A esquerda ante a crise brasileira

Estratégia revolucionária versus ilusões na institucionalidade burguesa

A esquerda ante a crise brasileira

Por Icaro Kaleb e Marcio Torres, março de 2017.

Protesto pelo “Fora Temer” na Av. Paulista (São Paulo), 04 de setembro de 2016. Na foto é possível ver faixas de diferentes grupos, com alguns dos eixos aqui debatidos. [foto: Portal da RMC]

Recentemente nós do Reagrupamento Revolucionário publicamos um artigo de análise da atual conjuntura nacional, que é marcada, de um lado, por uma profunda crise política nas instituições burguesas, com lutas intestinas ocorrendo nos bastidores, e, por outro, pela existência de uma sólida “frente única” da burguesia e seus representantes institucionais em relação aos duros ataques à classe trabalhadora. Também abordamos elementos preocupantes, como o crescimento da extrema direita, e a ausência até o momento de um instrumento capaz de unificar e expandir a resistência proletária e popular a tais ataques. Em tal artigo, realizamos algumas polêmicas pontuais com análises e posições da esquerda das quais discordamos e apresentamos o que encaramos serem os elementos básicos de um programa classista e revolucionário ante a atual conjuntura. (Ver A crise política brasileira e a necessidade de um programa classista e revolucionário, fevereiro de 2016: https://rr4i.milharal.org/2017/02/16/a-crise-politica-brasileira-e-a-necessidade-de-um-programa-classista-e-revolucionario/).

Já no presente artigo, pretendemos focar em um debate de estratégia (como fazer tal programa triunfar) e nas diferentes respostas que a esquerda socialista brasileira tem dado para esse quadro extremamente complexo. Apesar de praticamente cada organização apontar um programa diferente, se verá que todas têm em comum o fato de se circunscreverem à institucionalidade burguesa, não colocando, ou colocando de forma completamente secundária na sua agitação cotidiana, a necessidade de superá-la. Ademais, nenhuma delas está seriamente engajada na construção de uma frente nacional de lutas, capaz erguer a defesa proletária e popular aos ataques da “frente única” pró-austeridade da burguesia. As que estão defendendo algum tipo de frente nacional, partem de um modelo bastante equivocado e até contraproducente, conforme detalharemos adiante.

É importante ressaltar que, com frequência, militantes de base de algumas das organizações aqui mencionadas respondem às nossas críticas argumentando que sabem muito bem que os programas defendidos por eles não são capazes de resolver os problemas mais básicos que sejam, mas que é necessário um programa mais “recuado” para “dialogar” com a classe trabalhadora e as massas populares. Defender publicamente um programa que se “sabe” equivocado é simplesmente absurdo para socialistas revolucionários. A experiência histórica mostra com clareza que revoluções bem-sucedidas não “caem do céu” e que, portanto, se faz necessário um paciente trabalho de educação e convencimento do proletariado em torno da noção básica de que o Estado burguês não pode e não irá resolver seus problemas, e que é necessário destruí-lo e substitui-lo por uma ferramenta da própria classe – um governo revolucionário dos trabalhadores, na forma de um Estado proletário, baseado em órgãos locais de autogestão.

Essa noção não implica de forma alguma abandonar as lutas por melhorias imediatas (o “programa mínimo”). Ao contrário, ela deve permear toda a propaganda e agitação, de forma a fazer a ponte entre a consciência imediata da classe a consciência revolucionária. Defender um programa circunscrito à institucionalidade burguesa, como fazem as organizações aqui criticadas, significa disseminar ilusões nela. Consequentemente, é algo avesso à estratégia revolucionária, por mais “bem-intencionada” que possa ser a “tática” de apresentar um programa mais “palatável” aos trabalhadores menos politicamente desenvolvidos.

Um debate estratégico: o que é um Estado dos trabalhadores e porque devemos lutar por ele

A maior parte da esquerda brasileira e mundial abandonou ou se esqueceu completamente da perspectiva de construir um governo próprio dos trabalhadores. Não formalmente, já que a adesão em palavras a esse objetivo político ainda serve para atrair muitos militantes com impulsos revolucionários. Mas na prática, nas suas táticas cotidianas, na sua elaboração teórica e estratégica, essa perspectiva não assume forma concreta, no sentido em que não há relação entre esse objetivo proclamado e a sua política cotidiana. Ao invés, predominam tentativas diversas de (falsos) “atalhos” estratégicos, que passam necessariamente pela colaboração de classes e se colocam, assim, como barreira para uma saída independente e revolucionária do proletariado.

Peguemos como exemplo a proposta que unifica quase toda a esquerda brasileira nesse momento, que é a proposta por “Eleições Gerais / Diretas Já” contra o governo golpista. Ela é apresentada, com variados graus de entusiasmo, como objetivo a ser alcançado na luta contra o governo golpista de Temer, como forma apropriada de derrubá-lo. Mais à frente, vamos discutir porque essa perspectiva é um caminho sem saída. Nós do Reagrupamento Revolucionário temos ido na contramão dessa tendência. Nossa agitação tem sido pela construção imediata de uma frente de luta dos trabalhadores e oprimidos contra os ataques do governo golpista. Do ponto de vista da mudança de regime, temos apontado sempre para a necessidade de divulgar e falar de um governo revolucionário dos trabalhadores, que na realidade só pode existir num tipo completamente diferente de Estado, nascido de uma revolução.

Um Estado de trabalhadores é um instrumento organizado pela nossa classe após derrotar o poder da burguesia (seu aparelho burocrático e suas forças armadas legais e ilegais) e seu controle sobre os meios de produção. Ele é baseado na força organizada e nas consciências dos trabalhadores, capaz de impor-se como a autoridade maior da sociedade e, a partir disso, executar um programa com base nos nossos interesses. Os trabalhadores serão os responsáveis pela administração dos meios de produção (fábricas, fazendas e maquinário, serviços, portos, rodovias, aeroportos etc.) e suas assembleias locais terão a responsabilidade maior em seus locais de moradia, trabalho, estudo e diversão.

Os trabalhadores também escolherão representantes (revogáveis a qualquer momento por quem os elegeu) para assembleias superiores, responsáveis por cidades, estados e por todo o país. Esses representantes não receberão nenhum salário diferente de um trabalhador médio. A administração de um país pelos trabalhadores se baseia na relação dinâmica entre os órgãos superiores, composta pelos representantes escolhidos (e revogáveis) a partir dessas assembleias espalhadas pelo país inteiro, e os poderes locais diretos. Uma assembleia de trabalhadores de um bairro da nossa cidade, por exemplo, teria autonomia para administrá-lo no seu melhor interesse, desde que não entrasse em conflito com os interesses gerais das assembleias superiores, responsáveis por toda a cidade, por exemplo.

Isso não é uma invenção nossa, mas elaborações extraídas da própria experiência de luta da classe trabalhadora, e já foi sintetizada e elaborada em maiores detalhes por Marx e Lenin. Concretamente, esse governo pode assumir diferentes formas. Nos primeiros meses do Estado operário soviético (1917-1918), construído com a vitória da revolução socialista no Império Russo, os conselhos (sovietes) eram órgãos desse tipo. Depois, conforme essa experiência se degenerou, em decorrência de todas as dificuldades enfrentadas (guerra civil, isolamento internacional etc.) e os burocratas da administração estatal (personificados por Stalin, que ficou no poder por quase 30 anos) mantiveram o poder permanentemente e contra os interesses dos trabalhadores, esses conselhos foram, cada vez mais, postos para escanteio e, no fim, completamente desmontados nos anos 1930. Hoje, a internet e os meios de comunicação permitem uma circulação maior dos debates e das informações, de forma que os trabalhadores poderiam ter uma participação muito maior nas decisões diretas.

Esse Estado teria condições imediatas de realizar medidas como a distribuição de moradias fora de uso para os que precisam e acabar com a insegurança dos aluguéis abusivos; de garantir trabalho com pagamento digno e direitos para todos, planejando o desenvolvimento econômico de acordo com os interesses dos próprios trabalhadores (o que também reduziria a jornada de trabalho sem precisar diminuir tais direitos); aumentos massivos na oferta de serviços de transporte, cultura, saúde e educação, que seriam organizados no interesse da grande maioria (pois não seriam mais propriedades privadas voltada para o lucro); o fim da diferenciação salarial entre homens e mulheres, brancos e negros. Esse Estado deverá ter como objetivo lutar pelo socialismo, que é o fim da exploração e da dominação do homem pelo homem, o que exige vitórias revolucionárias em outros países (sobretudo os países desenvolvidos) e uma integração mundial entre todos os trabalhadores, até o fim de todas as classes exploradoras.

A dualidade de poderes: caminho para o poder

Muitos grupos que se reivindicam socialistas revolucionários concordam com esse norte e falam abertamente dele. Porém, nenhum Estado proletário cai do céu pronto. Ele se consolida a partir de um embrião, que historicamente surge das lutas imediatas da classe trabalhadora. Os próprios sovietes russos se originaram a partir da reunião de representantes de comitês de greve contra a guerra e as péssimas condições de vida. Nós, trabalhadores brasileiros, não temos falta de motivos pelos quais nos organizar. Inúmeras greves e ocupações estão acontecendo no atual momento. Porém, não temos muita tradição política de organizar esse tipo de órgão para nos representar de forma independente do Estado capitalista. Geralmente as lutas se limitam a cobrar dos governantes. Não nos preparamos para governar como classe.

Parte disso se deve às burocracias sindicais ligadas às grandes centrais, que, quando dirigem as greves e lutas, fazem de tudo para impedir a formação de comandos de greve e comitês locais organizados desde a base da categoria. Há também uma ausência de ações de solidariedade ativa (que vá além das palavras) entre as categorias de trabalhadores, como, por exemplo, quando uma categoria faz paralisações em solidariedade a outra que se encontra em luta. Mas para começar a ser uma classe consciente e capaz de decidir seu próprio futuro, não pode haver desconhecimento ou separação entre operários, carteiros, bancários, professores etc. É preciso unificar as lutas, agir com lealdade e conjuntamente. Isso potencializa as ações de protesto, fortalece reciprocamente as lutas. E aí torna-se necessário um órgão capaz de coordenar as expressões de luta dos trabalhadores como classe unida.

No Brasil, uma dualidade de poderes poderia surgir de várias formas. Uma delas seria um congresso de trabalhadores entre categorias (com representantes eleitos em assembleias nos sindicatos), que teria de ser convocado à revelia dos burocratas corruptos e vendidos que dirigem atualmente as centrais sindicais. Em uma conjuntura explosiva, um congresso como esse seria capaz de coordenar democraticamente a luta, impulsionar ações de massa contra o governo burguês, com vistas a impor um programa de trabalhadores. Um caso assim ocorreu na Revolução Boliviana de 1952, através da formação da Central Operária Boliviana (ainda que isso tenha se dado com vários desvios burocráticos). Para isso, é claro, não basta um formato radical e democrático, mas também é necessária uma consciência e uma liderança decidida e disposta e enfrentar de verdade os projetos e ataques da classe dominante. Outro formato possível seria um congresso formado a partir de representantes eleitos em assembleias de bairro. Essa forma, porém, é mais improvável nesse momento, visto que essa tradição é pouco comum no Brasil. De qualquer forma, com a posição política correta, um órgão como esse seria capaz de desafiar a hegemonia do Estado capitalista em relação ao funcionamento da sociedade.

Na tradição comunista essa situação é chamada de “dualidade de poderes”, porque o embrião de um Estado dos trabalhadores começa a assumir a nível local (no interesse da grande maioria) tarefas de organização da sociedade que geralmente ficam a critério somente do Estado capitalista: segurança (inclusive contra a polícia racista e criminosa), gestão da produção, manutenção e administração etc. Porém, suas possibilidades ainda são muito restritas, visto que os meios de produção ainda permanecem nas mãos dos capitalistas. Uma revolução é a destruição do poder político de uma classe por outra. A classe emergente assume o poder com seus próprios órgãos, imobilizando e depois desmontando e destruindo os órgãos da classe decadente. Muito provavelmente, a revolução só poderá ser feita pelos próprios embriões de poder da classe trabalhadora. Eles vão derrotar a polícia, a mídia burguesa, a burocracia de Estado e vão declarar o governo burguês e a lei burguesa letra morta. A sociedade passará a ser governada pelos próprios trabalhadores, que imediatamente vão colocar em prática os seus interesses.

Organização de frente única: da defensiva à ofensiva

Mas os próprios embriões de poder proletário e a dualidade de poderes resultante não brotam da terra automaticamente numa conjuntura apropriada. Em 2013, vimos uma explosão de descontentamento poderosíssima da população contra os governos. O estopim daquele movimento foi o aumento dos preços das passagens de ônibus em muitas grandes cidades do país. Os protestos e a ira popular foram tão intensos, com milhões nas ruas, que os governos das grandes cidades do país recuaram e voltaram atrás dos aumentos. Porém, a partir daí o movimento se dispersou, sem que fosse possível questionar a propriedade das empresas de ônibus, que permaneceu nas mãos dos grandes empresários, o que fez com que poucos meses depois os aumentos retornassem. Isso sem falar de como amplas massas foram para as ruas sob orientação direta da mídia burguesa, quando essa parou de criminalizar a jornada de lutas para tentar “capturá-la”, criminalizando de forma focalizada apenas os militantes de esquerda.

Mais de três anos depois, a sombra de 2013, da incapacidade da esquerda de ter aproveitado aquele momento, ainda paira sobre ela. Isso porque, quando houve a massificação dos protestos de rua, houve uma fusão dos mais diversos interesses nas manifestações: desde comunistas até anticomunistas; pacifistas e nacionalistas; anarquistas; autonomistas e os blacks blocs; várias pessoas contra os partidos políticos em geral, mesmo os da classe trabalhadora. O ímpeto dessa massificação surpreendeu a todos e engoliu qualquer forma de organização anteriormente existente. Deixou de haver uma pauta clara, assim como nenhuma organização conseguiu mais coordenar aquele movimento, que logo desapareceu. Ausência de organização e de um programa claro, que deveria ser o de estatização do sistema de transportes sob controlado da população, foram a causa desse minguar. Os trabalhadores não entraram no jogo como classe organizada, usando seus instrumentos de luta, mas o fizeram de forma diluída. Depois, essa camada foi dispersada entre pautas progressivas (por reformas e melhoras) e outras totalmente ralas e ditadas pela mídia (contra a corrupção, principalmente). Tudo teve fim numa fanfarra nacional pacifista, contra os “vândalos” e com “orgulho de ser brasileiro”, castrando totalmente o potencial questionador original das jornadas. [1]

Ainda assim, em muitas cidades, como no Rio de Janeiro e Porto Alegre, surgiram embriões de organização das lutas, que foram apropriadamente chamados, nesses dois casos específicos, de “Fórum” e de “Bloco” de Lutas. Em São Paulo, essa experiência não existiu, pois o movimento foi (des)organizado pelo Movimento Passe Livre (MPL), que fez de tudo para que ele ficasse restrito unicamente à questão das passagens e recuou de imediato quando a passagem reduziu (e isso apesar de dizer que era pela “tarifa zero”), abandonando as ruas.

Falaremos principalmente da experiência do Rio, embora saibamos que ela se desenrolou de maneira similar em muitos outros lugares. O “Fórum de Lutas” do Rio de Janeiro conseguiu reunir, ainda que durante um período curto, todas as organizações de esquerda da cidade, além de vários militantes independentes. Ele organizou protestos de rua, panfletagens conjuntas, organização de autodefesas contra a violência policial, dentre outras ações com o objetivo de expandir e construir o movimento contra o aumento das passagens. No Rio, o movimento organizado pelo Fórum de Lutas, com todos os seus limites e problemas de organização resultantes de lideranças inexperientes, débeis, várias vezes oportunistas, precedeu as jornadas de lutas e foi um importante fator na massificação que elas atingiram em junho e julho de 2013.

Esse espaço de unidade não significou uma diminuição das polêmicas, mas sua intensificação. É nos momentos agudos que as organizações mostram suas verdadeiras caras, que ficam escondidas embaixo de várias camadas de aparência nos tempos de calmaria. O Fórum de Lutas, que no auge costumava reunir algumas centenas em suas assembleias e que em dada ocasião atraiu mais de um milhar, é de certa forma o que chamamos de “organização de frente única”. Ele estava aberto a todos os setores dispostos a lutar contra o aumento das passagens naquele momento. Inicialmente incluiu até organizações governistas, como PT e PCdoB, mas que foram expulsas quando quebraram a unidade ao usarem de violência contra militantes do Fórum em dada ocasião.

É importante reconhecer que a experiência do Fórum teve muitas debilidades. Ele dificilmente conseguiria criar uma situação de dualidade de poderes, uma vez que a classe trabalhadora não participou de forma organizada das suas assembleias e ações. Alguns setores mais conscientes logo perceberam que, na própria luta contra o aumento das passagens, era necessário ganhar a simpatia dos trabalhadores rodoviários. Mas não houve tempo hábil para um desenvolvimento nessa direção, inclusive por indisposição de muitos dos grupos com maior peso naquele espaço. Ademais, o Fórum era mais a soma de pequenas organizações e vários militantes independentes do que algo de fato enraizado e representativo das bases mobilizadas (escolas, universidades, bairros, empresas), tendo sido feitos poucos esforços para que isso mudasse. Dessa forma, apesar da importância das suas ações e debates, ele ficou limitado a um “assembleião”, onde a organização que levasse mais gente em dada reunião ganhava nas votações, sem que isso fosse um reflexo de seu peso real no movimento. [2]

Ainda assim, essa foi uma experiência razoável de frente única. Pois a frente única é uma unidade na luta de vários setores dos trabalhadores e movimentos sociais em torno de um objetivo concreto (geralmente pontual, pois os trabalhadores em geral ainda não têm plena consciência da necessidade da luta revolucionária). As diferentes tendências políticas da esquerda devem ter o direito de se expressar politicamente nesse espaço, além do ponto comum que as reúne na organização de frente única. A tradição de construir frente única precisa ser urgentemente relembrada e valorizada.

Atualmente é muito comum que, diante de um problema ou um ataque do governo, convoquem-se manifestações nos centros das grandes cidades. Mas muitas vezes esses protestos são convocados pelas redes sociais, sem nenhum tipo de organização ou direção. E isso é muito negativo, pois assim não há responsáveis, segurança organizada ou programa definido. Também é muito comum que a convocação se dê pela cúpula de organismos estudantis, sindicais ou populares, ou mesmo de alguns poucos grupos partidários, sem um esforço de coordenação democrática e pela base, que seria capaz de não só convocar muito mais gente, mas criar canais mais sólidos de mobilização e controle horizontal, de forma que os rumos da luta não fiquem nas mãos de um grupo limitado de pessoas.

No atual momento político, há uma necessidade imediata de organizar frentes únicas locais e uma frente nacional de lutas contra os ataques que o governo Temer, o Congresso, o Judiciário e os órgãos municipais e estaduais estão realizando contra os direitos sociais e democráticos dos trabalhadores. Por isso nós do Reagrupamento Revolucionário temos feito uma agitação sistemática em defesa de uma frente única (ou frente de lutas) contra as diversas faces do “ajuste fiscal”, como os ataques aos direitos trabalhistas, à previdência, à saúde e à educação.

Uma organização de frente única muito provavelmente seria inicialmente composta apenas pelos partidos de esquerda, movimentos de luta contra as opressões e alguns sindicatos mais combativos, além dos setores da juventude e da classe trabalhadora que já se encontram mobilizados. Seria necessário um esforço constante para expandir seu escopo de atuação, fazendo pressão para que novas categorias de trabalhadores, bairros e setores da população se somassem. Seria um primeiro passo importantíssimo unir, na luta e por um interesse comum, os trabalhadores e o povo que percebem o que está acontecendo.

Uma frente única só poderia se transformar em um embrião de poder da classe trabalhadora em uma conjuntura propícia, na qual a burguesia esteja em claras dificuldades de governar e os trabalhadores dispostos a conseguir suas demandas a qualquer custo, com disposição revolucionária. Atualmente, não estamos em uma conjuntura desse tipo, mas a frente única é a forma mais eficiente e poderosa de organizar as lutas. Não se deve ter a ilusão de que a forma da frente única, por si só, resolverá todos os problemas dos trabalhadores. Ela é, geralmente, uma medida defensiva e pontual, como exige o atual momento político. Enquanto os capitalistas mantiverem seu poder por meio do Estado, poucas reformas e melhorias (por mais significativas que possam ser) podem ser garantidas. Por esse motivo, é fundamental ter também uma política que, a todo momento, aponte a necessidade de derrotar e superar o capitalismo para conquistas verdadeiras e definitivas, desmascarando as ilusões no Estado burguês, sua mídia, seus partidos e representantes. Para isso, a frente única não é suficiente e um partido socialista revolucionário, hoje inexistente no Brasil, é também imprescindível, como instrumento que sintetiza as experiências (vitoriosas e fracassadas) em um programa de ação, com base no qual disputa insistentemente as consciências para criar a disposição necessária para tal. Falaremos mais da importância do partido adiante. Antes, vejamos as posições concretas, parte da agitação cotidiana, de diferentes grupos que se reivindicam embriões para tal partido e o quão distante estão de tudo que estamos apresentando aqui como saída estratégica para o proletariado.

Não-exemplos de frente única

A unidade ampla de que estamos falando, como pressuposto de uma frente única funcional, dificilmente ocorre no dia a dia, porque as organizações oportunistas e burocráticas têm medo da luta e dos riscos que ela envolve (a perda de confiança decorrente de uma eventual derrota, o surgimento de alas radicais oposicionistas etc.). Isso foi visto na recente onda de ocupações estudantis, que poderia ter dado um pontapé inicial nessa tarefa, caso tivesse ocorrido uma unificação em um fórum com representantes eleitos na base de cada ocupação, a partir do qual se poderia fazer um chamado à classe trabalhadora para que trilhasse o mesmo caminho e rompesse o seu isolamento. Mas não foi visto nenhum esforço significativo nesse sentido, nem mesmo da parte de grupos que se reivindicam socialistas revolucionários e tem peso no movimento estudantil.

O mesmo pode ser dito das várias lutas em curso a nível regional, especialmente aquelas do funcionalismo público contra atrasos no pagamento e pacotes de “austeridade” que envolvem perdas salariais e de direitos. Quando há algum tipo de unidade nessas lutas, é sempre pela cúpula dos sindicatos e com pautas muito recuados, que disseminam confiança nos órgãos do Estado burguês (câmaras legislativas, Ministério Público etc.) e levam o movimento a um beco-sem-saída. Esse é o claro caso do Movimento dos Servidos Públicos Estaduais (MUSPE), no Rio de Janeiro, que, desde os primeiros meses de 2016, vem sendo um enorme freio para a radicalização do funcionalismo fluminense [3].

Por sua vez, as frentes como a Brasil Popular e Povo Sem Medo, criadas no contexto do impeachment de Dilma, mostraram total incapacidade de funcionarem como frentes únicas, pois são controladas por cúpulas (seja do PT e PCdoB, seja da direção do MTST) que não querem unificar-se ativamente com todos os setores em luta, o que as faria abrir mão de seu controle exclusivo da própria estrutura. Não abrem novas frentes de mobilização e não buscam reunir representantes dos setores e categorias em luta. Além do fato de que não estão dispostas, pelo programa político de suas direções, a uma luta ferrenha contra o governo golpista. Muitos militantes e ativistas que hoje participam das raras atividades chamadas por essas frentes, porém, poderiam participar de uma frente única de lutas contra os ataques concretos do governo golpista.

Além dessas duas frentes, há ainda uma campanha em prol de uma Frente de Esquerda Socialista. É muito comum, especialmente nesses períodos de reação, que haja uma pressão para suprimir as diferenças entre as correntes de esquerda em prol de uma “unidade”. Muitas vezes essa pressão assume a forma de propostas inteiramente deformadas de frente única, que ao invés de reunir os grupos e partidos para darem os primeiros passos na formação de um organismo unificado para coordenar um dado conjunto de lutas, vira um bloco de propaganda baseado em um programa comum rebaixado, geralmente o dos grupos reformistas de maior peso e influência. Por mais que seja apresentada como algo com vários elementos de uma frente única, esse é na prática o caso dessa “Frente de Esquerda Socialista”, que vem sendo defendida a nível nacional principalmente pelo MAIS (Movimento por uma Alternativa Independente e Socialista) e pela NOS (Nova Organização Socialista) [4], já existindo em algumas cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo (sendo que, nessa última, se chama “Bloco da Esquerda Socialista”).

No caso do Rio de Janeiro, de onde partiu a primeira iniciativa, a primeira reunião em prol dessa frente foi convocada pela NOS e por independentes atrelados a uma campanha por uma “Frente de Esquerda” nas eleições municipais locais. Ela ocorreu no começo de 2016 e atraiu centenas de ativistas e várias organizações. Apesar das grandes diferenças que se expressaram nas análises de conjuntura e nas propostas gerais de cada organização em como lidar com o momento (especialmente a questão do impeachment), claramente havia uma forte disposição para a criação de um instrumento unificado de luta, especialmente num momento em que uma onda de ocupações de escolas públicas estava em curso, o funcionalismo estadual estava iniciando sua atual luta e algumas categorias estavam preparando greves salariais. A tarefa central naquele momento era a de formar uma frente de lutas, que dividisse tarefas para ir até esses setores que já se encontravam mobilizados e convocá-los a unir forçar em torno de um programa comum contra os ataques dos governos federal, estadual e municipal, em um organismo baseado em representantes eleitos e revogáveis de cada um deles.

Em vez disso, a NOS e algumas outras organizações engajadas na construção dessa “Frente de Esquerda Socialista” (MRT/Esquerda Diário, LSR/PSOL [Liberdade, Socialismo e Revolução], PCB [Partido Comunista Brasileiro], posteriormente o MAIS) optaram por focar na realização de um “seminário de programa”, com o claro intuito de transformar a nascente frente em um bloco programático – ao ponto de deixar completamente de lado a tarefa de ir aos setores já mobilizados e buscar construir um instrumento unitário de organização das lutas. Assim, seguiram-se diversas assembleias nas quais sempre se repetiam os mesmos debates entre as diferentes organizações presentes, sem que nenhum indicativo prático significativo fosse tirado. Como consequência, a única ação significativa convocada pela Frente, um ato de 1º de Maio classista e combativo, foi um total fiasco, com bem menos pessoas presentes do que aquela primeira reunião. Além disso, em mais de uma ocasião, nós do Reagrupamento Revolucionário tivemos cerceado o nosso direito de fala nesse espaço, por iniciativa de burocratas que sabiam que possuíamos críticas ao formato que ele vinha assumindo. Graças ao desvio centrista, de querer transformar uma possível frente única em um bloco programático misturando políticas completamente diferentes, hoje a “Frente de Esquerda Socialista” não vai muito além de um bloco de intervenção conjunto da NOS e do MAIS, com a presença secundária de alguns outros agrupamentos – uma forma oportunista de compensarem a pouca influência que cada um possui individualmente, através de uma unidade programática rebaixada.

As propostas de “Eleições gerais / Diretas Já”

Apesar de termos enfatizado aqui o debate sobre estratégia revolucionária e o papel nela de elementos como a dualidade de poderes, a frente única e um Estado dos trabalhadores, estamos obviamente cientes que a situação nacional não é revolucionária. Isso significa que uma revolução não está na ordem do dia, embora seja historicamente possível e necessária. Mas como foi dito, isso não é desculpa para não apresentar essa perspectiva aos trabalhadores em todas as oportunidades, explicando a sua necessidade, possibilidade e o interesse que eles devem ter em conquistar o poder político como uma classe organizada. Já a construção de uma frente única contra os ataques de Temer é uma tarefa mais do que imediata e possível. E esse seria um espaço privilegiado para a agitação e propaganda da estratégia revolucionária. A tática, portanto, não é deslocada da estratégia: um partido revolucionário buscaria, ao máximo, lutar para expandir e fazer avançar uma organização de frente única, já que, além de ser uma escola de luta para os trabalhadores, numa conjuntura propícia, uma frente única poderia se transformar em uma dualidade de poderes.

Na ausência de uma perspectiva imediata de poder proletário, entretanto, a maioria das correntes da esquerda vem defendendo perspectivas circunscritas ao Estado burguês. Esse é o caso claro das diferentes propostas de “Diretas Já” (por eleições antecipadas para o Executivo) e de “Eleições Gerais” (tanto do Executivo, quanto do Legislativo – em alguns casos, em esfera federal e local), que vem sendo defendidas por setores do PT (no caso da primeira), por várias correntes do PSOL (Insurgência, MÊS [Movimento Esquerda Socialista], LSR), pelo PSTU, pelo MAIS, pela NOS etc. (no caso da segunda). Vejamos algumas citações para mais detalhes de como cada um articula essa demanda:

Precisamos de eleições gerais. Não podemos aceitar que um parlamento corrupto, onde 80% dos deputados receberam propina de empreiteiras, praticam tráfico de influência e criam leis para privilegiar grandes empresas determine o futuro. Temer, deputados e senadores não representam os interesses do povo, precisamos de uma reforma política que proporcione condições igualitárias da disputa. Defender a democracia é proporcionar a emancipação do povo, colocá-lo no centro do debate e ter em suas mãos os rumos do país.”

— MES (PSOL), Que o povo decida! Fora Temer e eleições gerais para apontar saídas à crise política!
http://esquerdasocialista.com.br/que-o-povo-decida-fora-temer-e-eleicoes-gerais-para-apontar-saidas-crise-politica/

Precisamos apresentar uma saída democrática e de esquerda que permita uma participação direta da população sobre o que está em disputa. Por isso, defendemos a articulação de um amplo Plebiscito Popular. Uma construção coletiva de todos os movimentos sociais e organizações partidárias combativas, progressistas e democráticas que queiram uma saída popular para essa crise. Uma alternativa que seja capaz de polarizar a sociedade contra qualquer solução reacionária ou autoritária para esse colapso.

Defendemos um plebiscito que combine a ideia de novas eleições gerais com novas regras, que estimule a população a se pronunciar sobre as PEC do teto de gastos, da Reforma da Previdência, sobre a reforma educacional e outras questões.

Não há outra saída. Os podres poderes da República (um presidente golpista, uma maioria corrupta do Congresso Nacional e um poder judiciário extremamente seletivo) não têm legitimidade para resolver essa crise “por cima”. Qualquer saída que venha deles não será democrática.”

— Insurgência (PSOL). A crise se agrava. O povo tem que decidir. Plebiscito popular já!, dezembro de 2016.
http://www.insurgencia.org/a-crise-se-agrava-o-povo-tem-que-decidir-plebiscito-popular-ja/

A saída passa também por uma alternativa política. A nossa luta é pelo Fora Temer, mas também todo esse Congresso corrupto. Defendemos novas eleições gerais, para que o povo realmente decida. Mas precisamos ir além. Se o sistema político está se tornando imprestável para a própria classe dominante, esse é mais ainda o caso para o povo trabalhador. A reforma política votada por esse congresso não serve para nós, e tem como um de seus objetivos barrar o crescimento de uma verdadeira alternativa de esquerda. Novas eleições com as mesmas regras de hoje não traria a mudança necessária. Precisamos de uma assembleia constituinte exclusiva para refazer o sistema político, com representação dos movimentos sociais do país. Para disputar o poder, precisamos construir uma Frente de Esquerda Socialista, que una os partidos da verdadeira esquerda: PSOL, PCB e PSTU, com os movimentos sociais combativos, como MTST, CSP-Conlutas, Intersindical, etc.”

— LSR (PSOL), Construir uma saída pela esquerda, dezembro de 2016
http://www.lsr-cit.org/nacional/25-nacional/1491-construir-uma-saida-pela-esquerda-da-crise

[…] A única forma de mobilizar a classe trabalhadora é para botar para fora Temer, suas reformas e esse Congresso corrupto. Não para que Dilma volte.

As ‘Diretas Já’ que o PT defende é diferente da reivindicação de ‘eleições gerais’ que o PSTU propõe. Primeiro, que queremos Fora Temer pra valer e agora mesmo. Segundo, que queremos eleições também para o Congresso, governadores, etc. Uma ampla mobilização de massas e uma Greve Geral seriam capazes de derrubar esse governo e esse Congresso Nacional, e a partir daí convocar eleições gerais, com outras regras.”

— PSTU, “Diretas já” do PT ou “eleições gerais”? Qual a diferença?, setembro de 2016.
http://www.pstu.org.br/%E2%80%9Cdiretas-ja%E2%80%9D-do-pt-ou-%E2%80%9Celeicoes-gerais%E2%80%9D-qual-a-diferenca/

É necessária a constituição de uma ampla frente única para derrotar Temer e o Congresso. E a tarefa dessa frente, em primeira ordem, é a de disputar a consciência e mobilizar o povo trabalhador, dialogando com milhões. Só com o povo consciente e em ação será possível dar uma saída para a crise.

Para cumprir esse objetivo, o instrumento nesse momento é a realização de um grande plebiscito popular, para que o povo possa decidir sobre as medidas de ajuste (PEC 55, Reforma da Previdência, Reforma Trabalhista e etc), mas também sobre novas eleições gerais para presidente e o Congresso. Esse plebiscito deve ser organizado por uma ampla frente única que reúna movimentos sociais, entidades sindicais, ativistas das ocupações e greves, coletivos, partido políticos de esquerda e todos que defendam o direito democrático de expressão da vontade da maioria do povo.

Diferente da frente ampla defendida pelo PT e pelas forças do Lulismo, achamos que a tarefa que melhor unifica os movimentos de resistência se pauta pela mobilização da classe trabalhadora contra os ataques aos direitos e que afirme uma saída nas eleições, independente, sem incorrer nos mesmos erros do passado. Essa saída independente seria em nossa opinião uma frente de esquerda socialista encabeçada pelo PSOL e MTST, conjuntamente com o PSTU, PCB e os movimentos sociais combativos.

— MAIS, Por um plebiscito popular, já: só o povo pode decidir, dezembro de 2016.
http://esquerdaonline.com.br/2016/12/20/por-um-plebiscito-popular-ja-so-o-povo-pode-decidir/

[…] Vamos forjar a mais ampla frente pelo FORA TEMER em todos os cantos desse país, e afirmar a soberania do povo em novas ELEIÇÕES GERAIS JÁ. Para as organizações de esquerda que não se entregaram ao modo petista de governar é mais do que necessário que nos unifiquemos em uma FRENTE DE ESQUERDA a nível nacional nas lutas e nas urnas. É tempo de recolocar a utopia, é tempo de recolocar o horizonte estratégico do socialismo.”

— NOS, O golpe foi dado, e agora?, setembro de 2016
http://novaorganizacaosocialista.com/2016/09/01/o-golpe-foi-dado-e-agora/

É fácil ver a completa bancarrota dessas organizações diante da ilusão de que as eleições (sob o Estado capitalista) poderiam representar os interesses do povo. Elas dizem: “Defendemos novas eleições gerais, para que o povo realmente decida” (LSR/PSOL); querem “afirmar a soberania do povo em novas ELEIÇÕES GERAIS JÁ” (NOS); o PSTU quer “Uma ampla mobilização de massas e uma Greve Geral”, mas não para forçar a burguesia a recuar, colocando na agenda a possibilidade de um governo revolucionário dos trabalhadores, mas sim para “a partir daí convocar eleições gerais, com outras regras”, o que faria retroceder o moinho da luta de classes em falsas aspirações eleitoreiras; enquanto isso, o MAIS fala da necessidade de uma “ampla frente única”, mas não para a realização de lutas (greves, protestos, piquetes, ocupações) até derrotar os ataques dos golpistas, mas sim para a realização de um “plebiscito popular, para que o povo possa decidir sobre as medidas de ajuste(…), mas também sobre novas eleições gerais para presidente e o Congresso”, como se um plebiscito desse algum poder real de decisão aos trabalhadores; o mesmo plebiscito é defendido pela Insurgência/PSOL, como “uma saída democrática e de esquerda que permita uma participação direta da população sobre o que está em disputa”, sem explicar como tal “saída direta” eleitoral poderia simplesmente passar por cima do Estado burguês, que mantém o poder por meio da polícia, Judiciário e grande propriedade, que estão com tudo pelos ataques de “austeridade”; o MES/PSOL é o que menos surpreende, pois já está claro que sua pauta é eleger um governo “de esquerda” a la SYRIZA grego, que vai continuar realizando o que necessita a burguesia sob uma fachada “humana” e “ética”, para melhor enganar os trabalhadores.

Diante do desinteresse da população brasileira com as eleições (visto os recorrentes índices altos de abstenções), a ausência de partidos da classe trabalhadora com expressão de massas, e a atual conjuntura, onde tem predominado o conservadorismo, eleições gerais no presente momento só serviriam para colocar algum outro governo ajustador e possivelmente ainda mais autoritário no poder, dessa vez com legitimação das urnas (“eleito pelo povo”). Mas essa sequer é a questão central. O pior é que essas organizações, algumas das quais se reivindicam socialistas revolucionárias, terem como um dos carros-chefe da sua política nacional do momento um tipo de política que dissemina ilusões em uma possível solução por dentro da institucionalidade burguesa, apontando que meramente substituir os gestores de turno, realizar um plebiscito ou mudar regras eleitorais poderia cumprir um papel importante para barrar os ataques em curso.

Disseminar esse tipo de ilusão em uma situação “normal” já seria ruim o suficiente, mas faze-lo logo após um golpe que sequer precisou alterar as normas jurídicas do país para se consumar é simplesmente cegueira. De que adiantaria mudar quem está no poder se as engrenagens que permitiram remover Dilma e o PT continuam intactas (na verdade até fortalecidas)? A Operação Lava Jato, ainda que não intencionalmente, deixou o Estado burguês nu, mostrando que os supostos representantes da população nada mais são do que funcionários do grande capital, que aprovam leis e encaminham medidas de acordo com as vontades daqueles que financiaram suas campanhas e continuaram irrigando seus bolsos com propinas ao longo dos mandatos. O momento, portanto, não é de reforçar as ilusões restantes da classe trabalhadora nesse Estado que não lhes representa, mas denunciar amplamente o caráter de classe dele e armar os trabalhadores para enfrentamentos futuros, ao educa-los sobre a necessidade de controlar a sociedade com suas próprias mãos e, portanto, se inserirem numa perspectiva de ruptura revolucionária e construção de um governo e Estado próprios.

As propostas de Assembleia Constituinte 

Por sua vez, a demanda por uma Assembleia Constituinte – que tem sido defendida pela Esquerda Marxista (EM), pelo MRT / Esquerda Diário [5] e, conforme visto, também pela LSR/PSOL (combinada com a de “eleições gerais”), incorre no mesmo problema de disseminar ilusões na institucionalidade burguesa. Se erguêssemos uma luta massiva pela realização de uma Constituinte e conseguíssemos sua convocação, ela (que também se organiza por eleições) acabaria sendo uma faca na mão daqueles que estão removendo todos os pilares da carcomida democracia brasileira. Não à toa, já há partidos burgueses (PDS e Rede) defendendo essa proposta como forma de aprofundar ainda mais a onda de ataques. O MRT / Esquerda Diário em particular é cheio de ilusões na Assembleia Constituinte, demanda que ele e sua organização internacional, a Fração Trotskista, levantam sistematicamente ante várias ocasiões de protestos massivos e/ou crise institucional nos países onde atuam (para saber mais, ver nossa polemica de maio de 2016, A demanda de Assembleia Constituinte do MRT: http://rr4i.milharal.org/2016/05/13/a-demanda-de-assembleia-constituinte-do-mrt/). Segundo essa organização, uma Constituinte no presente momento poderia resolver todos os problemas centrais que afetam a vida da classe trabalhadora brasileira:

“A única saída independente que os trabalhadores e os demais setores populares podem dar para a crise política econômica que o país está passando é por meio de uma Assembléia Constituinte Livre e Soberana imposta pela luta. Só assim que os trabalhadores e demais setores populares poderão discutir medidas que questionem o regime, os privilégios dos corruptos e dos deuses da toga, fazendo com que ganham o mesmo salário de uma professora, por exemplo. Só assim que vamos fazer com que os grandes empresários paguem pela crise e ao mesmo tempo combater a impunidade dos políticos dos ricos.”

— Crise sem fim: as saídas deles e a nossa, de dezembro de 2016 (ênfase adicionada).
http://www.esquerdadiario.com.br/Crise-sem-fim-as-saidas-deles-e-a-nossa

Isso é uma ilusão sem tamanho, porque a Assembleia Constituinte é um regime burguês, ainda que seja “imposta pela luta”. O Brasil ainda tem uma democracia burguesa, mas que está em plena decadência e, possivelmente, rumo a um regime mais autoritário, no sentido de mais blindado em relação às vontades da população. O que precisamos é organizar uma luta imediata dos trabalhadores contra essa transformação e a tentativa de arrancar direitos trabalhistas e sociais. Conduzir a luta dos trabalhadores para a realização de uma Assembleia Constituinte só serviria para renovar alguma variante da decadente democracia burguesa.

É importante ficar claro que não somos contra nem a demanda por uma Assembleia Constituinte e nem a de “eleições gerais diretas” por princípio. Ambas caminham juntas, inclusive. Mas só fazem sentido quando esses direitos democráticos não existem. E os reivindicamos como direitos (são demandas democráticas mínimas), não a sua realização como suposta forma de resolver os problemas dos trabalhadores, que é o que tais organizações tem feito de forma oportunista. A única forma de garantir a realização dos interesses dos trabalhadores de forma consistente é pelo estabelecimento do seu Estado operário por meio da revolução.

Além disso, quando quem está no poder ameaça cada vez mais retirar nossos direitos, oferecer a eles a possibilidade de refazer a Constituição ou de se elegerem novamente (revestindo-se de maior legitimidade) pode ser um enorme desvio. Insistimos que, para deter a onda de ataques, o que urge é construir uma frente única e explicar a todo tempo a necessidade de os trabalhadores terem o poder político em suas mãos. Semear ilusões de que os ataques podem ser detidos por dentro do sistema eleitoral ou dos limites do Estado capitalista é um erro com consequências potencialmente fatais.

O grito de “Fora Temer” e o de “Fora todos”

Conforme visto pelas citações, em geral os grupos que estão chamando por novas eleições, plebiscitos e/ou Assembleia Constituinte também colocam no topo de sua agitação cotidiana a demanda de “Fora Temer”. O grito de “Fora Temer” se popularizou a tal ponto entre a população, fruto do desprezo que o povo tem pelo governo golpista, que acabou virando um símbolo. Porém, o “Fora Temer” não deveria ser entendido como uma demanda concreta, visto que sua aplicação, na atual conjuntura, muito provavelmente se daria por meio de uma remoção encabeçada pelo Judiciário ou pelo Congresso, em uma manobra de setores dos próprios golpistas, que reforçaria os “superpoderes” do STF ou de algum outro órgão.

Já no caso de uma ampla mobilização nacional da classe trabalhadora e dos oprimidos em geral, que impusesse a remoção dos atuais governantes, se limitar a retirar Temer do poder para simplesmente dar passagem a novos representantes da burguesia continuarem aplicando a política de “austeridade”, seria um tremendo desperdício de forças e, no plano estratégico, uma derrota.

Obviamente não se trata aqui de ser “contra” os chamados por “Fora Temer”, mas de rejeitar sua interpretação como uma demanda imediata, que se apoiasse em um fortalecimento do viés autoritário dos “superpoderes” do STF e Cia., ou mesmo conduzisse ao beco-sem-saída das eleições burguesas (que são as únicas possibilidades imediatas de sua realização no atual momento). Queremos que qualquer governo burguês seja retirado do poder por uma revolução dos trabalhadores. Mas isso exige, neste momento, um processo de acúmulo de forças, construção de frentes de luta e também do partido revolucionário. Por isso, o chamado de “Fora Temer” tem grandes limites. Como pauta concreta, é muito mais produtivo ter demandas para barrar os vários ataques que estão ocorrendo, combinadas com um programa transitório que aponte a necessidade de superação do capitalismo a partir das necessidades atuais sentidas pelos trabalhadores.

Cabe acrescentar que há ainda grupos que chamam por um “Fora todos” e que, até a consumação do impeachment, chamavam pelo “Fora Dilma” – em especial os já mencionados PSTU e a CST/PSOL (Corrente Socialista dos Trabalhadores) [6]. Eles geralmente dão um tom mais radical a essa demanda, apontando que quem deve governar são os trabalhadores (ainda que, no caso do PSTU, que também está chamando por eleições gerais, isso seja inteiramente contraditório):

“Não pode haver mais dúvidas sobre isso: é preciso colocar para fora todos eles! Temer e este Congresso cheio de corruptos e bandidos!

“Quem deve governar? Os trabalhadores. Vamos formar conselhos populares nos bairros e cidades. Governando através de conselhos, o povo fará muito melhor ao país do que estas instituições podres e carcomidas que aí estão.”

— PSTU, Precisamos colocar para fora todos eles, dezembro de 2016.
http://www.pstu.org.br/fala-ze-maria-precisamos-colocar-para-fora-todos-eles/

“Chega! Devemos ocupar as ruas nessa semana, nos atos do dia 13/12 pelo Fora Temer e contra a PEC 55. Em alguns estados ocorrem manifestações no dia 12/12 dos servidores estaduais e precisamos unificar essas lutas e gritar Fora Temer! Fora Todos! Abaixo o Ajuste, a PEC 55 e a Reforma da Previdência. Temos que ocupar as ruas para derrubar Michel Temer e acabar com o ajuste e a contrarreforma da Previdência!!!  E junto com ele colocar para fora Renan, Maia, Jucá, Padilha, Moreira Franco, Serra e Aécio! Fora Pezão, Sartori, Pimentel, Jatene e Alckmin! Lutando contra o arrocho e as demissões, pelo pagamento dos salários atrasados e do 13º, em defesa de educação e saúde.”

— CST (PSOL), Ocupar as ruas: Fora Temer e fora todos!, dezembro de 2016.
http://cstpsol.com/home/index.php/2016/12/11/ocupar-as-ruas-fora-temer-fora-todos/

Antes da consumação do impeachment, era puro aventureirismo chamar pela saída imediata do governo do PT, quando só quem podia derrubá-lo era a investida golpista reacionária da oposição burguesa no controle do Congresso, com o apoio do STF e o auxílio da Lava Jato/PF e da grande mídia burguesa. Mais do que isso, era flertar perigosamente com a direita mobilizada em prol do impeachment, sob pautas inteiramente reacionárias. Já o atual chamado que continua sendo feito por essas mesmas correntes, “Fora Todos!”, não passa de pura fantasia e abstração diante da dificílima conjuntura que enfrentamos, e acaba distraindo das tarefas concretas para vencer os ataques de toda a burguesia.

O chamado por uma greve geral: mas por qual caminho?

Os chamados por uma greve geral, que vem sendo feito por grupos como o PSTU, CST/PSOL e LSR/PSOL, revelam um reconhecimento de que é o poder da classe trabalhadora que precisa ser mobilizado para derrotar o governo golpista. Porém, a greve geral é um meio de luta, não um elemento de programa ou fim em si mesmo. Nós somos a favor do chamado por uma greve geral quando há uma percepção sentida da classe trabalhadora da possibilidade de uma ação conjunta para atingir determinado objetivo político. A greve geral pode ser uma tática decisiva na luta pelo poder, numa conjuntura de dualidade de poderes. Ela também poderia ser usada para derrotar determinada medida do governo ou dos capitalistas contra os trabalhadores. Porém, o controle que a burocracia tem dos sindicatos torna improvável tal uso “defensivo” de uma greve geral fora de períodos de dualidade de poderes.

Tornou-se usual a convocação, com o assentimento da burocracia sindical, de “greves gerais” de um dia, como na Grécia e na França nos últimos anos. Essas paralisações não afetam decisivamente o grande capital. A trajetória das lutas de classes nesses países mostrou que tais táticas não foram capazes de derrotar os ajustes de “austeridade” (cortes de direitos trabalhistas, previdenciários, serviços públicos). Em 2013, vimos uma sombra disso com a convocação de dois “dias nacionais de luta” pelas centrais sindicais, que sequer paralisaram efetivamente a produção em muitas cidades. O chamado por uma greve geral fazia sentido naquele contexto, mas ela teria que ser organizada contra as direções burocráticas da CUT, CTB, Força Sindical e outras centrais, que se limitaram a essas paralisações fajutas de um dia – e ainda assim apenas após muita pressão e milhares de pessoas nas ruas. Vejamos como as organizações mencionadas realizam esse chamado no atual momento:

“As direções [das centrais sindicais, e das organizações do movimento de massas] precisam construir, desde abaixo, uma greve geral com manifestações que pare esse país e que derrote a reforma da Previdência e esse governo. Desta forma, é possível inclusive reverter a derrota que foi a aprovação da PEC. Junho de 2013 mostrou como que, com o povo na rua, é possível avançar anos em dias. Naquele momento, as manifestações não derrotaram somente o aumento das passagens, mas o próprio passe-livre chegou a ser pautado no Congresso Nacional.

“Um amplo movimento de massas, com a classe operária à frente, parando a produção e atingindo o lucro da burguesia, pode ainda mais.”

— PSTU, A aprovação da PEC 55 não vai resolver a crise do governo Temer, dezembro de 2016.
http://www.pstu.org.br/aprovacao-da-pec-55-nao-vai-resolver-a-crise-do-governo-temer/

“A saída pela esquerda passa, portanto, pela unificação das lutas contra os ataques. Para isso é necessário a construção de uma greve geral pela base, já que não podemos deixar essa tarefa com as direções burocratizadas das grandes centrais. Um passo importante seria a construção de um encontro nacional para organizar e coordenar a luta, incluindo a construção de uma greve geral.”

— LSR (PSOL), Construir uma saída pela esquerda, dezembro de 2016.
http://www.lsr-cit.org/nacional/25-nacional/1491-construir-uma-saida-pela-esquerda-da-crise

“Até agora as direções da CUT, UNE, MST estão na contramão das lutas. Isolam as mobilizações em calendários fragmentados e se negam a marcar a data de uma necessária greve geral. Tudo por sua vinculação com os corruptos e sua cumplicidade com o ajuste. Diante dessa crise e dos novos ataques exigimos que eles convoquem de verdade suas categorias para os atos dos próximos dias e marquem a data da greve geral nas próximas semanas.”

— CST, Fora Temer! Fora Todos!, dezembro de 2016.
http://cstpsol.com/home/index.php/2016/12/11/ocupar-as-ruas-fora-temer-fora-todos/

Vê-se que não há consenso entre os defensores do chamado por uma greve geral sobre a forma como ela deve ser convocada: se pela pressão sobre as burocracias sindicais, ou se pelas bases e diretamente contra essas burocracias. Mas há um consenso de que tais burocracias não desejam ver uma ampla mobilização ocorrer, mesmo diante de todos os ataques em curso. Há assim uma clara contradição, entre o reconhecimento de que faltam meios concretos para realizar uma greve geral no momento, e o chamado pela sua realização, presente na agitação cotidiana dessas organizações.

Por encararmos que faltam os elementos para uma greve geral de verdade (e não as paralisações sem-vergonha que as burocracias usam para fingir fazer algo), nós do Reagrupamento Revolucionário achamos que os chamados por uma greve geral nesse momento são infrutíferos, pois inteiramente abstratos. Esse chamado pode até servir para despertar os trabalhadores contra os burocratas sindicais, mas a construção de uma frente única entre os setores que já estão mobilizados dos trabalhadores e da juventude seria o único caminho concreto para realizar uma greve geral verdadeira para derrotar os ataques no atual momento, em oposição à falsa perspectiva de “greve geral” de 8 horas ou de 1 dia das burocracias sindicais. Reforçamos, portanto, que a prioridade número um no momento deve ser a construção de uma frente única de luta.

[ADENDO/março de 2018: Claramente, esse último parágrafo ficou desatualizado diante dos eventos da luta de classes ao longo de 2017, quando ocorreram três vezes movimentos de “greve geral” de 1 dia, convocados pela burocracia sindical, embora 2 deles tenham sido praticamente boicotados pelas centrais. Dessa forma, a ideia de uma greve geral deixou de ser abstrata e passou a receber apoio de vários setores da classe trabalhadora. Assim, em vários momentos de 2017, levantamos o chamado pela organização e/ou extensão da greve nacional em oposição ao comodismo da burocracia, ainda que considerando que a efetiva organização do proletariado para derrotar os ataques da classe capitalista necessita tomar a forma de uma frente única proletária. Veja o nosso balanço do dia 28 de abril.]

A necessidade de uma organização revolucionária

A confusão e o oportunismo da esquerda seguem sendo fenômenos fortes após a queda definitiva do governo. É necessário firmeza para resistir aos momentos difíceis como o atual, mas também clareza das tarefas. Muitos grupos na esquerda combinam desapercebidamente os chamados por “greve geral”, “eleições gerais” e “Fora Temer” sem discutir a relação entre elas e desses chamados com uma estratégia real e concreta de resistência contra o governo golpista. A esquerda oportunista é viciada em “manias” e “fórmulas”, sem explicar como tais tarefas podem ser realizadas ou como avançam para a tarefa principal, que é revolução socialista. Sem ela, todas as conquistas são passageiras e limitadas.

Por isso, outra necessidade importantíssima é a construção de um partido revolucionário. Um partido da classe trabalhadora, construído em suas lutas, presente em sua realidade, que discuta e aponte as tarefas concretas para enfrentar as mais diferentes conjunturas. Ao mesmo tempo, precisa levantar demandas que dialoguem com a realidade dos trabalhadores e convençam cada vez mais a nossa classe, por meio da experiência conjunta, que só a vitória de uma revolução e a construção do seu próprio Estado pode alterar significativamente nossas condições de vida.

Para a construção de um partido assim, a polêmica e a disputa no interior da esquerda é imprescindível, de forma a levar a uma clareza cada vez maior de quais programas e estratégias são adequadas e quais não são. Assim, é fundamental a denúncia implacável tanto dos ex-governistas (PT e PCdoB), que não apresentam nenhuma alternativa concreta ao golpismo (e que na verdade continuam conciliando com ele), quanto daqueles que capitulam a ele (PCO).  E também a denúncia dos setores da esquerda que querem uma gestão “humana” dentro do capitalismo – como as correntes majoritárias do PSOL e seus principais parlamentares e candidatos eleitorais.

Mas as polêmicas não podem se limitar aos que defendem abertamente a ordem capitalista. É central que ela também seja feita entre aqueles que se reivindicam revolucionários, mas que na prática sempre apostam em “saídas”, “soluções”, “demandas” presas ao capitalismo, conforme debatido nas seções anteriores – PSTU, CST/PSOL, LSR/PSOL, MRT/Esquerda Diário, Esquerda Marxista, MAIS, NOS e outros. Esses grupos têm muitos militantes honestos e combativos, mas sua política invariavelmente apresenta profundas vacilações e desvios de uma trajetória esperada de uma corrente revolucionária, ainda que pequena. Não há dúvidas de que mesmo uma organização revolucionária saudável vá cometer erros vez ou outra, mas não é de forma alguma esse o caso de tais organizações. O problema delas é que esses erros emanam da sua orientação geral, de forma que se repetem sistematicamente, podendo levar até mesmo a traições em um cenário no qual estejam a frente de uma luta de grande monta.

A partir de tudo o que foi dito, não é possível afirmar seriamente que as organizações que hoje se reivindicam socialistas revolucionárias desenvolvem em sua política cotidiana a perspectiva de construção de uma situação de dualidade de poderes, necessária a uma estratégia revolucionária consequente e que se expressa numa permanente educação de suas bases para não terem nenhuma confiança na institucionalidade burguesa e almejarem construírem uma alternativa própria a ela. Ao contrário, tais organizações sistematicamente cedem a diversas formas de oportunismos, que deságuam na disseminação de ilusões nas instituições da burguesia. Isso se vê na capitulação a liberais reformistas nas eleições, indo a reboque de seus programas por um capitalismo “humano e ético”. Na adaptação à rotina burocrática dos sindicatos e outros organismos representativos (como DCEs e CAs no movimento estudantil), constantemente deixando de lado a propaganda revolucionária para assegurar (re)eleições de diretoria. Nas ilusões em (falsas) saídas por dentro da institucionalidade burguesa ante problemas enfrentados pela classe trabalhadora, como a confiança na “justiça” e na polícia dos patrões, na forma de “exigências” a órgãos como o Ministério Público e STF, em pedidos de mais policiamento contra a violência – e atualmente nas ilusões democráticas em “Eleições Gerais” e “Assembleia Constituinte”. Dessa forma, as organizações que dizem lutar por uma revolução socialista acabam criando um abismo entre sua prática e suas elaborações teóricas, que ficam reduzidas a abstrações. Por isso as chamamos de centristas, por constantemente vacilarem entre a defesa abstrata da revolução e oportunismos diversos que a colocam a reboque da ordem capitalista e seus “reformadores”.

É central, portanto, debater com as várias concepções na esquerda, especialmente a que se reivindica socialista revolucionária, sobre um programa de ação e uma estratégia coerente, como forma de formar uma corrente e, posteriormente, um partido revolucionário. A discussão política ampla e honesta entre as correntes da esquerda não é (ou, ao menos, não deveria ser) um impedimento para solidariedade ativa entre os lutadores, ou para organizar ações conjuntas na luta. Mais do que nunca, porém, debater as divergências torna-se fundamental para acabar com a divisão que preside na esquerda. Não acreditamos que o amálgama ou a junção das correntes de esquerda, tais como são hoje, vai apresentar um resultado positivo, seja na forma de uma fusão de diferentes programas, seja na forma de “blocos” programáticos que ponham as diferenças embaixo do tapete. Prevaleceriam os métodos e o programa oportunista que hoje são dominantes, silenciando as críticas revolucionárias e contribuindo para confusão geral.

A formação de uma organização revolucionária necessita de um programa coerente, que se sobreponha e mostre o fracasso dos programas oportunistas (reformistas ou centristas). Ao ressaltarmos as questões teóricas do Estado dos trabalhadores, da dualidade de poderes e da frente única estamos justamente apontando os elementos fundamentais da estratégia e tática socialista revolucionária, desenvolvida ao longo de mais de um século de duras experiências dos marxistas e do conjunto do proletariado. O objetivo que pauta a existência do Reagrupamento Revolucionário é precisamente o de contribuir com esse processo de construção de um partido que se paute por essa estratégia, donde o nosso foco polêmico com as estratégias reformistas e centristas dos demais grupos e nossa atuação prática no sentido de propor alternativas programáticas. Para nós, a tradição que melhor incorporou essa estratégia no século XX foi o trotskismo, apesar da sua degeneração nas décadas após a Segunda Guerra Mundial. Por isso, nos pautamos pelo norte de reconstrução da Quarta Internacional enquanto partido mundial da revolução socialista, resgatando a síntese da estratégia revolucionária que ela incorporou, contra os desvios que marcam o grosso dos grupos trotskistas atuais, junto a contribuições de organizações e grupos do pós-guerra que foram capazes de estabelecer uma continuidade revolucionária com essa estratégia, resgatando-a e também atualizando-a ante novos desafios da luta de classes (ver nosso Arquivo Histórico online para materiais dessas organizações). Ante a atual crise brasileira, apenas uma estratégia revolucionária contra os cortes e o crescimento da direita pode nos levar a vitória. Por isso o debate aqui apresentado com a esquerda socialista se faz tão necessário.

NOTAS

[1] Para uma análise e um balanço mais detalhado, ver Por autodefesas combativas e liderança proletária nas lutas, de junho de 2013: https://rr4i.milharal.org/2013/06/24/revolta-de-massas-no-brasil e Um Balanço das Jornadas de Lutas de 2013 e Algumas Posições na Esquerda, de janeiro de 2014: https://rr4i.milharal.org/2014/01/15/balanco-das-jornadas-de-lutas-de-2013/.

[2] Para nossa intervenção nessa experiência, ver o panfleto Por um programa anticapitalista e luta proletária independente dos burocratas!, de julho de 2013: https://rr4i.milharal.org/2013/07/31/panfleto-do-rr-no-forum-de-lutas-do-rio-de-janeiro/.

[3] Para nossa intervenção nessa luta, ver nosso Panfleto sobre a luta dos trabalhadores estaduais, de fevereiro de 2016: https://rr4i.milharal.org/2016/03/03/panfleto-sobre-a-luta-dos-servidores-estaduais/.

[4] Ver Impulsionar a Frente de Esquerda Socialista. Um convite à construção de uma nova organização socialista (NOS), de abril de 2016: http://novaorganizacaosocialista.com/2016/04/02/impulsionar-a-frente-de-esquerda-socialista-um-convite-a-construcao-de-uma-nova-organizacao-socialista/. E Frente de Esquerda Socialista X Frente Ampla (MAIS), de 30 de novembro de 2016: http://esquerdaonline.com.br/2016/11/30/frente-de-esquerda-socialista-x-frente-ampla-importante-discussao-entre-os-que-lutam-contra-governo-ilegitimo-de-temer/.

[5] Ver Após o impeachment, quais as perspectivas? (EM), de setembro de 2016: http://www.marxismo.org.br/content/apos-o-impeachment-quais-perspectivas. E Crise sem fim, as saídas deles e a nossa (MRT), de dezembro de 2016: http://www.esquerdadiario.com.br/Crise-sem-fim-as-saidas-deles-e-a-nossa?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=Newsletter.

[6] Ver Fora Dilma, Fora Cunha, Fora Temer, Fora Aécio e esse Congresso Nacional! Fora todos eles! (PSTU), de 3 de dezembro de 2015: http://www.pstu.org.br/fora-dilma-fora-cunha-fora-temer-fora-aecio-e-esse-congresso-nacional-fora-todos-eles/. E Fora Todos! Fora Dilma, Cunha, Renan e Aécio! Lula e Dilma devem ser investigados e punidos! (CST), de 4 de março de 2016: http://cstpsol.com/home/index.php/2016/03/04/fora-todos-fora-dilma-cunha-renan-e-aecio-lula-e-dilma-devem-ser-investigados-e-punidos/.