Arquivo Histórico: Vern-Ryan e a Revolução Boliviana (3)
Tendência Vern-Ryan
A Revolução Boliviana e a Luta contra o revisionismo
[Publicamos a seguir o terceiro de três documentos escritos entre 1952 e 1954 por Sam Ryan e apoiados por Denis Vern, militantes da filial de Los Angeles do SWP norte-americano. A “fração Vern-Ryan”, como ficaram conhecidos, foi a única voz a criticar, à época, a postura do Partido Obrero Revolucionario boliviano (POR) ante a Revolução Boliviana deflagrada a partir de abril de 1952, bem como a conivência com a mesma por parte dos órgãos dirigentes da Quarta Internacional – já então sob direção pablista. Tais documentos são de grande importante histórica na luta contra o revisionismo, ainda que possuam falhas e insuficiências. Sua tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário a partir da versão em inglês disponível na publicação da Liga pelo Partido Revolucionário (LRP/EUA), “Bolivia: The Revolution the ‘Fourth International’ Betrayed” (1987).]
Sam Ryan, de Los Angeles.
Outubro de 1954.
“Para Pablo, a missão histórica da Quarta Internacional perdeu todo o seu significado. O ‘processo revolucionário objetivo’ sob as rédeas do Kremlin, aliado com as massas, está cumprindo seu papel suficientemente bem. É por isso que ele está inclinado impiedosamente a liquidar as forças trotskistas, sob o pretexto de integrá-las ao ‘movimento de massas como ele existe’.
“A salvação da Quarta Internacional exige imperativamente a expulsão dessa liderança liquidacionista. Uma discussão democrática deve ser aberta dentro do movimento trotskista mundial sobre todos os problemas que ficaram em aberto, embaçados, ou falsificados pela liderança pablista durante três anos. Dentro dessa perspectiva, será indispensável para a saúde da Internacional que a maior autocrítica possível seja realizada sobre todas as fases e causas do desenvolvimento da gangrena pablista.
“… estas ideias e esta tática liquidacionista foram depois estendidas aos partidos reformistas e a todas as organizações sob uma liderança pequeno-burguesa (o MNR boliviano, o movimento peronista na Argentina, o movimento liderado por Ibánez no Chile, etc.)”. (Boletim do Comitê Internacional, No. 1)
Este artigo tem a intenção de ser uma contribuição para a discussão sobre o “desenvolvimento da gangrena pablista”. Ao mesmo tempo, ele também pretende se uma contribuição para a luta contra o pablismo. Em minha opinião, tal discussão, já muito atrasada, é uma parte indispensável da luta e não deve ser mais adiada; isso porque uma das maiores vitórias do pablismo é precisamente o fato de que problemas teóricos e práticos da maior importância “ficaram em aberto, embaçados, ou falsificados”. A “maior autocrítica possível”, que realmente é necessária, irá mostrar que a maior ajuda para que Pablo traísse o marxismo veio do silêncio e da resignação dos “trotskistas ortodoxos”. Um dos crimes do revisionismo durante os últimos dois anos foi a traição da revolução boliviana.
Que a revolução boliviana de fato foi traída deveria estar claro para todos. Em novembro último, o partido trotskista boliviano, o POR, publicava um jornal semanal, Lucha Obrera. Para um partido operário num país pequeno e atrasado, com uma alta taxa de analfabetismo, isso é uma conquista tremenda, uma indicação de poderoso apoio de massas. Em dezembro, Lucha Obrera foi suspenso pelo governo, quase sem nenhuma resistência. Não houve nenhuma luta desde então que fosse importante o suficiente para ser noticiada nos jornais daqui. Esse fato é, por si só, uma notícia muito significativa.
Marxismo é uma ciência. Isso significa que suas generalizações não são imperativos divinos, mas a destilação dos eventos passados. E a característica distinta de toda ciência não é simplesmente fornecer generalizações verdadeiras (ou mais corretamente, aproximações da verdade), mas que ela fornece generalizações que podem ser testadas na realidade material. Falhar ao examinar qualquer evento importante em sua relação com a teoria marxista é transformar o marxismo num dogma, em verdades que são dadas de forma definitiva. E uma vez transformado em um dogma, o marxismo se torna inútil e desnecessário para a solução dos problemas práticos.
Quais eventos, acima de todos, exigem investigação pelos marxistas? Se o marxismo for compreendido não como um exercício contemplativo, mas como um guia para a ação, a resposta vem à mente de maneira imediata. Uma revolução é um teste supremo de teoria. Uma revolução joga fora todas as enganações, expõe de forma clara o caráter de classe de todos os partidos, de todos os programas. Nenhum tipo de revisionismo consegue se passar pelo marxismo no tempo de uma revolução; nenhum marxista pode ignorar uma revolução. É mais do que lógico esperar que uma atenção muito próxima fosse dada à revolução boliviana, por mais de uma razão. Não apenas é um teste de teoria e prática, especialmente em vista do fato de que um partido trotskista está desempenhando um papel importante; ela acontece sob as próprias muralhas do bastião da reação mundial.
Mas a revolução boliviana já passou há mais de dois anos agora, e não houve discussão sobre esse importante evento. Apenas dois artigos de discussão surgiram, ambos escritos pelo presente autor. E, apesar de os dois artigos serem agudamente críticos, eles não receberam nenhuma resposta. Até mesmo as novidades da Bolívia têm sido muito escassas. Pablo, que reivindica uma Internacional centralizada, nem mesmo conseguiu estabelecer uma comunicação decente por correio!
Que resposta esmagadora Pablo teria para as acusações de revisionismo? “Podem revisionistas sustentar uma política revolucionária no curso de uma revolução?” Mas Pablo escolheu não responder a isso, e isso é um traço claro do seu revisionismo. Os revisionistas preferem agir e não explicar; quanto mais eles puderem manter o silêncio, mais eles podem enganar os revolucionários. E Pablo foi deixado em paz para realizar o seu trabalho de traição.
Que o pablismo é a inspiração para a linha do POR é fácil de provar. A caracterização feita pelo POR do MNR e do governo do MNR como “pequeno-burgueses”, seu prognóstico da possibilidade de reformar o governo, sua teimosa recusa em fazer qualquer crítica à linha traidora e contrarrevolucionária dos líderes sindicais, e seu completo silêncio quanto ao stalinismo – essas coisas não vêm do arsenal do marxismo, mas do revisionismo.
Uma revolução por nomeação
Em sua décima conferência nacional, ocorrida em junho de 1953, o POR adotou uma resolução política que, apesar de cheia de expressões trotskistas, contém alguns poucos parágrafos que são o suficiente para tornar o documento inteiro um exercício de revisionismo. Essa resolução (Etapa Actual de la Revolución y Tareas del POR) foi impressa na publicação mexicana “Que Hacer?” mas não foi traduzida para o inglês.
“O governo pequeno-burguês”, diz a resolução (VII, 7), “… adquire um caráter transitório e bonapartista … Submetendo-se à poderosa pressão do proletariado assim como à do imperialismo, ele vacila constantemente entre os dois extremos. Dessa situação fluem as duas possibilidades abertas para o desenvolvimento do presente governo. Se as massas, com um novo impulso, decidem pela derrota política da ala direita pela esquerda, se abre a possibilidade de que o governo se transforme na etapa prévia do governo operário e camponês. Esse processo seria acompanhado por uma série inteira de medidas de caráter revolucionário, assim como a expansão das nacionalizações, a revolução agrária, etc. Se a ala direita, com a ajuda do imperialismo, barrar o espaço governamental dos seus adversários, ela irá consolidar um governo pequeno-burguês a serviço da ‘Rosca’ e do capital financeiro.”
Dois parágrafos depois, nós lemos:
“A ala direita está definitivamente comprometida com a reação latifundiária e imperialista e, portanto, nós não podemos simplesmente descartar a possibilidade de um futuro racha com a ala esquerda. Uma predominância completa dessa última iria alterar profundamente o caráter do MNR e lhe permitir mover para mais perto do POR. Apenas sob tais condições nós poderíamos falar de um possível governo de coalizão do POR e do MNR, que seria uma forma de realização da fórmula de ‘governo operário e camponês’, que por sua vez constituiria a etapa de transição em direção à ditadura do proletariado.”
Um regime bonapartista só pode aparentar estar entre as classes para as pessoas que se esqueceram da natureza de classe do Estado. Todos os governos sempre foram, para os marxistas, os instrumentos das classes dominantes, impossíveis de serem reformados, em sua natureza de classe, por nenhuma quantidade de pressão. Bonapartismo é simplesmente uma forma que um regime burguês ou proletário assume sob determinadas condições. O POR não foi o primeiro a se esquecer de que não pode haver um regime intermediário nem a reforma de um regime. Foi o Terceiro Congresso Mundial, com seu “status intermediário” dos países do Leste Europeu, e o CEI [Comitê Executivo Internacional] com sua caracterização do regime de Mao na China como Estado nem burguês nem operário, mas intermediário, um “governo operário e camponês”.
Um regime bonapartista é um regime ditatorial, regulado por um árbitro. Os marxistas nunca favoreceram essa forma de governo; eles sempre promovem a intervenção das massas na política. Assim, os bolcheviques exigiram uma assembleia constituinte eleita por sufrágio universal para substituir o domínio bonapartista de Kerensky. A demanda de eleições democráticas é uma das pedras de toque do programa trotskista para a revolução nos países atrasados. Essa palavra de ordem certamente não é “golpista”; ela pode ser levantada – é mais apropriado – por um partido revolucionário que ainda não está em posição de tomar o poder. E levantar essa demanda certamente não é incompatível com defender o governo no caso de investidas contrarrevolucionárias.
No entanto, em nenhum lugar de toda a resolução do POR é levantada a demanda por eleições! E isso apesar do fato de que o presente governo foi eleito há cinco anos, e que um golpe militar e uma revolução aconteceram desde então. Não é feita menção nem mesmo à existência de uma legislatura eleita ou do desejo de eleger uma. Não é feita menção à questão de eleições populares. O POR está obviamente satisfeito com o atual governo bonapartista, está convencido da sua capacidade de se transformar, passo a passo, em um governo de trabalhadores.
Diante da recusa do POR em exigir eleições gerais, qual é o significado da palavra de ordem que ele levanta: “Controle completo do Estado pela ala esquerda do MNR”? Como ele espera que isso ocorra? Aparentemente por nomeação do Bonaparte Paz Estenssoro. Isso não é uma mera dedução. Isso é o que o POR realmente propôs. Em agosto de 1953 surgiu um gabinete de crise, uma divisão entre as alas esquerda e direita do governo sobre a questão da divisão das terras. Em uma situação como essa, com o movimento camponês se levantando, é óbvio o que o um partido trotskista deveria propor: destituição do governo, incluindo o presidente; eleições nacionais para presidente e para o congresso; a ala esquerda do MNR deveria lançar candidatos independentes, incluindo um candidato a presidente; o POR poderia dar apoio crítico à campanha da ala esquerda e levantar a palavra de ordem: que a Ala Esquerda tome o poder.
O POR não exigiu eleições gerais; ele não exigiu que as massas tivessem o direito de se despojar por si próprias do governo. Ele propôs que a ala esquerda “recebesse o poder” por nomeação do presidente Paz Estenssoro.
No número 43 (23 de agosto de 1953) de Lucha Obrera, nós podemos ler o seguinte apelo tocante direcionado ao Bonaparte do governo bonapartista:
“Para os revolucionários, a condução do presidente parece ambígua e nós acreditamos que ela indica a intenção de manter algumas posições de direita enfraquecidas pela crescente pressão das massas. É certo que um chefe de Estado tem responsabilidades, mas ele as tem perante o povo. Na realidade, são os trabalhadores que sozinhos tem o direito de julgar os atos do governo, especialmente levando em conta que foi a classe trabalhadora que, com seus sacrifícios, colocou-o no poder. Se essas massas, que são o único apoio do presidente, seguindo seu instinto de classe, desconfiando da ala direita, apelam e exigem que homens saídos de suas fileiras sejam postos no gabinete para substituir elementos ligados à reação, não existe base para negar a elas esse direito. E se Paz Estenssoro respeitar suas responsabilidades perante a história, ele estará motivado primariamente por um desejo de respeitar a vontade do povo e realizar as aspirações dos trabalhadores, organizando um gabinete composto exclusivamente de homens da esquerda do seu partido.”
Esse gabinete “operário” faria alguma diferença para o caráter do governo? Nem um pouco. Não faria mais diferença do que os gabinetes “operários” do governo legalista espanhol ou que o gabinete “operário” de Kerensky. Significaria tanto quanto um gabinete nomeado por Eisenhower ou Truman composto não por “nove milionários e um encanador”, mas de “dez encanadores”. Um “gabinete operário” nomeado por Paz Estenssoro seria responsável não a um corpo legislativo eleito por sufrágio universal, como na Inglaterra ou na França, mas a um comandante supremo responsável perante ninguém a não ser sua classe. Tal gabinete não seria o resultado de um rompimento dos líderes operários com o governo. Ao contrário, os tornaria os representantes oficiais dessa classe.
O que é um partido pequeno-burguês?
Agora é possível ver o que o POR quer dizer quando caracteriza o MNR como um partido “pequeno-burguês” e o governo do MNR como um governo pequeno-burguês. Todas as publicações do POR são muito consistentes nisso; o MNR e o seu governo nunca são chamados de nada além de pequeno-burgueses. Longe de ser meramente uma questão terminológica (um defensor da linha do POR me disse – verbalmente, é claro – que pequeno-burguês queria dizer burguês), essa é uma formulação que leva à rejeição do trotskismo em teoria e à traição da revolução na prática.
Se a política é a economia concentrada, então os partidos políticos são a expressão de interesses econômicos. Mas o fator dominante na sociedade atual é a luta de classes entre o proletariado e a burguesia. Os partidos políticos, portanto, são, e não podem deixar de ser, expressões de e instrumentos na luta de classes. Eles servem aos interesses ou da burguesia ou do proletariado. É isso que dá a eles seu caráter de classe. Não é a sua composição social, nem a composição da sua liderança, mas a qual das duas classes principais eles servem. Isso é verdade tanto nos países atrasados quanto nos avançados.
Existem partidos que os marxistas chamam de pequeno-burgueses – os partidos socialdemocratas e trabalhistas. Nós usamos esse termo por convenção, não porque esses partidos sirvam aos interesses da pequeno-burguesia – a pequeno-burguesia não tem interesses de classe independentes – mas porque esses partidos estão, em certo sentido, entre as classes. Eles falam do socialismo e da classe trabalhadora, mas agem pelo capitalismo e pela burguesia. Os partidos pequeno-burgueses são largamente ou predominantemente proletários em composição e burgueses pelo seu caráter político. Para provar isto basta se perguntar se a natureza de classe de algum governo já foi modificada pela ascensão ao gabinete de algum partido pequeno-burguês. A vitória do Partido Trabalhista britânico, por exemplo, não mudou o caráter de classe do governo de burguês para pequeno-burguês.
O MNR não é um partido pequeno-burguês nesse sentido. Ele não é um partido operário, ele não reivindica representar a classe trabalhadora ou advoga o socialismo. O seu programa é típico de um partido nacionalista burguês em um país atrasado. Ele reivindica falar em nome de todo o povo; ele é pela paz e prosperidade. A concepção do POR é de que como o capital nativo é muito fraco e muito reacionário (aliado com o imperialismo), e porque o MNR diz tentar cumprir a revolução nacional burguesa, mas não é um partido da classe trabalhadora, então ele representa a pequeno-burguesia e é um partido pequeno-burguês.
Para encontrar um precedente para tal concepção de um partido pequeno-burguês – um partido que representa a pequeno-burguesia e luta contra a burguesia pela revolução burguesa – nós teríamos que retornar aos escritos bolcheviques antes de outubro. Essa é a concepção defendida por Lenin em 1903 como prognóstico para a revolução russa. A ditadura democrática do proletariado e do campesinato seria, de acordo com Lenin, dirigida por um partido camponês e apoiada, talvez na forma de um governo de coalizão, pelo partido proletário.
Para fazer justiça a Lenin deve-se acrescentar que ele não concebeu tal governo como um governo “pequeno-burguês” intermediário, mas como um que iria permanecer nos limites do capitalismo, removendo os vestígios do feudalismo, cimentar o capitalismo e dessa forma fortalecer a classe burguesa. Isso seria um governo de transição, não de transição para o socialismo, mas de transição do feudalismo para uma república democrático-burguesa. As Teses de Abril de Lenin e depois a revolução de outubro marcam a rejeição definitiva de um partido pequeno-burguês, um partido que não é nem proletário nem burguês. Daí em diante, todos os marxistas aceitaram a teoria da revolução permanente, defendida por Trotsky em 1903. De acordo com essa teoria, o governo que realiza a revolução democrático-burguesa não pode permanecer nos limites do capitalismo; ele deve começar a transformação socialista. Mas esse governo não pode ser um “governo camponês” nem de um partido “pequeno-burguês”; deve ser um governo animado pelo partido do proletariado.
Stalin traiu a segunda revolução chinesa usando como pretexto para sua política menchevique uma vulgarização da concepção de Lenin de ditadura democrática. Não é à toa que Mike Martell, um líder dos pablistas norte-americanos, defende a linha do POR (verbalmente, é claro) ao dizer que a teoria de Lenin de ditadura democrática não foi completamente refutada. Também não é à toa que Murray Weiss, ao defender a linha pablista sobre um caráter intermediário do governo de Mao (verbalmente, é claro) se apropriou do que ele afirmou que era a crença de Lenin, em 1903, sobre a possibilidade de um governo transitório, pequeno-burguês. O POR, enquanto diz apoiar a teoria da Revolução Permanente, acredita que um partido “pequeno-burguês” pode ser reformado e seu governo se transformar em um governo de trabalhadores e camponeses, uma “etapa de transição em direção à ditadura do proletariado”.
“A linha em ziguezague entre o imperialismo e proletariado, que caracteriza a condução do governo”, diz o POR em sua resolução, “não permite que ele planeje suas ações e faz com que ele caia em um empirismo disforme, fadado a dar respostas isoladas e improvisadas aos problemas que se apresentam. Assim, o observador percebe que a política do governo é caracterizada por uma falta de consistência e o raciocínio dos líderes por uma total ausência de coerência e doutrina unitária”.
Isso, é claro, é uma característica de todo pensamento burguês e pequeno-burguês. Seria, portanto, a característica principal das atividades de um “governo pequeno-burguês”? Não. As atividades dos políticos pequeno-burgueses, por mais inconsistentes que pareçam ser para si mesmos e para terceiros, tem uma consistência que os marxistas podem desvendar. Elas são governadas por leis tão completamente quanto são as ações dos corpos físicos ou dos elementos químicos, que não tem pensamentos quaisquer. Os marxistas podem ver a consistência em ações aparentemente inconsistentes dos políticos pequeno-burgueses. Os marxistas podem ver que, não importa como eles se enxerguem, na verdade servem aos interesses da burguesia.
A verdadeira questão do poder
A concepção de que o MNR e seu governo são pequeno-burgueses é uma traição à revolução boliviana. Ela implica que o MNR e seu governo não são fundamentalmente inimigos da classe trabalhadora, que eles podem ser reformados. Não alertar a classe trabalhadora de que esse governo vai esmaga-la se ele puder é deixar os trabalhadores politicamente desarmados e indefesos, esperando sentados para quando o inimigo estiver pronto para atacar.
Como nós podemos saber o caráter do MNR? Antes de tudo, nós podemos estudar o seu passado, especialmente quando ele teve o poder de Estado. O MNR de Paz Estenssoro é o MNR de Villaroel. Estenssoro foi o vice-presidente de Villaroel. Villaroel suprimiu a classe trabalhadora e executou estudantes em protesto. Ele foi enforcado em um poste em um levante parcialmente liderado pelos stalinistas. O MNR estava tão exposto como inimigo da classe trabalhadora que nas eleições de junho de 1949, Lechín, cabeça da Federação dos Mineiros, recusou a indicação para vice-presidente e, ao invés disso, fez um bloco eleitoral com o POR. Essa eleição mostrou que o MNR, apesar de ganhar uma maioria de votos, já estava desacreditado com a vanguarda do proletariado. Os trotskistas e a Federação dos Mineiros elegeram quatro deputados cada um. Então veio uma ditadura militar de três anos, que naturalmente fortaleceu as ilusões democráticas entre as massas.
Entretanto, durante a revolução de abril de 1952 aconteceu um incidente que indicou que o MNR não tem a confiança da classe trabalhadora. O MNR apelou aos trabalhadores por apoio no levante. Os trabalhadores têxteis exigiram como condição para seu apoio que dois líderes sindicais fossem aceitos no novo governo. A demanda foi aceita e os trabalhadores apoiaram o levante. Guillermo Lora, que deu esses detalhes em uma entrevista que foi impressa no jornal em maio de 1952, não disse se o POR apoiou ou não essa demanda; mas o fato de que o POR nunca criticou a presença de líderes sindicais no gabinete indica que sim.
No decorrer do levante, o exército e a polícia foram desarmados. Os trabalhadores, liderados por Lechín e pelo POR, possuíam dez mil rifles e metralhadoras, todas as armas do país. O que o governo fez? Ele procedeu para reorganizar o exército e a polícia e para rearmá-los com armas novas e mais modernas. Então ele começou a cuidadosamente tomar medidas para desarmar o proletariado. E isso é a medida do seu caráter burguês.
O Estado é a força armada a serviço de uma classe dominante. Permitir ao governo reconstruir o corpo especial de homens armados é colocar o destino da revolução nas mãos da burguesia, o seu inimigo mortal. Apenas mantendo seu destino em suas próprias mãos, impedindo a reconstrução do corpo especial de homens armados, mantendo o Estado como o povo em armas, pode a classe trabalhadora proteger a si e à sua revolução. O POR deveria ter alertado que aqueles que reconstruíram a força policial e o exército estão preparando uma guerra civil contra os trabalhadores e camponeses.
Isso não é o mesmo que propor a derrubada do governo do MNR. Mas é uma exposição do seu caráter burguês: se o MNR fosse realmente aliado dos trabalhadores e camponeses, se ele fosse levar adiante a revolução, ele não teria necessidade de corpos especiais de homens armados, ele poderia se basear no povo em armas. A sua “traição” (não uma traição de verdade, já que ele apenas agiu de acordo com o seu verdadeiro caráter de classe) data do momento em que ele começou a restabelecer o exército e a polícia – ou seja, do momento em que assumiu o poder. A traição de Lechín e dos dirigentes sindicais data da sua falha em se opor à reconstrução do Estado burguês.
O POR não expôs a natureza burguesa do governo; ele não criticou a traição dos dirigentes sindicais. Ele passou completamente por cima da questão da reconstrução das forças armadas do inimigo de classe. Na resolução política da Décima Conferência Nacional citada acima não há sequer uma palavra sobre essa questão, nenhum alerta contra a reconstrução do exército contrarrevolucionário e da força de polícia; literalmente nem uma palavra sobre a questão militar como uma verdadeira questão de poder. O POR obviamente acredita que questões de poder são decididas não pela força, mas por substituições e manobras nos altos círculos governamentais.
O programa de transição trotskista foi totalmente ignorado. E esse programa foi elaborado precisamente para uma situação revolucionária como a que existe na Bolívia. Seguindo esse programa, o POR poderia ter exigido que a defesa do país e da ordem interna fosse confiada não a corpos especiais de homens armados, mas às milícias operárias, que elas fossem armadas com as mais modernas armas, incluindo as pesadas, e treinadas sob controle das organizações de trabalhadores e camponeses; e que os oficiais fossem escolhidos pelos trabalhadores e camponeses. Não há nem sombra dessas demandas na resolução política nem em nenhuma das edições de Lucha Obrera em 1953.
Lucha Obrera não pode, entretanto, ignorar completamente a questão militar; e o que diz é um tremendo suplemento à sua recusa em reconhecer o programa de transição. Por volta de agosto de 1953, o governo foi tão longe a ponto de estabelecer uma academia militar para treinar uma casta de oficiais para seu exército contrarrevolucionário. O número 43 de Lucha Obrera (o mesmo número que tinha o apelo ao presidente) protestou em um artigo intitulado “Academia Militar, Perigo para a Revolução”.
“A ala direita reacionária”, diz o artigo, “deseja desesperadamente criar uma força armada na qual possa se apoiar contra o avanço dos sindicatos. Essa é a missão que recebeu a academia militar reaberta, que vai ser um bastião da contrarrevolução para os militaristas pequeno-burgueses. A única força que pode destruir a conspiração contrarrevolucionária são as massas armadas.”
“Sem dúvida”, continua o artigo, “a Revolução vai atingir a construção de um exército regular, mas isso vai ocorrer quando os trabalhadores e camponeses organizarem seu próprio governo, sem qualquer subterfúgio que permita uma infiltração contrarrevolucionária. O sentimento de classe dos trabalhadores não deveria permitir a organização de qualquer força militar enquanto todo poder não estiver em suas mãos. Apenas um Governo de Operários e Camponeses pode organizar uma verdadeira força militar verdadeiramente proletária e revolucionária. No meio tempo, é um dever revolucionário inescapável fortalecer as milícias sindicais em cada fábrica, cada mina, e prepara-las para quaisquer repressões que utilizarem como seu instrumento a academia militar.”
Aqui está uma renúncia aberta ao programa de transição, da política militar proletária. Essa é uma política completamente irrealista e impraticável, uma política que simplesmente não pode ser realizada pelo partido, e que é incapaz de convencer alguém. Nós não devemos permitir ao governo organizar nenhum exército enquanto o poder não estiver em nossas mãos? Quem e o que, então, vão defender o país no caso de o imperialismo ianque ser bem sucedido em provocar um ataque militar por parte de um dos seus satélites? Um exército de prontidão é absolutamente necessário. As milícias sindicais não são suficientes. Ninguém pode ser convencido, muito menos os militantes revolucionários, de que não pode haver exército “no meio tempo”. É por isso que o governo é capaz de ganhar tão facilmente uma vitória política e construir seu exército (um exército contrarrevolucionário) sem oposição. Porque a alternativa concreta a um exército contrarrevolucionário não pode ser, como reivindica o POR, exército nenhum, mas sim um exército revolucionário.
E não há razão no mundo pela qual essa alternativa deva esperar até que “todo o poder esteja em nossas mãos”. Se for possível mobilizar pressão de massa suficiente para forçar o governo a construir tal exército revolucionário (ao armar e treinar os trabalhadores sob controle sindical) então o poder estará em nossas mãos. Se, como é infinitamente mais provável, o governo resista a qualquer pressão, o seu caráter contrarrevolucionário estará exposto e toda a necessidade de derrubá-lo se tornará mais clara. É para isso que serve o programa de transição.
O POR, ao invés de propor a alternativa realista do programa de transição, vai esperar até que “todo o poder esteja em nossas mãos” por nomeação do mesmo presidente responsável pela reconstrução do exército contrarrevolucionário. Essa é a política de observar de forma tranquila enquanto o machado está sendo afiado e então esperar pelo seu golpe.
Inocentes pegos desprevenidos
Quem, então, é responsável pela traição da revolução? Quem é responsável pelo fato de que os trabalhadores e camponeses tenham caído na apatia? O MNR simplesmente cumpre a sua tarefa assumida – salvar o capitalismo na Bolívia. Os líderes sindicais colaboraram completamente para salvar o capitalismo. Eles entraram no governo no começo e permaneceram lá desde então. Eles deram um consentimento silencioso para a reconstrução das forças armadas contrarrevolucionárias e para a supressão do POR. Eles permitiram que a milícia operária caísse em decadência, como foi demonstrado pela insurreição fascista de 9 de novembro de 1953. A Falange, um grupo comparativamente menor liderado pelos oficiais do exército de Paz Estenssoro, foi capaz de tomar Cochabamba, a segunda maior cidade da Bolívia e centro do movimento camponês. E mantê-la por seis horas antes que as milícias pudessem mobilizar força suficiente para expulsá-lo. O POR jamais criticou os dirigentes sindicais por entrar o permanecer no gabinete governamental. Ele jamais os criticou por seu silêncio sobre a reconstrução da contrarrevolução. Ele nem mesmo os criticou por seu silêncio diante da supressão do Lucha Obrera.
Guillermo Lora, escrevendo para a edição de março de “Que Fazer?”, reclama que o MNR está traindo as aspirações das massas. A traição, de acordo com Lora, consiste no fato de que o governo está contendo a revolução agrária, está revertendo as nacionalizações, jogou o fardo da crise econômica nas costas dos trabalhadores e camponeses, burocratizou a COB, a central sindical. É digno de nota que Lora nem mesmo mencione a supressão de Lucha Obrera! Isso, aparentemente, é tão pouco importante para ele quanto a supressão dos trotskistas chineses realizada por Pablo e Germain [Mandel].
Lora é consistente em acusar o MNR de traição, já que ele esperava mais dele. Mas quem e o que tornou essa traição possível? Sem o apoio dos dirigentes sindicais, Paz Estenssoro não poderia ter sido bem sucedido em seu papel contrarrevolucionário. Lora não faz menção de que os líderes sindicais permanecem até hoje no gabinete.
Lora, é claro, afirma ser superior em perspicácia do que um trabalhador na média:
“Para o grosso dos militantes [do MNR]”, escreve ele, “e para muitas outras pessoas, o ano de 1954 vai ser o ano da traição. Nós falamos da traição das aspirações das massas por parte da liderança pequeno-burguesa. Para nós será o ano da verificação de nossas conclusões teóricas sobre a capacidade de um partido pequeno-burguês realizar as tarefas revolucionárias e anti-imperialistas.”
O prognóstico de que o MNR iria suprimir a classe trabalhadora e o seu partido não foi feita pelo POR, porque o POR nunca considerou o MNR como um inimigo de classe. A “previsão” do POR que, de acordo com Lora, foi verificada, foi completamente inútil em preparar a si mesmo ou aos seus seguidores para uma luta contra o MNR. Tal luta, de fato, foi caracterizada por Lora em sua entrevista como uma “histeria”.
“Não se pode excluir a possibilidade”, disse Lora em sua entrevista, “de que a ala direita do governo, encontrando-se diante do aguçamento da luta de massas contra si, vá aliar-se com o imperialismo para esmagar o assim chamado ‘perigo’ comunista”.
Em uma carta comentando a entrevista de Lora (boletim interno [do SWP] de junho de 1952), eu escrevi o seguinte:
“Uma coisa parece clara: o camarada Lora não considera esse governo como um inimigo da classe trabalhadora e do POR. Essa formulação é errada, muito errada! Esse é um erro que, se de fato representa a posição do POR, pode ter consequências trágicas para a própria existência física dos quadros do partido trotskista boliviano. Este é o aviso que os líderes do POR devem dar à classe trabalhadora e acima de tudo aos seus próprios membros: Nós podemos esperar com absoluta certeza (não meramente ‘não excluir a possibilidade’) que o governo (e não apenas a sua ala direita) vai se aliar com o imperialismo e tentar esmagar o movimento de massas e antes de tudo a sua vanguarda, o POR.”
Na mesma carta:
“Eu acho que é incontestável que o atual governo boliviano é um governo burguês (eu nunca imaginei que alguém iria contestar isso!), cuja tarefa e objetivo é defender por todos os meios disponíveis os interesses da burguesia e do imperialismo. Ele irá, se puder, controlar e desarmar a classe operária, esmagar a sua vanguarda revolucionária e reconstruir a ditadura da burguesia, que foi abalada, mas não destruída, pela primeira fase da revolução. Esse governo é, portanto, o inimigo mortal dos trabalhadores e camponeses, e especialmente do partido marxista.”
E mais uma:
“Lechín é um simpatizante traidor e indigno de confiança. Lechín irá capitular de novo e de novo. Ele irá ajudar a desarmar os trabalhadores. Ele vai ajudar a tentar esmagar o POR, não importa o quanto este o apoie. E a traição de Lechín será facilitada se o POR continuar a apoiá-lo.”
Não é preciso ser um gênio, como pode ser visto, para fazer previsões corretas e úteis. Armados com a doutrina marxista e o método marxista, pessoas bastante comuns podem ver a direção dos eventos e se prepararem para eles com uma política revolucionária. Mas sem o método marxista, não há possibilidade nenhuma de prever e realizar uma política bem sucedida. O marxismo não é uma garantia da vitória, mas o revisionismo é uma garantia de derrota.
O maoísmo ganha um recruta
Alinhado com a capitulação do POR aos dirigentes sindicais reformistas estava a sua conciliação pró-stalinista. Nisso o POR se sai melhor do que Pablo. Nessa questão eu não posso fazer nada melhor do que reproduzir porções de uma carta que eu escrevi para Murray Weiss em 2 de janeiro de 1954 (nunca respondida, é claro):
“Eu fiquei feliz em ver você tomar conhecimento do ‘papel contrarrevolucionário dos stalinistas na Bolívia’ no jornal de 21 de dezembro. Entretanto, eu considero a sua breve referência totalmente inadequada, já que ela não é apoiada por quaisquer fatos… Você tem tais evidências, Murray? Eu, da minha parte, estaria muito interessado em vê-las… Eu me pergunto onde você conseguiu suas evidências sobre o papel contrarrevolucionário dos stalinistas bolivianos. Certamente não dos trotskistas bolivianos. Como você sem dúvida sabe, eles nunca criticam os stalinistas bolivianos, não em palavra impressa pelo menos.”
“Olhe as edições de Lucha Obrera, o jornal do POR. Em todas as edições de 1953, você vai encontrar apenas uma única referência aos stalinistas. É num anúncio de um racha no PIR stalinista e a formação do ‘Partido Comunista dos Trabalhadores e Camponeses’. Fora isso não há nenhuma outra referência aos stalinistas. Esse fato, tão incrível e tão esclarecedor, sem dúvida é do seu conhecimento. Como você explica isso? Alguém pediu ao POR uma explicação?”
“Mesmo quando Lucha Obrera menciona o assassinato de Trotsky, ele não diz quem foi responsável ou por qual razão (isso no número 43, a mesma edição que eu citei duas vezes). O artigo menciona o assassinato e lida com as contribuições de Trotsky – liderou a revolução russa, construiu o Exército Vermelho, elaborou a teoria da Revolução Permanente, e fundou a Quarta Internacional. Mas ele consegue omitir qualquer menção que seja ao tema dominante nos últimos dezessete anos de sua vida – a luta contra o stalinismo.”
“Lucha Obrera publicou dois artigos sobre a queda de Mossadegh – e nem mesmo um sussurro sobre a existência de um partido stalinista no Irã, muito menos de denúncia à sua traição. ‘A queda de Mossadegh’, diz Lucha Obrera, ‘é sem dúvida um triunfo do imperialismo britânico, mas é ao mesmo tempo um produto da sua política vacilante, que tentou limitar a revolução iraniana, virando suas costas para as aspirações das massas’. E Lucha Obrera quer dizer a ‘política vacilante’ não do Partido Tudeh [stalinista], o que já seria ruim o suficiente (ele nem sequer dá pista da existência de tal partido); ele fala da ‘política vacilante’ de Mossadegh.”
“ ‘A conversa pablista sobre a a ‘inadequação’ da política stalinista em agosto, ou da ‘falha dos stalinistas em projetar uma orientação revolucionária’ é falsa e desorientadora. É uma questão de traição calculada’. Isso é o que vocês dizem no jornal. O erro do POR ao fazer o mesmo que Pablo na forma como critica os stalinistas iranianos e, sobretudo, os bolivianos, também não é ‘falsa e desorientadora’?”
Por questão de precisão, eu devo fazer as seguintes reservas. Os números 38 e 39 de Lucha Obrera estão ausentes da minha coleção: portanto eu não posso afirmar ter examinado todas as edições de 1953. Também, eu encontrei outra referência aos stalinistas bolivianos – uma resposta às suas calúnias contra o POR no número 35 (março de 1953). Sobre o stalinismo a nível internacional, há um artigo traduzido do nosso jornal sobre o caso contra os médicos judeus no número 34 (fevereiro de 1953) e um pequeno item sobre a greve de Berlim no número 40 (julho) que relatou, de forma bastante estranha, que uma das demandas dos grevistas era a retirada do Exército Vermelho. Essas reservas não mudam a imagem da conciliação com o stalinismo.
O número 36 (abril de 1953) contém o seguinte elogio a Mao Tse-tung:
“Em Primeiro de Março o governo central chinês adotou uma lei eleitoral que é amplamente democrática e permite às forças revolucionárias esmagarem a reação. Plena democracia para os explorados e liquidação de todas as garantias dos reacionários, esse é o espírito da lei.”
“A nova lei estabelece que todos os chineses (homens e mulheres) com mais de 18 anos ‘com exceção dos contrarrevolucionários’ e antigos proprietários de terras que não tenham sido convertidos ao trabalho produtivo tem direito ao voto. Os analfabetos estão incluídos e votarão por sinal, erguendo suas mãos. O Partido Comunista Chinês e todas as outras organizações democráticas podem apresentar suas listas, conjuntas ou separadas. O eleitor vai reter o direito de votar por candidatos que não estejam em nenhuma lista.
“As eleições serão por representação proporcional. Um delegado para cada 800 mil habitantes de regiões não-proletárias. Os proletários vão eleger um delegado para cada 100 mil. Mao Tse-tung explica que a lei eleitoral reflete o papel dirigente da classe trabalhadora.”
“Como tem se visto, a lei eleitoral é plenamente democrática para os camponeses e proletários (forças fundamentais da revolução). Ela concretamente estabelece que o direito ao voto não pode ser exercido por contrarrevolucionários e latifundiários que não tenham se convertido à produção. Na China de Mao não há democracia para a reação.”
Esse item apareceu por volta do mesmo período em que o nosso jornal aqui imprimiu o apelo do Comitê Executivo Internacional contra as perseguições sofridas pelos trotskistas chineses. Durante o resto do ano, até ser suprimido, Lucha Obrera não teve uma palavra a dizer sobre esse assunto. Ele nem mesmo relatou as notícias aos seus leitores. E, de fato, por que deveria se importar? Se a revolução está tão bem liderada por Mao Tse-tung, então os trotskistas não são realmente “fugitivos de uma revolução” (como afirmava Pablo)? Como resultado dos eventos revolucionários do pós-guerra, o maoísmo encontrou representantes dentro da Quarta Internacional.
Isso não é uma questão acadêmica para o POR, já que envolve toda a questão da revolução colonial. Maoísmo é colaboração de classes, a ideia da possibilidade de uma “democracia popular” que não é um Estado nem burguês nem proletário, mas um governo de transição. O POR acredita na mesma possibilidade; ele acredita que o governo de Mao seja um governo intermediário. O POR tem muitas coisas bonitas a dizer sobre a Revolução Permanente. A sua verdadeira teoria, entretanto, é uma caricatura do trotskismo. A teoria da Revolução Permanente sustenta que as tarefas democrático-burguesas da revolução colonial só podem ser realizadas por um Estado operário; o POR sustenta que as tarefas socialistas só podem ser realizadas por um governo não-proletário.
O POR não está sozinho nisso, é claro. Ele encontra sua inspiração e apoio no pablismo, que é um dos nomes do maoísmo.
Poderia o maoísmo liderar uma revolução na Bolívia como ele fez na China? Enquanto isso não está absolutamente excluído, é extremamente improvável, muito mais do que era na China. “A revolução avança sob o chicote da contrarrevolução”, disse Marx sobre a revolução francesa de 1848; e essa observação empírica se transformou em uma lei geral. Diante de um poderoso inimigo de classe, a revolução só pode ser bem sucedida se liderada por uma liderança resoluta, completamente consciente, ou seja, o partido marxista; sob os golpes temperantes da contrarrevolução, a liderança vai se desenvolver, se tornar forte teórico e politicamente, e ganhar a confiança da classe trabalhadora.
Na China a classe dominante nativa era muito fraca e muito corrupta, privada do apoio efetivo do imperialismo, ela pôde ser derrubada por uma revolução fraca, contida e sabotada por uma liderança burocrática e colaboracionista de classe. Wall Street não vai permitir uma vitória tão fácil em nenhuma parte do seu império na América Latina, e ele vai ter muito mais poder, tanto político como econômico, para impedir isso do que ele teve na China.
Uma condição adicional foi necessária para o sucesso do maoísmo; a ausência de um partido marxista revolucionário de massas. Já que o maoísmo não é completamente revolucionário, enquanto liderava a revolução para a qual foi forçado pela fraqueza do seu inimigo de classe, ele deforma a revolução, ele expropria politicamente a classe operária.
A vitória do maoísmo resulta em um Estado operário deformado. A expropriação política da classe trabalhadora não pode acontecer de nenhuma outra forma a não ser esmagando a sua vanguarda com consciência de classe e o seu partido marxista. Mao deixou o grosso dessa tarefa para Chiang Kai-shek; esse é o significado do que o CEI chama delicadamente de “falta de coordenação” entre os levantes de trabalhadores em 1945-47 e o movimento camponês, que o Partido Comunista conteve; esse é o significado da perseguição dos trotskistas chineses que não são, como os pablistas vergonhosamente e maliciosamente os chamam, “fugitivos da revolução”, mas na verdade refugiados (se tiverem sorte) da contrarrevolução – a contrarrevolução stalinista que Mao também representa. Entre o maoísmo e o partido marxista não pode haver coexistência pacífica.
Maoísmo é incompatível com o marxismo. É por isso que o pablismo na Bolívia e em toda parte é uma traição ao marxismo e uma liquidação do partido.
Maoísmo dentro da Internacional
Foi objetado (verbalmente, é claro) que eu não critiquei Pablo, mas sim Lora e o POR, e que Lora está agora “do nosso lado”. Se Lora de fato está do lado do marxismo, isso não invalida a conclusão de que ele e o POR foram o instrumento através do qual Pablo traiu a revolução boliviana. Lora pode, é claro, repudiar a linha reformista que ele tem seguido. Isso seria de grande ajuda para rearmar a revolução boliviana, e só poderia ser bem-vindo. Mas se Lora for aceito como um trotskista ortodoxo com base em defender uma revolução na URSS enquanto é pelo reformismo na Bolívia, então a ortodoxia dos “trotskistas ortodoxos” é questionável, e eles dividiriam com Pablo o ônus da traição boliviana.
A luta contra o revisionismo pablista não pode ser confinada a palavras de ordem de “Nenhuma capitulação ao Stalinismo” e “Pelo direito do Partido de existir”. Pelos últimos dois anos o POR foi organizativamente independente enquanto capitulava politicamente ao governo burguês. Por quê? Porque o revisionismo do POR é em uma questão mais fundamental: a natureza de classe do Estado. E o revisionismo pablista como um todo também se baseia fundamentalmente na rejeição da posição marxista sobre a natureza de classe do Estado.
Antes do Terceiro Congresso Mundial, o camarada Cannon reconheceu o perigo. Em 1949, junto com a maioria do Comitê Nacional, ele rejeitou a posição defendida por Cochran e Hansen de que os antigos Estados burgueses da Europa Oriental haviam se transformado em Estados operários sem uma revolução prévia.
“Se você começa a brincar com a ideia de que a natureza de classe do Estado pode ser modificada por manipulações nos altos círculos”, disse o camarada Cannon, “você abre a porta para todos os tipos de revisão de teoria básica […] Isso só pode ser feito por uma revolução que é seguida por uma mudança fundamental nas relações de propriedade.”
Essa profecia foi completamente concretizada; entretanto o profeta prefere permanecer sem honra por sua profecia. Ele prefere combater algumas das manifestações do revisionismo que ele previu e ignorar a base sob a qual este se fundamenta.
Quando o Terceiro Congresso Mundial adotou a mesma posição que o camarada Cannon atacou tão fortemente, ele e todos os seus apoiadores se uniram para endossa-la de forma unânime. Eles aceitaram que os países do Leste Europeu teriam tido um “status intermediário” de 1945 a 1948; eles aceitaram o critério economicista de Pablo e Cochran sobre a natureza de classe do Estado; eles aceitaram a ideia de uma transformação social fundamental e de uma mudança na natureza de classe do Estado sem revolução. Eles não estavam felizes com essa posição; nenhum artigo sequer apareceu defendendo isso ou explicando isso.
Posteriormente eles também aceitaram a posição de Pablo de que a China não era um Estado operário nem burguês, mas um “governo operário e camponês” intermediário. Eles nunca defenderam essa posição tampouco – por escrito – e defenderam-na oralmente apenas quando eles precisaram: quando ficaram diante do ataque da tendência de Vern em Los Angeles. Murray Weiss e Myra Tanner mostraram então que essa posição só poderia ser defendida com o mais aberto e evidente revisionismo – tamanho revisionismo que eles não ousariam colocar por escrito. Eles também aceitaram a traição de Pablo na revolução boliviana, recusando-se também a defender isso por escrito e consentindo a um debate verbal – em Los Angeles – somente depois de muita hesitação e muitas mudanças de opinião.
Nos últimos quatro anos a linha política do movimento internacional esteve nas mãos de Pablo, com os “trotskistas ortodoxos” seguindo-o docilmente. Eles estavam, como disse Murray Weiss, “nas mãos de Pablo”. “Pelo direito do Partido de existir” e “Nenhuma capitulação ao Stalinismo” não podiam ser encontrados em lugar nenhum quando Pablo e Germain apresentaram sua posição maoísta sobre a China. Eles votaram por uma resolução que declarava:
“Ao colocar-se em matéria de doutrina no nível do marxismo-leninismo, ao afirmar que seu objetivo histórico é a criação de uma sociedade comunista sem classes, ao educar os seus quadros nesse espírito, assim como no espírito de devoção à URSS, o PC chinês apresenta de maneira geral as mesmas características que outros partidos stalinistas de massa dos países coloniais e semicoloniais.” (É por isso que o POR se recusa a criticar os stalinistas?).
Eles aceitaram a linha de “apoio crítico” ao governo de Mao, mesmo quando Germain mostrou que isso realmente significava solidariedade com o governo de Mao contra os trotskistas. Com uma brutalidade digna de um Stalin, mas sem precedentes no movimento trotskista, Germain declarou que a recusa em apoiar Mao, como apresentada no CEI pelo camarada Jacques era “contrarrevolucionária”. Nenhum membro da internacional ou de nenhum partido do movimento levantou a voz contra esse ato de brutalidade stalinista. Chamar a posição de Jacques de contrarrevolucionária significava que a diferença sobre dar ou não apoio crítico a Mao não era uma disputa terminológica; significava solidariedade com a polícia secreta contra todo pensamento independente, contra os trotskistas. Os camaradas que emitiram suspiros de choque por uma deserção muito mais insignificante, a de Grace Carlson, reagiram a isso com tranquilidade. Não apenas não houve protesto, mas também essa posição stalinista foi na verdade defendida por Max Geldman, um membro de liderança da maioria, em um debate. “Vocês não tem confiança”, disse Geldman, “vocês desconfiam do CEI”. Isso foi em abril de 1953.
Sim, Vern e Ryan, e os companheiros que apoiam sua posição, não confiavam no CEI dirigido por Pablo e Germain; eles estavam mais do que desconfiados da sua linha revisionista. E eles tinham muito menos conhecimento concreto do que Geldman e o resto do Comitê Nacional deveriam ter. Nós não sabíamos o que Peng [o líder da seção chinesa emigrada] sabia. Mas o marxismo é um guia melhor para pessoas e eventos do que o empirismo ou a fé. Murray Weiss tinha fé em Pablo. “Como vocês sabem”, perguntou ele em um debate com Denis Vern em maio de 1953, “que o Partido Comunista Chinês não pode se tornar um partido marxista?”.
“Eu estou disposto”, respondeu o companheiro Vern, “a afirmar a total validade da minha posição sobre isso: quando a pressão da guerra da Coréia crescer, o governo vai, ao invés de liberar o poder proletário como dizem você e Germain, se tornar ainda mais burocratizado; vai intensificar sua repressão contra os trotskistas.”
Por que eles ficam em silêncio?
Agora os camaradas estão indignados pela zombaria pablista de que os trotskistas chineses são “fugitivos de uma revolução”. Mas indignação não é uma resposta para uma posição política. Os pablistas estão confiantes; eles acreditam que o maoísmo é ou pode vir a ser completamente revolucionário. O que dizem os seus oponentes? Nada. Eles ainda retêm formalmente a posição pablista. Todas as tentativas de levantar a questão encontram um silêncio retumbante. O camarada Stein fez a tentativa de abordar a questão em um documento interno do Núcleo da Maioria, mas ele foi rejeitado e desde então manteve o silêncio. A resolução do Comitê Nacional criticando a linha de Pablo sobre o stalinismo (“Contra o Revisionismo Pablista”, Fourth International, setembro-outubro de 1953) retém a posição de Pablo sobre a China.
Por que eles permaneceram em silêncio? Por que eles permanecem em silêncio, como diz o Comitê Internacional, sobre problemas deixados em aberto, embaçados ou falsificados pela liderança pablista durante “três anos”? Será porque, como nos disseram insipidamente, eles não queriam “dignificar” a tendência Vern respondendo às suas críticas? Mas as questões sobre as quais eles mantêm tal silêncio teimoso envolvem a vida e a morte do movimento! Será o pequeno grupo Vern tão poderoso que ele pode travar as mentes e as máquinas de escrever da liderança do partido em tais questões vitais?
Não. Os “trotskistas ortodoxos” tem uma razão muito mais importante para terem se omitido diante de Pablo. Enquanto Pablo analisou e respondeu a importantes problemas conforme eles surgiam – de uma forma empírica e revisionista – os seus oponentes foram incapazes de dar qualquer resposta a qualquer desses problemas. Tanto Pablo como seus oponentes descobriram que não podem fazer a realidade se adequar à sua doutrina; no aforismo usado por ambos Harry Frankel e Max Geldman, “a teoria é cinza e a vida é verde”. Pablo vira suas costas para a doutrina e concentra seus olhos de uma forma empírica e impressionista na “nova realidade mundial”. Os seus oponentes viram suas costas para os eventos e mentem sua doutrina como um dogma revelado.
O stalinismo não pode ser reformado – diz o camarada Cannon em declarações públicas. Então o PC chinês, que certamente era stalinista, foi ou não reformado? Nenhuma resposta.
A burocracia soviética deve ser derrubada por uma revolução. E quanto à burocracia chinesa? Recusar a dar apoio político a ela ainda é contrarrevolucionário? Nenhuma resposta.
A natureza de classe do Estado, diz o camarada Cannon, não pode ser transformada sem uma revolução. E as mudanças que aconteceram na Europa Oriental? Quando e como esses Estados foram transformados de burgueses a proletários? Sobre essa questão, depois de votar pela posição de Pablo, eles nem a defenderam (quer dizer, por escrito) e nem a combateram.
E eles não responderam a nenhuma pergunta sobre a revolução boliviana.
Será que não é possível encarar a realidade do pós-guerra e ao mesmo tempo manter e defender a doutrina marxista? Claro que sim. Ambos o empirismo de Pablo e o abstencionismo de Cannon tem sua base comum na rejeição do marxismo sobre a natureza do Estado; e isso tem sua origem na questão russa. A crença de que a burocracia soviética é contrarrevolucionária de cabo a rabo, que é a origem dos erros de ambos os lados, significa a rejeição do trotskismo sobre a natureza do Estado soviético.
Quando uma organização da classe trabalhadora, não importa quão burocratizada, leva adiante a luta contra a classe capitalista, não importa quão inadequadamente, isso é uma luta de classe. Se o Estado soviético é um Estado operário, então a luta contra a Alemanha Nazista foi uma luta de classe. Uma guerra de classe é uma luta de classe no nível do poder de Estado – ou seja, guerra-revolução ou guerra-contrarrevolução. Esse pensamento, que foi hesitantemente e equivocadamente aceito com relação a uma possível Terceira Guerra Mundial, foi rejeitado quando diz respeito à Segunda. No entanto, essa é a única posição que pode trazer todos os eventos do pós-guerra, toda a “nova realidade”, em conformidade com a teoria marxista. Com a vitória sobre os alemães, o Exército Vermelho foi deixado como o único verdadeiro poder – o único poder de Estado – na Europa Oriental. Essa foi a revolução, a transferência de poder de uma classe para outra. Sem essa transferência de poder, as subsequentes transformações econômicas e sociais teriam sido impossíveis.
A revolução é ignorada pela Internacional. A burocracia stalinista teria sido contrarrevolucionária de cabo a rabo e, portanto, não poderia realizar a revolução. Os Estados da Europa Oriental não poderiam ser Estados operários, concluiu a Internacional; eles ainda devem ser Estados burgueses – Estados burgueses degenerados, no caminho da assimilação estrutural pela União Soviética. Mas o Terceiro Congresso Mundial não podia ignorar as transformações econômicas e sociais fundamentais que haviam ocorrido; eles devem ser Estados operários. Como eles surgiram? Estados burgueses no caminho da assimilação estrutural acabaram virando Estados com um “status intermediário”, Estados de transição, a traição do marxismo sobre a questão do Estado. Os “trotskistas ortodoxos” assentiram à traição teórica porque eles não tinham saída. E eles ainda mantem o seu erro original, a causa da sua rendição a Pablo.
A burocracia soviética é contrarrevolucionária de cabo a rabo e até a medula? Os “velhos trotskistas” não conseguem nenhum apoio de Trotsky nesse ponto. Eles só podem encontrar uma citação que pode de alguma forma parecer apoiar os seus pontos de vista. E essa frase é parte de uma passagem em que Trotsky explica a Shachtman que o Estado soviético é contrarrevolucionário, mas ainda assim um Estado operário. Os camaradas têm suas próprias boas razões para chamar a tendência Vern de “talmúdica” ou “escolástica”. Admitindo que a burocracia cumpre algum papel progressivo, o camarada Weiss aponta que às vezes políticos burgueses também fazem algumas coisas progressivas sem mudar seu caráter completamente reacionário.
Isso mostra a completa falta de preocupação com relação a distinções de classe. Construir estradas, financiar pesquisa científica, etc. pode ser progressivo no sentido geral da luta pelo controle da natureza; mas para os marxistas, os termos progressivo e reacionário tem um significado político apenas em relação à luta de classes. Um capitalista que faz uma concessão em resposta a uma luta não é mais progressista do que aquele que resiste; o efeito da resistência do capitalista pode ser até mais progressivo no caso de isso forçar os trabalhadores a se organizarem e a lutarem de forma mais combativa. Enquanto um capitalista que faz as concessões mais liberais não está fazendo nada de progressivo, um líder sindical que organize um piquete está. E a atividade da burocracia soviética em organizar a luta contra a contrarrevolução de Hitler foi profundamente progressiva. Se a burocracia tivesse desertado (e muitos burocratas o fizeram) a União Soviética teria sido conquistada. Pode-se objetar que a ausência de uma alternativa, uma liderança marxista, foi totalmente devido à supressão feroz da burocracia – e isso é a pura verdade. Mas isso meramente serve para mostrar o papel dual da burocracia, ao mesmo tempo progressiva e reacionária.
Se o Estado soviético é de fato um Estado operário, então como pode o administrador do Estado, confrontado não apenas com uma classe trabalhadora rebelde, mas também com uma feroz burguesia contrarrevolucionária, ser de cabo a rabo, e até a medula, contrarrevolucionário? Essa posição não pode ser sustentada de forma consistente; os apoiadores do Comitê Internacional ainda não podem negar as mudanças fundamentais na Europa Oriental. Eles insistem que as mudanças foram realizadas por “ação militar-burocrática” e que os stalinistas chineses não são mais stalinistas. Como isso prova a natureza supostamente completamente contrarrevolucionária da burocracia soviética, isso ninguém até agora o demonstrou.
A escolha não pode ser ignorada: ou abandonem a teoria de que a burocracia soviética é contrarrevolucionária de cabo a rabo ou então abandonem de forma completa e aberta o marxismo sobre a questão do Estado. A escolha terá de ser feita. O silêncio terá de ser quebrado. Até que esse momento chegue, a luta contra o pablismo não pode ser levada até o fim.
Acima de tudo, e mais importante que tudo, o silencio a respeito da revolução boliviana deve ser quebrado. A traição de Pablo deve ser exposta e combatida. Se o silêncio de Pablo sobre a Bolívia é um sinal de seu abandono do marxismo enquanto ciência, o que devemos dizer do silêncio de seus oponentes? Permanecer em silêncio é proteger os traidores e compartilhar da sua traição.
Nós precisamos de solidariedade internacional
Não apenas não houve discussão sobre a revolução boliviana, como se nós não tivéssemos nada a aprender com ela e nenhuma ajuda política a oferecer; a revolução boliviana esteve quase completamente ausente da atividade de propaganda do partido.
Quando a revolução começou, dois anos atrás, o jornal respondeu rapidamente e publicou uma boa quantidade de material nas primeiras semanas. George Breitman escreveu muitos bons artigos que mostram que ele sabe qual deveria ter sido uma política revolucionária. Ele até mesmo chamou o governo do MNR de um governo burguês, e escreveu que “seria melhor se presença de Lechín no gabinete fosse curta”.
Mas depois das primeiras semanas, o jornal só publicou algumas referências ocasionais à revolução boliviana. Breitman aparentemente perdeu o interesse até que, cutucado pela supressão de Lucha Obrera, ele escreveu um pequeno artigo no qual ele novamente chamou o governo do MNR de “um governo capitalista”. Mesmo quando Labor Action[o jornal de Shachtman] acusou os líderes do POR de terem aceitado postos nas comissões governamentais, nenhuma resposta foi antecipada. Mesmo uma carta escrita pelo Secretário do POR negando as acusações foi rejeitada para publicação. (Nesse ponto, eu admito uma circunstância atenuante: a negação do POR pareceu ser meramente diplomática. O secretário do POR negou estar no governo, mas não disse nada sobre participar das comissões. Uma carta aberta para o Labor Action, prometida pelo secretário do POR, jamais apareceu.)
Desde as primeiras semanas, o jornal imitou a linha do POR, chamando o governo do MNR de pequeno-burguês, apontando para a presença de dirigentes sindicais no gabinete como prova do seu caráter progressivo, e depois acusando o MNR de trair a revolução. A última vez, até o fechamento dessa carta, que foi feita menção da revolução boliviana foi em 28 de dezembro [de 1953]. Foi um editorial lidando com a supressão de Lucha Obrera. O editorial denunciou os covardes dirigentes sindicais pelo seu silêncio sobre a Bolívia! Mas o jornal conseguiu uma vitória. Depois de dois editoriais chamando pelo reconhecimento do governo do MNR, sem quaisquer protestos de massa, sem reuniões públicas ou petições, o Departamento de Estado foi convencido. Os dois editoriais posteriores protestando contra a supressão de Lucha Obrera não tiveram o mesmo efeito.
O partido não fez nada para popularizar, defender ou explicar a revolução boliviana para o público. Em dois anos só houve uma reunião pública sobre a Bolívia; não uma reunião por filial, mas uma reunião para todo o partido! Ela aconteceu em Nova Iorque, e Bert Cochran foi o palestrante. A revolução boliviana é algumas vezes mencionada em orações de fim de semana, a maior parte das vezes nem isso. Só houve uma discussão de filial sobre a revolução boliviana em todo o partido, um debate em Los Angeles; e ele aconteceu seis meses depois de ter sido requisitado. “Vocês tem uma fixação na Bolívia”, me disseram, “nós estamos ocupados com a revolução americana”. Isso partiu do organizador da filial de Los Angeles, com a sua enorme população latina!
Essa negligência vergonhosa do dever elementar de solidariedade internacional está em contradição flagrante com as diretivas dadas pelo Congresso de Fundação da Quarta Internacional:
“Da mesma forma que as seções latino-americanas da Quarta Internacional devem popularizar em sua imprensa e agitação as lutas dos movimentos revolucionários e operários americanos contra o inimigo comum, sua seção nos EUA deve devotar mais tempo e energia em seu trabalho de agitação e propaganda para explicar ao proletariado norte-americano as posições e lutas dos países latino-americanos e de seus movimentos operários. Toda ação do imperialismo americano deve ser exposta na imprensa e em manifestações e, em determinadas situações, a seção dos EUA deve tentar organizar movimentos de massas para protestar contra atividades específicas do imperialismo norte-americano.”
“Além disso, a seção norte-americana, pela utilização da literatura em língua espanhola da Quarta Internacional, deve buscar organizar, mesmo que numa escala modesta de início, as forças militantes revolucionárias entre os milhões de trabalhadores filipinos, mexicanos, caribenhos e das Américas Central e do Sul residentes nos Estados Unidos, duplamente explorados, não apenas com o objetivo de uni-los ao movimento operário nos EUA, mas também com o objetivo de aproximar-se dos movimentos revolucionários e operários em seus países de origem. Esta tarefa será desenvolvida sob a direção do Secretariado Americano da Quarta Internacional, que publicará a literatura necessária e organizará o trabalho para este objetivo.”
Devido a uma legislação reacionária, a filiação internacional está impedida. Mas nenhuma lei capitalista pode impedir trotskistas ortodoxos genuínos de agir como internacionalistas. A revolução boliviana deveria ter para nós ao menos a mesma importância que uma greve em Minneapolis ou Detroit.