que discutimos neste artigo, pontuamos invariavelmente a necessidade central de um partido revolucionário de trabalhadores. Como ficou claro, esse não é um partido para administrar o capitalismo, mas sim para liderar o proletariado e os oprimidos na luta pela derrota dos governos da burguesia e pela construção do seu próprio poder, aniquilando as estruturas do capitalismo e do seu Estado. O trabalho para construir esse partido não é simples e envolverá um esforço árduo e consciente do melhor da vanguarda comunista, ao longo de anos, para reagrupar os revolucionários, hoje dispersos, e tornar as ideias do trotskismo conhecidas pelas massas.
       
      Muitos militantes que se reivindicam anarquistas rejeitam a importância de uma vanguarda, dizendo que as massas não precisam de líderes. No vocabulário trotskista, vanguarda não significa adoração cega ou aparelhamento burocrático, e sim liderança de ideias. E disso as massas certamente necessitam. A ideologia burguesa, que naturaliza nos oprimidos sua posição social e a suposta inevitabilidade da sua condição é um obstáculo mais poderoso do que qualquer polícia. E também as variantes enganadoras que são difundidas pela burocracia sindical e pelas correntes reformistas e centristas precisam ser confrontadas. Ao buscar fazer isso, um grupo necessariamente está chamando os trabalhadores a se somarem à sua posição. O partido nada mais é que uma forma disciplinada e potencializada de batalhar para que a classe trabalhadora chegue a posições revolucionárias.
       
      A divisão dos partidos e organizações que se reivindicam revolucionários é frequentemente alvo de queixas. Mas poucas vezes os ativistas que fazem essa reclamação realmente analisam as diferenças entre os grupos para julgar se são triviais ou se são diferenças de perspectiva que exigem uma batalha para atrair os militantes comprometidos para posições corretas contra posições oportunistas. Os revolucionários lutam para fazer o movimento avançar o máximo possível, mas têm consciência de que enquanto as posições revolucionárias forem minoritárias, os líderes do movimento serão, na melhor das hipóteses, correntes reformistas que provavelmente irão trair e desviar as lutas. Sem travar uma batalha política e teórica contra as posições oportunistas com o objetivo de ganhar os militantes e grupos subjetivamente comprometidos com a revolução, as posições revolucionárias jamais alcançarão uma hegemonia entre o proletariado e a juventude. Para nós do Reagrupamento Revolucionário essa é uma tarefa prioritária.
       
      NOTAS
       
      [1] Os dois artigos complementos serão publicados em breve.
       
      [2] A análise do Reagrupamento Revolucionário sobre essa questão pode ser lida em Revolta de Massas no Brasil, de junho de 2013.
       
      [3] Pesquisa disponível, na forma de infográfico, em:
       
      [4] Conferir, por exemplo, o panfleto distribuído na assembleia do dia 30 de julho de 2013.
       
      [5] Conferir O Vermelho Deles e o Nosso, de agosto de 2011.

      Postagem de Fim de Ano

      Seguindo a tradição, todo final de ano publicamos um material histórico de Estímulo à Determinação e à Vontade Revolucionária de nossos militantes, leitores e simpatizantes. Para a atual ocasião, foram escolhidos os seguintes textos do revolucionário russo Leon Trotsky, traduzidos para o português pelos nossos militantes. 

        Arquivo Histórico: reagrupamentos revolucionários da iSt

        Anunciamos a nossos leitores as novas atualizações em nosso Arquivo Histórico (Trotskismo Pós-Segunda Guerra Mundial). Estes são dois materiais escritos na década de 1970 por organizações que estavam em processo de aproximação (e que terminaram por se fundir) com a então revolucionária tendência Espartaquista internacional (iSt). Eles representam verdadeiros exemplos da tática comunista de reagrupamento revolucionário na luta pela construção do partido trotskista.

        Da experiência com o Estalinismo à escolha pelo Trotskismo

        Da experiência com o Estalinismo à escolha pelo Trotskismo 

        Pedro Abreu, novembro de 2013
        Minha trajetória política no movimento estudantil não é das mais usuais. Iniciei a minha militância no final de 2010, me aproximando do stalinista Partido Comunista Revolucionário (PCR), do qual permaneci próximo, em sua periferia política. Ajudei inclusive a construir sua frente estudantil na UFRJ, o Movimento Correnteza, e participei do seu bloco no Congresso Nacional de Entidades de Base da UNE (CONEB) em 2011, com a tese “Rebele-se na UNE”. Apesar dessa proximidade, nunca ingressei formalmente nas fileiras desse partido, apesar de ter participado por um tempo de uma série de reuniões internas da sua juventude, a União da Juventude Rebelião (UJR). Por dois anos militei ao redor desse grupo, até que o meu amadurecimento político me obrigou a um distanciamento.
        Apoiando os mentirosos da burguesia nas eleições…
        Hoje, já distante do grupo, posso analisar com calma suas traições ao marxismo-leninismo. Este ano, por exemplo, tivemos mais um congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) e o PCR, um dos principais componentes da Oposição de Esquerda da entidade, voltou a falar em suas publicações da crescente insatisfação dos jovens com a direção majoritária (composta por grupos aliados do governo e liderados pela UJS/PCdoB) e a busca pelo novo, claramente apresentando a si próprio como uma alternativa aos governistas.

        Panfleto distribuído pelo PCR nas eleições de 2010

        O PCR tenta convencer a juventude brasileira de que a UNE passará por uma mudança qualitativa se esse partido obter a maioria da sua direção. Porém, por trás de todas as palavras de ordem combativas, e de uma fachada revolucionária, esse partido apoia eleitoralmente muitos dos mesmos governantes que o PCdoB apoia. Exemplos disso não são difíceis de encontrar: basta voltarmos à ultima eleição presidencial, em 2010, quando o PCR apoiou a candidatura de Dilma Rousseff afirmando em um panfleto distribuído nas ruas pelos seus militantes que “o voto em Dilma é o voto contra a direita”. Mais escandaloso foi o chamado: “Vote em quem luta com os trabalhadores. Vote Dilma 13!” [1]
        Qualquer dirigente do PCR falará ainda hoje que esse apoio se justifica para impedir a oposição de direita de retornar ao poder, mas claro: omitem o fato de que apoiar a candidatura do PT era apoiar todos os partidos que estavam naquela coligação, entre eles o PMDB de Sarney, o PP de Maluf, o PR de Crivella, entre outros partidos reacionários, que incluíam em suas legendas desde filhotes da Ditadura Militar até líderes religiosos, passando também por caudilhos remanescentes do coronelismo. Também se deve lembrar que, ao se fazer essa dicotomia de “apoiar a esquerda para impedir o retorno da direita”,esquece-se do caráter de classe das candidaturas, o que leva a juventude e a classe trabalhadora à conclusão errada de que pode existir algum setor burguês “de esquerda” ou “progressista”. E como os companheiros do PCR adoram se declarar marxistas-leninistas, gostaria de apresentar uma citação de Lenin sobre qual deve ser a posição dos revolucionários sobre as coalizões e partidos burgueses:
        Nós falamos e nós provamos que todos os partidos burgueses, todos os partidos salvo o Partido Revolucionário da classe trabalhadora, são mentirosos e hipócritas quando falam de reformas. Nós tentamos ajudar o proletariado a ganhar até a menor melhoria concreta possível (econômica ou política) para a sua situação material, sempre pontuando que nenhuma reforma pode ser durável, sincera ou séria se não for apoiada nos métodos revolucionários da luta de massa…” (minha ênfase) [2]
        Mas ao invés de se apoiar nos “métodos revolucionários da luta de massa”, o PCR insiste em escolher dentre os “mentirosos e hipócritas” da burguesia na esperança de que isso irá frear a reação da direita ou possibilitar reformas.
        Voltando à afirmação do PCR: será que é verdade que Dilma “luta com os trabalhadores”? Ano passado, durante as greves das universidades federais, longe de lutar com os trabalhadores, o governo do PT fez todo o possível para destruir a greve, ameaçando cortar ponto dos grevistas e se recusando a negociar com o movimento até o último momento. Se pensarmos no levante de massas que vimos em junho e julho desse ano, o que fez o governo do PT para atender às demandas da classe trabalhadora? Nada além de promessas vazias de reforma política, que mais serviram para tentar desviar o foco da população das ruas para a via parlamentar. Além disso, a direção nacional do PT reforçou o seu apoio a Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro e responsável por mais de 37 mil remoções de famílias trabalhadoras.
        Através do estudo, compreendi que um dos pontos essenciais do legado do trotskismo era o seu combate às alianças e apoios do estalinismo com relação à burguesia, desde as chamadas “frentes populares” nos anos trinta até hoje.
        … e também na Universidade
        Longe de ser um caso isolado, essa política de adequação se mostra rotineira na política do PCR. Ainda na periferia política desse grupo, experimentei isso pessoalmente pela primeira vez em 2011, nas eleições para Reitor da UFRJ, quando, sem em nenhum momento consultar a sua base, o Movimento Correnteza declarou apoio à candidatura pró-governo de Carlos Antônio Levi, apoiada também pelo antigo reitor, Aloísio Teixeira (responsável pela aplicação do REUNI na UFRJ).
        O raciocínio desse apoio era evitar a eleição de uma chapa associada à oposição de direita. O PCR sabia desde aquele momento que Levi continuaria com o programa de conciliação com o Governo Federal e suas medidas privatizantes da Universidade e, uma vez eleito, o novo reitor fez de tudo para cumprir esse papel, com destaque especial para a tentativa de privatização do Hospital Universitário através da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Mesmo após esse e outros casos onde essa reitoria foi contra os interesses dos estudantes e da juventude trabalhadora, o Movimento Correntezanunca voltou atrás publicamente no seu apoio a ela.
        Uma mudança qualitativa da UNE só seria possível com uma mudança similar na consciência dos estudantes e para isso é necessária uma liderança revolucionária, que seja capaz de mobilizar a juventude com um programa capaz de derrotar o capitalismo. Longe disso, o PCR representa uma liderança que, apesar de um discurso de esquerda, invariavelmente capitula ao “menor dos males” que aparece dentro do parlamento burguês. Uma liderança que, ao invés de acreditar na força da sua base, se limita ao vê-la como forma de alcançar novos cargos de direção. Aos tantos companheiros honestos que hoje lutam para fazer valer o programa da Tese “Rebele-se”, faço o seguinte questionamento: vale a pena sacrificar a sua juventude para colocar na liderança da UNE uma organização que vai continuar dando apoio eleitoral aos governos e reitorias que todos os dias massacram jovens como vocês?
        Encontro-me hoje convencido de que a juventude precisa de uma organização capaz de liderar suas lutas, uma organização para a qual “revolucionário” não se limite a uma letra “R” na sigla. Por isso saí do Movimento Correnteza, por isso hoje não participo do bloco “Rebele-se na UNE”. Minha formação política me levou a entender a importância do programa revolucionário e à clareza de que o PCR não possui esse programa.
        A “teoria” que embasa o PCR
        Central para a história e o programa do PCR é Enver Hoxha, que era a figura central do antigo governo estalinista na Albânia, que rompeu com a União Soviética depois que Kruschev chegou ao poder em 1956. O PCR considera Hoxha como um símbolo de “ardor revolucionário em defesa do marxismo-leninismo” [3]. Ao mesmo tempo, os militantes da UJR adotam como símbolo a figura de Che Guevara, a quem o Jornal A Verdade chamou de “símbolo do guerrilheiro heroico” [4], e comemoram a resistência do “Socialismo” na ilha caribenha, exaltando a liderança de Fidel Castro como um “líder revolucionário”. Qual o problema disso? Bem, Hoxha não apenas repudiava o governo da URSS (considerado “revisionista” após a morte de Stalin), mas tinha também uma opinião diferente da do PCR sobre os líderes cubanos. Ele escreve em seu livro “Imperialismo e a Revolução” (de 1978):
        “Em sua intervenção, a União Soviética arrasta também seus aliados, ou melhor, seus satélites. Nós o constatamos concretamente na África, onde os social-imperialistas soviéticos e seus mercenários cubanos interferem a pretexto de ajudar a revolução. Trata-se de uma mentira. Sua intervenção não passa de uma ação colonialista objetivando ocupar mercados e submeter povos.”
        “É o caso da intervenção da União Soviética e dos mercenários cubanos em Angola. Eles absolutamente não tinham nem tem em vista ajudar a revolução angolana, mas sim cravar suas unhas nesse país africano que havia conquistado certa independência após expulsar os colonialistas portugueses. Os mercenários cubanos são o exército colonial que a União Soviética enviou para conquistar mercados e posições estratégicas nos países da África Negra, para passar de Angola a outros Estados, para que os social-imperialistas soviéticos também possam criar um império colonial moderno.”
        “Sob a máscara da ajuda à libertação dos povos, a União Soviética e seu mercenário, Cuba, intervêm em outros países com exércitos equipados com canhões e metralhadoras, supostamente para construir o socialismo, que não existe nem na própria União Soviética nem em Cuba. Esses dois Estados burguês-revisionistas entraram em Angola para ajudar uma camarilha capitalista a tomar o poder, contrariamente aos objetivos do povo angolano, que lutou para libertar-se dos colonialistas portugueses.” (minha ênfase) [5]
        É um mistério para mim como pode o PCR continuar reivindicando o líder albanês e continuar defendendo os castristas cubanos, e que Cuba é “Socialista”, visto que Hoxha, a quem dizem seguir, considerava Cuba um país “burguês-revisionista”. Se não existe problema nenhum nisso, significa que para os redatores do Jornal A Verdade, Castro ser um “mercenário de um exército colonial” não é um impedimento para ser um “líder revolucionário”. Pior que essa contradição em si, é o fato que observei durante o período que passei na periferia desse partido: essas questões teóricas simplesmente não são conhecidas pela imensa maioria da militância do próprio partido!
        Por sinal, apesar de que Cuba nunca foi “socialista”, e nem os castristas são revolucionários, era fundamental defender militarmente os soviéticos e cubanos em Angola contra os imperialistas. Essa posição vergonhosa de Hoxha (ignorada pelos militantes do PCR) é uma capitulação ao imperialismo. Ela também desmente a ideia de que o regime da Albânia era um contraponto principista à política externa pró-imperialista dos burocratas chineses com os quais Hoxha rompeu.
        Defender Cuba contra o imperialismo e contra a burocracia
        Qual seria a posição dos revolucionários sobre Cuba, ou mesmo sobre o antigo regime na Albânia? Em ambos os países ocorreram revoluções que expropriaram a burguesia, mas onde a classe operária foi isolada do controle do estado por uma burocracia estalinista. Essas revoluções foram realizadas não pela classe trabalhadora e sim por exércitos rurais da pequena-burguesia que, incapazes de criar um estado próprio e forçados pela conjuntura, criaram um Estado operário deformado que foi capitalizado por burocratas.
        A contrarrevolução capitalista triunfou na Albânia no começo dos anos 1990, mas em Cuba a burguesia ainda não foi capaz de restaurar o capitalismo pela derrubada do Estado operário deformado. A burocracia cubana deforma a economia socializada da ilha, pondo-a em risco. Vimos isso claramente na demissão de meio milhão de trabalhadores públicos no início de 2011. Essa demissão em massa foi feita para “dinamizar” a economia, abandonando setores menos rentáveis para os interesses dos burocratas. Mas desamparou muitos proletários, e outros tinham que se empregar em trabalhos por conta própria ou nos estabelecimentos privados que penetram no país. Os castristas também elogiam e apoiam a todo tipo de governos burgueses pelo mundo, inclusive o governo brasileiro. Isso impede que as conquistas e o prestígio da revolução cubana possam ser usados para a revolução internacionalmente. E o regime de partido único e congressos controlados de antemão pela mesma cúpula rouba dos trabalhadores o poder de criar uma democracia proletária forte e eficaz. Assim, os burocratas do PC preparam o terreno para a perda das conquistas da revolução. [6]
        A tarefa dos revolucionários para Cuba, portanto, é lutar pela derrubada da burocracia pela classe operária, mas ao mesmo tempo, deve-se defender o Estado operário deformado de ataques do imperialismo ou tentativas de restauração capitalista – não por acreditar, como faz o PCR, na liderança cubana, e sim para defender as conquistas da classe trabalhadora, que seguem existindo. Os revolucionários querem que a burocracia caia, mas pelas mãos dos trabalhadores cubanos e não pela burguesia de Miami. Após ler clássicos de Trotsky, como “A Revolução Traída”, além de outros materiais [7], adotei uma política revolucionária para os Estados operários deformados que ainda existem.
        Conclusão
        Enquanto militante do movimento estudantil, não me importei por um tempo com essas questões teóricas. Porém, conforme avancei na minha formação marxista me convenci da necessidade de uma organização que propusesse a construção de um partido revolucionário com um programa coerente. Também estava convencido de que o estalinismo não só existia (diferentemente do que o PCR insiste em repetir [8]), mas também que nada mais era que uma degeneração do marxismo-leninismo, o qual foi defendido e continuado por Leon Trotsky. Mas ao olhar para a maior organização que se reivindica trotskista no Brasil, o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), vi um partido que cometia inúmeras traições à classe operária, como se recusar a defender Cuba contra o imperialismo (apoiando inclusive a jornalista pró-ianque Yoani Sanchez), defender os fantoches do imperialismo na Líbia e fazer uma frente eleitoral com o PCdoB em Belém [9]. Por sorte, vim a encontrar em uma pequena organização de propaganda o programa revolucionário que eu tanto buscava: essa organização é o Reagrupamento Revolucionário (RR). Hoje, como militante do RR, integro a luta pela construção do Partido Revolucionário, ainda inexistente, porém tão necessário hoje como fora nos tempos de Lenin.
        Notas
        [1] Retirado de panfleto distribuído pelo PCR durante a campanha de Dilma Rousseff à Presidência da República do Brasil em 2010 – https://archive.org/download/VoteDilma/voteDilma.jpg
        [2] Retirado de
        A tradução para o português foi feita por mim.
        [3] Esse apoio é visível no texto “ENVER HODJA: Ardor Revolucionário em Defesa do Marxismo-Leninismo” disponível no site do PCR – http://pcrbrasil.org/enver-hodja/
        [4] Extraído do jornal do PCR, A Verdade – “Che e Fidel: uma amizade revolucionária” –
        [5] Extraído de “O Imperialismo e a Revolução” postado no Marxist Internet Archive –
        [6] Para mais informações sobre Cuba sugiro a leitura dos seguintes documentos:
        Sugiro também a leitura do seguinte documento sobre a Coreia do Norte, que assim como Cuba também é um estado operário deformado que sobreviveu à queda da URSS:
        [7] Especialmente o artigo do Reagrupamento Revolucionário sobre a Coréia do Norte, citado na nota acima, foi muito importante no meu convencimento de um programa consistente para essa questão.
        [8] Os dirigentes do PCR com quem tive contato afirmam que não existe Estalinismo, assim como as variantes que reivindicam, como o Castrismo ou o Hoxismo também não existem. Para esse partido, após Lenin não existiu nenhum outro teórico que fez qualquer contribuição nova para o Marxismo, existindo apenas aqueles que, segundo o PCR, são “discípulos fiéis de Lenin” e “aqueles que distorcem o Marxismo-Leninismo”.
        [9] Para aqueles que desejam saber mais sobre essas posições oportunistas, sugiro os seguintes textos:
        As Ações do PSTU em Comparação às Tarefas da IV Internacional –
        PSTU, Fração Trotskista e a Defesa da Líbia contra o Imperialismo
        A Frente de Belém (PSOL-PSTU-PCdoB) na Lógica do Morenismo –
        Nosso arquivo histórico sobre o morenismo (corrente reivindicada pelo PSTU e considerada como centrista pelo RR) –

        O fim da greve da educação no Rio de Janeiro

        Um comentário sobre o fim da greve da educação no Rio de Janeiro 
        Leandro Torres, novembro de 2013
        Há algumas semanas chegou ao fim umas das mais importantes greves que o Rio de Janeiro vivenciou nos últimos tempos. Importância essa tanto pelo caráter do movimento grevista em si, que em muitos sentidos extrapolou questões especificamente salariais e apresentou importantes questionamentos políticos, quanto pelo amplo apoio popular que recebeu – expresso de maneira efetiva em das grandes passeatas com mais de 50 mil pessoas cada, incluindo atos de solidariedade em São Paulo e deflagrações de greves análogas em outros estados e municípios. Os pormenores dessa greve nós analisamos e debatemos em nossa declaração de outubro, “Por um programa de ação para derrotar os ataques de Paes e Cabral!”. Cabem aqui algumas considerações sobre a forma como ela acabou e algumas outras questões.

        Ao longo dos mais de dois meses de duração, ambas as greves das redes estadual e municipal vinham se enfraquecendo. Isso podia ser visto, por exemplo, nas assembleias que aprovaram o fim da greve. A da rede estadual contou com cerca de 300 educadores, em um universo de cerca de 85 mil. Já a da rede municipal contou com pouco mais de 2 mil, de um total de 40 mil educadores. Esses números não podem ser ignorados, principalmente no caso da rede municipal, que chegou a contar com assembleias de 20 mil educadores (metade da categoria em reunião) no começo da greve – números estonteantes para os padrões recentes do movimento sindical brasileiro. Por mais que expressem um desgaste da greve, esses números estão longe de serem um fator determinante em compreender o potencial dessa greve (desperdiçado pelas ações da liderança do sindicato).
        Desde o início, quando as assembleias ainda eram enormes, a liderança do SEPE, composta em sua maioria por diretores ligados ao PSOL (com destaque para a corrente Insurgência, antigos Enlace e CSOL) e ao PSTU, queria terminar o movimento com conquistas rebaixadas através de falas que enfatizavam os “riscos” da continuidade da greve. A base dos educadores, entretanto, se mostrou muito mais combativa do que seus atuais líderes, garantindo repetidas vezes a continuidade da greve através do voto nas assembleias. O esvaziamento das assembleias mais recentes não pode ser visto como algo “natural”, uma “prova” de que tinha chegado a hora de terminar a greve, mas sim como um reflexo do beco sem saída no qual a direção colocou a categoria. É fato, por exemplo, que a assembleia que encerrou a greve foi esvaziada porque muitos viram no acordo firmado pela direção em Brasília uma clara indicação de rendição por parte dos seus atuais líderes.
        Portanto, ante tudo isso, a postura da direção do SEPE não pode se entendida como outra coisa senão uma grande traição. E corretamente foi assim compreendida por amplos setores da base, incluindo muitos que votaram pelo fim da greve. Tanto que nas últimas assembleias de ambas as redes, realizadas após o término da greve, foram aprovadas moções de repúdio ao acordo assinado pela direção com os ministros do STF!  Essa traição foi demonstrada na tentativa de minar as forças da greve, sufocando-a ao não unificar as duas redes em um só comando de greve, ao não organizar um fundo de greve para resistir ao corte de ponto, e ao marcar em separado muitos atos e também assembleias. A isso pode-se acrescentar ainda as muitas ações denunciadas pela caravana de grevistas que foi à Brasília junto com os diretores para a reunião no STF, que apontam como que a direção do SEPE atuou no sentido de enfraquecer o movimento:
        “A direção do SEPE Central não acatou a decisão em Assembleia do Estado da participação do Comando de Greve na mesa de negociação do STF. Além disso, a categoria não pôde decidir sobre quais diretores participariam da reunião, tendo sido informada apenas após a chegada em Brasília. O roteiro colocado pela direção sequer incluiu o STF no ato realizado em Brasília, ficando essa mesma direção, a todo o tempo, preocupada em deixar a categoria distante fisicamente do local da reunião. A organização dos ônibus foi feita de tal forma, que boa [parte] deles foram vazios mesmo tendo pessoas querendo ir. Os ônibus foram alugados, inclusive, para saírem de Brasília antes do termino da audiência no Supremo [Tribunal Federal]! Isto impossibilitou que a categoria, que enfrentou cerca de quarenta horas de viagem e arcou com todas despesas de alimentação, pudesse receber os informes imediatamente ao término da audiência. Por fim, a negociação realizada levou em conta apenas as punições arbitradas pelos executivos estadual e municipal e não a pauta das duas redes.”
        ― Transcrição do panfleto distribuído na assembleia do dia 24 de outubro, disponível em http://goo.gl/do9piO.
        O acordo firmado em Brasília foi a consumação dessa postura traidora. Mesmo com a “desculpa” que tal acordo seria posteriormente submetido às assembleias, a direção tê-lo assinado implicou compactuar com uma covarde chantagem: ou a categoria aceitava a proposta e encerrava a greve, ou seria considerada responsável por demissões, processos administrativos e multas milionárias ao sindicato (com os quais os governos ameaçavam caso o acordo não fosse aceito)! Aceitando os termos do governo, incluindo o parco reajuste salarial oferecido e a promessa da criação de Grupos de Trabalho para “avaliarem” (num futuro incerto) as demais demandas da greve, a categoria dos profissionais de educação teria “assegurada” a “conquista” de não ter seu sindicato destruído por multas milionárias e grevistas demitidos ilegalmente. Em troca de aceitar toda a pauta dos governos municipal e estadual, e cedendo vergonhosamente às ameaças ratificadas pelo ministro do STF, a direção da categoria se comprometia a encerrar a greve na assembleia seguinte, sem absolutamente nenhuma demanda concretizada (e inclusive aceitando a imposição da reposição de todas as horas paradas durante a greve).
        Além disso, o acordo assinado pela direção contém, em seu preâmbulo, uma aula de ideologia burguesa da pior espécie, repetindo a ladainha de que a greve prejudica os estudantes “(…) porquanto a controvérsia quanto aos direitos pretendidos pelas partes propicia um ambiente de incerteza e insegurança de negativa repercussão social aos alunos da rede estadual de ensino, a reclamar uma eficaz e rápida resolução pelo Poder Judiciário”. No parágrafo seguinte, afirma que há uma possibilidade de acordo capaz de beneficiar ambos os trabalhadores e o governo: “Há uma nítida zona de acordo possível (zone of possible agreement) capaz de beneficiar ambas as partes, o que permite a deflagração do processo de mediação”. Essa é mais uma típica manobra do judiciário para criar uma aparência de que “todo mundo sai ganhando” enquanto na verdade favorece os governos à custa dos trabalhadores. Embaixo dessas frases espúrias, encontram-se as rubricas dos dirigentes do SEPE! Os termos do acordo estão disponíveis em http://goo.gl/dzkNIu.
        Se não fosse o desserviço prestado desde o início pela direção do SEPE, muito provavelmente a greve poderia ter passado por cima das manobras do STF e continuado de forma combativa e mobilizada, com a rede estadual (e a FAETEC) se fortalecendo a partir da grande mobilização da rede municipal, e ambas se fortalecendo a partir do amplo apoio popular que vinham recebendo nas ruas. Diferente do que defenderam os burocratas à frente do SEPE, havia sim condições para se arrancar vitórias verdadeirase seguir a luta por um projeto de educação radicalmente distinto daquele imposto por Costin e Risolia a mando dos interesses do grande capital.
        Se a categoria, ainda que por uma margem de votos muito apertada, decidiu por terminar a greve, não foi tanto por falta de vontade ou disposição de luta, mas pela falta de expectativa diante da postura destrutiva da direção do SEPE tomada desde o início da greve, responsável por dividir a categoria e semear esperanças de conciliação com os governos – ao que ainda se somou a arapuca armada em Brasília e da qual essa direção foi cúmplice, por ter aceitado todo o jogo de cena e as ameaças do alto mandatário da justiça dos patrões. Aqui cabe um parêntese. Ao fim da greve, o PSTU, setor minoritário da direção do SEPE, buscou se desvencilhar do setor majoritário, composto pelo PSOL, diante do acordo tão claramente espúrio e nocivo firmado pelo SEPE em Brasília. Conforme comentado em seu balanço:
        “O SEPE tem muitos problemas sim. Os diretores do SEPE que são militantes do PSTU, apesar de serem muito reconhecidos pela categoria, não foram parte da chapa que venceu as últimas eleições proporcionais. Os companheiros do PSOL que dirigem o sindicato conhecem muito bem nossas críticas e diferenças, porque elas são públicas.”
        Uma greve que entrou para a história, Opinião Socialista #471
        Entretanto, ao longo da greve não se viu nenhuma crítica pública do PSTU ao setor majoritário da direção do SEPE, fosse nas páginas do Opinião Socialista ou nas assembleias e atos da categoria. Claramente o PSTU não é nenhum tipo de “oposição” à direção majoritária do SEPE, mas sim um colaborador dela. Nem mesmo nesse próprio artigo de “balanço” o PSTU criticou a direção pelo acordo com o STF, pois apesar de reconhecer que ele foi “ruim”, afirma que foi resultado do “enfraquecimento da greve” e da pouca “adesão da categoria” ao fim da luta (como se isso não tivesse nenhuma relação com as ações traidoras da direção, que são “esquecidas” pelo artigo). Conforme muitos educadores combativos comentaram ao longo dos meses de paralisação, nunca se viu a direção do sindicato tão unificada! Unificação essa firmada não no sentido de fortalecer o movimento, mas de pôr rédeas nele e torná-lo mais fácil de ser manobrado, para permitir um acordo rápido com os governos e cantar uma “vitória histórica” – mesmo que baseada em nenhuma conquista concreta.
        Portanto, repudiamos de forma veemente o papel de vítima que o PSTU tentou tomar para si após as ultimas assembleias, nas quais foi hostilizado, junto com resto da direção do sindicato, por cartazes, faixas e palavras de ordem de setores mais combativos da categoria (veja-se, por exemplo, a nota do dia 25 de outubro http://www.pstu.org.br/node/20109). Esse partido, junto com o PSOL, tem sim uma responsabilidade direta pela derrota da greve – que hipocritamente tenta também apresentar como “vitória histórica”.
        Entretanto, não podemos deixar de repudiar também a postura assumida por alguns setores que atuam na categoria (alguns dos quais se reivindicam como anarquistas), de igualar a direção à entidade e defender a dissolução do sindicato. E, ainda pior, a postura de alguns militantes de endossarem e comemorarem o ataque realizado por um hacker ao site do SEPE (ataque esse que sequer sabe-se se foi um ato irresponsável de algum militante da esquerda ou uma provocação de nossos inimigos de classe!).
        Por mais que sindicatos não sejam necessariamente um instrumento suficiente para que a classe trabalhadora tome em suas mãos o controle da sociedade, eles cumprem sim um papel importante de aglutinação e espaço de experiência política para os trabalhadores, tendo servido como instrumentos muito avançados em algumas ocasiões históricas. Igualar o instrumento à sua direção traidora é uma cegueira sectária que ignora o atual nível de consciência da maior parte dos trabalhadores. E pior ainda é comemorar ataques a esse instrumento, que deveriam ser empregados contra nossos inimigos de classe, e não contra os adversários políticos nas fileiras do proletariado. Principalmente se levarmos em conta que a classe dominante recentemente tentou caçar o registro sindical do SEPE (e o conseguiram por um breve momento) e já criaram até um “substituto” chapa-branca e fantasma, a “UPPE” (sugestivamente semelhante à sigla UPP).
        Muitas lições podem e devem ser tiradas dessa greve, tais como a necessidade da classe trabalhadora confiar apenas nas suas próprias forças, e não na justiça dos patrões (responsável pelo “acordo”/chantagem) ou no parlamento (que aprovou a contra-reforma do PCCS de Paes/Costin); a necessidade das lutas irem além do corporativismo tacanho e se ligarem a causas mais amplas; a compreensão do papel da PM e das demais forças policiais, como a Guarda Municipal e a Polícia Civil, que sitiou a cidade para que os lacaios de Paes aprovassem o PCCS e que atacou e prendeu tantos lutadores nesses últimos meses; a necessidade dos trabalhadores organizarem comitês de autodefesas para resistir aos cães da burguesia e proteger suas mobilizações de rua; e, principalmente, a experiência feita com o oportunismo dos setores que compõem a direção do SEPE, em especial o PSOL e o PSTU.
        Para cristalizar essas lições e levá-las adiante, acreditamos ser necessária a formação entre os educadores e demais trabalhadores de uma corrente revolucionária combativa. Orientado pelo programa marxista anticapitalista, tal corrente deve se opor de forma firme ao oportunismo de uns e ao sectarismo de outros. A greve pode ter acabado, mas a luta deve seguir – nas ruas e no Congresso do SEPE: contra o PCCS de Paes/Costin, pela liberdade e anistia de processos dos presos políticos que atuaram ombro a ombro com os educadores e por uma educação radicalmente diferente, que esteja a serviço dos interesses da classe trabalhadora. Não tem arrego!

        O golpe militar no Egito e a posição escandalosa do PSTU / LIT

        Oportunismo e confusão cristalizada
        O golpe militar no Egito e a posição escandalosa do PSTU / LIT
         
        Por Rodolfo Kaleb, outubro de 2013
         

        As posições tomadas pela Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT) e pelo seu partido principal, o PSTU brasileiro, diante dos últimos acontecimentos da luta de classes no Egito são marcadas por incoerências e graves desvios em relação ao marxismo – indo de posições politicamente oportunistas até a negação de fatos concretos. O que não tem sido inconsistente, entretanto, é o oportunismo característico das correntes morenistas ao longo de sua história em cada canto do mundo – desde encarar policiais brasileiros como trabalhadores até semear ilusões no exército burguês egípcio, pode-se facilmente ver muitos paralelos entre aquelas políticas do PSTU praticadas em casa com as que propõe internacionalmente.

        Os eventos no Egito são de conhecimento geral e estamparam todos os noticiários, de forma que não precisamos nos alongar sobre seus detalhes. A queda de Mubarak e a eleição de Mohamed Morsi, candidato da Irmandade Muçulmana, em junho de 2012 não foram fruto da destruição do regime ditatorial anterior, mas de uma transição controlada cuja intenção era acalmar as massas, que não alterou os pilares que sustentaram por tanto tempo a ditadura. Isso explica em parte a insatisfação crescente com o governo de Morsi, pois ele não foi capaz de corresponder a diversos anseios que mobilizaram aqueles que lutaram pela queda do regime que o precedeu. A isso se somou ainda a sua própria política, marcada por contínuos ataques à classe trabalhadora, pela corrosão dos salários por uma galopante inflação, pela repressão a opositores políticos e por tentativas de implementação da Sharia (conjunto de leis derivadas de interpretações do Islã). A crescente insatisfação levou dezenas de milhões às ruas em protesto, inclusive com a deflagração de diversas greves operárias ao longo de todo o seu governo.
        Praça Tahir (Cairo) tomada por manifestantes
        comemorando a queda de Morsi [abc.net.au]
        Frente à incapacidade do governo da Irmandade Muçulmana em manter a ordem burguesa no país, e para evitar que ele pudesse ser retirado do poder pelas massas egípcias, a cúpula do Exército (que não foi removida do comando em 2012 e havia concordado a contragosto com um governo civil) derrubou Morsi através de um golpe. Assim, as lideranças do aparato repressivo do Estado deram fim à breve (e limitada) experiência democrático-burguesa. Algumas semanas depois do golpe essas lideranças iniciaram uma brutal repressão policial contra militantes de várias organizações opositoras, sobretudo o partido do ex-presidente, assassinando centenas e prendendo tantos outros.
         
        Mas essa interpretação aparentemente óbvia do ocorrido não foi unanimidade dentro da esquerda. O motivo foi que uma grande confusão se produziu entre alguns partidos e organizações pelo fato da ação do Exército ter recebido amplo apoio popular em um primeiro momento, com as massas que haviam tomado as ruas tendo não só chamado por uma intervenção militar, mas comemorado o atendimento de seu chamado. Vejamos como a LIT/PSTU analisou cada momento desse processo.
         
        Antes de tudo, o PSTU encarou a queda de Morsi pelas mãos da cúpula do Exército como uma grande “vitória”. O título de um de seus primeiros artigos após a destituição proclamou: “Morsi caiu! Grande vitória da mobilização do povo egípcio!”. Aqui está a primeira grande confusão propagada pelo PSTU:
         
        “Estamos diante de uma imensa vitória das massas, que a entendem e a festejam como tal nas ruas e praças de todo o país.”
        “É uma vitória porque o elemento determinante da derrota de Morsi foi a colossal mobilização das massas. Com este fato, o regime militar, embora não destruído, sai claramente debilitado, à medida que os militares viram-se obrigados a sacrificar outro governo servil a seus interesses, primeiro o de Mubarak e agora o de Morsi…”.
        ― “Morsi caiu! Grande vitória da mobilização do povo egípcio!”, 4 de julho de 2013. Disponível em: http://www.pstu.org.br/node/19547
         
        Nessa declaração o PSTU faz parecer que a derrubada de Morsi foi uma ação dos trabalhadores, ou melhor, das “massas”. Essas “massas”, para as quais o PSTU não fornece nenhuma caracterização de classe, de programa político e de liderança, teriam debilitado o Exército, supostamente enfraquecido pela troca de governo.
         
        Enquanto a manifestação do dia 3 de julho (uma das maiores da história e que carecia precisamente de consciência de classe entre os trabalhadores) foi de fato uma poderosa demonstração de força que colocou os militares em um impasse, a substituição de governo que estes realizaram (a “queda de Morsi”) não poderia ter sido classificada enquanto nenhum tipo de “vitória”. Foi fruto de uma jogada dos militares, como o PSTU não pôde negar. Mas afinal, que conquista ou garantia tal manobra trouxe para os trabalhadores egípcios? O PSTU separa a “queda de Morsi” (que seria uma “vitória”) das forças que de fato o substituíram – a cúpula dos generais do Exército burguês, que se antecipou para evitar uma saída que pudesse colocar em risco as estruturas do Estado. Não apresenta, assim, nenhum elemento concreto que confirme que o golpe militar trouxe benefícios para os trabalhadores e oprimidos em geral.
         
        O próprio PSTU reconheceu, principalmente quando começou a repressão, o quão desastrosa para os trabalhadores havia sido a manobra bem sucedida do Exército:
         
        “Ao jogar esta cartada, puderam se apresentar e ser vistos por amplos setores de massas como ‘amigos’ e ‘guardiões’ das aspirações do povo.”
        “Infelizmente, conseguiram usurpar a vitória das massas, para manter o controle do processo posterior a Morsi e poder arbitrar a conformação do novo governo. Pela falta de uma direção revolucionária com peso de massas, o povo terminou confiando na saída que o Exército ofereceu para aplacar a mobilização popular.”
        ― “Egito: Nenhuma confiança no novo governo fantoche dos militares e do imperialismo!”, 26 de julho de 2013. Disponível em:
         
        “O Exército, apoiando-se no grande prestígio obtido com a população, por haver derrotado Morsi, e no ódio desta contra a Irmandade Muçulmana, começou a desatar uma repressão desenfreada e completamente desproporcional contra os militantes da Irmandade.”
        ― “Os militares não atacam só a reacionária Irmandade Muçulmana, mas todo o povo”, 20 de agosto de 2013. Disponível em: http://www.pstu.org.br/node/19932
         
        Nessas outras declarações, produzidas bem depois do golpe, o PSTU já reconhece de forma mais clara que Morsi foi derrubado não pelas massas, mas sim pelos dirigentes do Exército, e que estes agiram com o intuito de formar um novo governo que desse conta de melhor reprimir as mobilizações, “usurpando” assim o suposto protagonismo popular na derrubada de Morsi, mas contando com a confiança e apoio inicial das massas.
         
        Iludido por esse apoio popular, o PSTU disse desde o início (e insiste até hoje) que se tratou de uma “vitória”. Diferentemente, marxistas devem buscar entender os motivos que levaram as massas a confiarem na cúpula do Exército burguês, dando passagem para que esta assumisse o poder e reprimisse as mobilizações. No lugar de reproduzir as ilusões populares, devemos ter clareza de que o banho de sangue ocorrido no Egito foi fruto da ausência de um partido operário revolucionário, que pudesse se colocar enquanto uma alternativa para a classe trabalhadora e as massas oprimidas e liderá-las no caminho de destruição do Estado burguês – ao invés do caminho da confiança naqueles que são justamente os maiores protetores desse Estado e do sistema capitalista no qual ele se assenta e o qual ajuda a reproduzir.
        Mesmo após a brutal repressão desencadeada contra
        os partidários de Morsi, o PSTU não fez um balanço
        sério de sua posição [barenakedislam.com]
        Assim, a pergunta fundamental que deve ser feita é: a queda de Morsi foi uma vitória das massas que enfraqueceu o Exército e o Estado burguês, ou uma manobra do Exército para “desatar a repressão” e preservar tal Estado? Para o PSTU foram as duas coisas ao mesmo tempo, algo impossível na prática. A repressão “desproporcional” (haveria uma repressão “proporcional” que se justificasse?) foi a única “conquista” da “vitória” aclamada pelo PSTU. Justamente porque o facínora Morsi foi derrubado pelos seus padrinhos militares, que queriam uma repressão mais aberta, nada além disso poderia ter sido esperado. Era necessário ter alertado as massas egípcias do perigo mortal que as esperava, e chama-las a organizar uma resistência proletária baseada em autodefesas e greves, capaz de garantir a integridade de suas forças.
         
        O PSTU fez o canto da sereia. Antes de a violência começar de forma desenfreada, disse que os militares destituírem seu fantoche era uma “concessão democrática” do Exército e não uma maneira de acentuar a repressão:
         
        “Um dos fatores, o mais imediato, é que, como se sabe, frente às grandes mobilizações que derrubaram Mubarak e Morsi, em vez de reprimir e orquestrar um banho de sangue, como se espera de um regime militar contrarrevolucionário, os militares se viram obrigados a se reacomodar e a fazer concessões democráticas, ao ponto de destituir seus dois últimos governos.”
        ― “Egito: Nenhuma confiança no novo governo fantoche dos militares e do imperialismo!”, 26 de julho de 2013.
         
        Aliás, fez pior: afirmou, no mesmo texto, que o Exército da burguesia estaria satisfazendo as aspirações populares:
         
        “Quando os militares, frente à mobilização das massas, deram um ultimato a Morsi e lhe anunciaram que se em 48 horas não cumprisse com as reivindicações do povo iriam derrubá-lo, a posição dos revolucionários e sua localização não podia mudar, porque o ‘golpe’ dos militares não significava um retrocesso, como seria se envolvesse a mudança de um regime democrático-burguês para uma ditadura. Nesse caso, tratava-se de um ‘golpe’ nos marcos do mesmo regime militar e ainda que o Exército estivesse derrubando o governo pela força, estava satisfazendo a principal reivindicação do movimento de massas naquele momento: derrubar Morsi.”
         
        Na cabeça dos dirigentes do PSTU, não importa a maneira como é derrubado um governo, desde que tenha apoio popular (mesmo que apenas inicial) essa derrubada seria progressiva e boa. Confunde completamente uma derrubada progressista de Morsi com uma queda arquitetada pelo Exército burguês para atacar todos os setores em luta. Na  lógica objetivista segundo a qual a queda de Morsi (seja qual for a sua dinâmica e seus sujeitos) é necessariamente uma vitória, o PSTU confunde revolução com reação. Ele deixou nua essa lógica ao tentar “explicar” a sua contradição:
         
        “Para a LIT-CI, como temos afirmado em outras declarações, este é verdadeiro conteúdo dos fatos e do processo como um todo. É muito importante ter isto em mente, pois é natural que existam dúvidas e confusões, sobretudo a partir da forma como ocorreu a deposição final de Morsi: um golpe do Exército.” (ênfases no original).
         
        “A intervenção militar que, no meio das mobilizações, concretizou a destituição de Morsi, embora seja a contradição e não a essência do processo, não é um elemento de menor importância, pois a partir dele se instalou um novo governo no Egito. E, consequentemente, entrou em ação todo um novo plano político, orquestrado pelos militares, que mantém o mesmo objetivo das classes dominantes e do imperialismo desde a queda de Mubarak: derrotar a revolução.”
         
        “Mas o fato primeiro e mais importante é que, independentemente da forma, a queda de Morsi (como a de Mubarak) é uma enorme vitória revolucionária das massas egípcias, que com sua ação enfraquecem os militares e também o imperialismo norte-americano, que sustenta esse regime há mais de 30 anos.” (ênfase nossa).
         
        Em outras palavras, apesar de ter sido “orquestrado pelos militares” para “derrotar a revolução”, essa queda de Morsi foi (pasmem!) uma “enorme vitória revolucionária” que “enfraquece os militares e o imperialismo”. Seria difícil ser mais confuso. O cerne aqui é que para o PSTU, toda a dinâmica concreta da queda do ex-presidente da Irmandade Muçulmana não faz parte da “essência”. Seria um fator secundário, já que a “essência” (por quais motivos?) foi de uma “vitória”, “independentemente da forma” que tenha tomado.
         
        Essa lógica não é nova. É a mesma que os dirigentes morenistas adotaram na Líbia em 2011, quando um Exército rebelde (dirigido pela burguesia, apoiado e armado pelo imperialismo) derrubou o ditador Kadafi. Foi uma “vitória”, independentemente do fato concreto de que foi comandada e dirigida pelos imperialistas. Isso não é marxismo, e sim um “otimismo” estúpido e objetivista que ignora a realidade para saudar a queda de um governo burguês qualquer que tenha sido a dinâmica do processo. Se o PSTU estivesse no Egito, só teria servido para confundir os trabalhadores, ao dizer que uma “vitória” havia conquistado uma “concessão democrática” do Exército, e que este estava satisfazendo uma demanda do povo. Em poucos dias as massas egípcias pagariam de forma amarga por tais ilusões açucaradas.
         
        No decorrer da repressão do Exército, o PSTU desenvolveu outra posição que faz arrepiar os cabelos. Depois de misturar os interesses do Exército com os interesses da classe trabalhadora na “queda de Morsi”, também cumpriu o papel de legitimar a repressão contra a Irmandade Muçulmana. Que a Irmandade Muçulmana é uma organização reacionária em praticamente todos os sentidos é inquestionável, assim como também é inquestionável que os revolucionários devem rechaçar todo e qualquer interesse desse partido em fazer voltar o governo de Morsi. O golpe deve ser combatido com um programa proletário, que aponte a necessidade de um governo direto dos trabalhadores para acabar com a exploração e a opressão da burguesia. Mas os revolucionários tem um interesse ativo em impedir os ataques do Exército burguês contra as manifestações de rua e outras lutas, inclusive as da Irmandade Muçulmana, pois uma vez que a repressão contra tal organização seja legitimada pelas massas, cria-se legitimidade para que ela seja aplicada a um leque cada vez maior de grupos opositores – incluindo possíveis revolucionários. O PSTU diz concordar com isso:
         
        “No entanto, o fato de que estejamos contra as manifestações da Irmandade Muçulmana, não significa que vamos respaldar qualquer medida repressiva do Exército ou da polícia, pois suas medidas obedecem aos interesses de seus comandantes e não há porque confiar neles.”
        ― “Os militares não atacam só a reacionária Irmandade Muçulmana, mas todo o povo”, 20 de agosto de 2013.
         
        Mas logo em seguida se contradiz. Sem nunca explicar como tamanha repressão pôde ter sido uma consequência direta da “vitória” que proclamou, o PSTU é contra defender ativamente os direitos de manifestação e expressão da Irmandade contra o terror policial. Deixa claro que acha positiva a repressão de direitos da Irmandade Muçulmana, mesmo sabendo que essa repressão é feita pelas mãos do Exército:
         
        “Enquanto a Irmandade continuar chamando seus partidários a sair às ruas para retomar o poder, isto é, a ir na contramão da ação da ampla maioria do povo e da conquista que representa ter derrubado Morsi, não estamos a favor de defender seus direitos de expressão nem de manifestação.”
        Idem.
         
        Para defender a “conquista” que teria sido a derrubada de Morsi pelos militares, que afinal teriam cumprido a “vontade do povo”, o PSTU é levado a apoiar pelo menos algumas das medidas repressivas do Exército contra a Irmandade. Longe de qualquer simpatia política pelos reacionários islâmicos e mantendo um combate político contra eles, os revolucionários defendem as organizações e partidos reprimidos pelo governo militar, inclusive seu direito de manifestação e expressão. Fazer isso não implica apoiar a volta de Morsi e nem o programa político da Irmandade Muçulmana, mas simplesmente se colocar, de fato, em oposição à reação militarista – e deixar claro que, se alguma força deve derrotar os reacionários fundamentalistas da Irmandade Muçulmana, esta é o proletariado organizado em torno de um programa revolucionário.
         
        Em suma, o PSTU não defende consistentemente sequer os direitos democráticos e cria ilusões no Exército ao fazer confusão entre seus interesses em derrubar Morsi e os interesses dos trabalhadores. Essas posições não estão desassociadas de uma política de colaboração de classes. Exatamente um dia antes da queda de Morsi, o PSTU chamava para que todos que fossem contra o presidente se unissem em sua derrubada, inclusive setores da burguesia (como o movimento do liberal burguês de El Baradei):
         
        “No marco deste combate contra um regime bonapartista, é necessário aplicar uma política de ampla unidade de ação contra o regime militar e seus governos. Esta unidade de ação, realizada a partir da mais completa independência política do movimento operário e das organizações revolucionárias, deve incluir a todos os setores democráticos e opostos ao regime militar, desde as organizações e frentes de luta jovens como Tamarod, até os partidos patronais e a Frente Nacional de Salvação de El Baradei e Amr Musa.”
        ―“Milhões tomam as ruas no Egito”, 2 de julho de 2013. Disponível em:
         
        Ao defender a derrubada de Morsi em conjunto com os partidos patronais, o PSTU propunha um processo que não poderia jamais significar uma vitória contra o capitalismo e o imperialismo. Ela tinha plena consciência disso, de que seria uma “vitória” somente no seu esquema de “revolução democrática”.
         
        Como explicamos em outros materiais [1] a estratégia morenista de “revolução democrática” pressupõe que a revolução socialista é necessariamente precedida por uma revolução “inconscientemente socialista” liderada por setores não-revolucionários e sem o protagonismo da classe proletária. Ao encarar que a mudança de regime deve se dar na forma de uma “revolução democrática”, que se transformaria quase que magicamente em socialista, os morenistas se colocam em um campo político muito distante daquele do trotskismo e da estratégia da revolução permanente, constituindo-se enquanto um obstáculo à necessidade da revolução proletária para esmagar o Estado burguês.
         
        Pode-se ver que não interessava para o PSTU (como ainda não interessa hoje) uma estratégia clara de independência da classe trabalhadora, precisamente porque nunca lhe preocupa quem dirige a derrubada do governo, ou com qual política. Isso seria sempre um fator secundário, que não está na “essência” do processo. O PSTU pautava a luta comum e a colaboração de todos que se opusessem ao regime e, portanto, uma “estratégia” de colaboração de classe com setores burgueses. Esse objetivo sujo foi alcançado, de certa forma, quando o PSTU defendeu a mesma “unidade” com o próprio Exército na derrubada do presidente da Irmandade Muçulmana. Os resultados sanguinários dessa “vitória” estão diante dos nossos olhos. Mesmo agora, os morenistas da LIT criam ilusões em um futuro governo de Assembleia Constituinte, ou seja, um governo da burguesia, ao levantarem a demanda de “Eleições imediatas para a Assembleia Constituinte livre e soberana, sem participação de militares e da Irmandade, para assumir o poder!”.
         
        O PSTU exclui de tal governo a Irmandade Muçulmana e os militares, mas não a burguesia enquanto classe, e pede que ele “assuma o poder”. Em outros momentos, é claro, fala que só um governo proletário resolveria a situação dos trabalhadores, que só um partido revolucionário pode defender tais interesses, etc. Mas tais afirmações são pura maquiagem para dar um tom “de esquerda” à política fundamentalmente democrático-burguesa que essa corrente levanta na prática. Fala do socialismo e da revolução proletária como fins sem nenhuma relação concreta com a sua política imediata, que é de unidade com a burguesia para derrubar o governo do momento, para poder falar de “vitória revolucionária” enquanto outro governo burguês se constitui e os trabalhadores seguem sofrendo ataques. Para os trabalhadores egípcios, a política da LIT/PSTU é um beco sem saída.
         
        NOTAS
         
        [1] Para a compreensão da estratégia morenista de “revolução democrática”, confira: A Frente de Belém (PSOL-PSTU-PCdoB) na Lógica do Morenismo (agosto de 2012) e O Morenismo e a Posição da CST na Síria (outubro de 2012).

        Arquivo Histórico: Seção Chinesa e SWP contra o Pablismo

        Anunciamos a nossos leitores as novas atualizações em nosso arquivo de Documentos Históricos (Trotskismo Pós-Segunda Guerra). Estes documentos tem como tema a luta do Socialist Workers Party (Partido dos Trabalhadores Socialistas – SWP) dos Estados Unidos e da Seção Chinesa da Quarta Internacional contra a direção revisionista encabeçada por Michel Pablo.

        A greve dos educadores do Rio de Janeiro

        A greve dos educadores do Rio de Janeiro
        Por um programa de ação para derrotar os ataques de Paes e Cabral!
        Outubro de 2013

        Prolonga-se por mais de dois meses a greve dos profissionais da educação do Rio de Janeiro, tanto os do estado, quanto (exceto por um breve intervalo) os do município. Os governos Paes e Cabral jogam duro, se recusando a aceitar as demandas dos grevistas e usando massivamente a repressão policial contra os educadores e seus apoiadores. Em resposta, dezenas de milhares de jovens aderiram à luta dos educadores, e popularizaram-se nos protestos palavras de ordem como “Preste atenção trabalhador, Sérgio Cabral mandou bater em professor!”e “Não acabou, tem que acabar: eu quero o fim da polícia militar!”. Esses slogans revelam que a categoria rompeu com a lógica meramente sindical e está em sintonia com demandas mais gerais que tem marcado os massivos protestos que tomam a cidade desde junho, mesmo que tenham diminuído em tamanho. Sintonia essa que não se viu nas recentes greves dos ecetistas (funcionários dos Correios) e dos bancários, por exemplo.

        Como uma das grandes pautas das manifestações de junho era justamente por educação pública de qualidade (além de transporte, saúde, moradia, etc.), é compreensível que essa luta em específico tenha feito as ruas da cidade verem novas marchas gigantescas, com a solidariedade de diferentes setores a uma histórica greve (há 20 anos a rede municipal não via uma mobilização dessas proporções). Assim, em grande parte como reflexo do processo de lutas que vivemos desde junho, o que poderia ser apenas um embate em torno do plano de carreira e salários (que permanece como uma questão central) tornou-se também um confronto de grandes proporções contra os governos do PMDB (ambos apoiados pelo PT) e a polícia, motivado por uma compreensão dos educadores que não bastam melhores salários frente às péssimas condições de trabalho atuais e aos projetos de privatização e precarização da educação.

        Para vencer: ir além da rotina sindical!

        Esse movimento dos educadores é dirigido pelo SEPE-RJ (Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação) e tem extrapolado o clima ameno com os qual se conduz a maior parte das greves recentes. Os dois últimos protestos, por exemplo, contaram com mais de 50 mil pessoas e terminaram em confrontos entre a polícia e setores radicalizados da juventude. No último (15/10), foram feitos mais de duzentos presos políticos e os cães de guarda da burguesia recorreram até mesmo ao uso de armas letais, ferindo ao menos dois manifestantes.

        Diante de uma situação como essa, não se pode ter a menor ilusão nos métodos rotineiros com os quais a burocracia sindical brasileira tradicionalmente manobra as greves. É preciso um programa de ação para expandir e radicalizar as lutas em oposição aos governos capitalistas. Liminares e ações judiciais podem ganhar tempo (como foi o caso com a anulação da aprovação do PCCS de Paes na justiça, já revogada). Mas não será através desses métodos que a greve vai triunfar. Em primeiro lugar, não podem continuar ocorrendo assembleias e protestos divididos dos educadores das redes municipal e estadual (ambos organizados pelo SEPE-RJ), ainda que reivindiquem ante instâncias diferentes. Do lado do inimigo, está clara a unidade dos governos Paes e Cabral para tentar derrotar os professores, ameaçando o corte de ponto, demissões e agredindo-os fisicamente.

        Essa unidade dos governos também se expressa a um nível mais geral de projeto para a educação pública, defendido pelos respectivos secretários de educação de cada um (Costin e Risolia) e em sintonia com os ditames de órgãos como o Banco Mundial e o FMI. Contra tal unidade, é preciso garantir de imediato a plena unificação das greves, que também deve incluir os profissionais em greve das escolas técnicas da rede FAETEC.

        Embora tenham demandas diferentes, os trabalhadores devem pactuar uma unidade, para impedir que um dos setores se retire da greve e deixe o outro sozinho (como já aconteceu no meio dessa greve com a saída momentânea dos educadores municipais em setembro). Todas as manifestações e assembleias podem ser realizadas de forma conjunta. A única coisa que explica a continuidade dessa divisão parcial é o apego da direção do SEPE-RJ (composta majoritariamente por setores da esquerda do PSOL e também pelo PSTU) aos métodos recuados da burocracia sindical, que se tornaram rapidamente insuficientes diante da conjuntura intensa em que nos encontramos.

        Além disso, há plenas condições políticas para impulsionar um amplo movimento de comitês de apoio à greve nas universidades (sobretudo entre os estudantes) e uma luta conjunta com outras categorias, como é o caso dos petroleiros que estão em uma greve nacional greve essa que também extrapola questões salariais, se opondo à privatização do pré-sal (a venda do Campo de Libra).

        Entendemos que a solidariedade de classe entre os proletários precisa ir além de moções e falas de apoio. Até agora tem se mostrado grande disposição e solidariedade por vários setores populares que vem aderindo aos protestos de rua convocados pela greve dos professores. Esse apoio precisa ganhar uma forma orgânica através de comitês de ação com representantes eleitos pelas bases que possam unir a luta dos profissionais da educação aos estudantes, petroleiros e demais movimentos sociais para coordenar um combate unido contra os patrões e os governos. Essa unidade é fundamental para garantir a derrota dos nossos inimigos e a conquista das demandas dos educadores, como um Plano de Carreira, Cargos e Salários digno, melhores condições de trabalho (como a construção de mais escolas pra reduzir a relação professor/aluno) e o questionamento os projetos educacionais baseados nos interesses dos patrões.

        Nenhuma ilusão em Beltrame! Por autodefesas proletárias contra a repressão!

        No dia 12 de outubro, no período de intervalo entre dois massivos protestos de rua, a liderança do SEPE-RJ publicou uma nota em sua página na internet reportando uma reunião com o comandante da Polícia Militar do Rio de Janeiroe informando que também se encontraria com o Secretário de Segurança do estado. Segundo a nota, os dirigentes do SEPE pediram para que tais indivíduos “intercedessem junto ao governador” para que ele negociasse com os grevistas:

        “Em audiência com o secretário de estado de Segurança, José Mariano Beltrami, marcada para a segunda-feira (dia 14 de outubro), às 15h, a direção do Sepe irá reafirmar a solicitação ao secretário para que ele também interceda junto ao governador Sérgio Cabral e ao prefeito Eduardo Paes para que as negociações entre estas autoridadese a categoria em torno das reivindicaçõesdos educadores estaduaise municipais voltem a ser colocadas na mesa e, desta maneira, possamos chegar, de forma democrática, a uma solução para o atendimento dos itens constantes nas respectivas pautas de reivindicação.”
        NOTA DO SEPE, 12 de outubro de 2013

        Essa nota é sintomática dos instintos passivos dos líderes do SEPE-RJ nesse momento crítico. Tanto o comandante da PMERJ quanto Beltrame são responsáveis diretos pela violência contra os professores e pelas prisões e ataques contra os manifestantes. Eles são os chefes da polícia que torturou e matou Amarildo e nada disso é mencionado na nota! Ambos foram escolhidos a dedo por Cabral para cumprir seus planos assassinos. Apenas a intensificação da luta poderá forçar Paes e Cabral a aceitar as demandas da greve e é nisso que os profissionais da educação devem depositar suas energias. Essas “solicitações” absolutamente descabidas só servem para gerar ilusões.

        Além disso, a ideia de que é possível “chegar de forma democrática a uma solução” em nada corresponde à situação real. Não existem “acordos de cavalheiros” entre opressores e oprimidos em questões importantes, como a atual luta tem demonstrado. Ou Cabral e Paes serão forçados pela luta dos educadores e de seus apoiadores a aceitar suas demandas, ou então irão esmagar-nos com sua repressão e ameaças.
        Confrontos com a polícia tem marcado
        praticamente todos os atos da greve
        Ao invés de perder tempo com esses pedidos inúteis para que os agentes de Cabral e Paes intercedam por nós, o que é urgente e necessário é estabelecer autodefesas dos trabalhadores e da juventude, para resistir com todos os meios acessíveis à truculência da polícia. Essas autodefesas devem ser controladas pelas assembleias de base dos educadores. Não pode haver espaço para ilusões pacifistas nesse momento. Uma moção pela formação da autodefesa chegou a ser aprovada em uma recente assembléia da rede municipal, mas se depender da direção, que sequer tem organizado um fundo de greve para o caso do corte de ponto ocorrer, certamente isso não passará de letra morta. A linha “pacifista” da direção do sindicato foi colocada de maneira clara na mesma nota do dia 12:

        “A diretoriado sindicato deixou claro queo comportamento dos profissionais da educação que participarãodo ato seguirá as tradições das manifestações organizadas pelo Sepe em maisde trêsdécadas de atuação da entidade na defesados direitos dos profissionais das escolas públicasdo Rio de Janeiro e da luta  por uma educação públicade qualidade. Durante todos esses anos, sempre realizamos nossas atividadesde forma pacífica, com músicas e palavras de ordem, de acordo com as maneiras que  entendemos serem mais eficientes para garantir os direitos dos profissionais da educação das escolas públicas do Rio de Janeiro.”

        “Músicas e palavras de ordem” são úteis, e talvez em muitas ocasiões ao longo dessas “mais de três décadas” tenham sido o máximo que era possível fazer contra a repressão. Mas essa não é a situação atual. Quando os professores estão sendo alvos dos policiais da burguesia em praticamente todos os seus protestos, semana após semana, e quando há disposição para resistir entre eles e seus apoiadores, existem outras formas de luta que precisam vir à tona. A direção do sindicato segue congelada nos anos de calmaria, acuada pela campanha de difamação e criminalização dos movimentos sociais promovida de forma raivosa pela mídia empresarial.

        Aliás, a formação da autodefesa é a melhor forma de fazer também uma crítica produtiva aos Black Blocs, os jovens radicalizados que vem se enfrentando com a polícia nas manifestações. Uma autodefesa proletária mostraria a força que pode ter a ação de resistência disciplinada e  coordenada da classe trabalhadora com a juventude, e seria muito superior às ações isoladas dos Black Blocs, feitas de forma improvisada e desvinculada do controle democrático da categoria e de uma estratégia proletária.

        Um setor da direção do SEPE-RJ (notadamente o PSTU) faz críticas aos Black Blocs que colocam neles a culpa pela repressão policial, como se a polícia não tivesse também reprimido manifestações em que não havia Black Blocs Rejeitamos esse tipo de “crítica” e reiteramos que os Black Blocs só tem se configurado enquanto a única forma minimamente organizada de resistência (e não é à toa angariado ampla simpatia entre os educadores) porque o grosso das organizações da esquerda não tem movido uma palha nesse sentido. Apesar de defendermos os praticantes da tática Black Bloc contra a repressão policial, acreditamos ser urgente uma alternativa classista e submetida ao controle democrático das assembleias, na forma de comitês de autodefesa.

        Pela libertação de todos os presos políticos!

        O SEPE-RJ deve também encabeçar uma ampla campanha pela libertação de todos os presos nas manifestações, e pela queda de todos os processos contra os lutadores. Ninguém fica para trás! Junto com essa luta, é preciso apontar como norte a dissolução de todos os órgãos de repressão e o fim das polícias! Uma polícia que existe para matar o povo negro e pobre e para bater em trabalhador não merece existir, e nem sequer pode ser “reformada”, como alguns defendem através do slogan de “desmilitarização”.

        Questionar o capitalismo e sua lógica de precarização

        A greve inclui demandas relativamente avançadas, que vão além de exigências econômicas mínimas da categoria e incluem um questionamento do projeto de educação que vem sendo imposto nos últimos anos. Esse tom mais político da greve se expressa de forma mais clara na palavra de ordem “Fora Cabral, vá com Paes!”, inclusive incluída em adesivos do sindicato e estendida à Costin/Risolia. Alguns ativistas acreditam que fazer dessas palavras de ordem demandas concretas da greve atrapalha a luta, pois não seriam aceitas pelos governantes. Mas discutir e levantar demandas que vão além dos interesses básicos e imediatos dos profissionais da educação é algo fundamental, nem que seja enquanto um norte estratégico.

        O motivo pelo qual Paes/Costin estão insistindo tão pesadamentena aprovação do seu ataque em forma de “plano de carreira”, por exemplo, é porque essa é uma medida central no processo de flexibilização das normas trabalhistas dos educadores e para manter e aprofundar a desigualdade absurda entre seus salários e condições de trabalho dependendo do seu regime de contratação. Essa lógica é intrínseca ao sistema capitalista em que vivemos, que precisa reduzir custos com os serviços públicos e dividir os trabalhadores para garantir a “eficiência” e a “ordem”. Cabral/Risolia, por sua vez, já fecharam dezenas de escola públicas. Essas ações não são apenas “políticas de governo”, mas a própria lógica da precarização do ensino público para abrir cada vez mais espaço para a educação privada e para um projeto educacional mercadológico e “meritocrático”.

        Por esse motivo, nossa luta não pode ser apenas contra Cabral e Paes (e seus asseclas do PT e do PCdoB), nossos inimigos mais imediatos. Tampouco devemos nos limitar a demandas econômicas mínimas. É importante também questionar abertamente todo o sistema que está por trás desses ataques, levantando demandas que relacionem nossas necessidades mais sentidas com a luta contra a ordem burguesa. Se as demandas dos educadores que questionam abertamente o capitalismo serão ou não atendidas dependerá da conjuntura em que vivemos. O que podemos dizer com certeza é que não poderão ser realizadas pelos governos patronais como Cabral e Paes, e exigem o estabelecimento de um governo direto de trabalhadores sobre os escombros do atual regime.

        A greve deve arrancar dos governos aquilo que a luta dos educadores for capaz de impor nesse momento, mas levantar demandas que preparam os trabalhadores da educação para suas tarefas históricas não “atrapalha” a luta. Pelo contrário, esclarece por quais metas devemos combater. Não devemos nos contentar com o mínimo e não devemos exigir apenas o mínimo, porque nesse caso conseguiremos praticamente nada.

        É preciso lutar por salário igual para trabalho igual entre todos os educadores: chega de diferenciação por regime de contratação. Nenhuma escola a mais pode ser fechada, nenhum educador pode ser demitido! Se Cabral diz que não tem como manter as escolas, que abra todas as contas públicas e veremos que o motivo é que o dinheiro dos impostos é usado para financiar seus aliados multimilionários, enquanto a educação pública perece. O mesmo vale para Paes com seu plano de precarização das condições de trabalho. Os educadores, funcionários e pais de alunos podem gerir o sistema educacional de forma muito melhor que esses senhores, e garantindo uma educação, salários e condições de trabalho dignas. Devemos lutar pelo controle e administração das escolas por conselhos de educadores e pais de alunos, de forma independente dos governos, pois apenas assim esses constantes e renovados ataques à educação pública cessarão.

        Nós do Reagrupamento Revolucionário, munidos de um profundo sentimento de solidariedade pela luta em curso, temos buscado intervir nas manifestações chamando atenção para o programa e as medidas que pontuamos ao longo deste texto. Lutamos também pela construção de um partido revolucionário de trabalhadores, a ferramenta essencial para garantir uma mobilização do proletariado que, orientada pelo programa do marxismo, seja capaz de ir além das conquistas parciais e destruir de vez o capitalismo.
        Ato unificado em defesa da educação (07/10)

        O que é um “Jornal de Massas”?

        O que é um “Jornal de Massas”? 

        Leon Trotsky, 30 de Novembro de 1935
        Publicado em A Crise da Seção Francesa (1935-36) 

        Escolhemos esse documento inédito em português para abrir a página de Outros Documentos Históricos em nosso Arquivo. Confira também nossa página de Documentos Históricos (Trotskismo Pós-Segunda Guerra Mundial). Algumas notas explicativas foram adicionadas entre colchetes.

        Aos membros do Grupo Bolchevique-Leninista [partidários da Quarta Internacional na França]: 

        Eu acabei de saber que minha carta ao Secretariado Político sobre o novo “jornal de massas” [“Giro para as Massas!”] foi lida para a assembleia geral. Eu só posso ficar feliz caso ela tenha sido bem sucedida em esclarecer um pouco a situação. Eu me dirigi primariamente ao Secretariado Político na esperança de que a questão poderia ser resolvida sem uma nova discussão sobre os fundamentos decididos na última conferência nacional. Mas aconteceu que os impulsionadores de La Commune [o autoaclamado “jornal de massas” organizado por Pierre Frank e Raymond Molinier], depois de terem preparado sua empreitada fora da organização, e de fato contra ambas as organizações nacional e internacional, decidiram provocar uma discussão depois do fato consumado. Nessas circunstâncias, talvez fosse de algum valor que eu expandisse de maneira mais precisa as críticas e sugestões contidas em minha carta ao Secretariado Político. 

        1. O que é um “jornal de massas”? A pergunta não é nova. Pode-se dizer que toda a história do movimento revolucionário tem sido perpassada por discussões sobre o “jornal de massas”. É o dever elementar da organização revolucionária tornar o seu jornal político o mais acessível possível para as massas. Essa tarefa não pode ser efetivamente resolvida exceto em função do crescimento da organização e de seus quadros, que devem pavimentar o caminho para as massas pelo jornal – já que não basta, é claro, chamar uma publicação de “jornal de massas” para que as massas realmente o aceitem.

        Mas, muito frequentemente, a impaciência revolucionária (que facilmente se transforma em impaciência oportunista) leva à seguinte conclusão: as massas não vem até nós porque nossas ideias são complicadas demais e nossas palavras de ordem avançadas demais – ou seja, deve-se jogar fora alguns entulhos. Basicamente, isso significa: nossas palavras de ordem devem corresponder não à situação objetiva, não à relação de classes analisada pelo método marxista, mas a observações subjetivas (e extremamente superficiais e inadequadas) sobre o que as “massas” podem e não podem aceitar. Mas quais massas? A massa não é homogênea. Ela se desenvolve. Ela sente a pressão dos eventos. Ela aceitará amanhã o que não aceita hoje. Nossos quadros vão desbravar o caminho com crescente sucesso para nossas ideias e palavras de ordem, as quais vão se mostrar corretas porque são confirmadas pela marcha dos eventos e não por observações subjetivas e pessoais. 

        2. Um jornal de massas se distingue de uma publicação teórica ou de uma revista de quadros não pelas palavras de ordem, mas pela maneira com a qual são apresentadas. A revista de quadros elabora para seus leitores todas as etapas da análise marxista. O jornal de massas apresenta apenas seus resultados, baseando-se ao mesmo tempo na experiência imediata das próprias massas. É muito mais difícil escrever de forma marxista para as massas do que escrever para os quadros.

        3. Vamos supor por um momento que o GBL [Grupo Bolchevique-Leninista] consentisse em “simplificar” nosso programa, renunciando às palavras de ordem do novo partido e da Quarta Internacional, renunciando às criticas implacáveis aos socialpatriotas (chamando-os pelo nome), renunciando às críticas sistemáticas contra a Esquerda Revolucionária e especialmente de [seu dirigente Marceau] Pivert. Eu não sei se um jornal como esse se tornaria, com a ajuda de uma varinha mágica, um jornal de massas. Eu duvido. Mas ele iria certamente se tornar um jornal partidário do SAP [grupo centrista alemão] ou de Pivert. A essência da corrente de Pivert é precisamente essa: aceitar as palavras de ordem “revolucionárias”, mas não retirar delas as conclusões necessárias, que são um rompimento com Blum e Zyromsky [dirigentes da socialdemocracia francesa], a criação de um novo partido e de uma nova Internacional. Sem isso, todas as palavras de ordem “revolucionárias” se tornam nulas e vazias. No presente estágio, a agitação de Pivert é um tipo de ópio para os trabalhadores revolucionários. Pivert quer ensinar-lhes que alguém pode ser a favor da luta revolucionária, da “ação revolucionária” (pegando emprestada uma frase muito em voga) e, ao mesmo tempo, permanecer em bons termos com a escória chauvinista. Tudo depende do seu tom, percebe? É o tom que faz a música. Se o tigre rosnasse o som de um pinguim, todo o mundo ficaria encantado. Mas nós, com nossa linguagem rude, devemos dizer que os líderes da Esquerda Revolucionária estão desmoralizando e prostituindo a consciência revolucionária.

        Eu lhes pergunto: se vocês renunciassem às palavras de ordem que são ditadas pela situação objetiva, e que constituem a própria essência do nosso programa, em que nos distinguiríamos dos seguidores de Pivert? Em nada. Seríamos apenas pivertistas de segunda-mão. Mas se as “massas” tivessem que decidir entre os pivertistas, elas prefeririam os de primeira-mão aos de segunda. 

        4. Eu vou tomar o apelo impresso em “La Commune– órgão de ação (?) revolucionária (?)”. Esse documento nos provê uma demonstração impressionante (não planejada por seus autores) de algumas das ideias expressadas acima. “La Communevai falar a linguagem das fábricas e dos campos. Ele vai falar da miséria que lá reina; ele vai expressar suas paixões e sua inflamação para a revolta”.

        Esta é uma intenção bem eloquente, embora as massas conheçam perfeitamente bem sua miséria e seus sentimentos de revolta (que são contidos pelo aparato patriótico que tem a ajuda dos pivertistas). O que as massas podem exigir de um jornal é um programa claro e uma orientação correta. Mas precisamente sobre essa questão o apelo é inteiramente silencioso. Por quê? Porque ele quer conciliar mais do que expressar. Ele aceita a receita (centrista) do SAP: ao buscar a linha de menor resistência, não dizer o que é do que é. O programa da Quarta Internacional? Isso é para “nós”, para os sabichões da liderança. E as massas? E quanto às massas? Elas podem se contentar com um quarto, ou mesmo um décimo do programa. A essa mentalidade nós chamamos de elitismo, de um tipo ao mesmo tempo oportunista e aventureiro. É uma atitude bastante perigosa, camaradas. Não é a atitude de um marxista.

        Nós encontramos no apelo, depois da frase citada, uma grande quantidade de reminiscências históricas: “É aos filhos e netos da Croix-Rousse [cidade de um levante operário em 1831], àqueles que levantaram as barricadas de junho de 1848, aos comunardos de 1871, que La Commune fala”, etc. (seguido de uma retorica típica de uma Madeleine Paz). Eu não sei, honestamente, se as massas em revolta precisam de reminiscências literárias e uma retórica oca disfarçados de programa.

        Mas é aí que a parte mais importante começa: “La Commune não vai se misturar à multiplicidade de tendências no movimento dos trabalhadores”. Que desprezo soberano pela “multiplicidade” de tendências existentes! O que isso significa? Se todas as tendências são erradas ou insuficientes, então os trabalhadores devem ser ensinados a distinguir entre elas. As massas devem ser chamadas a se juntar à corrente correta para combater as falsas. Mas não, os impulsionadores de La Commune, de certa forma como [o romancista pacifista] Roman Rolland, colocam-se “acima da batalha”. Tal procedimento é absolutamente indigno de marxistas.

        Depois disso, uma quantidade grande de nomes é proclamada com o objetivo de especificar, ainda que não muito, o caráter completamente vago do novo jornal. Eu retiro o meu próprio nome, que La Commune reivindica sem a menor justificativa. Estando entre os vivos, eu posso ao menos me defender. Mas e os demais, nossos naturais professores, os verdadeiros líderes do socialismo revolucionário? Infelizmente, eles estão indefesos. O apelo traz os nomes de Marx e Blanqui. O que isso significa? Eles querem criar uma nova “síntese” entre marxismo e blanquismo? Como irão as massas se desembaraçar da combinação desses dois nomes? Um pouco adiante, encontramos Lenin. Mas os stalinistas também o reivindicam. Se vocês não explicarem às massas que vocês são contra a tendência stalinista, eles irão preferir L’Humanité [jornal dos stalinistas franceses] a La Commune. Essa combinação de nomes não explica nada. Ela só aumenta e aprofunda a ambiguidade.

        E aqui está o ponto mais alto: “La Commune é lançada por militantes que pertencem a várias tendências com o objetivo de trazer à tona o surgimento de um grande exército de comunardos”. O que isso significa, esse bando desconhecido de “várias tendências” anônimas, indeterminadas? Quais tendências estão envolvidas? Por que elas (ainda desconhecidas) estão agrupadas fora e contra as outras tendências? O propósito de criar um “grande exército de comunardos” é eloquente. Mas é necessário não esquecer que esse exército, uma vez criado (1871), sofreu uma terrível catástrofe porque àquele magnífico exército faltava um programa e uma liderança.

        A conclusão: o apelo poderia ter sido escrito por Marceau Pivert (em colaboração com Madeleine Paz) exceto por um ponto – o nome do autor das linhas. Mas quanto a mim, eu repito, eu me oponho implacavelmente a esse apelo equivocado e antimarxista. 

        5. A aderência do GBL à SFIO [Seção Francesa da Internacional Operária, socialdemocrata] provou-se absolutamente correta. Foi um passo adiante. O Congresso de Mulhouse foi o ponto mais alto da influência bolchevique-leninista na SFIO. Era necessário entender que o limite das possibilidades dentro do Partido Socialista estava sendo atingido (ao menos para os adultos). Era necessário utilizar a autoridade recém-ganha para influenciar elementos novos e virgens para fora do Partido Socialista, cuja composição social é terrível. Foi essa sugestão que eu expressei em uma carta publicada em um boletim interno do GBL (No. 6, carta de 10 de junho), e que eu recomendo aos camaradas que seja relida em conexão com a presente carta. Passando por Paris [a caminho da Noruega], eu encontrei vários camaradas, especialmente alguns dos futuros promotores de La Commune, que estavam em forte oposição à ideia de uma nova linha. Esses camaradas adquiriram um gosto pela sua atividade nos círculos reformistas e centristas e esperavam ser capazes de progredir mais e mais. Isso foi um erro. Tempo e força foram desperdiçados sem frutos, ao invés de se disputar a juventude, cuja orientação era mais correta porque se dirigia aos trabalhadores jovens fora do Partido Socialista.

        Então vieram as expulsões [dos trotskistas e de outras correntes] de Lille. Eu, por minha parte, considerei-as um ato de libertação, porque elas expressaram a realidade: a impossibilidade de atividades futuras frutíferas nas colunas da SFIO, especialmente com a aproximação da guerra e a fusão com os stalinistas. Parecia que o fato das expulsões havia sido tão eloquente que nos pouparia a necessidade de qualquer discussão sobre qual rumo tomar. Era necessário abrir uma ofensiva contra os que nos expulsaram, não como “divisionistas” (essa é a ladainha de Pivert), mas primariamente como os valetes do imperialismo francês. Era necessário ao mesmo tempo criticar Pivert abertamente, já que ele havia tomado o lugar de Zyromsky em encobrir a ala esquerda da Frente Popular. Era necessário desenvolver um programa de comitês de ação, para se opor à colaboração com  os [liberais burgueses] Radicais, e proclamar abertamente a necessidade de preparar um novo partido para salvar o proletariado e a sua geração mais jovem. Ao invés disso, o grupo Commune buscou acima de tudo as simpatias da Esquerda Revolucionária através de manobras pessoais, por combinações íntimas e acima de tudo através da abdicação das nossas palavras de ordem e das nossas críticas aos centristas. Marceau Pivert declarou a dois ou três meses atrás que a luta contra o “trotskismo” era o sinal de uma tendência reacionária. Mas agora ele próprio, levado pelas pessoas do SAP, representa essa tendência reacionária. A Esquerda Revolucionária se tornou o obstáculo mais imediato e mais nocivo ao desenvolvimento de uma vanguarda revolucionária. Isso é o que deve ser dito abertamente e em todo lugar, ou seja, especialmente em um jornal de massas. Mas o grupo Commune foi tão longe em seu romance com os Pivertistas, que somos forçados a perguntar se esses camaradas ainda estão conosco ou se eles passaram para as posições centristas. Isso é o que se consegue quando se joga os princípios na bagagem e se adapta mais tempo do que é necessário ao aparato reformista e aos valetes centristas. 

        6. Nós podemos perguntar: e Révolution? Também não é o jornal de nossa tendência. Entretanto, nós participamos nele. Isso é correto, mas Révolution é o jornal de uma organização que todo o mundo conhece – os Jovens Socialistas. O jornal é liderado por duas tendênciasque estão se aproximando e que devem inevitavelmente fundir. O caráter progressivo da Juventude Socialista Revolucionária é determinado precisamente por esse fato: que eles estão girando em direção aos bolcheviques-leninistas, e não em direção à Esquerda Revolucionária. (A aderência episódica do camarada Zeller à Esquerda Revolucionária, depois de tudo que aconteceu, foi um erro cuja responsabilidade deve ser compartilhada com o grupo Commune). 

        Révolution é um jornal com vida e em movimento, que pode se tornar o jornal da juventude proletária. Para cumprir essa tarefa, entretanto, Révolution não deve cair nas sombras da confusão de La Commune, mas sim concretizar a sua posição – ou seja, aceitar definitivamente as palavras de ordem dos Bolcheviques-Leninistas. 

        7. La Verité [“A Verdade”, o projeto de jornal dos trotskistas franceses] é uma absoluta necessidade. Mas ele deve se libertar das influências centristas que resultaram no apelo do La Commune. La Verité deve estabelecer o seu caráter intransigente de luta. O alvo mais importante das suas críticas deve ser a corrente de Pivert, que é oposta ao leninismo e assim tornou-se, por sua própria caracterização, uma tendência reacionária. 

        8. Eu não quero analisar nesta carta os métodos extraordinários empregados pelo grupo Commune em relação à sua própria tendência nacional e internacional. É uma questão muito importante, no entanto secundária em comparação com a questão do programa e da bandeira.

        Eu acredito, caros camaradas, que vocês tem as melhores oportunidades diante de vocês. Vocês vão finalmente colher os frutos dos seus esforços até agora, mas sob uma condição: que vocês não permitam uma confusão de tendências, de ideias ou de bandeiras; que vocês pratiquem a intransigência leninista mais do que nunca e orientem-se aberta e vigorosamente em direção ao novo partido e à Quarta Internacional.

        L. Trotsky

        Acerca dos recentes eventos na Síria

        Nos últimos dias a disposição das potências imperialistas para lançar uma investida militar na Síria se alterou, com a desculpa oficial de que o regime de Assad teria usado armas químicas contra as forças do Exército Livre da Síria e a população em geral. Ante as declarações de John Kerry (Secretário de Estado de Barack Obama) deixando clara a determinação dos EUA em seguir adiante independente da decisão da Inglaterra em não apoiar a empreitada militar, reiteramos nossa posição publicada em setembro de 2012:

        “[…] os trabalhadores com consciência de classe em todos os países devem dizer Imperialistas: tirem as mãos da Síria! Pois uma intervenção desse tipo em um país que já é subordinado ao capital imperialista só faria intensificar a exploração do proletariado em uma nação oprimida. Se os imperialistas intervierem militarmente para apoiar o CNS/ELS, nossa atitude no conflito será tomar o lado militar da nação oprimida, desejando a derrota (ainda que pelas mãos do governo Assad) dos imperialistas e de seus apoiadores nativos.”

        Confira a declaração na íntegra: O Conflito Sírio e as Tarefas dos Revolucionários.

        Arquivo Histórico: Portugal 1975-76

        Convidamos nossos leitores a conferirem a nova publicação do nosso Arquivo Histórico. Em sequência aos artigos postados anteriormente sobre a luta de classes em Portugal em 1974, acrescentamos este boletim, também publicado em português pela então revolucionária Liga Espartaquista, de dezembro de 1976. Os artigos que compõem o boletim apareceram em Workers Vanguard entre 1975 e 1976 e dão continuidade às posições programáticas e debates sobre a revolução portuguesa.


        Eleições fingidas em Portugal (16 de abril de 1975) / Extrema direita portuguesa sonda o ambiente nas eleições (27 de abril de 1976) / Não há escolha nas presidenciais Candidato das forças armadas ameaça os trabalahdores portugueses (30 de maio de 1976) / Confrontado pela Spartacist League Diretor do República defende o fura-greves Carvalho (11 de junho de 1976) / Eleito presidente o general “da lei e da ordem” O PC em apuros nas eleições portuguesas (25 de junho de 1976).

        Panfleto do RR no Fórum de Lutas do Rio de Janeiro

        Superar as direções governistas e oportunistas: Por um programa anticapitalista e luta proletária independente dos burocratas!

        Este panfleto foi distribuído pelo Reagrupamento Revolucionário na assembleia do Fórum de Lutas do Rio de Janeiro no dia 30 de julho.

        Após as “Jornadas de Junho” terem sacudido o Brasil, milhares de jovens seguem mobilizados nas principais capitais do país. Depois dos protestos terem levado mais de um milhão de pessoas às ruas de norte a sul, conseguimos a redução das passagens de ônibus e de outros transportes públicos em dezenas de cidades, além da aprovação de passe livre estudantil em Goiânia (GO) e de “tarifa zero” em Paulínia (SP). Mas isso ainda é muito pouco frente ao grande potencial apresentado pelas mobilizações atuais – principalmente porque em muitos lugares a redução será custeada com os impostos arrancados do suor dos trabalhadores.

        Apesar das nossas vitórias serem ainda muito parciais, depois da redução das passagens os protestos diminuíram, voltando a ser contados em alguns milhares. No último dia 11 de julho, muitos esperavam uma mudança significativa, com a entrada em cena da classe trabalhadora. É inegável que muitos trabalhadores, principalmente os mais jovens, tem desde o início estado presentes nas ruas, mas só no dia 11 é que eles apareceram enquanto uma força política organizada, enquanto classe.

        Entretanto, no lugar da necessária greve geral que parasse todo o país e colocasse patrões e governantes contra a parede, o que vimos foi um “Dia Nacional de Lutas” bem mais fraco. No Rio de Janeiro, poucas categorias fizeram greve e as marchas pelo Brasil tiveram um tamanho muito aquém do potencial do nosso proletariado. Para piorar, a próxima convocação de um dia de ações coletivas da classe trabalhadora é apenas para o dia 30 de agosto, daqui a mais de um mês!

        Essa situação é fruto de dois fatores principais. O primeiro, é que a maior parte das categorias dos trabalhadores de nosso país encontra-se sob a influência de burocratas que estão há anos encastelados nas direções dos sindicatos e das centrais principais (CUT, CTB, Força Sindical, UGT e NCST) e que defendem o atual governo do PT e da burguesia. Por isso, esses senhores fizeram de tudo para evitar uma mobilização forte, com greves combativas e antigovernistas, capaz de ferir os lucros e abalar os governos. Um exemplo de quão comprometidos estão os burocratas com a defesa dos governos burgueses foi dado pelo PCdoB (que dirige a CTB), que participou da agressão contra militantes combativos no protesto de 11 de julho no Rio de Janeiro (o que gerou a aprovação de uma moção de repúdio na assembleia do Fórum de Lutas do Rio de Janeiro do último dia 16, que termina com a frase “Abaixo o PCdoB, polícia de Cabral!”). [Leia aqui a declaração do Fórum: http://goo.gl/HqKSpJ].

        Outro obstáculo é que as principais forças que se reivindicam de oposição aos setores governistas – o PSTU e as correntes do PSOL preferiram um acordo de comprometimento com as direções pelegas das grandes centrais sindicais ao invés da construção de um calendário de lutas independente. No dia 11/7, a CSP-Conlutas e a Intersindical não fizeram nenhuma crítica séria à burocracia pelega. Insistindo nessa posição de uma “unidade calada”, essas forças políticas de oposição ao governo não fazem nada para antecipar as mobilizações do proletariado organizado, ou para garantir que o dia 30/8 seja um dia de disputar os trabalhadores para longe do governismo. Ao contrário, se limitam à construção da mobilização que foi acordada com os dirigentes pelegos, marcada para tão longe na esperança de que até lá as coisas se acalmem, não havendo mais pressão nas bases dos sindicatos para que se concretize uma união direta entre a classe trabalhadora, a juventude combativa e os demais setores oprimidos.

        Enquanto os governistas e os oportunistas não forem superados através da mobilização dessas bases que eles atualmente influenciam, a classe trabalhadora continuará tendo uma atuação tímida nesse importante ascenso de lutas que vivemos. Para que isso mude de forma consciente, é fundamental a construção de uma organização revolucionária do proletariado, para que os trabalhadores, junto com todas as massas oprimidas, sejam capazes de concretizar suas demandas contra a exploração, o machismo, o racismo e todas as outras questões que nos vandalizam diariamente.

        É necessário um programa anticapitalista claro para orientar essas massas contra seus inimigos, sobretudo em eixos como: transporte público, gratuito e de qualidade via estatização das empresas de transporte sem indenização; taxação progressiva dos lucros dos empresários para financiar saúde, educação e moradia para a população trabalhadora; redução da jornada de trabalho sem redução de salários para combater o desemprego; aumento salarial de acordo com o aumento dos preços; pela extinção da polícia racista e pela democratização da mídia através da expropriação dos oligopólios de imprensa; abaixo o Estatuto do Nascituro e a “Cura Gay”; liberdade para os lutadores presos e anistia dos processados; esclarecimento sobre o desaparecimento de Amarildo Dias!

        ***

        Com o relativo enfraquecimento dos protestos a nível nacional, é necessário nesse momento que aqueles que permanecem na luta orientem seus esforços para a construção de uma estrutura e de uma pauta de lutas que facilitem a tarefa de derrotar os governos quando as mobilizações ressurgirem com força. As assembleias do Fórum de Lutas do Rio de Janeiro tem sido importantes ao serem um espaço onde as diversas organizações envolvidas nas manifestações, além de centenas de militantes independentes, se reúnem para discutir e deliberar sobre as lutas em sua cidade.

        Mas a sua estrutura de assembleia deliberativa aberta a todos demonstrou uma clara limitação e desgaste: quando um número muito grande de pessoas participa (que é o que todos desejamos e trabalhamos para que se concretize) se torna quase impossível um debate rico entre os diversos projetos e táticas apresentados no calor das lutas. A confusa assembleia com cerca de três mil pessoas que ocorreu no Largo São Francisco foi um exemplo disso e apontou a necessidade de uma forma diferente. Além disso, tal estrutura não possui uma ligação orgânica com a classe trabalhadora do Rio de Janeiro.

        Defendemos uma estrutura baseada nos locais de trabalho, nos locais de estudo e nas favelas e ocupações urbanas. A partir de assembleias periódicas nesses espaços, seria possível uma discussão muito mais profunda sobre as necessidades específicas de cada setor e dos diversos projetos que propõem mudanças em nossa sociedade. E para manter a unidade das lutas, tais assembleias deveriam eleger representantes (que possam ser substituídos a qualquer momento pelas assembleias que os elegeram), para se reunirem em um Fórum Unificado de Lutas, onde os representantes discutiriam e votariam as demandas do movimento e formariam comissões para organizar as manifestações, greves, piquetes, etc.

        Apenas com uma estrutura assim poderemos garantir uma real democracia, que se ligue diretamente com os trabalhadores a partir de seus locais de trabalho e que não crie brechas para que apenas as pessoas com maior disponibilidade de tempo decidam os rumos das mobilizações atuais. Algo assim seria um poderoso instrumento para toda a região metropolitana do Rio de Janeiro e seria de enorme vantagem quando as lutas ressurgirem com peso, além de poderem espalhar o exemplo para outras cidades. Portanto, é urgente que lutemos por tal estrutura e não deixemos nossas energias se dispersarem em formas de organização sem vínculos diretos com a classe trabalhadora e sem uma estrutura democrática de representantes eleitos pela base.

        Leia a declaração política do Reagrupamento Revolucionário sobre as “Jornadas de Junho”: goo.gl/572nd

        Reagrupamento Revolucionário n. 05

        É com alegria que anunciamos a nossos leitores o lançamento da nova edição de nossa revista Reagrupamento Revolucionário. Disponível em formato PDF ou com nossos militantes. Boa leitura!
         
        Reagrupamento Revolucionário n. 05

         Revolta de Massas no Brasil

        Fração Trotskista (LER-QI) e sua ruptura incompleta com o morenismo

        Debate com o PSTU sobre as “delegacias da mulher”

        O SWP britânico e o feminismo

        Sobre marxismo e “feminismo”

        PCO, Altamirismo (Partido Obrero) e as frentes populares

        A LBI capitula ao chavismo nas eleições venezuelanas

        Por um movimento estudantil classista na UFRJ

        Arquivo Histórico: Contrarrevolução no Bloco Soviético

        Chamamos a atenção de nossos leitores para a publicação de novos materiais em nosso Arquivo Histórico. São três artigos publicados no início da década de 1990 pela então revolucionária Tendência Bolchevique Internacional (TBI) acerca da contrarrevolução capitalista que a destruiu os Estados operários deformados do Bloco Soviético.
        Com o tempo, pretendemos aumentar nossa coletânea de artigos históricos sobre o assunto. Recomendamos também a leitura da nossa própria síntese acerca da questão: Uma Explicação Marxista Sobre o Fim da URSS (Abril de 2009).

        Outros materiais históricos já disponíveis sobre o mesmo tema: Teses Sobre o Solidariedade Polonês (1986) / O Colapso da RDA (1990) / A Contrarrevolução Triunfa na URSS (1991) / Entendendo a Rússia Direito (1994)

          Revolta de Massas no Brasil

          Por autodefesas combativas e liderança proletária nas lutas:

          Revolta de Massas no Brasil 

          23 de junho de 2013

          Nas últimas duas semanas, centenas de milhares de pessoas tomaram as ruas de diversas cidades do Brasil em um levante como há muito não se via. Tudo começou com manifestações nas principais capitais do país organizadas contra o aumento das passagens de ônibus, destacando-se a atuação em São Paulo do Movimento Passe Livre (MPL). A brutalidade policial com que essas manifestações foram reprimidas – que incluiu tiros de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e até mesmo alguns casos de uso de munição letal – não gerou o resultado esperado e fez com que ainda mais pessoas fossem às ruas. Dessa forma, o que começou com protestos relativamente pequenos contra o aumento na tarifa de ônibus se transformou em uma rebelião de proporções nacionais, com milhões tomando as ruas.

          Um dos fatores responsáveis pelo crescimento do movimento é o aumento galopante do custo de vida provocado pelo retorno da inflação aos bolsos dos trabalhadores. E combinado a ele está toda a opressão e exploração que tem acompanhado a preparação para os grandes eventos esportivos que serão sediados no Brasil. Estes acarretaram muitas remoções de moradias populares nas cidades onde ocorrerão os jogos e a especulação imobiliária gerou um assombroso aumento dos preços dos alugueis e imóveis. No Rio de Janeiro, a resistência contra a remoção da “Aldeia Maracanã” se tornou um símbolo dessa situação, mas foi derrotada. E na esteira de toda a repressão às tentativas de resistência, vem a imposição da “Lei Geral da Copa”, que torna greves e manifestações ilegais durante a realização de tais eventos.

          Os “megaeventos” também geraram gastos públicos bilionários com estádios, enquanto as condições públicas de saúde e educação acessíveis à população trabalhadora são muito distantes da imagem de “Brasil Potência” apregoada pela propaganda oficial do governo brasileiro. Assim, a luta contra o preço dos transportes foi apenas o estopim, que combinado à indignação frente à violência policial, gerou a explosão de raiva popular que presenciamos no momento.


          O risco de transformação da revolta em despolitização nacional-pacifista


          A popularização do movimento ficou evidente quando, no último dia 17 de junho, uma marcha histórica levou cerca de 130 mil manifestantes às ruas do Rio de Janeiro. Nesse mesmo dia, milhares ocuparam o teto do prédio do Congresso em Brasília, outros tantos marcharam em direção ao estádio “Mineirão” em Belo Horizonte, e muitos mais lotaram mais uma vez as avenidas e ruas de São Paulo. No Rio de Janeiro houve uma batalha contra a PM, insuflada por todo o ódio acumulado após anos de repressão brutal, e que fez parte do efetivo policial ter de recuar sob uma chuva de pedras e se refugiar no prédio da Assembleia Legislativa, que por pouco não foi ocupado pelo mar de gente que se colocou ao seu redor.

          Diante desse vertiginoso crescimento, houve mudanças importantes na dinâmica do movimento. As organizações e partidos de esquerda, que deram um grande impulso ao movimento em seu início, quando a questão das passagens de ônibus ainda era a pauta central, foram secundarizadas pela entrada em cena de muitas massas que nunca haviam se posto em luta. Essa massa de gente é largamente composta de setores com ideias vagas ou deformadas de quem são os seus verdadeiros inimigos e de como combatê-los. As classes dominantes, através de seus instrumentos midiáticos, policiais e governamentais, resolveram adotar uma nova estratégia para conter e controlar a explosão de ira.

          Os grandes conglomerados brasileiros de imprensa, que antes criminalizavam sem perdão todos os protestos, pedindo mais policiais e mais repressão, mudaram nitidamente de tática após os atos continuarem aumentando. Esses instrumentos burgueses passaram a tentar orientar as manifestações para que elas adquirissem um tom absolutamente inócuo e despolitizado, alterando drasticamente a forma como tratavam as notícias dos protestos. Os oligopólios de notícias passaram a buscar sistematicamente destruir o conteúdo originalmente progressivo das manifestações, e para isso estabeleceram duas divisões fundamentais ao falar do assunto: a primeira, entre o que chamam de uma “minoria de vândalos”, contraposta a uma maioria “pacífica”; e a segunda, entre os partidos de esquerda, contrapostos ao “povo”.

          A imprensa burguesa condena repetidamente em seus telejornais os atos de radicalidade contra a polícia e os prédios de governo, os bancos e etc., taxando-os de “vandalismo” e “baderna”. Ao mesmo tempo, elogia sentimentos de amor ao Brasil, de “paz” e de harmonia com a ordem, e coloca o questionamento da “corrupção” em abstrato e o uso da bandeira brasileira como os maiores símbolos de tudo que vem ocorrendo. Assim, desviam o foco da ira popular dos alvos iniciais (os empresários, os governos e os símbolos físicos de seu poder) e tentam transformar os protestos num grande misto de festa verde-amarela, pacifismo e despolitização.

          Enquanto nós não reivindicamos ações individuais de violência sem critério, consideramos absolutamente justos os ataques direcionados contra alvos opressores, como sedes do poder de Estado e também a polícia, especialmente quando partem de um movimento de massas amplo. Esse tipo de ação, ao contrário do que retrata a mídia, contou com apoio de grande parte dos manifestantes e, muitas vezes, era uma forma espontânea de defesa contra os ataques brutais da repressão policial. Defendemos os “vândalos” contra os verdadeiros assassinos – as forças de repressão do Estado.

          A outra investida ideológica da burguesia tem sido insuflar os sentimentos de “partidofobia”, um ódio irracional a todo e qualquer tipo de partido político, que procura principalmente igualar os partidos da classe trabalhadora com todo o mal que existe na política institucional. Assim, já nas marchas do dia 17 de junho, isso fez com que houvesse atos de hostilidade àqueles que carregavam bandeiras vermelhas e começaram a surgir sentimentos tipicamente manipulados pela direita, como “nossa bandeira é a bandeira do Brasil”.

          Os governos também se reorientaram. Após ficar claro que o movimento continuaria crescendo e as marchas se multiplicando, os prefeitos de várias cidades anunciaram a revogação do aumento da passagem. Às vésperas do segundo grande ato nacional, que ocorreu no dia 20 de junho, os governos do Rio de Janeiro e de São Paulo anunciaram quase que simultaneamente que as tarifas retornariam ao preço anterior, mas a diferença seria paga aos empresários com dinheiro público.

          Em um misto de comemoração pela vitória parcial, mas manutenção do sentimento de repúdio contra as variadas injustiças sociais do nosso país, uma multidão ainda maior saiu às ruas. No Rio de Janeiro estima-se que o número de pessoas nas ruas passou de um milhão. Porém, foi uma marcha muito diferente das outras.

          A revogação do aumento fez com que certo vazio programático tomasse conta dos protestos. Os setores da esquerda organizada tinham clareza de que a luta deveria continuar até que o aumento fosse revogado de forma que as empresas não recebessem um centavo de verba pública. Mas as organizações da juventude e da classe trabalhadora se tornaram rapidamente minoritárias nas ruas.

          Dessa forma, ao invés de uma ampliação da pautas para combater o aumento dos custos de vida e atacar os lucros da burguesia, o que se viu foi que, cada vez mais cooptados pelo discurso veiculado pela mídia, milhares trajavam roupas brancas em prol da “não violência”, além de carregarem a bandeira brasileira e entoarem o hino nacional. A mídia havia conseguido em grande medida impor às manifestações um tom ideológico de caráter nacional-pacifista e antipartido, sem demandas progressivas claras, e com palavras de ordem vazias e abertas à manipulação por setores da burguesia, como “abaixo a corrupção”.

          Essas operações ideológicas não significaram uma interrupção do uso das forças de repressão. Nos grandes protestos do dia 20 de junho, o terror policial atingiu níveis extremos contra toda e qualquer expressão de resistência. No Rio de Janeiro se repetiram relatos de uso de munição letal, além da presença nas ruas de batalhões de choque e dos odiosos “Caveirões” – os veículos blindados da polícia que atuam no extermínio da juventude pobre e negra das favelas. Além disso, fica cada vez mais notória a presença de agentes infiltrados que buscam desestabilizar os protestos com atos de violência, tanto destinados a “justificar” a repressão policial, quanto a atacar as organizações sindicais e partidárias, expulsando-as das marchas.

          Diante das mudanças, o que fazer?

          A classe dominante atua em duas frentes. Através dos governos e da imprensa ela busca influenciar as manifestações para que se tornem politicamente vazias e propícias a manipulação: buscam impedir que surjam demandas ou lideranças proletárias, baseadas em uma pauta que ataque os lucros dos patrões. Ao mesmo tempo, mantém intensa repressão policial contra os setores radicalizados das massas que atacam alvos governamentais ou resistiam à violência policial, e também infiltram agentes nas manifestações para atacar diretamente os partidos de esquerda e os sindicatos.

          A esquerda que participa das lutas dos oprimidos e explorados não estava à altura de influenciar as enormes marchas e isso ocorreu principalmente pelo caráter extremamente heterogêneo e múltiplo que elas assumiram ao crescer. O sentimento antipartido que tomou conta de muitos que estão saindo às ruas parte da desilusão com os partidos da ordem e da burguesia, mas está se voltando contra os “partidos em geral”, inclusive aqueles que sempre estiveram presentes nas lutas populares e operárias. Esse sentimento foi claramente instrumentalizado pela burguesia e pela mídia corporativa para atacar as organizações do proletariado e cooptar os protestos.

          Essas novas tendências que surgem precisam de uma firme resposta da classe trabalhadora e de suas organizações. O conteúdo atual das manifestações tem sido largamente influenciado por sentimentos que podem fazer retroceder a luta. Está em aberto o rumo que tomará esse movimento. Exatamente por isso, é necessário reorientar a insatisfação popular com um programa aberta e claramente proletário e, portanto, antiburguês. Só existe uma alternativa para que essa enorme força social que foi liberada nas ruas não seja dirigida pela burguesia: que a classe trabalhadora entre em cena enquanto uma força política organizada.

          Isso se faz colocando os sindicatos em peso nas ruas, garantindo a todo custo o direito de expressão das organizações e partidos da classe trabalhadora, onde quer que estejam, e realizando ações exemplares como greves e piquetes com programas classistas. Dessa forma o proletariado se mostrará enquanto uma alternativa à massa confusa, entre a qual muitos são trabalhadores precários e de categorias sem sindicatos.

          Um “Dia Nacional de Luta” já vem sendo articulado por algumas entidades sindicais, como a CSP-Conlutas, para o próximo dia 27 de junho. Mas essa iniciativa deve ser urgentemente expandida para o máximo número possível de sindicatos e não se limitar a apenas um dia de paralisações, mas se estender enquanto durarem os protestos.

          A melhor forma de organizar a inserção em peso do proletariado nas manifestações e de derrotar os rumos que a burguesia tenta estabelecer é através da realização de assembléias em cada empresa e fábrica, bem como nas escolas e universidades onde os alunos se solidarizem com a luta dos trabalhadores, para discutirem pautas locais e gerais. Desde cada local de trabalho, estudo e também de moradia (principalmente nas periferias e favelas) devem ser eleitos delegados com mandatos revogáveis, que propiciem uma unificação através de assembleias regionais e nacionais. Erguendo-se enquanto força organizada, a classe trabalhadora seria capaz de direcionar a revolta de todos os explorados e oprimidos contra a classe dominante e realizar uma profunda transformação social.

          O maior obstáculo para isso são os burocratas que estão à frente dos sindicatos, que os mantém fortemente adormecidos diante de uma gigantesca manifestação popular. Prova clara disso é que poucos sindicatos tem estado presentes com colunas próprias nos protestos. O engessamento dessas entidades, após anos sob o controle de direções que se limitam a lutas corporativas e econômicas, tem feito com que até o momento a classe trabalhadora (enquanto força organizada) esteja à margem de tudo que vem acontecendo.

          É por esse motivo que se faz extremamente atual a luta pela formação de um partido revolucionário de trabalhadores. Uma organização desse tipo lutaria por um programa socialista e proletário nos sindicatos e nas ruas, buscaria influenciar a classe trabalhadora para que esta liderasse as classes médias e dirigisse toda a revolta popular contra seus verdadeiros inimigos: os patrões e os governos.

          Ao mesmo tempo em que lutasse por reformas que interessam ao proletariado, um partido revolucionário apontaria a necessidade de um governo direto de trabalhadores, sobre as ruínas do atual Estado, para garantir os interesses centrais dos explorados e oprimidos. Isso é exatamente o que a burocracia sindical impede que aconteça, seja por conta de seus setores que possuem rabo preso (financeira e/ou ideologicamente) com os patrões e o Estado, seja por conta daqueles que se pautam um programa oportunista, que é socialista nas palavras e reformista na prática.

          Ataques ao movimento dos trabalhadores: uma questão de vida ou morte

          Na última marcha unificada (20 de junho), no Rio de Janeiro, em São Paulo e em algumas outras cidades, a esquerda formou um “bloco vermelho” para evitar as hostilidades presenciadas nos atos anteriores, e garantir que pudesse erguer claramente suas bandeiras e entoar suas palavras de ordem. Compuseram esse bloco os partidos e grupos da classe trabalhadora, militantes de federações sindicais, entidades estudantis e também membros do MST, num esforço de garantir seu direito democrático de expressão política.

          No protesto do Rio de Janeiro, bandos bem organizados, armados com paus, pedras e bombas caseiras, atacaram o “bloco vermelho”. O mesmo se repetiu em São Paulo e em algumas outras capitais. Desde o início, esse bloco reacionário tinha a intenção de atacar fisicamente a esquerda e os sindicatos. Eles parecem ser um misto de agentes policiais infiltrados, fascistas, lumpens e criminosos pagos para se juntarem à turba provocadora. Em São Paulo já foi comprovada a presença de ao menos dois grupos de skinheads fascistas e o uso de armas típicas da polícia, como spray de pimenta e bombas de efeito moral.

          O objetivo desses bandos é claramente pautado pelos interesses mais reacionários, destila ódio contra o proletariado e suas organizações de classe – os partidos e sindicatos. No protesto, eles buscaram forçar os partidos e sindicatos a baixarem suas bandeiras vermelhas, perseguiram militantes com símbolos revolucionários ou mesmo vestidos em roupas vermelhas e cantaram slogans de ódio como forma de agredir o proletariado e suas organizações e incitar as massas contra eles.

          Não se deve confundir o sentimento antipartido das massas, que é fruto de uma identificação ingênua de todo e qualquer tipo de partido com a corrupção burguesa e as injustiças sociais, com este bando de mercenários e arruaceiros mantidos pela polícia e por grupos fascistas. Eles buscam se aproveitar do baixo nível de consciência das manifestações para confundi-las e lança-las contra o movimento proletário; não são pessoas comuns, movidas por ignorância e que deveríamos disputar politicamente, e sim um pequeno grupo de agentes preparados para o confronto a qualquer custo. Existe uma diferença entre a falta de consciência de classe daqueles que vestem a bandeira verde e amarela, e a corja que vai às ruas com bombas caseiras e barras de ferro para agredir o proletariado organizado.

          Por isso mesmo, enquanto achamos que o convencimento e o debate político se faz muito necessário para elevar o nível político baixíssimo das massas, não achamos que seja possível nenhum tipo de “diálogo” com esses bandos assassinos. Devemos responder na mesma altura! Os partidos e organizações agredidos, os sindicatos, o movimento sem-terra, etc. precisam se organizar em frente única para garantir sua autodefesa.Nesse momento, não pode haver a menor concessão a expectativas socialpacifistas: se não se preparar para se defender fisicamente contra esses bandos violentos reacionários, os trabalhadores serão incapazes de se manter nesse movimento, pois serão repetidamente vencidos pelas colunas da reação e a burguesia poderá cada vez mais controlar o movimento e dirigi-lo para objetivos inócuos ou mesmo reacionários. Infelizmente, foram poucos os grupos que até agora falaram em autodefesa. Já nós, nos pautamos pela tradição combativa do proletariado revolucionário e de seus líderes históricos, um dos quais afirmou que:

          “Para poder lutar, é preciso conservar e reforçar os instrumentos e meios de luta: as organizações, a imprensa, as reuniões, etc. O fascismo os ameaça, direta ou indiretamente. Ainda é muito fraco para lançar-se à luta direta pelo poder; mas é bastante forte para tentar abater as organizações operárias, pedaço a pedaço, para temperar seus grupos nesses ataques, para semear nas fileiras operárias o desalento e a falta de confiança em suas próprias forças. Mais que isso, o fascismo encontra auxiliares inconscientes em todos aqueles que dizem que a ‘luta física’ é inadmissível e sem esperanças, e que reclamam de Doumergue o desarmamento de seus guardas fascistas. Nada é tão perigoso para o proletariado, especialmente nas condições atuais, que o veneno açucarado das falsas esperanças. Nada aumenta tanto a insolência dos fascistas quanto o brando ‘pacifismo’ das organizações operárias. Nada destrói tanto a confiança das classes médias no proletariado quanto a passividade expectante, a ausência de vontade para a luta.”

          ― Leon Trotsky. “Aonde vai a França?”, 1934.

          Apesar da derrota humilhante sofrida pela esquerda do Rio de Janeiro no dia 20 de junho, a turba de reacionários estava em nítida minoria. Se houvesse um bloco classista bem organizado e sem ilusões socialpacifistas, o resultado certamente teria sido outro. Se a única resposta que dermos aos que querem nos agredir forem os cantos de “sem violência”, o proletariado será facilmente esmagado. É uma questão de vida ou morte – trata-se de nossas cabeças, de garantir nosso direito de ir às ruas, que é nosso meio natural, com nossas bandeiras e símbolos de luta. Está na ordem do dia formar a autodefesa da classe trabalhadora e de suas organizações partidárias, sindicais e de todas as organizações de luta contra a opressão! É necessário estabelecer destacamentos bem preparados que revidem com todos os meios necessários a estes ataques reacionários!

          A primeira tarefa do proletariado, para que este possa ter qualquer perspectiva à frente, é garantir seu direito de levantar suas bandeiras, de discutir sua política e de apresentar suas organizações. As piores derrotas são aquelas sem luta. E foi praticamente isso que se viu nesses ataques. Em determinado momento, os próprios partidos de esquerda, numa vã esperança de acalmar seus inimigos, aceitaram baixar e esconder suas bandeiras vermelhas. Ao menos no Rio de Janeiro, onde estivemos, foi nesse momento que o bando reacionário se sentiu ainda mais confiante e atacou com todas as forças o movimento dos trabalhadores. Vimos uma minoria violenta bem preparada derrotando os trabalhadores e estudantes classistas em número muito superior porque estes não se organizaram para se defender. Isso não pode se repetir!

          No Rio de Janeiro, o “bloco vermelho” foi expulso do ato, sendo forçado a ir para frente da marcha e dispersar na altura do prédio da Prefeitura, onde teve que se desfazer para fugir dos ataques. Depois disso, quando o resto da marcha chegou à Prefeitura, entrou em ação a PM, a Tropa de Choque e o BOPE – que reprimiram brutalmente os manifestantes. Cenas horripilantes se seguiram, como o uso de munição letal, chuva de bombas de gás, a invasão da emergência de um hospital onde havia manifestantes feridos sendo socorridos e o cerceamento de dois prédios da UFRJ, onde muitos haviam se refugiado. Prisões ocorreram aos montes e confrontos se espalharam por toda a extensão do centro da cidade, com um enorme aparato repressivo sendo posto em uso. A expulsão dos sindicatos e partidos de trabalhadores da manifestação os privou por completo de qualquer influência nos eventos que se seguiram e nos quais poderiam ter cumprido um papel importante na resistência aos ataques policiais.

          O rumo das atuais manifestações não está decidido. Se a participação e liderança do movimento dos trabalhadores não forem garantidas, não haverá nenhuma saída progressiva. O primeiro passo para desfazer a confusão antipartidária das massas é derrotar o bando reacionário que nos quer expulsar a força das manifestações. Acreditamos que também é necessário que o movimento operário estabeleça demandas claras e busque reorganizar suas forças em meio à massificação sem um conteúdo político claro que tem tomado as ruas.

          O ovo da serpente mostrou que está sendo gestado. Ou ele é destruído, como heroicamente os trabalhadores brasileiros fizeram em 1934 (ao desmantelarem um comício fascista da Ação Integralista Brasileira, no que ficou conhecido como a “Revoada das Galinhas Verdes”) ou ele irá chocar. Apenas uma determinação revolucionária orientando o proletariado será capaz de arrastar as massas confusas e as classes médias para longe de ideologias reacionárias.

          Por um programa proletário revolucionário!

          Houve uma mudança na composição e nível de esclarecimento político com relação a protestos anteriores e as manifestações de massa que seguem acontecendo diariamente pelo Brasil não podem, nesse momento, ser definidas nem como intrinsecamente progressivas nem como intrinsecamente reacionárias. Seu caráter definitivo ainda não foi definido e, portanto, deve ser disputado. Para isso, devemos evitar dois tipos de atitudes.

          Uma delas é adotar uma postura passiva de apoiar acriticamente manifestações extremamente heterogêneas e sem conteúdo político claro, onde se misturam elementos de variados interesses de classe e políticos. Outra é simplesmente descartar tais protestos como “ações fascistas de massa”. Os grupos fascistas ou de extrema-direita não tem força para tanto, muito pelo contrário: são menores que a própria esquerda. Eles estão avançando por sua organização superior, pelo apoio que tem recebido de agentes infiltrados da polícia e, principalmente, pela passividade do proletariado. Eles não possuem influencia significativa nesse momento. Tentam se apoiar nos sentimentos de repulsa das massas aos partidos políticos em geral, mas nenhum grande partido de direita ou fascista está nesse momento liderandoas massas. Ambas as atitudes, a de matiz “otimista” e a de matiz “pessimista”, relegam os revolucionários à passividade. Nenhuma delas é capaz de oferecer um guia de ação claro para intervir no processo sem cair em um oportunismo completo produzido por tais fatalismos.

          As táticas para levar a classe trabalhadora organizada à posição de vanguarda da revolta de massas devem combinar uma intervenção nas manifestações em que ela esteja preparada para lutar pela consciência do restante da população (erguendo suas bandeiras e palavras de ordem) e uma reorganização dos seus próprios fóruns e formas de luta tradicionais, como os piquetes e as greves.

          É preciso mais do que nunca um programa revolucionário coerente para orientar os trabalhadores. Esse programa deve claramente delimitar os proletários de todas as forças burguesas, combatendo politicamente tanto o governo do PT com os empresários, quanto a oposição de direita – ambos responsáveis diretos pela repressão policial assassina que temos testemunhado. Tendo em vista que o aumento do custo de vida é um dos grandes fatores que tem mobilizado as massas, esse programa proletário independente deve se pautar pelas demandas de reajuste automático dos salários de acordo com o aumento do custo de vida; redução da jornada de trabalho (sem redução de salários) para combater o desemprego; e efetivação dos trabalhadores terceirizados em igualdade de condições!

          Quanto à questão dos transportes públicos, onde apenas uma vitória parcial foi alcançada através da revogação dos aumentos, devemos defender a estatização dos transportes, sem indenização para os patrões, a gratuidade das passagens e o controle dos trabalhadores sobre as empresas! Apenas essa expropriação com passagem gratuita poderá garantir que nem mais um centavo de dinheiro dos impostos arrancados dos trabalhadores seja transferido para as mãos da máfia dos transportes.

          Já a demanda de “tarifa zero” subsidiada pelos impostos, defendida por muitos grupos (inclusive pelo Movimento Passe Livre de São Paulo) é uma forma de manter a propriedade privada das empresas de transportes e de transferir dinheiro público para os grandes empresários. Por isso não reivindicamos essa demanda, e sim que as empresas sejam expropriadas das mãos da burguesia.

          Também devemos lutar pela liberdade imediata de todos os presos nas manifestações e pela queda de todos os processos! Essa campanha deve vir acompanhada de demandas pela destruição da polícia racista e assassina que persegue os trabalhadores das favelas e periferias e que tem perseguido sem limites a população nos últimos dias. Para levantar com coerência essas demandas, devemos também pautar a expulsão dos policiais do movimento sindical – policiais não são trabalhadores, e sim braços armados do governo e dos patrões! 

          Essas demandas apontam necessidades básicas essenciais (apenas algumas das tantas de que carece o proletariado brasileiro) e que o governo burguês do PT, e a burguesia em geral, não aceitarão. As demandas que apresentamos devem ser defendidas não no contexto de reformar o governo, ou apenas cobrar para que ele invista mais em setores sociais, mas com a perspectiva de um governo direto de trabalhadores, baseado nas organizações de luta do proletariado, forjado através de uma revolução que derrube o governo dos capitalistas e seus lacaios.


          Essa perspectiva é dificultada pelas muitas traições dos dirigentes petistas e seus aliados, além das demais organizações da esquerda oportunista que não combatem consistentemente ou capitulam aos governos capitalistas. Tais oportunismos desmoralizaram o proletariado e deixaram-no sem confiança em suas forças e sem consciência dos seus interesses de classe. Exatamente por isso, nós do Reagrupamento Revolucionárionos colocamos na luta pela construção de um partido revolucionário de trabalhadores capaz de defender uma orientação correta. Essa é a única garantia de que no momento propício, o proletariado esteja imediatamente à frente de uma revolta popular, e possa canalizar a raiva contra os verdadeiros inimigos da população trabalhadora. 

          Que o proletariado, com suas bandeiras vermelhas, tome as ruas e delas expulse os bandos reacionários! Forjar um partido revolucionário dos trabalhadores para liderar essa e as próximas lutas!

          Novidades em Outros Idiomas

          Chamamos a atenção de nossos leitores para duas novidades: a publicação em espanhol de nossa polêmica com a UIT (Unidade Internacional dos Trabalhadores) acerca da guerra civil na Síria (de outubro de 2012) e a publicação do segundo número de nosso jornal em inglês. Acessem, respectivamente, através dos links abaixo:

          • Polémica con la Unidad Internacional de los Trabajadores acerca la guerra civil en Siria, originalmente publicada en portugués en octubre de 2012 El morenismo y la posición de la UIT en Siria

          Eleições do DCE da UFRJ

          Por um movimento estudantil classista na UFRJ: Nenhum 
          apoio àqueles que capitulam a governos e reitorias!

          Durante os dias 11, 12 e 13 de junho ocorrem na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) as eleições para a nova gestão do “Diretório Central de Estudantes Mário Prata”. Reproduzimos a seguir duas notas originalmente postadas em nossa página no Facebook sobre o tema.

          As eleições para o DCE da UFRJ acontecem num momento em que é mais do que nunca necessário discutirmos, enquanto movimento estudantil, uma perspectiva de luta que possa realmente derrotar o projeto do governo Dilma/PT de uma educação superior a serviço dos grandes empresários. Esse governo quer uma educação cada vez mais privada (alimentando com altíssimas mensalidades e dinheiro público os empresários que fazem do direito que é educação uma mercadoria); cada vez mais precarizada (com muitos funcionários terceirizados, em sua maioria negros e mulheres, sem direitos ou voz na universidade); e em que as faculdades públicas são um privilégio para poucos, para dizer o mínimo. Nos últimos dez anos, vimos um aprofundamento de uma política capitalista para a educação. Os filhos dos trabalhadores ainda são uma pequenina minoria no ensino superior.


          A grande greve da educação no ano passado mostrou que há muita disposição dos estudantes e trabalhadores em não aceitar de boca fechada essa situação. Mas se o movimento não estiver armado com um projeto político, vigor e determinação de uma liderança resoluta, muita luta pode acabar em pouco resultado. A greve conseguiu conquistas, mas ficou aquém das possibilidades precisamente porque lhe faltava uma estratégia para impor uma derrota, ainda que não definitiva, ao governo. Acreditamos que apenas através de uma estratégia claramente classista é que o movimento estudantil atingirá a vitória em torno de suas demandas mais centrais e será capaz de garantir de fato a tão alardeada educação pública, gratuita e de qualidade.

          Ao escolher o nosso DCE, estamos escolhendo lideranças para as lutas que virão. Nosso critério de posicionamento nessas eleições não pode se pautar por posições isoladas aqui ou ali, ele deve ter como critério fundamental a presença de uma estratégia minimamente consistente de aliança com os trabalhadores dentro e fora da universidade. Entretanto, nenhuma das três chapas que se apresentaram contém tal estratégia. Isso se torna evidente, por exemplo, na sua incapacidade de levantar como princípio a oposição à participação, apoio ou voto nas reitorias e governos que nos reprimem e que nos atacam.

          A Chapa 1, “Mãos à Obra”, fala muito de ação, e promete lutar por conquistas para os estudantes. Mas muitos desses senhores (dentre os quais se incluem líderes do PT e PCdoB/UJS) são defensores do governo Dilma, que realiza os maiores ataques contra os estudantes e trabalhadores, dentro e fora da UFRJ. É uma chapa comprometida com a defesa do plano de precarização do REUNI, uma chapa que considera que o PROUNI e o FIES (isenções fiscais milionárias para universidades privadas em troca de pouquíssimas vagas) é um bom projeto para a educação brasileira; se vitoriosa, essa chapa irá transformar o DCE em uma simples agência de propaganda do governo federal. Indivíduos comprometidos com a defesa do governo não são capazes de defender os estudantes e trabalhadores contra a EBSERH, medida do governo que avança a privatização dos Hospitais Universitários, nem contra os inúmeros cortes de verba da educação pública ou a transferência de recursos públicos para os conglomerados da educação privada. A Chapa 1 mente quando diz defender os estudantes e trabalhadores. Estão mesmo é do lado dos governos que atacam sem piedade os protestos operários e estudantis. Não passam de capachos do governo dentro do movimento estudantil e por isso merecem repúdio e nenhuma confiança de qualquer estudante que esteja preocupado com uma educação de qualidade.

          Já as chapas 3, “Prepara, que agora é hora!” e 2, “De que lado você samba?”, apesar de não serem parte do governo federal e se declararem como oposição a ele e à reitoria da UFRJ, não foram capazes de se colocar enquanto uma alternativa consequente ao projeto governista-empresarial. Vamos a elas.

          A Chapa 3 é composta por vários grupos políticos, dentre os quais um dos componentes da atual gestão do DCE, o coletivo “Nós não vamos pagar nada”. A chapa também inclui companheiros de diversas correntes do PSOL e independentes, a UJC/PCB e o Movimento Correnteza. Na sua composição, algumas coisas saltam aos olhos. O Movimento Correnteza, grupo impulsionado pelo PCR com independentes, prestou apoio ao reitor da UFRJ na “eleição” desproporcional que o elegeu: o mesmo reitor que reprime os estudantes do alojamento, implementa os ataques do governo na UFRJ e que quer a provação da EBSERH. Esses companheiros já falaram em diversas ocasiões que se deve disputar o uso de verbas do REUNI (num contexto de resignação ao mesmo), ao invés de buscar derrotar esse projeto nas lutas; os senhores do PCR também votaram no governo federal em 2010; um panfleto de sua autoria na época, dizia para votar em Dilma porque ela “luta com os trabalhadores” (!). O restante da Chapa 3, é claro, mantém absoluto silêncio sobre esse papel de um dos seus componentes principais. Alguns membros da chapa dizem que foi feita uma “autocrítica” dessas posições criminosas, mas onde? Em salas fechadas e reuniões de cúpula? Tendo em vista o histórico do Movimento Correnteza, não podemos acreditar nem um pouco em tal mea culpa.

          Essa complacência dos outros grupos da Chapa 3 com as traições do Correnteza não surpreende. Todos os coletivos que compõe a chapa apoiaram a candidatura a prefeito de Marcelo Freixo/PSOL nas últimas eleições municipais. Mas quando Freixo buscava aliados patronais para formar uma candidatura (flertou com Fernando Gabeira e mesmo com o jogador/político Romário), não disseram uma vírgula. Quando Freixo falou em rede aberta de televisão que “dependendo da situação” poderia sim cortar ponto de trabalhadores públicos que estivessem em greve (um dos métodos preferidos de repressão da burguesia), todos esses coletivos da Chapa 3 fingiram que não tinham ouvido e continuaram a apoiá-lo sem ressalvas. Portanto, essa chapa já nasceu mostrando que não tem coerência para combater o governo, a reitoria e seus pelegos da Chapa 1, pois é incapaz de colocar a classe trabalhadora no centro de seu programa.

          A Chapa 2 é outro dos fragmentos da atual gestão do DCE, que se dividiu. Ela é composta pela Juventude do PSTU e independentes (e às vezes se sente confortável em se considerar a “chapa da ANEL”, embora esta entidade inclua outras forças políticas minoritárias que não a integram). A Chapa 2 faz críticas acertadas tanto aos governistas traidores da Chapa 1 quanto à aliança do coletivo “Pagar nada” com o capitulador Movimento Correnteza.

          Mas, apesar de ter sido abandonada pelos seus antigos companheiros de gestão, que preferiram uma aliança com os que votam no reitor e no governo, a Juventude do PSTU tentou ter uma plataforma conjunta com os grupos que formaram a Chapa 3. Primeiro tentaram isso através de uma negociação de cúpula sobre o número de cadeiras da futura gestão e depois pelo chamado a uma “convenção democrática”. Como eles mesmos puseram em seu material, “Até o último momento, nós da Chapa 2 – ‘De que lado você samba?’, propusemos uma chapa unitária da esquerda, através da realização de uma Convenção de Chapa Ampla e Democrática, mas infelizmente, o convite foi recusado”

          Logo, o fato da Juventude do PSTU estar saindo em uma chapa própria não decorre de uma oposição visceral à alianças espúrias, como a Chapa 2 vem tentando fazer parecer. A Chapa 2 não é o fruto de um rompimento político consciente com aqueles que abrem mão da independência do movimento estudantil, por mais que ela tenha atraído alguns estudantes independentes através desse discurso. E não poderia ser de outra forma, pois nela também se faz ausente uma estratégia clara de independência de classe e um norte de aliança operário-estudandil.

          Essa insuficiência da Chapa 2 fica mais clara se olharmos para o histórico do grupo que a impulsiona. Nas últimas eleições municipais, na cidade de Belém do Pará, a Juventude do PSTU compôs uma chapa para prefeito que incluía o PCdoB/UJS, que eles acusam (com razão) de serem os maiores coveiros do movimento estudantil brasileiro. Mas quando lhes convém, como nessa ocasião de Belém, eles participam da mesma campanha conjunta, deixando de lado a independência de classe! Não é à toa que a classe trabalhadora não figura como elemento central do programa da Chapa 2 (que praticamente nem fala de trabalhadores em seus materiais e campanhas).

          Por esses motivos, o Reagrupamento Revolucionário não está apoiando nenhuma das chapas da atual eleição. Diferente de outras ocasiões, onde reivindicamos um voto crítico em chapas que, mesmo com um programa insuficiente, se baseavam em um marco de classe, vemos que no presente processo eleitoral nenhum dos setores chegou sequer perto de um programa centrado na classe trabalhadora, ficando todos eles limitados a demandas recuadas e circunscritos a um setorialismo estudantil.

          Certamente estaremos lado a lado dos companheiros das chapas 2 e 3 nas lutas em curso (como a batalha contra o aumento das passagens dos transportes e contra a EBSERH) e nas que virão pela frente. Mas dizemos fraternalmente que nenhuma das duas levantou de forma consequente a bandeira da independência a governos e reitorias, o que passa por defender um programa que seja claramente classista. Por isso, para além das eleições, seguiremos no dia a dia defendendo um programa que inclua os seguintes eixos:
          • Por uma posição classista no movimento estudantil: defender uma aliança estratégica com os trabalhadores efetivos e terceirizados, dentro e fora da universidade, para derrotar os ataques do governo do PT e dos patrões!
          • Lutar levantando a perspectiva do fim do vestibular/ENEM para acabar com esse funil racial e social! Livre acesso já!
          • Estatizar as universidades privadas sem indenização, sob controle dos estudantes e trabalhadores! Chega de mensalidades!
          • Pela efetivação sem barreiras de todos os terceirizados, com igualdade de salários e direitos!
          • Formar comissões de estudantes e trabalhadores para defender os negros, mulheres e LGBT contra a opressão na universidade e arredores! Creches, bandejões e alojamentos gratuitos, sob demanda!
          • A educação só poderá ser realmente livre num mundo socialista!
          (11 de junho de 2013)

          Apêndice 
          Nota de esclarecimento ao movimento estudantil da UFRJ

          Por conta do processo eleitoral de nosso DCE, tem circulado boatos sobre o posicionamento do Reagrupamento Revolucionário frente as chapas dos setores de oposição ao governo (“2 – De que lado você samba?” e “3 – Prepara, que agora é hora”). Alguns desses boatos afirmam que o RR estaria chamando voto ou mesmo compondo a Chapa 3; outros, que estaria apoiando a Chapa 2.

          Aqueles que nos conhecem, sabem que somos avessos à prática (infelizmente corriqueira na esquerda) de formar blocos oportunistas baseados em acordos programáticos que buscam um menor denominador comum. Nesse sentido, afirmações de que estaríamos COMPONDO uma chapa com grupos com os quais possuímos diferenças viscerais não passam de um mal entendido ou de uma difamação intencional.

          Deixamos claro a tod@s @s militantes combativ@s da UFRJ que: não estamos compondo nenhuma das atuais chapa; nenhum militante ou simpatizante do RR entregou CRID para as chapas; ainda não definimos qual posição tomaremos em termos de votos (que, no caso de votarmos em alguma, seria certamente um voto crítico); assim que definirmos nossa posição em relação à atual eleição, ela será amplamente divulgada, tanto em nosso blog (http://reagrupamento-rr.blogspot.com.br), quanto no dia a dia por nossos militantes e simpatizantes.

          Concluímos reiterando que repudiamos a disseminação de boatos e calúnias entre a esquerda e alertamos a tod@s @s companheir@s honest@s do movimento estudantil da UFRJ que não reproduzam informações duvidosas sem antes checá-las.

          Saudações,

          Reagrupamento Revolucionário.
          (29 de maio de 2013)

          Arquivo Histórico: Bolívia + Degeneração Espartaquista

          Chamamos a atenção de nossos leitores para publicação de novos materiais em nosso Arquivo Histórico. Os dois primeiros artigos foram escritos pela então revolucionária Liga Espartaquista e tratam da revolução boliviana de 1971 e das posições de outras correntes que reivindicavam o trotskismo na época. Os outros dois tratam da degeneração burocrática da Liga Espartaquista e foram escritos pela Tendência Bolchevique: 

          REVOLUÇÃO BOLIVIANA DE 1971

          DEGENERAÇÃO DA LIGA ESPARTAQUISTA

          Sobre as “delegacias da mulher” e a emancipação das mulheres trabalhadoras

          Debate com o PSTU

          Sobre as “delegacias da mulher” e a emancipação das mulheres trabalhadoras

          Maio de 2013

           
          Reproduzimos a seguir a intervenção (reconstruída a partir de anotações) de um militante do Reagrupamento Revolucionário realizada em um fórum aberto do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) no Rio de Janeiro, em 15 de março de 2013. A atividade, intitulada “A Origem do Machismo e suas Consequências nos Dias Atuais”, contou com a presença de cerca de cem pessoas. Depois da intervenção, incluímos um comentário lidando com as respostas que recebemos das companheiras e companheiros do PSTU no dia do evento.

          Intervenção
           
          Eu sou militante do Reagrupamento Revolucionário. Eu concordo com a afirmação de que todas as formas de opressão contra as mulheres devem ser ativamente combatidas pela esquerda. O meu grupo acredita que a luta pela emancipação da mulher é estratégica para o sucesso de uma revolução socialista.
           
          De fato, a igualdade básica para as mulheres só é possível derrubando o Estado dos patrões e estabelecendo um governo direto dos trabalhadores, capaz de oferecer emprego de qualidade e com salário igual para todas; capaz de socializar o trabalho doméstico; e de assegurar direitos democráticos como a legalização do aborto. Mas um governo como esse não pode ser erguido sobre as bases do atual Estado burguês. É necessário derrubar os seus pilares, um dos quais é a polícia e as forças armadas. Nesse sentido, eu acredito ser necessária uma polêmica com os companheiros do PSTU.
           
          Na semana do Dia Internacional da Mulher Trabalhadora, o PSTU defendeu, entre outras demandas, “Abertura de mais delegacias da mulher, com funcionamento 24 horas e policiais qualificados para o atendimento a vítimas”. A abertura de mais delegacias implica a contratação e treinamento de mais policiais, e também a compra de mais equipamento para a polícia, que vão estar a disposição do Estado para reprimir os movimentos da classe trabalhadora. Nós acreditamos que qualquer reforço no aparato de Estado dos patrões, como o que é proposto nessa medida, atrapalha estrategicamente a luta pela liberação das mulheres trabalhadoras.
           
          Nós sabemos que muitas vezes as mulheres trabalhadoras não tem outra opção a não ser recorrerem à polícia. E é claro que não temos nenhuma compaixão pelos agressores machistas e estupradores que atentem contra a integridade das mulheres e acabem eventualmente atrás das grades. Mas eu acredito que revolucionários não podem estabelecer como uma de suas demandas algo que irá reforçar o aparato armado que defende o que é, em última análise, a causa principal do machismo e da opressão às mulheres.
           
          As trabalhadoras nas greves reprimidas, as estudantes presas e processadas da USP, as militantes de esquerda e do movimento popular, assassinadas e agredidas pela polícia, as mulheres que vivem nas favelas, todas sabem que a polícia não é sua amiga. É por um reforço dessa mesma polícia que o PSTU está inadvertidamente chamando com essa palavra de ordem. Os policiais, inclusive as policiais mulheres, estão do outro lado da barricada da luta de classes.
           
          O papel de uma organização revolucionária é mostrar que essa polícia é um órgão que vai contra os interesses das mulheres trabalhadoras e também não é capaz de protegê-las efetivamente. Os marxistas devem explicar para os proletários que eles devem buscar a sua própria proteção, inclusive contra o Estado, e estimular experiências de autodefesa baseadas nos sindicatos, nas organizações que se interessem pela defesa das mulheres e que sejam compostas pelos partidos de esquerda.
           

          Nós sabemos que nem sempre isso é possível na nossa atual conjuntura, e não propomos que as mulheres aceitem caladas a opressão de seus agressores particulares. Mas não iremos propor um reforço do instrumento que mantém essa opressão de uma forma geral e que será um obstáculo também quando as trabalhadoras e trabalhadores estiverem prontos para tomar suas vidas em suas próprias mãos. Ao propor um reforço do Estado burguês e ao apresentar um crescimento de delegacias e policiais como se fosse algo bom para as proletárias, o PSTU está prestando um desserviço à causa da emancipação da mulher trabalhadora.

          Comentário Posterior
           
          Por Rodolfo Kaleb
           
          No debate, nós recebemos uma variedade de respostas de militantes do PSTU através de suas intervenções. Cyro Garcia, que é o atual presidente estadual do PSTU do Rio de Janeiro, classificou nossa posição como uma “incompreensão” que deixaria as mulheres jogadas à própria sorte. Afirmou ainda que, na atual conjuntura, é necessário exigir do Estado a defesa das mulheres trabalhadoras. Que em uma conjuntura mais favorável, no futuro, será possível que os próprios trabalhadores organizem sua proteção.
           
          O dirigente do PSTU separa a situação presente (na qual se justificaria um reforço do aparato policial) e uma situação futura, indefinida, na qual fariam sentido nossas demandas de construir autodefesas dos trabalhadores baseadas nos sindicatos.
           
          Não pareceu existir na fala de Cyro a compreensão de que existe uma relação entre o que defendemos hoje e a situação que encontraremos amanhã. Pedir hoje que as forças policiais sejam reforçadas faz com que amanhã, quando houver uma possibilidade concreta de enfrenta-las abertamente, elas estejam mais fortes. Isso sem contar com o fato de que durante todo esse período elas significarão mais repressão e perseguição contra os lutadores de todos os movimentos sociais.
           
          Diferente da lógica do PSTU, Marx defendia que “Os comunistas combatem pelos interesses e objetivos imediatos da classe operária, mas mesmo no movimento do presente, também representam e se encarregam de seu futuro.” (Manifesto do Partido Comunista).
           
          Em sua fala de encerramento, a companheira Marília Macedo (candidata a vice-prefeita pelo PSTU nas últimas eleições municipais), nos respondeu reconhecendo que existe certa contradição em defender uma medida que fortalece o aparato policial, mas disse que essa contradição não era irreconciliável e ofereceu o seguinte argumento: esse fortalecimento quantitativo do aparato policial do Estado burguês iria, no futuro, sob uma correlação de forças mais favorável, ser atenuado pela possibilidade de que esses “trabalhadores fardados” fossem devidamente ganhos para a luta revolucionária.
           
          O marxismo e a experiência histórica nos ensinam que uma revolução proletária não pode triunfar sem destruir o aparato armado do Estado burguês, que deve imediatamente ser substituído pelos trabalhadores armados e seus próprios órgãos democráticos de poder. Esses ensinamentos têm sido comprovados repetidamente ao longo das décadas pelas revoluções triunfantes e, pela negativa, pelas muitas vezes em que a classe trabalhadora foi derrotada. Para vencer como classe, os trabalhadores não podem contar com a polícia e as forças armadas da burguesia; pelo contrário, essas são seus inimigos.
           
          É claro que, em situações revolucionárias, é necessário rachar o exército burguês ― o que significa ganhar os soldados não comprometidos com a burguesia para o lado do proletariado. Mas isso é muito diferente de acreditar que mais soldados armados pela burguesia pode ser algo bom para a classe trabalhadora, cujas lutas cotidianas contra a classe dominante seriam reprimidas com mais vigor. Sem contar que existe uma diferença fundamental entre rachar as Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) – que em épocas de intensa crise social incorporam muitos proletários recrutados em um período curto de tempo (e muitas vezes contra sua vontade) – e rachar as forças policiais compostas por profissionais que voluntariamente decidem pelo serviço de repressão. Mais polícia nas ruas definitivamente não é algo bom para a classe trabalhadora!
           
          ***
           
          Apesar da contradição flagrante com a tradição marxista, o PSTU tenta esboçar alguma lógica em sua posição. Como deixou clara a fala da companheira Marília, o PSTU acredita que em algum momento será possível ganhar os policiais para a causa revolucionária. Essa crença (sem fundamento na experiência histórica do proletariado) deriva do fato de que esse partido vê os policiais enquanto trabalhadores, com a “pequena diferença” de que sua função primordial é manter a ordem burguesa! [1]
           
          O PSTU defende a presença de “sindicatos” de policiais na CSP-CONLUTAS e apoia “greves” da Polícia Militar por “melhores condições de trabalho” (ou seja, para reprimir melhor), ignorando a experiência concreta dos trabalhadores, que em suas lutas são brutalmente reprimidos e até mesmo assassinados por esses “companheiros” da polícia.
           
          Mas ainda assim, tal posição não justifica porque deveríamos apoiar a expansão das “delegacias da mulher”, tendo em mente que essas delegacias vão significar mais “companheiros policiais” aptos para repressão das lutas proletárias. Mesmo considerando que o PSTU estivesse sendo sincero em suas intenções (oportunistas) de querer ganhar a polícia para um programa socialista, o que ele está fazendo não é buscar romper policiais de uma instituição reacionária, mas sim se adaptando aos interesses reacionários de fortalecer a polícia como instituição.
           
          ***
           
          Algumas outras falas de militantes do PSTU ao longo da atividade refletiram uma percepção mais geral (e confusa) de que o reforço do aparato policial não só seria uma garantia de proteção para muitas mulheres, mas também ajudaria estas a se sentirem mais confiantes. Segundo essa percepção, isso poderia se refletir até mesmo em uma maior adesão de mulheres aos sindicatos e às lutas em geral.
           
          Nós não duvidamos que muitas mulheres tenham a ilusão de que estão mais seguras com o fortalecimento da polícia na forma de “delegacias das mulheres”. É exatamente isso que o Estado burguês quer que acreditem. E as companheiras e companheiros do PSTU compartilham dessa crença. Mas será que ela é verdadeira? Não se trata aqui de uma tentativa tola de simplificar a realidade. Sabemos que por ser um aparato armado da burguesia, a polícia realiza também um trabalho de perseguição a criminosos comuns que, se não controlados, afetam a própria lógica do funcionamento do sistema. Também devemos apontar, porém, que a polícia “mostra serviço” principalmente quando é chamada a defender ricos e poderosos, tanto em seus interesses particulares quanto nos seus interesses comuns de reprimir e espionar os movimentos sociais. Mesmo quando atende as mulheres da classe trabalhadora, a polícia frequentemente incorre em discriminação de classe, raça ou orientação sexual. Mulheres pobres e da classe trabalhadora são tratadas com pouco caso e com preconceito quando recorrem à polícia.
           
          Mais delegacias especializadas poderiam fornecer a uma mulher trabalhadora proteção apenas em certo nível individual e momentâneo/imediato. Mas a tarefa principal dessa polícia permaneceria oposta aos interesses das mulheres trabalhadoras. A expansão dessas delegacias (que é o que demanda o PSTU) teria um alto custo para as lutas da classe trabalhadora: haveria mais policiais prontos para atuar em ações de repressão. É inadmissível que um partido que se diz trotskista acredite que mais polícia nas ruas significa um avanço na luta contra o machismo. Se acreditamos que o principal sustentáculo do machismo é o sistema capitalista, nenhum fortalecimento no poder armado desse sistema pode avançar a luta contra a opressão à mulher.
           
          Gostaríamos de chamar as companheiras e companheiros do PSTU a uma reflexão. Esses mesmos policiais da “delegacia da mulher”, que podem vir a oferecer algum tipo de proteção ocasional a uma mulher oprimida, estariam com toda certeza aptos a participarem de ataques contra o movimento de massas, incluindo lutas diretamente ligadas à emancipação das mulheres (indo de lutas pela legalização do aborto a lutas pela separação entre Estado e igrejas).
           
          Com seu treinamento e equipamento, eles estariam a postos para reprimir protestos de rua, greves e ações radicalizadas sempre que necessário. Como companheiras do PSTU, que frequentemente tomam parte em ações como essas (e frequentemente sofrem repressão pela polícia) podem “se sentir mais seguras” sabendo que há mais delegacias, policiais e equipamentos de coerção a disposição do Estado burguês?
           
          ***
           
          Cyro Garcia também disse em sua intervenção que nossa posição de ser contra a proliferação de “delegacias da mulher” é o mesmo que ser contra as leis que combatam o machismo e a homofobia, deixando a entender que não faz o menor sentido sermos contra a “aplicação” das leis de proteção à mulher, como a Lei Maria da Penha.
           
          Em primeiro lugar, nós defendemos as legislações que criminalizem ataques homofóbicos e machistas. Por volta de um ano atrás, distribuímos um panfleto para cerca de cem pessoas presentes em uma plenária estadual da ANEL-RJ (dentre os quais muitos eram militantes da juventude do PSTU) e no qual tal questão estava incluída. Um dos pontos do panfleto explicava claramente nossa posição de apoio a essas leis, ao mesmo tempo em que explicávamos que sua aprovação não vai resolver definitivamente o problema.
           
          “Outro ponto problemático é a insuficiência da defesa da lei que criminalizaria a homofobia (PLC 122). Embora a lei possa representar um avanço, ela seria aplicada pelo mesmo Estado burguês homofóbico, e não resolveria o problema. Por isso, ao lado de defender essa bandeira, que é a obrigação da ANEL, a entidade também deveria defender a formação de comitês de estudantes e trabalhadores nas universidades e escolas para vigilantemente defender os GLBT contra a opressão e ataques. Isso também iria mostrar que os GLBTs não precisam depender da polícia (que frequentemente também é bastante homofóbica) para se defenderem. Mas esta demanda fundamental está ausente da propaganda da Direção Majoritária da ANEL, assim como da sua prática.”
           
          Polêmica com a Direção Majoritária da ANEL, 21 de março de 2012. Disponível em:
           
          As leis de proteção contra a violência à mulher ou aos homossexuais não nos dão nenhuma garantia, mas elas podem ajudar a inibir opressores individuais, e fornecem um forte argumento legal em casos de agressão. Mas não daremos aos capangas armados da burguesia nenhuma legitimidade para expandir suas forças sob a desculpa de que querem “defender as mulheres” ou “aplicar a Lei Maria da Penha”. E muito menos pedimos por tal expansão. Acreditamos que a defesa das mulheres só será realmente efetiva quando os movimentos sociais em massa tomarem para si essa tarefa. A força organizada do proletariado é a única que possui, ao mesmo tempo, o interesse objetivo e a capacidade de proteger as mulheres e combater todas as outras formas de opressão sofridas pelos trabalhadores.
           
          ***
           
          A posição do PSTU encontra contradições dentro das suas próprias formulações. O PSTU se opõe, por exemplo, à instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) nas favelas cariocas. O partido aponta que é uma mentira que tais unidades policiais estão lá para proteger a população contra as organizações traficantes ou contra a criminalidade em geral:
           
          “Longe de ser uma medida contra o crime e em favor das populações pobres, a política de ocupação militar das comunidades do Rio faz parte de uma estratégia de militarização das favelas e de criminalização da pobreza, com o único objetivo de controlar aquelas áreas para garantir a tranquilidade para a Copa e os Jogos Olímpicos. A população carente continuará no fogo cruzado entre traficantes e a polícia, enquanto lhes são negados serviços básicos como saúde, educação, saneamento e a mais básica infraestrutura urbana.”
           
          Ocupação da Rocinha pela polícia não vai resolver o problema da segurança, 16 de novembro de 2011.
           
          Mas o que acontece com esse discurso no caso das “delegacias das mulheres”? Sabemos que as duas questões não são exatamente a mesma coisa. Mas será que o mesmo Estado burguês que usa o “combate ao crime” como mero pretexto para instalar unidades policiais nas favelas poderia, ao instalar mais “delegacias da mulher”, estar sendo verdadeiro quando diz fazer isso para “proteger as mulheres contra a violência”? O apoio do PSTU a essa demanda deixa a entender que sim.
           
          Vamos levar essa analogia ainda mais além. É possível que um policial impeça um crime comum em uma favela. Esse evento, que nada teria a ver com os motivos determinantes da sua presença ali, não faz com que mudemos nossa atitude de denunciar a UPP como um aparato racista de defesa dos interesses de exploração dos trabalhadores das favelas (majoritariamente negros) e de criminalização da pobreza.
           
          Pensemos, por exemplo, no caso do Haiti. Não é possível negar que as tropas brasileiras que invadiram o país em 2008 a convite do imperialismo podem, em algum momento, ter prestado eventualmente algum tipo de papel mínimo em realizar resgates de pessoas da catástrofe decorrente do terremoto de 2010. Essas tropas também podem ter feito distribuição de alimentos, de remédios, etc. Porém, essencialmente elas atuam na repressão do povo haitiano, no controle imperialista sobre o país e, em última instância, sua ocupação atrapalha o desenvolvimento político do proletariado Haitiano. As tropas brasileiras reprimem os trabalhadores famintos que, em atitude de desespero, saqueiam os supermercados, por exemplo. Jogam bombas nos estudantes que protestam na Universidade de Estado do Haiti. Recebem com tiros e cassetetes os trabalhadores da organização sindical Batay Ouvriye, quando estes saem às ruas para lutar por uma vida minimamente digna.
           
          Se olharmos para a realidade como um todo, e não para casos isolados, o papel dessas tropas só pode ser considerado reacionário. E, por tudo isso, o PSTU demanda (com razão) a retirada das tropas brasileiras do Haiti, reconhecendo o papel nefasto que eles cumprem na luta de classes daquele país – independente de uma ajuda pontualmente prestada. Defendemos remédios, alimentos, médicos e todo auxílio possível ao Haiti. Mas não vamos chamar pelo reforço das tropas imperialistas sob o argumento de que são elas que vão suprir esse auxílio. Pelo contrário, somos por sua expulsão pelas massas haitianas! [2]
           
          Será que não falta um pouco de coerência aqui? Por mais que “delegacias da mulher” possam prestar algum atendimento pontual e individuala mulheres trabalhadoras, elas fazem parte da mesma estrutura social repressora que ataca brutalmente os protestos do proletariado e dos oprimidos, inclusive as mulheres. Chamar por mais “delegacias da mulher” significa chamar pela expansão dessa mesma estrutura.
           
          Nós certamente defendemos a expansão de casas de abrigo, do atendimento médico e psicológico gratuito e de qualidade para as mulheres vítimas de violência e outras medidas que o Estado seja forçado a garantir. Mas pedir por mais delegacias, por mais que pudesse representar algum auxílio individual a algumas mulheres, entra em contradição e cria mais obstáculos para uma luta consequente pela emancipação feminina, a qual exige lutar contra o capitalismo. Sustentamos o que dissemos no dia da atividade do PSTU: “Ao propor um reforço do Estado burguês e ao apresentar um crescimento de delegacias e policiais como se fosse algo bom para as proletárias, o PSTU está prestando um desserviço à causa da emancipação da mulher trabalhadora”.
           
          NOTAS
           
          [1] Para um debate com o PSTU sobre o caráter de classe da polícia, sugerimos o artigo “O Vermelho Deles e o Nosso”, de agosto de 2011. Disponível em:
           
          [2] Para um debate mais profundo sobre o Haiti, sugerimos o artigo “A Liga Espartaquista apoia as tropas americanas no Haiti!”, de fevereiro de 2010. Disponível em:

          Arquivo Histórico: Década de 1950

          Convidamos nossos leitores a conferirem as novas publicações de nosso Arquivo Histórico. Estes artigos abordam temas variados e foram publicados na década de 1950 pelos setores da Quarta Internacional que, nessa década, resistiram à destruição do movimento trotskista pelo revisionismo pablista.

          A LBI capitula ao chavismo nas eleições venezuelanas

          O último prego no caixão
          A LBI capitula ao chavismo nas eleições venezuelanas

          Rodolfo Kaleb
          8 de abril de 2013

          Aqueles que acompanham as publicações da Liga Bolchevique Internacionalista (LBI) podem ter sido surpreendidos pelo recente anúncio de que ela está dando apoio eleitoral para Nicolas Maduro. Maduro é o sucessor de Hugo Chávez e candidato a presidente pelo partido nacionalista-burguês PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) nas próximas eleições:

          No dia 14 de abril, data das eleições presidenciais venezuelanas, a vanguarda do proletariado deve adotar uma política de ‘estimular’ as tendências de radicalização do setor popular e camponês do nacionalismo burguês, estabelecendo uma unidade tática eleitoral com o chavismo contra a candidatura de Capriles [da oposição de direita burguesa] e sua ‘oposição unificada’ dos ‘esquálidos’, arquitetada e dirigida desde a Casa Branca, unidade tática que deverá ser materializada no apoio crítico à candidatura de Maduro, sem capitular politicamente ao ‘chavismo’ e seu programa.”

          Editorial do Jornal Luta Operária # 253, 19 de março de 2013. Disponível em:

          Em outros trechos do artigo a LBI fala de uma “frente única eleitoral” com os chavistas. Trata-se de uma tentativa de enganar os incautos. Frente única é o nome que os revolucionários dão à unidade de ação entre duas ou mais forças políticas para lutar por um objetivo pontual comum que seja vantajoso para a classe trabalhadora, tal qual uma campanha de greve, um protesto de massas por uma questão específica, ou uma luta contra determinada medida reacionária do Estado burguês, por exemplo. É claro que mesmo em frente única os revolucionários não deixam de se diferenciar das organizações oportunistas de todo tipo e das outras forças políticas envolvidas.

          Mas qual seria o nobre propósito da “frente única eleitoral” da LBI com o chavismo? A eleição do sucessor de Chávez daria garantia de alguma conquista significativa para a classe trabalhadora? Enfraqueceria decisivamente os reacionários de direita que os chavistas toleram? Golpearia seriamente a exploração estrangeira que os chavistas (apesar de seus conflitos ocasionais com os imperialistas) permitem que aconteça? Não.

          Mais importante: a “tática eleitoral” da direção da LBI não traria a classe trabalhadora para mais perto da independência política de classe, que é o pré-requisito básico para uma luta pelo poder, mas muito pelo contrário. A experiência do proletariado chileno com Allende indica que esse tipo de “tática” não é muito útil para defender o proletariado contra as investidas de uma direita golpista.

          O único resultado certo de tal “frente única eleitoral” (caso a LBI tivesse peso real para influenciar um setor da população venezuelana) seria fortalecer o aparato chavista à frente do Estado burguês e a classe que ele protege. A direção da LBI diz que vota em Nicolas Maduro “sem capitular politicamente ao chavismo e seu programa”. Mas ao votar no candidato do chavismo, está dizendo para a classe trabalhadora que ela faz bem em depositar seu voto em uma plataforma burguesa que mantém o país dependente do imperialismo e ameaçado por um golpe da direita. E certamente uma plataforma que garante a manutenção da sua exploração. A LBI continua:

          “Os marxistas devem se apoiar na tendência de giro à esquerda do movimento operário, utilizando os próprios instrumentos concretos construídos pela luta de classes, ainda que não sejam absolutamente ‘puros’, do ponto de vista de uma estratégia classista. A nova conjuntura iniciada com a brutal ofensiva imperialista de ‘ajuste’ contra suas semicolônias e o covarde assassinato do maior símbolo contemporâneo da resistência nacionalista a esta ofensiva imperial, obriga os marxistas a estabelecer cada vez mais a tática da frente única, que neste caso venezuelano aplica-se no terreno eleitoral.”

          Idem.

          A LBI insinua que votar no candidato chavista serviria para proteger a Venezuela contra um fortalecimento da direita golpista, que com a ajuda do imperialismo realizou uma investida em 2002. É claro que no caso de uma tentativa de golpe “preventivo” contrarrevolucionário da direita apoiada pelo imperialismo, os revolucionários tomariam o lado militar contrário no confronto, usando métodos de luta da classe trabalhadora, que iriam desenvolver a consciência e a auto-organização das massas. Mas isso não é o mesmo que apoiar eleitoralmente o governo que está, ele próprio, preparando o terreno para a direita. Esta última ação só cria ilusões na classe trabalhadora e secundariza a sua ação direta diante da expectativa eleitoral no chavismo. A oposição intransigente dos revolucionários à candidatura e ao governo burguês do PSUV é um elemento essencial para preparar a classe trabalhadora venezuelana contra a direita. O que desarma os trabalhadores venezuelanos não é a falta de votos dos chavistas, mas precisamente as ilusões dos proletários de que os “líderes bolivarianos” vão defendê-los, enquanto na verdade estes deixam o terreno livre para o imperialismo e a reação. Há menos de um ano atrás, a própria LBI afirmou isso.

          “É necessário preparar o terreno para a construção de um genuíno partido revolucionário capaz de enfrentar a onda de reação ‘democrática’ ou mesmo a direita fascista no caso de um novo golpe ‘cívico-militar’, fazendo um combate programático completamente oposto à cantilena pregada por toda sorte de revisionistas de que está em curso uma ‘revolução’ na Venezuela, cabendo agora mais do que nunca segundo estes senhores, com a doença do ‘comandante’, cerrar fileiras em apoio eleitoral ao governo burguês centro-esquerdista de Chávez. Como marxistas revolucionários, alertamos que este é o caminho da derrota sangrenta nas mãos da direita reacionária. Longe dessa senda suicida, cabe aos trabalhadores defenderem pela via da ação direta suas conquistas e forjar um programa comunista proletário para a conquista do poder político sobre os escombros do Estado capitalista.”

          Os que defenderam a frente única com Kadaffi para derrotar os ‘rebeldes’ da OTAN na Líbia devem ‘votar em Chávez contra o imperialismo’ na Venezuela?, 9 de agosto de 2012. Disponível em:

          Como será que votar no candidato chavista, o que a LBI há menos de um ano considerou ser o “caminho da derrota sangrenta nas mãos da direita reacionária”, se transformou repentinamente em uma forma de evitar o crescimento da reação burguesa ou de elevar a consciência de classe dos trabalhadores venezuelanos?

          Existe ainda outro giro dramático por trás dessa nova posição da LBI. Ela ganhou notoriedade por defender fórmulas absolutamente delirantes de “boicote” generalizado às eleições burguesas em momentos nos quais não havia a menor conjuntura para aplicação dessa tática (como nas eleições brasileiras do ano passado). Ela também defendeu por bastante tempo que as eleições não passam de um grande teatro, onde a burguesia encena uma possibilidade de escolha, mas na verdade manipula os resultados nos bastidores, fraudando a eleição do começo ao fim:

          “A burguesia nacional é apenas a ‘operadora’ de um processo eleitoral fraudulento desde a origem (mídia, pesquisas, debates, etc.) até a contabilização do último sufrágio.”
          A farsa eleitoral entre o judice da máfia dos tribunais e a fraude da urna eletrônica, agosto de 2010. Disponível em:

          “Esta esquerda comprometida com as ‘reformas possíveis’ está muito longe de estabelecer a denúncia da democracia dos ricos e dos próprios mecanismos eletrônicos fraudulentos do atual processo institucional, que determina que os ‘vencedores’ sejam ‘eleitos’ por um seleto grupo de empreiteiras.”
          Começa o circo eleitoral da ‘democracia’ dos ricos, julho de 2012. Disponível em:

          E não apenas no Brasil:

          “O milionário mórmon Mitt Romney disputa pela segunda vez a indicação republicana à Casa Branca. Desta vez ganha em ‘casa’ e perde ‘lá fora’, faz parte do script previamente acordado entre os diversos trustes e os rentistas de Wall Street.
          Burguesia ianque já ‘elegeu’ Mitt Romney para ser derrotado por Obama, ex-‘banana’!, janeiro de 2012. Disponível em:

          Compartilhamos a visão de que as eleições são um “jogo de cartas marcadas” apenas no sentido de que não decidem nenhuma questão central para a luta de classes, não mudam qual classe detém o poder político, e dessa forma iludem a população de que esta teria algum “poder de escolha”.

          Porém, a não ser em ocasiões específicas [1], não acreditamos que as eleições sejam completas fraudes (incluindo uma total manipulação na contagem dos votos) realizadas pela burguesia, de forma que fosse decidido de antemão qual dos seus candidatos ganha e qual perde. Se fosse assim, porque tantos empresários fariam investimentos de campanha não apenas em um, mas em vários candidatos que concorrem ao mesmo cargo? Segundo a teoria da conspiração que a LBI usa como substituto para uma análise marxista da realidade, tanto desperdício de dinheiro em doações de campanha seria apenas para dar “veracidade” a toda essa fraude eleitoral. [2]

          Mas parece que todo o esquema mirabolante da direção da LBI não seria verdade na Venezuela, onde as eleições cumpririam o papel de ser um “instrumento concreto construído pela luta de classes”, supostamente capaz de ajudar o proletariado contra a direita golpista. Como as eleições podem ser uma completa fraude no Brasil e nos Estados Unidos, mas na Venezuela um instrumento útil para a classe trabalhadora se defender contra a reação burguesa?

          A partir de tamanha incongruência ficamos com a forte impressão de que a afirmação da LBI de que as eleições burguesas não passam de fraudes, parte da noção (ou talvez os tenha levado à conclusão, não podemos ter certeza de qual veio antes) de que, sob o capitalismo, eleições não-fraudulentas apresentam um risco muito maior às classes dominantes do que poderíamos pensar. Daí sua atual posição acerca das eleições venezuelanas, que eles arbitrariamente decidiram que não é uma fraude.

          Como Lenin constantemente afirmava, as eleições burguesas em particular e a democracia burguesa em geral são ótimas formas de esconder a verdadeira natureza das relações de classe e, na maior parte dos casos, são a maneira mais eficiente de dominação da burguesia. Por detrás (ou talvez enquanto fruto) das constantes teorias da conspiração da LBI sobre todas as eleições serem fraudadas de antemão, parece residir certo grau de ilusão socialdemocrata acerca da natureza e das possibilidades de eleições não-fraudadas.

          A direção da LBI também tentou “justificar” a sua capitulação ao chavismo tagarelando sobre inúmeras posições ao longo da história do movimento trotskista (desde o entrismo realizado na socialdemocracia, até a defesa de nacionalizações realizadas pelo governo Cárdenas nos anos 1930). A única coisa que tais posições tem em comum é que nenhuma delas tem a ver com a atual capitulação da LBI. Não se trata aqui de adentrar como tendência aberta em um partido operário-reformista com influência de massas para disputar suas bases para um programa revolucionário, nem de defender nacionalizações que limitam (ainda que muito parcialmente) a penetração do capital imperialista em uma nação oprimida. Nós também defendemos as nacionalizações de Chávez contra o imperialismo, mas não damos nenhum apoio eleitoral ao projeto do PSUV, que é manter uma Venezuela capitalista e dependente.

          Em várias ocasiões anteriores, a LBI não poupou acusações (muitas vezes merecidas) a organizações que votaram em coalizões burguesas enquanto faziam um discurso de esquerda. É bastante irônico que ela esteja agora saindo abertamente em defesa de votar no herdeiro político do regime que mais gera ilusões na esquerda latino-americana. Também no ano passado, a LBI apontou que:

          “Para os revisionistas mais esquecidos, lembremos que o governo Chávez tem sido abertamente conivente com o assassinato de sindicalistas, principalmente aqueles que fazem oposição a seu governo, como foi o caso de três dirigentes operários da central venezuelana União Nacional dos Trabalhadores (UNT) que tiveram suas vidas ceifadas em 2008, ou os companheiros da Mitsubishi em 2009. A guarda nacional chavista reprime as greves e age em apoio aos grupos armados contratados pelos patrões para atacar os trabalhadores, principalmente nas greves que paralisam a produção de empresas transnacionais como Pepsi-Cola, Mitsubishi Motors Corporation… Se o critério ‘teórico’ para definir o caráter do regime político como proimperialista for os contratos com as transnacionais do petróleo, então o governo Chávez seria por esta tese um dos mais fiéis aliados de Obama no continente!”

          Os que defenderam a frente única com Kadaffi para derrotar os ‘rebeldes’ da OTAN na Líbia devem ‘votar em Chávez contra o imperialismo’ na Venezuela?, 9 de agosto de 2012. Disponível em:

          Hoje ouvimos da direção da LBI que Chávez, que antes podia ser considerado “um dos mais fiéis aliados de Obama no continente” (o que, diga-se de passagem, foi um exagero quantitativo) passou a nada mais nada menos que “o maior símbolo contemporâneo da resistência nacionalista a esta ofensiva imperial”. Também a LBI pode ser incluída entre os “revisionistas mais esquecidos”. Além de esquecer as lições da teoria da Revolução Permanente, esqueceu o que ela própria escreveu há poucos meses. Esse é o resultado quando se opta por substituir o marxismo por sandices.

          A Frente Brasil Popular de 1989

          Enquanto nós esperamos que a maior parte da esquerda não vá se manifestar sobre a mais recente capitulação da LBI, acreditamos que ao menos vão querer se pronunciar os seus ex-companheiros da Liga Comunista (LC), atualmente associada à Tendência Militant Bolchevique (TMB) argentina e ao Socialist Fight britânico de Gerry Downing. A LC rompeu com a LBI em 2010, acusando a direção da LBI de se tornar “cética” sobre as capacidades de um pequeno grupo revolucionário se desenvolver e por ter uma atividade de cunho inteiramente virtual-literário. Até agora, a LC não abordou a capitulação da LBI ao chavismo. Se o fizer, talvez ela busque apresentar essa posição como um grande giro que transforma abertamente a LBI em uma organização oportunista pouco diferente das demais.

          Mas esta não foi a primeira vez que a LBI adotou uma posição de apoiar eleitoralmente uma candidatura burguesa, ao mesmo tempo em que nutria profundas ilusões sobre seu potencial para ir contra o imperialismo. Na verdade, uma posição que a LBI reivindica, e que até o momento a LC não declarou publicamente se mantém ou não, foi o apoio à frente popular encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores em 1989. No editorial em que declara apoio a Nicolas Maduro, enquanto tentava justificar sua atual capitulação, a LBI citou essa posição como um precedente político:

          “Mais recentemente, o apoio crítico dado pelos revolucionários [sic] à candidatura Lula em 1989, diga-se de passagem, reivindicado por absolutamente todas as correntes políticas que se reivindicam trotskistas em nosso país [sic], também pode explicar como é possível apoiar criticamente no terreno das eleições um candidato reformista ou nacionalista burguês, se em determinado momento as massas usam esta candidatura para expressar, ainda que deformadamente, sua luta contra o imperialismo. Não porque se tratava de se depositar confiança ou ilusões em Lula, ao contrário, compreendia-se perfeitamente seus limites programáticos e de classe. Porém, era no momento o que representava concretamente o apoio da parcela mais consciente da vanguarda no país, expressava a radicalidade (contida) e o ascenso das massas exploradas como produto da falência do antigo regime militar-civil de Sarney.” (ênfase nossa)

          A aliança de Lula com Bisol (latifundiário e senador eleito pelo PMDB, que depois foi para o PSDB e finalmente para o PSB, todos partidos burgueses) revelava o caráter de classe inequivocamente burguês da frente popular de 1989. A pergunta é como essa frente poderia ter servido para que as massas supostamente expressassem sua luta contra o imperialismo? Em um debate dos candidatos a presidente (assista ao vídeo), respondendo uma provocação de Mario Covas (PSDB), Lula define como “imbecil” qualquer pessoa “tentar evitar a participação do capital estrangeiro na economia de um país” e prossegue defendendo que é necessário apenas “regular a remessa de lucros tal como se dá hoje”. Isso é, no máximo, um programa que reivindica uma migalha a mais para a burguesia brasileira enquanto mantém a subordinação do país ao capital imperialista, nem de perto um programa de “luta contra o imperialismo”. Por sinal, nessa mesma ocasião Lula aproveitou para lembrar que esteve em muitas discussões para convencer os membros da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) de suas propostas e Mario Covas declarou seu acordo geral com a política econômica de Lula.

          Completamente contraditória ao falar da candidatura petista de 1989, a LBI apontou, em um artigo publicado em 2007, que tal coalizão era “progressiva” e que “canalizava de maneira torpe as tendências à independência de classe do proletariado” (Há 5 anos da ruptura com Causa Operária: um breve balanço político). Isso só é possível, evidentemente, se a direção da LBI considera que setores da burguesia brasileira pudessem ser “progressivos” e que a aliança direta com a classe dominante tivesse representado (ainda que de forma “torpe”) a “independência de classe do proletariado”. Essa contradição fica explícita em outro trecho do mesmo documento:

          “A constituição da Frente Brasil Popular, em 89, teve a função de sufocar e sepultar os traços políticos timidamente classistas do PT, disciplinando a candidatura Lula no marco da estabilidade e salvaguarda do regime burguês. Neste sentido, em 89, apoiamos criticamente a candidatura presidencial de Lula, porque, além de agrupar a vanguarda mais combativa e consciente do movimento operário e popular, representava uma referência política de luta e de classe para a população trabalhadora.”

          Há 5 anos da ruptura com Causa Operária: um breve balanço político, junho de 2000. Publicado no Jornal Luta Operária nº 149, junho de 2007. Disponível em:

          Isso demonstra a confusão completa da LBI sobre essa questão. Se a candidatura de Lula era uma “referência de luta” para a população trabalhadora em 1989, era papel dos revolucionários combater o que se tratava de uma ilusão, ao invés de “apoiar criticamente” essa traição. Se não fosse uma ilusão a identificação dos trabalhadores com Lula, como poderia a sua candidatura ter tido “a função de sufocar e sepultar os traços políticos timidamente classistas do PT, disciplinando a candidatura Lula no marco da estabilidade e salvaguarda do regime burguês”? Numa situação como essa, os revolucionários não devem dar nenhum apoio (nem mesmo “crítico”) à frente popular e sim reivindicar o rompimento de todos os setores da classe trabalhadora com a burguesia. O apoio eleitoral crítico ao PT só poderia ser condicional ao seu rompimento com os setores burgueses da Frente Brasil Popular.

          A LBI também deixa clara a sua inconsistência ao criticar recentemente outros grupos na esquerda precisamente por darem “apoio crítico” a frentes populares.

          “Uma política classista para as eleições burguesas nada tem a ver com a defesa do ‘apoio crítico’ a projetos de mini frente popular, como fazem os Morenistas entusiastas apologistas da intervenção da OTAN nas guerras civis da Líbia e Síria.”

          Afundando a todo vapor, Haddad e outros companheiros petistas esperam por ‘boletins médicos’ para se manterem vivos na corrida eleitoral às principais prefeituras do país, 8 de agosto de 2012. Disponível em:

          Mas se devemos combater os revisionistas que dão apoio crítico a “projetos de mini frente popular”, o que dizer daqueles que deram apoio crítico a uma frente popular grande e forte, como foi a candidatura petista de 1989? Podemos acrescentar que ao menos alguns dos grupos oportunistas contra os quais a LBI constantemente esbraveja suas “polêmicas” não chegarão a capitular tão abertamente ao chavismo quanto ela própria está fazendo nas atuais eleições venezuelanas.

          Também é sintomático que uma organização como a LBI, que tem sempre feito questão de esclarecer suas diferenças com as demais organizações na esquerda, esteja tentando justificar o seu apoio à Frente Brasil Popular de 1989 se escondendo atrás da afirmação de que tal apoio foi supostamente “reivindicado por absolutamente todas as correntes políticas que se reivindicam trotskistas em nosso país”. Além do mais, tal afirmação é mentirosa. Essa é uma posição consensual apenas entre os revisionistas, dentre os quais se inclui a LBI. Os trotskistas consistentes não reivindicam o “apoio crítico” a nenhuma frente popular. Nós do Reagrupamento Revolucionário reivindicamos que em 1989 os revolucionários deveriam ter se oposto à Frente Brasil Popular. Qualquer apoio eleitoral crítico deveria ser condicional a um rompimento prévio do PT com os seus aliados burgueses. Uma organização predecessora do Reagrupamento Revolucionário, que desde então se degenerou burocraticamente [3], defendeu certa vez que:

          “O frentepopulismo (ou seja, um bloco programático, normalmente pelo poder governamental, entre organizações de trabalhadores e representantes da burguesia) é traição de classe. Os revolucionários não podem dar nenhum apoio, nem mesmo ‘crítico’, a participantes de frentes populares.”

          Pelo Trotskismo!, programa adotado pela Tendência Bolchevique Internacional (TBI) em novembro de 1986. Disponível em:

          Além disso, nós temos conhecimento de outras organizações que reivindicam o trotskismo que, embora não revolucionárias, também não defendem a posição de apoio eleitoral à frente popular de 1989 e que não merecem ser difamadas pela falsa afirmação dos líderes da LBI de que “absolutamente todas as correntes políticas que se reivindicam trotskistas em nosso país” compartilharam da sua capitulação.

          Embelezando Kadafi na guerra imperialista contra a Líbia

          Outro precedente significativo para a atual posição da LBI foi em 2011, durante a guerra imperialista conduzida pela OTAN e seus assessores nativos contra a nação oprimida da Líbia. Apesar de reivindicar corretamente a defesa militar da Líbia contra o bloco Rebeldes/OTAN, a LBI fez questão de tentar blindar Kadafi, ao defender contra a realidade que este não era nenhum tipo de “ditador” ou “tirano”, como nós comentamos em uma breve polêmica de novembro de 2011 [4]. Nessa época, a LBI também fez elogios pouco merecidos a Kadafi, como a afirmação de que ele “lutou bravamente” contra as tropas imperialistas:

          “Kadaffi morreu lutando bravamente contra forças infinitamente superiores, do ponto de vista bélico. Dirigiu a resistência militar à ocupação de seu país até o limite de sua própria vida, ao contrário dos que afirmaram que Kadaffi fugiria como um rato, como fazem os ‘ditadores’ ou ‘democratas’ covardes no enfrentamento direto com o imperialismo.”

          OTAN assassina Kadaffi que comandava bravamente os combates contra ocupação de Sirte pelos mercenários do imperialismo, 20 de outubro de 2011. Disponível em:

          Ao mesmo tempo em que os revolucionários combatiam as mentiras da OTAN (de que supostamente intervia na Líbia para “proteger” a população contra o ditador), era também necessário que a classe trabalhadora internacional tivesse clareza de quem era Kadafi e do porque os revolucionários tomavam o seu lado militar no conflito (sem lhe dar nenhum apoio político) apesar do seu regime ditatorial burguês. 

          A LBI não apoiou apenas militarmente o regime de Kadafi nessa guerra (o que significaria denunciar completamente seu caráter político ditatorial burguês e de colaboração com o imperialismo). Apesar de que Kadafi combatia as tropas imperialistas contra sua vontade inicial e pelos seus próprios interesses burgueses, era do interesse do proletariado internacional a derrota militar da OTAN e a defesa da Líbia. Ainda que uma vitória bélica de Kadafi não significasse uma conquista direta para a classe trabalhadora, ela teria sido uma derrota monumental para os imperialistas. Mas com a vitória da OTAN, ainda mais correntes passaram a sufocar o proletariado líbio. 


          A LBI aproveitou essa ocasião para tentar livrar a cara de Kadafi pelos seus 40 anos de opressão ditatorial contra o proletariado líbio, que garantiram que a classe trabalhadora não pudesse se organizar em partidos de esquerda, em sindicatos e nem ter outras liberdades democráticas. Para a LBI, falar a verdade de que Kadafi era um ditador de alguma forma atrapalhava a resistência contra o imperialismo. Talvez para os interesses de Kadafi, mas não para os interesses do proletariado.

          A posição da LBI em 2011 tem muitas semelhanças com a sua atual capitulação ao chavismo. Mais uma vez, ela não se ateve aos interesses do proletariado, que exigem tomar um lado militar em investidas imperialistas (como em 2002) ou defender as parciais nacionalizações que Chávez realizou. Ela também está dando um apoio político ao nacionalismo-burguês, gerando assim ilusões na capacidade e na vontade dos dirigentes “bolivarianos” de defender efetivamente os trabalhadores. Os revolucionários genuínos dizem aos trabalhadores para se organizarem de forma independente e com seu próprio programa, sem confiar ou votar nos chavistas.

          Não devemos nos esquecer, também, que o próprio Chávez apoiou Kadafi politicamente, semeando ilusões de que regime sanguinário não seria uma ditadura. Ao menos nesse ponto vem à tona alguma coerência (ainda que oportunista) nas sandices da LBI.

          Conclusão

          Nas eleições venezuelanas de 14 de abril, os revolucionários devem aproveitar para intervir com as ideias essenciais do marxismo revolucionário de nossa época, o trotskismo. Isso inclui explicar que as eleições não alteram significativamente a balança das forças de classe do país, que se trata de uma enganação da burguesia para tentar legitimar o seu regime de exploração e opressão. Que o verdadeiro combate à burguesia, à direita golpista e ao imperialismo se dá nas fábricas, nos campos e nas ruas. Que é só por meio da luta direta que um genuíno governo proletário pode ser estabelecido. Por esse motivo é preciso fazer campanha contra as candidaturas burguesas, não apenas a da odiosa direita golpista, mas também a do chavismo.

          Se houver candidatura de alguma organização da classe trabalhadora (mesmo reformista ou centrista) que se oponha abertamente às coalizões com a burguesia e se recuse a aceitar qualquer tipo de apoio (político e financeiro) capitalista, os revolucionários podem dar apoio crítico a tal candidatura como forma de defender um voto de classe contra os patrões. Mas ao mesmo tempo em que explicam a importância da independência de classe, tal voto crítico implica fazer todas as críticas necessárias a tal candidatura, com o objetivo de também ganhar para o programa revolucionário os apoiadores que tenham ilusões nos líderes reformistas ou centristas. Se não existir nenhuma candidatura com essas características, os revolucionários não devem apoiar nenhum candidato e demarcar a posição política do proletariado em oposição a todas as frações burguesas.

          A LBI está claramente procurando substitutos nacionalistas burgueses para proteger os trabalhadores contra o imperialismo, como classicamente fazem os revisionistas. Este tipo de giro político repentino (como a própria LBI reconheceu ser) geralmente é uma causa de rachas em organizações com uma vida interna democrática. Enquanto nós não descartamos completamente essa possibilidade, nós achamos improvável que ocorra na LBI um racha com base numa luta fracional organizada.

          Os dramáticos giros políticos da LBI são uma prova considerável de que sua direção não é composta de marxistas sérios, mas sim de gente que não merece a menor confiança política do proletariado ou de sua vanguarda. A quantidade de mudanças, sandices e de outros traços duvidosos demonstram que essa organização não passa de uma seita, cuja direção substituiu o marxismo por teorias da conspiração, falsificações grosseiras e coisas do tipo [5]. Dessa forma, a direção da LBI já há muitos anos pavimentou o caminho para esse último giro recente, que provavelmente não vai gerar fortes reações em seus membros de base e que definitivamente sepultou a falsa imagem de ortodoxia que a LBI criou para si.

          Ainda assim, seria extremamente positivo se ao menos alguns militantes que, ao contrário da liderança da LBI, ainda sejam politicamente saudáveis, deixassem o grupo em repulsa a tal giro e a tudo que ele representa. Convidamos aqueles que estejam procurando sinceramente por uma linha revolucionária que considerem as críticas e as posições do Reagrupamento Revolucionário e deixem imediatamente o barco já quase naufragado que é a LBI.

          NOTAS

          [1] A título de exemplo, podemos citar o escândalo do Proconsult, uma fraude ocorrida na contagem de votos nas eleições para governador do Rio de Janeiro em 1982 e que tinha a intenção de dar a vitória para o candidato herdeiro da Arena, Moreira Franco, ao invés de Leonel Brizola (PDT). Apesar do uso atual de urnas eletrônicas, não temos motivos para nos sentirmos mais seguros, pois diversos estudos já apontaram para a possibilidade delas serem violadas. Mas para isso são necessários indícios ou evidências de fraude, que não podem existir apenas nas cabeças de dirigentes políticos que não fazem a menor questão de justificar suas afirmações.

          [2] Inclusive, seguindo a mesma linha de abobrinhas conspiratórias, a LBI alega que Chávez teria sido “covardemente assassinado”:

          “Por isto, diante do ascenso multitudinal das massas venezuelanas após a morte provocada de Chávez (desde a Guerra Fria a CIA vem trabalhando com afinco para desenvolver substâncias que podem matar líderes ‘inconvenientes’ de países não-alinhados sem deixar qualquer vestígio ou provas de envenenamento), as ameaças declaradas do monstro imperialista e da ‘oposição’ golpista a soldo da Casa Branca e uma possível ‘mobilização democrática’ organizada pela CIA, nada mais correto do que os genuínos revolucionários lançarem a palavra de ordem de acompanhar o apoio a Maduro sem capitular ao chavismo.” 


          ― Editorial do Jornal Luta Operária # 253, 19 de março de 2013. Disponível em:
          http://lbi-qi.blogspot.com.br/2013/03/leia-o-editorial-do-jornal-lutaoperaria_19.html


          Ou a direção desse grupo tem acesso a informações privilegiadas que nenhum outro grupo na esquerda possui, ou ela definitivamente vive no seu próprio mundo de fantasias.


          [3] Para uma avaliação desse processo de degeneração, conferir A Tendência Bolchevique Internacional “Explica” sua Falência, de março de 2012. Disponível em:

          [4] Conferir Um Tirano sem Aspas, de novembro de 2011. Disponível em:

          [5] Ao longo do artigo já citamos algumas das bizarrices que tal grupo produziu recentemente: alegar que toda eleição é fraudada desde o seu início, que Chávez foi assassinado por ser “o maior símbolo contemporâneo da resistência nacionalista” ao imperialismo, e que o regime de Kadafi não era uma ditadura. Porém, a lista é grande e podemos incluir mais alguns fatos que marcam bem as características de seita deslocada da realidade que a LBI carrega: em 2001 justificaram seu apoio ao atentado ao World Trade Center em 11 de setembro alegando que não havia trabalhadores no prédio, apenas agentes da CIA e “yuppies”; em 2008 adulteraram uma foto de um ato de Primeiro de Maio ocorrido em Fortaleza, adicionando digitalmente montes de bandeiras da LBI (inclusive na mão de militantes de outras organizações!) e publicando com a legenda “Coluna da LBI no ato da Conlutas em Fortaleza”; em 2011 acusaram o Instituto Latino Americano de Estudos Socioeconômicos (ILAESE) de servir de ponte entre o PSTU e um suposto financiamento do Departamento de Estado dos EUA, sem apresentar nenhuma prova para tal afirmação (!). Sem dúvidas aqueles com paciência (e estômago) para procurarem mais fatos do tipo encontrarão farto material no site da LBI.

          Arquivo Histórico: Cuba

          Convidamos nossos leitores a conferirem as novas publicações do nosso Arquivo Histórico. Estes são importantes artigos publicados pelos predecessores políticos do Reagrupamento Revolucionário sobre o tema da Revolução Cubana e do Estado operário deformado que ela criou. O primeiro foi um dos artigos escritos pela Tendência Revolucionária do SWP norte-americano (TR precursora da Liga Espartaquista) em 1961, poucos meses após a expropriação da burguesia cubana. Num momento de grande confusão para os que se reivindicavam trotskistas, o documento da TR se destacou por sua clareza em descrever o processo de criação do Estado operário deformado e pela consistência de suas posições políticas trotskistas em oposição ao stalinismo e ao castrismo. O segundo foi escrito pela Tendência Bolchevique Internacional (TBI) em 1992, logo após a queda do bloco soviético, e discutiu alguns dos temas ainda relevantes hoje em dia sobre o isolamento cada vez maior do Estado operário deformado cubano depois da destruição contrarrevolucionária da URSS.

          Reagrupamiento Revolucionario (español) No. 1

          Es con alegría que anunciamos a nuestros lectores la primera edición de la publicación en español del Reagrupamiento Revolucionario.
          Reagrupamiento Revolucionario No. 1
           

           

          A crise do SWP britânico e o feminismo

          Muitos de nossos leitores estão cientes da recente crise que abalou o Socialist Workers Party (SWP) britânico, associado ao falecido dirigente Tony Cliff. Além das alegações de estupro contra um membro de liderança do grupo e da subsequente cobertura burocrática de qualquer investigação consistente, também vieram à tona protestos dos membros de base a respeito da tradicional hostilidade do SWP ao feminismo. Em resposta a isso, a liderança da International Socialist Organization (ISO) dos Estados Unidos (que também tem raízes históricas no rompimento antissoviético de Tony Cliff com o movimento trotskista) decidiu, em um ato bastante transparente de pânico burocrático, renunciar a sua semelhante hostilidade prévia com relação ao feminismo por medo de que a crise atingisse sua própria organização. Diante desses fatos, nossa polêmica de março de 2009, sobre a oposição que muitas organizações que se consideram trotskistas fazem ao feminismo, merece renovada atenção. Por esse motivo, nós sugerimos aos nossos leitores esse artigo no Dia Internacional da Mulher Trabalhadora de 2013.
          30 de março de 2009

          Arquivo Histórico: Dia Internacional da Mulher Trabalhadora

          Por um 8 de Março classista e de luta!  

          Dia Internacional da Mulher Trabalhadora 
          Originalmente publicado na edição de número 14 do jornal Hora de Lutar (março de 2010) pelo então revolucionário Coletivo Lenin. 
          Ascenso operário, greves e revolução 
          Foi num momento de grandes conquistas e ascenso de lutas da classe operária, o começo do século XX, que se ouviu falar pela primeira vez de um dia internacional da mulher trabalhadora. Desde a metade do século XIX, a entrada em massa de mulheres na indústria (sempre muito mais exploradas que os homens, com menores salários, etc.) criou a consciência, entre os comunistas, de que a luta por melhores condições de trabalho para a mulher deveria ter um papel de destaque. Em fevereiro de 1909, as operárias das indústrias têxteis de Nova Iorque fizeram um chamado às mulheres de todo o mundo a se rebelarem contra a exploração capitalista, realizando uma greve no setor. Frequentemente este é reconhecido como o primeiro dia internacional da mulher, embora não houvesse uma data definida.

          Em 1910, a revolucionária alemã Clara Zetkin propôs haver um dia para lutar e protestar pela questão específica (e central) das mulheres trabalhadoras. Isso ocorreu no Fórum de Copenhagen da Internacional Socialista, organização herdeira do marxismo até capitular ao apoio à Primeira Guerra mundial. Apesar de aprovada a proposta, nenhuma data foi definida. Mesmo assim, no ano seguinte, milhões de trabalhadores foram às ruas pela questão da mulher, no dia 19 de março.  Poucos dias depois, um incêndio numa indústria em Nova Iorque matou 146 trabalhadoras (em sua maioria costureiras). Para muitas fontes do imaginário coletivo, foi este o evento que levou ao estabelecimento de um dia internacional da mulher.

          Na verdade, não havia um dia definido até 1917. A primeira vez que o dia 8 de março surge na história é com as tecelãs da cidade russa de Petrogrado, que entraram em greve para lutar contra o czarismo, três anos de guerra mundial e escassez geral de suprimentos. Essa greve acabou dando início a um movimento de massas que culminou com a revolução russa de “fevereiro” (23 de fevereiro no antigo calendário juliano russo e 8 de março no calendário gregoriano ocidental). Trotsky certa vez escreveu: “Em 23 de fevereiro estavam planejadas ações revolucionárias. Pela manhã, as operárias têxteis deixaram o trabalho de várias fábricas e enviaram delegadas para solicitarem sustentação da greve. Todas saíram às ruas e a greve foi de massas. Mas não imaginávamos que este ‘dia das mulheres’ viria a inaugurar a revolução”. Em 1920, o dia 8 de março se tornou o dia internacional da mulher trabalhadora na URSS, em referência às tecelãs de Petrogrado. Apenas no final do século XX, a ONU adotou também o dia 8, sob um aspecto de “celebração”. 
          O que dizia Clara Zetkin 
          A proposta de um dia internacional da mulher (mesmo antes de o dia 8 de março ficar marcado na história pelas operárias russas) jamais foi um dia para simplesmente comemorar. É um dia de luta coletiva de todos os trabalhadores por um dos setores mais explorados da nossa classe. Zetkin (amiga e colaboradora próxima de Rosa Luxemburgo) acreditava ser impossível chegar ao socialismo sem organizar e mobilizar as trabalhadoras do mundo. Isto está diretamente ligado ao papel que elas cumprem na produção capitalista.
          Além de serem superexploradas nas empresas, as mulheres ainda estão presas ao trabalho doméstico, que não é remunerado no capitalismo apesar de ser socialmente necessário. Essa é a principal base para a dependência econômica que leva à reprodução do machismo. A maioria das mulheres enfrenta uma dupla jornada de trabalho, dentro e fora do lar. Por isso, a luta contra essas condições e a capacidade das mulheres trabalhadoras deve ser entendida, antes de tudo, como um motor propulsor de grandes transformações sociais, como a história já demonstrou diversas vezes. 
          A esquerda e a questão da mulher 
          Apesar disso, o modo como as organizações de esquerda em geral tratam a questão da mulher é totalmente periférica. Dizer que uma questão é específica não significa discutir o assunto em ocasiões específicas (ou “dias de festa”, como tratam o 8 de março). Pelo contrário, significa discutir e lutar contra a exploração da mulher com atenção particular em TODAS as oportunidades e ocasiões. Significa não manter o assunto em fóruns fechados específicos, mas incorporá-lo ao cotidiano das manifestações da classe trabalhadora, discutindo a questão nas assembleias gerais.
          Nós do Coletivo Lenin temos certeza de que construir um mundo melhor é impossível sem abordar no dia-a-dia essa questão fundamental que é a opressão e exploração das mulheres trabalhadoras. Por isso, este é um dia para fazer algo mais além de homenageá-las. É um dia para estar presente em todas as lutas defendendo as bandeiras contra aqueles que reproduzem essa sociedade de exploração e opressão, um dia de dar um passo nas lutas para criar um mundo socialista. E também, um dia para lembrar (seguindo o exemplo de grandes revolucionários) de que essa é a nossa tarefa, não no dia 8 de março, mas em cada dia do ano.

          Arquivo Histórico: Década de 2000

          Convidamos nossos leitores a conferirem as novas publicações do nosso Arquivo Histórico. Estes artigos foram originalmente publicados pela então revolucionária Tendência Bolchevique Internacional nos anos 2000. Eles tratam dos eventos políticos do início da década, como as intervenções imperialistas no Iraque e no Afeganistão, debatendo com concepções oportunistas na esquerda, assim como de assuntos mais gerais, como a política de imprensa revolucionária e importância da tática de reagrupamento revolucionário.

          PCO, Partido Obrero e as frentes populares

          PCO, Partido Obrero e as frentes populares

          Rodolfo Kaleb, fevereiro de 2013

          No ano passado, o Partido da Causa Operária (PCO) foi uma das organizações na esquerda brasileira que criticou a candidatura de colaboração de classes do PSTU com PCdoB e PSOL em Belém do Pará [1]. O PCO caracterizou esse bloco como uma frente popular e mostrou a subordinação dos seus componentes à burguesia, criticando especialmente o PSTU (a “ala esquerda” dessa coalizão) pela sua permanência na frente mesmo após a denúncia de que Edmilson Rodrigues (PSOL), o candidato a prefeito, recebia dinheiro de grandes empresas para financiar sua campanha. O problema com essas críticas do PCO é que elas tentam enganar o leitor deixando a entender que este grupo apresenta uma alternativa consistente de oposição às frentes populares, o que está muito longe de ser verdade.

          A frente popular — um bloco programático, normalmente pelo poder governamental, entre organizações de trabalhadores e representantes da burguesia — é uma das questões fundamentais que separam os trotskistas do reformismo socialdemocrata, stalinista e das muitas variantes do centrismo (inclusive aquelas que indevidamente se reivindicam “trotskistas”). Os trotskistas autênticos não consideram a frente popular uma “tática”, mas sim um crime contra o proletariado. Ela necessariamente atrela a classe trabalhadora a um setor ou outro da burguesia e impede a preparação do proletariado para o exercício de seu poder como classe em oposição aos patrões e seus partidos.

          Por seu caráter e pelo papel que cumpre, é fundamental por parte dos revolucionários uma oposição firme à política de colaboração de classes da frente popular. Não à toa, dentro das fileiras da Quarta Internacional essa era uma questão de princípios, de “vida ou morte” para os que tinham por objetivo final a revolução socialista. No Brasil, as frentes populares não são um fenômeno de forma alguma novo, mas muitos dos grupos que reivindicam ser genuinamente revolucionários em nosso país já cometeram capitulações relacionadas a dar apoio político (às vezes “crítico”, às vezes entusiástico) a frentes populares.

          As frentes populares do PT

          Desde o fim dos anos 1980, o Partido dos Trabalhadores encabeçou várias frentes com políticos e partidos da burguesia até conseguir ser eleito em 2002, quando passou a desempenhar o papel de representante principal da burguesia brasileira nos ataques à classe trabalhadora. É inegável que a frente popular do PT passou por transformações ao longo dos anos. O discurso e a propaganda do PT foram tornando-se cada vez mais moderados para agradar a setores mais amplos da classe dominante. Isso se refletiu num crescimento da sua coalizão burguesa: se em 1989 a candidatura petista agregava apenas alguns setores minoritários da burguesia, desde 2002 ela incluiu alguns dos maiores partidos burgueses do país e, inclusive, tendências de extrema direita dessa classe (como o Partido Progressista de Jair Bolsonaro). Mas essas transformações são quantitativas e não mudam o fato de que, ao menos desde 1989, as candidaturas petistas eram dominadas politicamente pela burguesia.

          Em um artigo de 2009, o PCO reconheceu o caráter de todas as candidaturas petistas desde 1989 como frentes de colaboração de classes:

          A Frente Brasil Popular de 1989, para o movimento operário, ou seja, para uma política de classe, revolucionária, não se distingue na sua essência das posteriores. Todas foram uma aliança com a burguesia, com um programa capitalista e proimperialista. Para os partidos pequeno-burgueses o que importa na definição da sua política não é a natureza de classe dos fenômenos políticos, mas a sua aparência, o que revela o caráter completamente antimarxista da sua doutrina e da sua política prática.”

          Lula e a cúpula petista, juntamente com seus aliados burgueses, buscaram canalizar todas as expectativas das organizações operárias para o terreno eleitoral, para estrangular todo o movimento grevista. A palavra-de-ordem do PT foi a de que ‘as greves atrapalham a candidatura de Lula’. Assim, elaboraram explicitamente uma política de acordo com toda a burguesia, um compromisso de manter a disputa no terreno estabelecido pela própria burguesia, num terreno controlado pela própria burguesia.”

          O Significado da formação da Frente Brasil Popular, 13 de setembro de 2009. Disponível em 
          http://www.pco.org.br/conoticias/imprimir_materia.php?mat=16934

          Ao criticar atualmente as posições frentepopulistas do PSOL e do PSTU, o PCO tenta passar uma imagem “ortodoxa” de oposição em geral às frentes de colaboração de classes. Mas o atual discurso do PCO contradiz os seus próprios atos passados. Os famosos slogans do PCO, “Trabalhador vota em trabalhador” e “Quem bate cartão não vota em patrão”, nem sempre foram seguidos à risca por Rui Costa Pimenta e seus companheiros. De fato, o PCO apoiou as candidaturas frentepopulistas do PT de Lula nos anos 80 e 90 e nutriu enormes ilusões sobre o caráter supostamente “operário” dessas frentes em seus primeiros anos.

          O PCO afirma atualmente que a Frente Brasil Popular de 1989 “não se distingue na sua essência das posteriores”, mas continua sustentando a posição que teve na época, de apoio eleitoral e participação (como corrente interna do PT) nessa frente popular. Na verdade, o PCO sequer parece ter problemas em reproduzir suas notas da época, o que demonstra a sua total falta de coerência interna ao criticar a mais recente traição do PSTU.

          PCO: falta de coerência e ausência de autocrítica

          Em uma de suas declarações sobre a frente de Belém, o PCO acusou o PSTU de realizar vários “malabarismos” para justificar o seu apoio a uma frente popular. Mas muitos desses mesmos “malabarismos” estavam também presentes na própria política da tendência Causa Operária nas frentes populares dos anos 80 e 90. O PCO criticou o PSTU, por exemplo, por identificar a candidatura de Edmilson Rodrigues, financiada pela burguesia, com a classe trabalhadora:

          O PSTU, no entanto, apresentou a candidatura de Edmilson como uma candidatura representante dos operários: ‘A candidatura de Edmilson Rodrigues canaliza hoje um sentimento de oposição de esquerda ao governo federal e também de experiência com a prefeitura do PTB, que levou a cidade à beira da destruição (…). Algumas pesquisas apontam 37%. Na classe operária, que tem grande simpatia por Edmilson, esse percentual é ainda maior’.”

          O elevado número de votos em Edmilson não seria porque este é um candidato da burguesia de Belém, para o PSTU, mas porque a classe operária tem grande simpatia por ele. A questão que fica é como um candidato que é da classe operária poderia ter sua campanha financiada por empresários. Por que os empresários financiariam um candidato que iria se opor a eles caso viesse a se eleger?”

          Depois de eleger vereador, PSTU vira ‘crítico’, 27 de outubro de 2012. 
          Disponível em: http://www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=38711

          Uma excelente pergunta. Mas eis o que Causa Operária escreveu em 1989, diante da candidatura petista de aliança com a burguesia:

          Da mesma forma que nas eleições municipais – e com maior intensidade – o PT tende a expressar no terreno das eleições presidenciais as tendências combativas e classistas das massas”.

          Este é um fenômeno objetivo. Agruparam-se em torno da candidatura de Lula o conjunto dos ativistas sindicais e populares urbanos e o explosivo movimento dos trabalhadores rurais. Suas lideranças veem na candidatura de Lula a expressão política mais geral da luta reivindicativa que desenvolvem no dia a dia. Esperam que esta candidatura dê uma perspectiva de resolução do seu ponto de vista, do ponto de vista da luta dos operários e rurais ao problema dos salários, da terra, das condições de vida, da dívida externa etc.”.

          A candidatura de Lula tende a tornar-se, portanto, a expressão objetiva dos multitudinários movimentos de luta dos últimos anos, colocando-os no centro da cena política, na disputa pelo governo federal, dando-lhes naturalmente um caráter nacional e unitário e colocando-os diretamente e explicitamente em relação ao poder do Estado”.

          Causa Operária No. 83, 1ª quinzena de janeiro de 1989. Citado em
          http://www.pco.org.br/conoticias/imprimir_materia.php?mat=16934

          Pode-se, com razão, perguntar ao PCO “por que os empresários financiariam um candidato” (Lula) que supostamente “tendia a expressar no terreno das eleições presidenciais as tendências combativas e classistas das massas”? Tomando em consideração a afirmação atual do PCO de que a frente popular de 1989 representava “uma aliança com a burguesia, com um programa capitalista e proimperialista” e o fato de que ela foi apoiada por setores da burguesia (como o candidato a vice-presidente e latifundiário José Paulo Bisol), então aparentemente o PCO acredita que possa haver um programa e uma coalizão burgueses que sejam, ao mesmo tempo, “expressão objetiva dos multitudinários movimentos de luta”. Caso contrário, teria realizado uma autocrítica de quando assumiu postura semelhante àquela do PSTU, que hoje ataca com ares de ortodoxia trotskista. Mas, na ausência de tal autocrítica, a autoridade do PCO como crítico da traição cometida pelo PSTU em Belém cai por terra, junto com a coerência de seus argumentos.

          Diferente desse “malabarismo” utilizado pela Causa Operária em 1989 e com o qual o PCO parece estar confortável até os dias de hoje, Leon Trotsky defendia uma perspectiva absolutamente diferente em relação a blocos de colaboração de classe:

          A Frente Popular nos diz, não sem revolta, que não é um cartel, em absoluto, mas um movimento de massa. É verdade que não faltam definições pomposas, mas elas não mudam as coisas. O objetivo do cartel sempre foi o de frear o movimento de massa, orientando-o para a colaboração de classes. A Frente Popular tem exatamente o mesmo objetivo. A diferença entre eles – e não é pequena – é que o cartel tradicional foi aplicado nas épocas de estabilidade e de calma do regime parlamentar. Hoje, com as massas impacientes e prontas a explodir, tornou-se necessário um freio mais sólido, com a participação dos ‘comunistas’. Os atos comuns, as marchas espetaculares, os juramentos, a união da bandeira da Comuna [de Paris] com a bandeira de Versalhes, a gritaria, a demagogia, tudo isso não tem mais que um objetivo: conter e desmoralizar o movimento de massa.”

          A França na Encruzilhada, março de 1936.
          https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1936/03/28.htm

          A “tática” do apoio crítico: mais malabarismos

          Em suas polêmicas com o PSTU, o PCO também comentou o fato de que depois do primeiro turno das eleições (e de ter elegido um vereador enquanto coligado com PSOL e PCdoB), o PSTU se retirou da frente de Belém, mas seguiu chamando “voto crítico” nessa frente popular, dizendo que fazia isso “contra a burguesia”:

          O PSTU chama então voto ‘crítico’ em Edmilson ‘para derrotar a burguesia’, apesar de a burguesia estar com Edmilson.”

          Acordo eleitoral com o ‘governista’ PCdoB expõe a farsa do PSTU, 4 de julho de 2012. Disponível em

          http://www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=37023

          Mas o que o PCO fez nos anos 80 e 90? Nessas ocasiões, o PCO “apoiou criticamente” a candidatura burguesa de frente popular do PT ao mesmo tempo em que dizia lutar contra a colaboração de classes (!). Ao comentar sobre suas posições políticas daquela época, o PCO tentou justifica-las dizendo que:

          Em 1989, Causa Operária chamou a votar em Lula e no PT, mas com um programa de luta que se opusesse a todas essas alianças com a burguesia…”.

          O PT e a Frente Brasil Popular de 1989, 30 de julho de 2009.Disponível em http://www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=15797

          Em 1994, o PCO apoiou criticamente a candidatura de Lula com seu programa socialista e revolucionário, tendo como eixo um governo operário e denunciando a frente popular como uma política de traição à classe operária.”

          Nota sobre a história do Partido da Causa Operária, sem data. Disponível em http://www.pco.org.br/pco/notas.htm

          Como é possível apoiar eleitoralmente a Frente Brasil Popular levantando um “programa de luta que se opusesse a todas as alianças com a burguesia” se a coligação era precisamente uma aliança com a classe dominante? Por que “apoiar criticamente” a candidatura de Lula ao mesmo tempo em que se afirma abertamente que essa frente popular era uma “política de traição à classe operária”? Essas “justificativas” são idênticas às que são atualmente sustentadas pelo PSTU com relação à frente de Belém. A única diferença é que a candidatura do PT era muito mais poderosa e agregava mais setores da burguesia e que o PCO está, pela sua atual localização na esquerda brasileira, menos inclinado nesse momento a entrar em uma frente popular. Mas fica claro que a “oposição” do PCO à frente popular não é uma questão de princípios, o que não impede que ela se repita no futuro.

          Novamente, diferente dos malabarismos aos quais recorre o PCO, a política de Trotsky, que nós reivindicamos como a correta, com relação a esse tipo de aliança com a burguesia não era de “apoio crítico”, nem eleitoral, nem “tático” e nem “técnico”:

          “A questão das questões atualmente é a Frente Popular. Os centristas de esquerda procuram apresentar esta questão como tática ou mesmo como uma manobra técnica, a fim de poder vender as suas mercadorias na sombra da Frente Popular. Na realidade, a Frente Popular é a questão principal da estratégia da classe operária nesta época. Também confere o melhor critério para diferenciar o menchevismo do bolchevismo.”

          A seção holandesa e a Internacional, julho de 1936.

          Ainda mais malabarismos: embelezando a frente popular

          Em um de seus artigos recentes, o PCO criticou o PSTU por esconder o caráter de classe da sua frente popular de Belém ao embelezar os seus companheiros de bloco:

          O PSTU mostra isso sim, como uma organização que se diz ‘revolucionária’ e ‘socialista’ pode fazer uma aliança com um partido burguês nas eleições: basta dizer que ele não é um partido burguês! Assim os ‘revolucionários’ do PSTU pretendem justificar suas presepadas, tanto no movimento operário, quanto nas eleições burguesas. Ou é disso que se trata, ou todos seriam obrigados a acreditar na existência de um partido ‘sem classe’, mas que governa para a burguesia.”

          Acordo eleitoral com o ‘governista’ PCdoB expõe a farsa do PSTU, 4 de julho de 2012. Disponível em

          http://www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=37023

          Mas as posições do PCO sobre a candidatura petista de 1989 também contém uma tentativa similar de definir setores da burguesia que compunham a frente popular como algo “sem caráter de classe”. Hoje em dia, o PCO afirma sem rodeios o caráter de classe do candidato a vice-presidente da frente de 1989:

          Na edição de Causa Operária desta semana, seguindo as comemorações dos 30 anos do jornal, iremos mostrar como o PT se integrou totalmente ao regime burguês com a aliança com o político burguês Paulo Bisol e a criação da Frente Brasil Popular de 1989 que foi fundamental em criar as condições para o ataque das duas últimas décadas contra os trabalhadores e suas condições de vida” (ênfase nossa).

          O PT e a Frente Brasil Popular de 1989, 30 de julho de 2009. Disponível em http://www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=15797

          Mas na época, o jornal Causa Operária escreveu que:

          O senador José Paulo Bisol é uma sombra da burguesia, não a burguesia ela mesma. Ele não representa a burguesia, mas também não tem representatividade entre a classe operária e as massas populares. É um nada político.”

          Causa Operária No. 83, 1ª quinzena de janeiro de 1989. Citado no mesmo artigo.

          Sombra da burguesia” foi o termo que Trotsky usou para se referir aos elementos burgueses na Frente Popular durante a guerra civil espanhola. A burguesia enquanto classe apoiou Franco quase inteiramente, mas os stalinistas e socialdemocratas fizeram tudo ao seu alcance para manter alguns representantes políticos e ideológicos da classe dominante na sua aliança. Isso foi feito como uma garantia por parte de Stalin aos seus futuros aliados imperialistas de que a Espanha teria um futuro burguês. A questão era que, mesmo sendo pequeno o seu peso social, a “sombra da burguesia” era decisiva. A escolha do termo pelo PCO em 1989 é oportunista sob esse ponto de vista, pois busca minimizar a influência e o caráter burguês da coalizão de frente popular dizendo que Bisol “não representa a burguesia”.

          Bisol representava muito mais que um “nada político”. O PCO talvez devesse aplicar a si mesmo a sua crítica com relação aos “revolucionários” que (ao embelezar os componentes capitalistas desta) se esquivam de caracterizar inequivocamente a frente popular como uma coalizão burguesa.

          Algumas conclusões

          Em um dos seus artigos recentes sobre a questão das frentes populares, o PCO sustenta a visão de que:

          Ainda hoje, inúmeros grupos que se consideram revolucionários fazem uma distinção entre aquela frente de colaboração de classes [de 1989] e as posteriores realizadas pelo PT, tomando a aparência pela realidade. Muitos que apoiaram a candidatura de Lula em 1989 recusaram-se a apoiá-la nos anos posteriores, revelando que são partidários de uma política de colaboração de classes com um verniz esquerdista, mas não de uma política de independência de classe.”

          O Significado da formação da Frente Brasil Popular, 13 de setembro de 2009. Disponível em

          http://www.pco.org.br/conoticias/imprimir_materia.php?mat=16934

          De acordo com os próprios critérios do PCO, só podemos concluir que seus dirigentes são “partidários de uma política de colaboração de classes com um verniz esquerdista”, mas não de uma política consistente de independência da classe trabalhadora.

          O PCO nunca realizou um balanço da sua política de apoio às primeiras frentes populares do PT e segue (de forma um tanto quanto confusa) reivindicando seu apoio eleitoral e suas ilusões da época ao mesmo tempo em que acusa de oportunistas aqueles que fizeram precisamente o mesmo. Essa posição esquizofrênica é uma tentativa de encobrir a identificação oportunista que o PCO fez entre a frente popular e os interesses da classe trabalhadora e, ao mesmo tempo, permitir à organização posar como uma alternativa mais militante em suas críticas atuais aos seus adversários na esquerda.

          Como dissemos, os trotskistas se opõem por princípio às frentes populares e à colaboração política com a classe dominante. Para o PCO, entretanto, parece que o apoio ou não a uma frente popular é algo que depende da “aparência” mais ou menos radical que ela apresente e dos seus interesses organizativos mais imediatos, o que revela (segundo suas próprias palavras citadas acima) “o caráter completamente antimarxista da sua doutrina e da sua política prática”.

          As raízes políticas do PCO e o legado revisionista sobre a frente popular

          Se a questão da frente popular era, na época de Trotsky, a “questão principal da estratégia da classe operária”, ela possui hoje importância equivalente. Ironicamente, a maior parte das organizações surgidas após a destruição da Quarta Internacional pelo revisionismo retrocedeu às mesmas concepções combatidas por Trotsky em seu tempo: identificar a frente popular com a classe trabalhadora, defender o apoio eleitoral a elas como algo “tático”, e mesmo tornar-se parte integrante de algumas. A tradição política da qual se original o PCO não foge disso.

          Ela remonta ao dirigente do Partido Obrero (PO) argentino, Jorge Altamira, com cuja “internacional” o PCO rompeu relações há poucos anos atrás. Até hoje, nem o PCO nem a “Coordenação pela Refundação da Quarta Internacional” (CRQI, liderada pelo PO) esclareceram publicamente os motivos do seu racha. Se existem razões político-organizativas relevantes para o fim de uma relação internacional que durou por décadas, então qualquer grupo que afirme lutar para reconstruir a Quarta Internacional em tantos países quanto possível deve explicar porque abandonou seus companheiros brasileiros (no caso da CRQI) ou o agrupamento internacional do qual fazia parte (no caso do PCO). Mas não: o CRQI lançou o seu novo grupo brasileiro (que publica o jornal “Tribuna Classista” e ao qual é ligado o professor da USP Osvaldo Coggiola) sem explicar direito porque abandonou seus velhos amigos; o PCO até hoje não falou sequer uma palavra sobre o assunto publicamente. Seja qual tenha sido a razão para o rompimento, o silêncio de ambos os lados indica uma forte tendência a minimizar a importância da questão da Internacional e de que o CRQI não é uma “internacional” centralizada em torno de políticas concretas, mas uma federação de grupos reunidos por conveniência.

          Assim como o PCO não explicou suas razões mais imediatas para romper com Altamira, ele também não buscou fazer nenhum tipo de balanço crítico do legado deste dirigente, nem com relação à questão da frente popular, nem com qualquer outro tema relevante para os que se reivindicam trotskistas.

          Como muitos pseudotrotskistas, o grupo de Altamira já realizou diversas polêmicas com outras correntes da esquerda denunciando-as por apoiar frentes populares [2]. Porém, no que pode ser considerado um precedente para a atual posição contraditória (e hipócrita) do PCO, a corrente altamirista também jamais foi consistente em defender uma política de independência da classe trabalhadora.

          Muitos anos antes das eleições brasileiras, a corrente de Altamira já reivindicava posições frentepopulistas, como aquela aplicada por seus então parceiros internacionais do POR (Partido Operário Revolucionário) boliviano (associado ao dirigente histórico Guillermo Lora) em 1971. Na situação potencialmente revolucionária em que vivia a Bolívia naquele momento, o partido de Lora realizou um bloco com a fração burguesa dirigida pelo General Torres, que havia sido deposto do cargo de presidente, sob a fachada de uma suposta “frente revolucionária anti-imperialista”. Essa “frente revolucionária” com o “general patriótico” e ex-presidente do regime burguês, ainda que não fosse durante uma disputa eleitoral, se tratava de uma frente popular. Ela serviu igualmente bem para iludir os trabalhadores mais avançados sobre o caráter supostamente “anti-imperialista” desse setor da burguesia boliviana. Essa política foi apoiada pelo grupo argentino de Altamira, então chamado Política Obrera, que se reuniria com Lora em uma “Conferência Latino-americana” no ano seguinte. Os dois dirigentes só se separariam no fim dos anos 1980.

          Logo Altamira daria um exemplo de como seria uma “frente anti-imperialista” em seu próprio terreno nacional. Durante a redemocratização argentina no início dos anos 1980, a corrente altamirista (já chamada de Partido Obrero) fez um chamado recorrente pela formação de uma “frente anti-imperialista de toda a esquerda” para as eleições de 1983. Essa frente incluiria, além do partido stalinista pró-moscou, do partido socialdemocrata e de correntes maoístas, também a “ala de esquerda” do movimento peronista (nacionalista burguês). Essa “esquerda peronista” incluía personagens e partidos historicamente comprometidos com a classe dominante e com a manutenção do capitalismo. Essa frente não chegou a se realizar porque nenhum desses setores quis entrar em negociações com Altamira e lançaram suas próprias frentes eleitorais burguesas. Mas isso deixou claro que, mesmo antes do apoio e participação na frente popular brasileira de 1989 (e em diante), a corrente de Altamira já visava aplicar uma política de conciliação de classes.

          Um exemplo mais recente do apoio a coalizões burguesas foi quando Altamira defendeu votar por Evo Morales nas eleições bolivianas de 2005. A Bolívia vivia novamente um momento de lutas de classe incandescentes, que haviam levado à queda de um presidente e à convocação de eleições antecipadas. Nesse contexto, a candidatura do MAS (Movimento ao Socialismo) de Morales cumpria um papel claro de contenção social dos protestos do proletariado, dos camponeses pobres e povos indígenas, buscando manter os limites do capitalismo ao mesmo tempo em que sustentava uma retórica nacionalista/indigenista. A candidatura do MAS buscou o apoio de setores da burguesia e reivindicou a construção de um “capitalismo andino” com algumas reformas e nacionalizações dentro dos marcos capitalistas. Morales também se identificava com os governos burgueses de Lula e Kirchner. Apesar de reconhecer isso, o PO de Altamira defendeu votar em Morales como uma forma de supostamente “golpear o imperialismo”. Esses eventos ocorreram quando o PCO ainda estava associado com Altamira e o grupo brasileiro seguiu seu mentor nessa capitulação, embora hoje evite falar muito sobre o assunto [3].

          (Para uma discussão mais fundamentada sobre essas posições, leia o apêndice ao final deste artigo).

          Nós não temos a menor expectativa de que os dirigentes do PCO estejam interessados em fazer um balanço honesto da sua contribuição e seu seguidismo dos erros e desvios da corrente de Altamira ao longo dos anos. Eles preferem manter um silêncio com relação a todo esse histórico de capitulações, assim como sobre o motivo imediato de seu rompimento. Altamira teve um papel chave no desenvolvimento e na história do PCO (inclusive por influenciar suas decisões de votar pelas frentes populares brasileiras), mas, ao manter suas posições dessa época sem nenhum balanço crítico, com o objetivo de sustentar as aparências, os dirigentes do PCO não se mostram melhores do que ele. Consequentemente, não podemos ver na ruptura entre os dois uma guinada minimamente relevante do PCO à esquerda de seus antigos companheiros.

          Os militantes e apoiadores mais conscientes do PCO, que prezem pela coerência da oposição trotskista à colaboração de classes, devem enxergar através da “cortina de fumaça” montada pelos dirigentes de sua organização. Uma atitude mais do que comum entre as correntes centristas é usar uma questão de princípio da política revolucionária para criticar seus adversários na esquerda quando é conveniente, ignorando ou escondendo que a própria corrente que faz a crítica lidou de forma similarmente revisionista com tal questão em outras ocasiões. Além de oportunista, esse método contribui para disseminar uma enorme confusão entre os militantes honestos que reivindicam o trotskismo.

          Sem um estudo prévio mais profundo da história das organizações que se usam dessa prática, um militante que se opõe à frente popular pode ser levado, por exemplo, a enxergar sinceridade em uma “crítica” contra a frente popular por parte de um Moreno, de um Altamira ou de um Rui Costa Pimenta. Todos eles denunciaram capitulações de outros grupos a frentes populares (algumas vezes entre si), mas todos também capitularam a frentes populares em determinados momentos. Por isso, um importante trabalho dos revolucionários é mostrar a falsidade e o oportunismo de tais posições, expondo as contradições dos seus autores. Somente assim é possível reunir o melhor da vanguarda que se reivindica revolucionária sob uma bandeira e um programa que representem de forma consistente a perspectiva trotskista (que tem como uma de suas marcas a independência da classe trabalhadora). Esse é um requisito indispensável para as futuras vitórias do proletariado.

          Notas

          [1] Para a crítica e análise do Reagrupamento Revolucionário, conferir “A Frente de Belém na Lógica do Morenismo”, de agosto de 2012. Disponível em:  https://rr4i.milharal.org/2012/08/25/a-frente-de-belem-psol-pstu-pcdob-na-logica-do-morenismo/

          [2] A corrente de Altamira muitas vezes reivindicou uma posição ortodoxa sobre a frente popular sem que isso a impedisse de tomar posições oportunistas em outros momentos. Em várias ocasiões, denunciou outras correntes na esquerda por capitular a frentes populares, como foi o caso do efêmero bloco entre as correntes de Nahuel Moreno (liderada pelo PST argentino) e Pierre Lambert (cuja seção principal era a OCI francesa). O “Comitê Internacional” Moreno/Lambert (1980-81) recebeu, dentre outras, a seguinte crítica do Partido Obrero argentino no fim dos anos 90:

          A base política de sua unificação foi o apoio à frente popular, encabeçada na França por Mitterrand. Nesse sentido, o ‘recorde’ do Comitê Internacional é verdadeiramente impressionante considerando que apenas subsistiu por nove meses: apoio à frente popular francesa encabeçada por Mitterrand (à qual a OCI dizia que pretendia destruir a V República, quer dizer, lhe atribuía um objetivo revolucionário); apoio à frente com a burguesia na Nicarágua; pediu o ingresso (do PST) à ‘multipartidária’ dos principais partidos patronais da Argentina; a reivindicação de que a Constituinte peruana (quer dizer, o parlamento burguês — no qual uma frente única que integrava os partidos do CI havia conseguido 12% dos votos) tomasse o poder para ‘resolver as contradições do povo explorado’. A lista segue: Bolívia, El Salvador, Brasil…”.

          La cuestión del programa, Luís Oviedo, EDM No. 16, março de 1997

          [3] Em um sumário da edição especial do jornal Causa Operária de dezembro de 2005 (http://www.pco.org.br/causaoperaria/2005/412/sumario.htm) há um artigo intitulado “Chamamos a votar em Evo Morales e no MAS”. O curioso é que, apesar dessa declaração explícita de apoio à candidatura de Evo Morales (em consonância com a linha dos seus então parceiros internacionais do Partido Obrero), o artigo em questão não estava disponível no site do PCO e também não é possível encontrar nenhuma declaração online do PCO à época sobre esse tema, como se o assunto tivesse sido sutilmente posto debaixo do tapete nas publicações do PCO na internet.

          Apêndice

          A trajetória de colaboração de classes do Partido Obrero argentino

          Reunimos a seguir, na forma de apêndice, uma breve discussão sobre momentos da trajetória do Partido Obrero argentino de Jorge Altamira, ao qual o PCO esteve até recentemente ligado e ao qual deve em grande parte as suas origens políticas – das quais até hoje não foi capaz de realizar um balanço crítico. Esse resumo tem por objetivo apresentar ao leitor uma compilação das principais capitulações cometidas pelos “altamiristas” no que diz respeito à política traidora da colaboração de classes.

          (1) A associação ao POR boliviano e sua “frente revolucionária anti-imperialista” (1971)

          Em julho de 1972 foi celebrada uma “Conferência Latino-americana”, que reuniu o Partido Obrero Revolucionário, associado a Guillermo Lora e o grupo liderado por Jorge Altamira (então chamado Política Obrera) com a corrente dirigida por Pierre Lambert e a OCI francesa (que então publicava o periódico La Vérité). Uma das bases da formação desse agrupamento foi o apoio dessas correntes à política adotada pelo POR boliviano em 1971. Inclusive a OCI, que antes tinha críticas à linha do POR, deixou-as de lado com o objetivo de formar uma “Internacional” com bases políticas extremamente oportunistas. E qual foi a política do POR boliviano que serviu de base a essa fusão?

          Em 1971, o então presidente da Bolívia, o general “patriótico” J. J. Torres, foi derrubado por um golpe militar reacionário. Durante a organização da resistência ao golpe, o POR (uma das poucas organizações trotskistas que possuiu influência de massas) desempenhava um papel de destaque na esquerda boliviana. Entretanto, a sua política não foi de denúncia implacável da burguesia nacional (incluindo Torres) e dos seus aliados reformistas, como o partido stalinista. Ao invés de adotar tal política principista, Lora e seus companheiros formaram um bloco com os reformistas — uma frente popular que subordinava a resistência proletária ao ex-presidente burguês, disfarçada sob a alcunha de “frente revolucionária anti-imperialista”.

          Mesmo antes do golpe, o POR apoiou a perspectiva de criar um governo “anti-imperialista” com o general Torres. Isso foi uma expressão do típico etapismo menchevique/stalinista de criar um governo reunindo todas as classes supostamente “progressivas” e “anti-imperialistas” (incluindo a burguesia nacional) como um requisito prévio à luta pelo socialismo. Em um conjunto de teses aprovadas pela COB (principal central sindical dos trabalhadores bolivianos) antes do golpe, escritas pelos próprios dirigentes do POR e nas quais o partido votou, está escrito que:

          Para poder atingir o socialismo, parece ser necessário, antes de tudo, realizar uma unidade de todas as forças revolucionárias anti-imperialistas. A revolução popular anti-imperialista está ligada à luta pelo socialismo. A frente popular é uma aliança de classes relacionadas, e o instrumento unitário para fazer a revolução. A expulsão do imperialismo e a realização das tarefas nacionais e democráticas vão tornar possível a revolução socialista.”

          Traduzido da versão citada pela revista teórica da OCI, La Vérité, de outubro de 1970. Citado em “Centrist Debacle in Bolivia”, Workers Vanguard No. 3, dezembro de 1971. Disponível em:

          https://rr4i.milharal.org/2010/05/21/desastre-centrista-na-bolivia/

          Depois do golpe, a COB (que era largamente influenciada pelo POR) impulsionou uma “Assembleia Popular” que o POR considerou um embrião de duplo poder soviético, o que demonstra a gravidade da situação. Mas a linha do POR era de colaboração com o presidente do regime burguês deposto, não de independência da classe trabalhadora. Em uma declaração assinada juntamente com o Partido Comunista (stalinista), com os grupos nacionalistas de esquerda e pelo próprio general Torres, o POR declarou que:

          Portanto, a necessidade é inegavelmente construir uma unidade de luta de todas as forças progressivas e democráticas para que a grande batalha possa começar em condições de oferecer uma perspectiva real para um governo nacional e popular…”.

          Esta não é uma batalha que diz respeito a apenas um setor do povo explorado, ou apenas uma classe, instituição ou partido (…). Qualquer forma de sectarismo é contrarrevolucionária. Sejamos dignos do sacrifício daqueles que caíram em 21 de agosto defendendo a Bolívia.”

          Traduzido da versão citada na edição de 6 de dezembro de 1971 de Intercontinental Press. Citado em “Centrist Debacle in Bolivia”, Workers Vanguard No. 3, dezembro de 1971.
          https://rr4i.milharal.org/2010/05/21/desastre-centrista-na-bolivia/

          Na sua luta inconsistente contra o frentepopulismo do bloco Moreno-Lambert (montado depois que a OCI lambertista se separou de Lora e Altamira no fim dos anos 70), Altamira reivindicou a política do POR em 1971 como se ela não significasse uma subordinação à burguesia nacional e o POR não tivesse realizado “nenhuma concessão” que comprometesse a luta revolucionária das massas. Ao mesmo tempo, disse que um partido revolucionário não deveria de forma alguma chamar as massas romper com “as forças frentistas aliadas”:

          (…) Mas o que não é puramente ocasional é a tática de Frente Única Anti-imperialista, dirigida a todas as organizações que se encontrem sob a pressão das massas, com vistas a uma luta revolucionária comum.”

          O comando político da COB (outubro de 1970) durou três meses, e o POR defendeu que, em vista da radicalização das massas, ele estava esgotado, e que devia lançar a consigna soviética de Assembleia Popular.”

          A oportunidade da tática da FUA está relacionada com uma situação em que o imobilismo das massas já foi sacudido e, por isso, se abriu a perspectiva, com avanços e retrocessos, de uma prolongada luta anti-imperialista.”

          Na Frente Anti-imperialista, o partido operário deve manter por inteiro a sua independência política. Não pode fazer nenhuma concessão que comprometa a luta revolucionária das massas apenas para manter seus aliados na frente comum. O partido revolucionário não entra na frente na qualidade de seita, mas sim de partido e por isso não tem por finalidade a ruptura, nem se empenha tampouco em uma campanha para que as massas rompam com as forças frentistas aliadas (…). A vigência de uma forma determinada da Frente Anti-imperialista (por exemplo, um bloco de partidos dirigindo uma luta de massas ou uma campanha eleitoral) e sua passagem a outras (sovietes de trabalhadores, camponeses, soldados e nacionalidades oprimidas) incluídas as rupturas, dependem da experiência mesma das massas e das mudanças de conjunto na situação política”.

          Las ‘tesis’ del Comité Internacional, por Jorge Altamira e Júlio N. Magri, Internacionalismo No. 3, agosto de 1981. Reimpresso em “No fue un martes negro más” pág. 343.

          https://ia802702.us.archive.org/9/items/poYElPeronismolaRevolucinBoliviana2003-2006noFueUnMartes/AltamiraJorge-NoFueUnMartesNegroMas.pdf

          É chocante o quão distante do trotskismo são estas posições. Trotsky chegou a afirmar que “Não há maior crime do que uma coalizão com a burguesia em um período de revolução socialista” (O Trotskismo e o PSOP, julho de 1939). O revolucionário russo explicou detalhadamente a política dos bolcheviques com relação a esse tipo de frente popular em uma situação revolucionária:

          Esquece-se frequentemente que o maior exemplo histórico de Frente Popular é o da revolução de fevereiro de 1917. De fevereiro a outubro, os mencheviques e os socialistas-revolucionários, que constituem um bom paralelo com os ‘comunistas’ e os socialdemocratas de hoje, fizeram uma aliança estreita e em coalizão permanente com o partido burguês dos ‘cadetes’, com os quais eles formaram uma série de governos de coalizão. Sob o emblema de Frente Popular, se encontrava toda a massa do povo, inclusive os sovietes dos operários, dos camponeses e dos soldados. É claro que os bolcheviques participaram dos sovietes. Mas eles não fizeram nenhuma concessão à Frente Popular. Eles exigiam a ruptura com essa Frente Popular, a destruição da aliança com os cadetes, e a criação de um verdadeiro governo operário e camponês”. 

          A seção holandesa e a Internacional, julho de 1936, ênfase no original.

          Desde essa época, a “frente revolucionária anti-imperialista” (ou “frente única anti-imperialista”) tornou-se um dos fios condutores, quase como um guia, da política das correntes de Lora e de Altamira. O significado dessa política é nada menos do que a traição frentepopulista à independência da classe trabalhadora, o atrelamento do proletariado a um projeto de manutenção da ordem burguesa capitalista.

          (2) O chamado pela construção de uma frente popular na Argentina (1983)

          Nas eleições argentinas de 1983 e ainda depois do seu término, a principal demanda do Partido Obrero foi pela formação de uma “frente anti-imperialista de toda a esquerda”, que tinha o objetivo de reunir o PO com os stalinistas, socialdemocratas e principalmente com a “esquerda peronista”:

          A questão mais importante de tudo isso é que o que está acontecendo seja denunciado aos trabalhadores; que se ponha em evidência a conexão política reacionária da cúpula peronista, e que assim compreenda a esquerda peronista. Para essa tarefa é fundamental que se estruture no país uma frente anti-imperialista de toda a esquerda.” (ênfase nossa).

          El Partido Obrero y el Peronismo”, Edições Prensa Obrera, setembro de 1983, pág. 117.
          https://ia802702.us.archive.org/9/items/poYElPeronismolaRevolucinBoliviana2003-2006noFueUnMartes/PoYElPeronismo.pdf

          O Partido Obrero também explicitou quais organizações compunham a “esquerda” a qual se direcionava a “frente anti-imperialista”:

          As coisas são claras: os eleitores peronistas são chamados a votar por dois colaboradores da ditadura. Tanto um como outro gozam do favorecimento do imperialismo e do clero (este último em particular). A Intransigência Peronista, a tendência em que militava Cambiaso e tantos outros, é chamada a votar pelos colaboracionistas e encobridores do sistema e do aparato dos assassinos de Cambiaso e de outros. O Partido Intransigente, o PC, os socialistas autênticos e populares, os partidos do Trabalho e da Nova Democracia – todos os quais prometeram votar pelo peronismo ou pela primeira minoria no colégio eleitoral – são chamados a votar pelos candidatos do imperialismo e do Vaticano. E disseram que o fariam. É necessário apurar o veneno até a última gota.”

          As posições políticas da maioria dos partidos de esquerda são claras, mas comportam uma contradição. (…) A posição da maioria da esquerda reflete a posição da pequena-burguesia que busca evitar a passagem a uma luta revolucionária junto ao proletariado, e que segue sonhando em por de pé o sistema democrático sobre as bases tradicionais do regime capitalista.”

          O chamado a uma frente anti-imperialista de toda a esquerda, efetuado pelo Partido Obrero, tende a lutar contra essa confusão política e, significativamente, tem tido uma grande repercussão entre os ativistas da esquerda.” (ênfase nossa)

          Idem, págs. 120 e 121.

          É necessário esclarecer quem são esses grupos com os quais o Partido Obrero desejava fazer uma frente comum “de esquerda”. A fração “Intransigência Peronista”, dirigida por Vicente Saadi, era parte do Partido Justicialista (peronista). Saadi foi senador e governador da província de Catamarca, na qual sua família dominou a política por décadas. Quando Saadi foi eleito senador na redemocratização em 1983, liderou os peronistas no Congresso. Já o Partido Intransigente (um filhote da União Cívica Radical) havia sido fundado uma década antes das eleições de 1983 por Oscar Alende, um político burguês de longa trajetória que colaborou com vários governos militares. Durante a ditadura burguesa argentina de 1955-58, por exemplo, Oscar Alende foi parte de uma “Junta Consultiva Nacional” para assessorar os militares no poder. O PC stalinista dispensa apresentações diante dos rios de sangue que separam o stalinismo do trotskismo.

          Era com esses senhores (e mais alguns outros), em razão da popularidade que tinham no movimento de massas, que o Partido Obrero queria uma “frente anti-imperialista de toda a esquerda”. É até desnecessário argumentar sobre o caráter reacionário de indivíduos e grupos com essa ficha política. Como o PO pretendia “colocar em evidência a conexão política reacionária da cúpula peronista” estando aliado com alguns membros “de esquerda” dessa cúpula (como Saadi) e alguns outros partidos “democráticos” mergulhados até o último fio de cabelo na lama do Estado burguês? O mais irônico de toda essa história é que o PO contrapunha a sua “frente anti-imperialista” a outras iniciativas de colaboração de classes:

          O PI [Partido Intransigente] aparece claramente como um pivô de uma futura ‘frente popular’ (frente patronal de conciliação com o imperialismo), que submete a classe operária através de um setor da burocracia e do PC. Mas é precisamente pela existência de uma tendência ao frentepopulismo que se deve reivindicar a frente anti-imperialista revolucionária, para opor à ‘unidade anti-imperialista’ dirigida pela burguesia (de conciliação com o imperialismo e de subordinação da classe operária), a unidade anti-imperialista que permita a luta consequente contra a opressão nacional e que facilite para a classe trabalhadora a conquista da hegemonia na revolução.”

          Idem, pág. 153.

          Parece que, com esse jogo de palavras, tudo muda da água para o vinho; basta adicionarmos alguma retórica “revolucionária” e, é claro, incluirmos o Partido Obrero. Nesse esquema, uma frente com partidos da burguesia poderia ser tanto uma “frente popular” nociva ao movimento dos trabalhadores, quanto uma que permitisse uma “luta consequente” do proletariado.

          Trotsky combateu severamente a ideia de que “acordos” ou “combinações” com a burguesia poderiam impedir que, em uma frente como essa, a burguesia desempenhasse o papel dominante. Uma frente popular (mesmo que seja indevidamente rotulada de “anti-imperialista”) inclui formações que dependem da manutenção da ordem burguesa para sua existência (como era o caso do Partido Intransigente, da Intransigência Peronista e outros). Por isso, nenhuma frente como essa pode ajudar o proletariado a perceber a demagogia do Estado burguês, mas apenas tentar iludi-lo a apoiar uma ou outra variante do regime burguês. O proletariado não pode dominar uma frente composta pelos seus exploradores, nem mesmo ficar em pé de igualdade. “Um homem montado num cavalo não é um ‘bloco neutro’ entre o homem e o cavalo”, como defendeu Trotsky. O proletariado só pode vencer se estiver em oposição a todos os setores que querem mantê-lo como uma classe explorada sob um regime de opressão. Mas essa lição foi esquecida pelo Partido Obrero.

          (3) O chamado para votar em Evo Morales (2005)

          Na época das eleições bolivianas de dezembro de 2005, o Partido Obrero argentino afirmou que:

          O confuso programa do MAS é a expressão de seu impasse político, ou seja, da pretensão de amalgamar as violentas contradições sociais do país. Constitui um intento da raquítica pequena-burguesia profissional, que tende a ser cooptada pelas multinacionais ou suas dependências secundárias, de impor a sua saída às massas do Altiplano, que vivem na miséria. Em definitivo, não intenta mais do que teorizar uma transição do período revolucionário a uma etapa de características democratizantes, tutelada pelas burguesias dos países vizinhos e o imperialismo”.

          Llamamos a votar por Evo Morales y el MAS, El Obrero Internacional No. 4, dezembro de 2005. Reimpresso em “La Revolución Boliviana 2003-2006”, pág. 40.

          https://ia902702.us.archive.org/9/items/poYElPeronismolaRevolucinBoliviana2003-2006noFueUnMartes/bolivia.pdf

          Tal caracterização, entretanto, não impediu o PO e sua “internacional”, o CRQI, de apoiar e comemorar a vitória eleitoral do MAS e de dizer, no mesmo texto, que a sua ascensão ao Estado burguês seria um “golpe no imperialismo” ao supor que uma vitória eleitoral de Morales fortaleceria as demais nações oprimidas da América Latina contra as potências:

          Uma vitória do MAS seria um golpe no imperialismo, inclusive se esse golpe está condicionado às perspectivas que abre essa vitória. Chamamos a votar pelo MAS. Não amplia as margens de manobra de governos como os de Lula e Kirchner, mas os coloca de cara com a luta dos trabalhadores de seus países. Alarga o campo da luta de classes na América Latina. Reforçaria sim o governo de Chávez frente ao imperialismo, porque Chávez se encontra em um choque com o imperialismo, mas não o fortaleceria em seu propósito de reduzir a atividade independente das massas venezuelanas.”

          Idem, pág. 41.

          É claro que a perspectiva do PO de uma vitória do MAS que iria supostamente “alargar o campo da luta de classes na América Latina” se mostrou absolutamente falsa. Essa vitória só serviu para colocar no poder um governo que foi “cooptado pelas multinacionais ou suas dependências secundárias” e que certamente foi o pivô de uma “transição do período revolucionário a uma etapa de características democratizantes, tutelada pelas burguesias dos países vizinhos e o imperialismo” e que enganou as massas bolivianas. Isso foi demonstrado tanto pelo curso dos eventos quanto confirmado pelo próprio Partido Obrero em ocasiões posteriores. Mas, como é de costume, isso não o fez reavaliar criticamente a sua posição de dezembro de 2005.

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