As manifestações em Cuba e os diversos riscos de uma restauração capitalista

Por Marcio T., 15/07/2021

No último dia 11 de julho ocorreram manifestações em várias cidades cubanas, de teor crítico ao governo. Elas chamaram atenção não tanto pelo volume de pessoas mobilizadas, mas por terem se espalhado rapidamente por cerca de 20 cidades, incluindo Havana. A mídia burguesa internacional as comemorou com visível entusiasmo e políticos dos EUA e de outros países já clamam por uma intervenção militar estrangeira que derrube o governo cubano, demagogicamente falando em, com isso, “ajudar” o povo cubano. Setores da esquerda socialista, por sua vez, se dividiram entre um apoio acrítico ao regime cubano, denunciando as manifestações como uma operação contrarrevolucionária dirigida pela CIA, clamando por repressão da parte do governo, e uma euforia igualmente acrítica, encarando que, por terem algumas demandas justas e caráter popular, elas seriam, necessariamente, progressistas e levariam a resultados positivos. Como as manifestações provavelmente vão se repetir em breve, é fundamental uma compreensão da situação de Cuba, para além de posicionamentos automáticos e rasteiros.

Ajudar o povo cubano começa por acabar com o bloqueio

É óbvio para qualquer um que esteja disposto a enxergar que o bloqueio internacional a Cuba, imposto pelos EUA, é a raiz da maior parte dos seus problemas. Isso também é óbvio para muitos cubanos, que sentem na pele a escassez de alimentos, medicamentos, energia elétrica e tantos outros itens básicos, que o país é impedido de comprar, mesmo tendo recursos (ainda que limitados) para tal. 

O bloqueio se tornou mil vezes pior após a dissolução da URSS, de quem Cuba dependia enormemente para obter matérias-primas, maquinários e produtos industrializados. Os anos 1990 foram marcados por um enorme desmonte da indústria cubana, impedida de operar pela falta de energia e insumos, gerando grande escassez e penúria para a população. Foi só nos anos 2000 que a situação da ilha melhorou um pouco, com uma recuperação parcial através do incentivo ao turismo, da abertura para operação de algumas empresas estrangeiras na área hoteleira e varejista e do apoio venezuelano, com venda de petróleo a preços baixos.

Durante os anos Obama, os EUA apostaram em uma reaproximação diplomática e afrouxaram alguns aspectos do bloqueio para permitir investimento estadunidense na ilha – um projeto gradual de restauração do capitalismo, conquistando terreno de pouco em pouco e disputando ideologicamente a população para ilusões pró-capitalistas. Isso mudou com a gestão Trump, que retomou e intensificou a política de estrangulamento econômico de Cuba, se alinhando mais estreitamente à antiga burguesia cubana refugiada em Miami, desejosa de recuperar suas propriedades e investimentos perdidos. Com a pandemia, a economia cubana ficou ainda mais prejudicada, pois perdeu boa parte do turismo, que era sua principal fonte de moeda estrangeira. Assim, nos últimos anos, a ilha voltou a enfrentar grande escassez de itens básicos, apagões de energia e desativação de empresas, o que afetou gravemente o nível de vida da população.

Portanto, qualquer posição minimamente progressista em relação a Cuba deve, necessariamente, começar pela condenação do bloqueio e pela oposição a qualquer tentativa de intervenção ou ingerência dos EUA na ilha. É inadmissível a violação da soberania cubana por potências imperialistas, interessadas em tornar novamente a ilha em uma semicolônia, para drenar seus recursos naturais e explorar seus trabalhadores!

Mas o bloqueio não é o único problema: não há socialismo em uma só ilha e sem democracia proletária

Mas quem para aí deixa de lado um outro grande problema, que é a existência de uma burocracia parasitária que controla a política e a economia do país, censurando e reprimindo vozes dissidentes para manter seus privilégios. A burguesia e o imperialismo foram expropriados pela Revolução Cubana. Mas não foi erguido, no lugar do Estado burguês destruído um regime de democracia proletária, baseado em assembleias e conselhos proletários e camponeses, como nos primeiros anos da Revolução Soviética. Ao invés disso, os comandantes do Exército Rebelde castrista e a burocracia sindical stalinista se apoderaram do poder político, inclusive fazendo expurgos em suas próprias fileiras, contra setores mais alinhados à radicalidade das bases. Também reprimiram aqueles que defendiam um regime de democracia proletária, como trotskistas e anarquistas, apesar de seu engajamento no processo revolucionário. Com isso, surgiu um Estado operário burocratizado, que combina a manutenção das conquistas sociais da revolução com uma gestão ditatorial da propriedade social por parte dessa burocracia.

Para mais detalhes sobre o processo da Revolução Cubana, recomendamos a leitura desse texto: https://rr4i.milharal.org/2021/02/09/o-papel-da-classe-trabalhadora-na-revolucao-cubana/.

Essa gestão burocrática envolve a proibição (ou, o que dá no mesmo, um inferno burocrático para obter sua legalização) da formação de organizações políticas independentes do Partido Comunista, mesmo quando defensoras da revolução e do socialismo. Envolve, também, a repressão a mobilizações independentes, inclusive com o uso de violência policial – como costumeiramente se vê em passeatas em prol de direitos LGBT, mesmo que elas não tenham nenhuma pauta contra a revolução e o socialismo. Envolve, ainda, o controle verticalizado e autoritário da propriedade social, o que impede sua devida gestão, que deve ser necessariamente democrática (feita pelos próprios trabalhadores) – caso contrário, predominam desperdícios, gargalos e corrupção, pela falta de articulação horizontal entre as empresas e noção real das necessidades da população.

Temerosa de perder seu poder e os privilégios materiais que obtém através dele, essa burocracia contribuiu para a manutenção do isolamento cubano ao não ter apostado na via do internacionalismo revolucionário. Mesmo no breve período da OLAS, em que o regime buscou expandir e apoiar movimentos de guerrilhas, o programa político era limitado à soberania nacional, sem ruptura com as burguesias latino-americanas. Nos anos 1970, diante de possibilidades muito reais de novas revoluções sociais na América Latina, como no Chile e Nicarágua, a burocracia cubana atuou no sentido de aconselhar pela não ruptura com o capitalismo. Sua estratégia, portanto, era de uma América Latina soberana, porém capitalista, com governos “progressistas” aliados a Cuba – uma utopia, pois não há soberania para os países periféricos sem revolução socialista nos centros imperialistas).

O regime cubano sem dúvidas tem uma forte tradição de solidariedade internacional, inclusive em processos de aguda luta de classes, como na libertação nacional de Angola. Mas solidariedade internacionalista não é a mesma coisa que internacionalismo revolucionário, o que todo apologista de esquerda do regime cubano (e da antiga URSS) faz questão de ignorar. Isolada nacionalmente, ou apenas contando com favores de alguns governos burgueses amigos (que, como todo governo burguês, só “ajuda” em troca de algo), a Revolução Cubana simplesmente não pode sobreviver.

Essa impossibilidade do “socialismo em um só país” tem levado a burocracia cubana a abrir cada vez mais a economia do país a investimentos estrangeiros, relações de mercado e expansão da propriedade privada. É disso que se trata a “Tarea Ordenamiento” de Raúl Castro e Miguel Diaz-Canel. Com isso, a burocracia consegue captar alguns recursos para dar uma sobrevida à experiência cubana. Mas o preço disso é uma crescente desigualdade social e desmonte das conquistas sociais da revolução, na forma de fim ou redução drástica de subsídios a empresas estatais e a famílias trabalhadoras. Isso também leva ao fortalecimento de setores proprietários interessados numa restauração plena das relações capitalistas e na reconstrução de um Estado controlado pela burguesia. O próprio regime tem usado seus meios de informação oficiais, como jornais e canais de televisão, para atacar abertamente o ideal igualitarista da Revolução Cubana e defender maior abertura às relações de mercado e propriedade privada.

Esse projeto de “reformas” é uma bomba-relógio, cujo resultado vimos no Leste Europeu e na URSS ao fim do século passado. Setores da própria burocracia, desejosos de se converterem em burguesia e, com isso, assegurarem maior estabilidade material e mesmo elevação de seus padrões de vida, se engajaram em uma contrarrevolução junto a aos novos proprietários surgidos das suas próprias “reformas” econômicas e a forças pró-imperialistas. Contaram, ainda, com apoio de setores de massas que rejeitavam o socialismo, após décadas sendo deseducadas de que a ditadura stalinista, com seus problemas econômicos e falta de liberdades, era sinônimo de socialismo. Setores esses que foram iludidos de que uma restauração capitalista melhoraria suas condições de vida, deterioradas pelo prolongado isolamento internacional, pela gestão burocrática da propriedade social, e pelas reformas de austeridade da burocracia, e que traria democracia.

Em breve pretendemos escrever um texto mais detalhado sobre as “reformas” econômicas em curso em Cuba, mas recomendamos essa live realizada em fevereiro para maiores informações: https://www.youtube.com/watch?v=zrRTkKWbhvg.

Em Cuba, a crescente desigualdade social e penúria decorrentes não só do bloqueio, mas também das “reformas” recentes, já está gerando descontentamento popular. Descontentamento esse que se torna ainda maior diante da manutenção dos privilégios da burocracia, que pede sacrifícios à população, mas não faz nenhum por conta própria. Cresce, também, devido à ausência de participação popular nas decisões sobre a profundidade e extensão dos sacrifícios exigidos e das mudanças realizadas – apresentadas pelo regime como a única via possível.

Por isso, apenas o fim do bloqueio não basta para solucionar os problemas de Cuba. Mesmo sem o bloqueio, Cuba não conseguiria caminhar rumo ao socialismo estando isolada internacionalmente. Ao invés disso, o que ocorreria foi o que ocorreu no Leste Europeu e outros Estados operários burocratizados ao longo dos anos 1970 em diante: uma crescente integração ao mercado mundial capitalista, com todas as consequências negativos que isso traz, e com o fortalecimento de tendências e forças políticas restauracionistas dentro do país.

Não há outra solução possível que a expansão internacional da revolução, com a expropriação da burguesia e do imperialismo nos países vizinhos, para que Cuba possa contar com uma genuína solidariedade socialista. Por isso, não há coerência nos socialistas que prestam solidariedade a Cuba, porém, em seus respectivos países, deixam a luta pela revolução para os “dias de festa” e se subordinam politicamente a setores “progressistas” da burguesia e a forças capitalistas “progressistas” – como ocorre hoje no Brasil em relação ao apoio da esquerda socialista a Lula e ao petismo, gerando ilusões na possibilidade um capitalismo que seja bom “para todos”.

Ademais, apesar do futuro de Cuba se resolver, sobretudo, na arena internacional, também é fundamental a superação, pelo proletariado cubano, do regime de ditadura da burocracia, que sabota a manutenção das conquistas sociais da revolução, ao apostar em crescentes concessões às relações capitalistas, na conciliação com governos burgueses e ao rejeitar as ideias igualitaristas do socialismo. Ao fim e ao cabo, essa burocracia joga água no moinho da contrarrevolução, ainda que não esteja, no momento, diretamente engajada em uma restauração do capitalismo. Mas mesmo isso não tardará a acontecer, conforme setores da burocracia percebam que não conseguem mais manter seus privilégios com a crescente desagregação econômica de Cuba, e percebam que terão melhor sorte se conseguirem se converter em proprietários burgueses – tal qual ocorreu no Leste Europeu e na URSS.

Por isso, defender Cuba de forma incondicional contra uma intervenção imperialista, ou tentativas de ingerência estrangeira, e defender de forma incondicional as conquistas da Revolução Cubana contra tentativas de restauração capitalista, não pode se confundir com um alinhamento político com a burocracia cubana. Pois essa burocracia é parte do problema, contribuindo para seu prolongamento e agravamento. Os trabalhadores cubanos precisam tomar o poder em suas mãos, removendo a burocracia e o seu aparato de controle político, o mal-nomeado Partido Comunista, do Estado.

Em seu lugar, devem erguer um regime de democracia proletária, com controle do Estado a partir de órgãos de autogestão organizados desde as bases dos locais de trabalho. Esse regime, diferentemente do atual, deve engajar toda a classe trabalhadora na gestão da propriedade social e na busca de soluções para os problemas econômicos, deve incentivar processos revolucionários em outros países (ao invés de alianças com burgueses “de esquerda), dar liberdade de organização e manifestação aqueles comprometidos com a defesa das conquistas sociais da revolução, remover os privilégios materiais da burocracia e reestabelecer os ideais e mecanismos de igualitarismo social. É isso que nós trotskistas chamamos de “revolução política”.

Os protestos de 11 de julho: nem contrarrevolução da CIA, nem algo essencialmente progressista

Diante dos ataques explícitos da burocracia ao ideal igualitarista da revolução, denunciado como retrógrado nos jornais oficiais do regime, da piora das condições de vida da maior parte da população – não apenas por conta do bloqueio e da pandemia, mas também das reformas e da austeridade impostas pelo regime – e da falta de democracia, era inevitável que ocorressem manifestações contra o governo. Isso não significa, porém, que toda e qualquer manifestação contra o regime burocrático é progressista e levará a uma revolução política.

Protestos menores já vinham ocorrendo de forma isolada nos últimos meses. Alguns lidavam com medidas de austeridade mais draconianas estabelecidas pela “Tarea Ordenamiento”, como o aumento dos preços dos restaurantes populares, que havia praticamente inviabilizado seu uso por trabalhadores aposentados. Esse e algumas outras medidas foram revertidas após a pressão popular. Esse tipo de protesto é inegavelmente progressista, pois se trata da defesa das conquistas sociais da revolução e das condições de vida da população trabalhadora.

Mas também vinham ocorrendo protestos de pautas mais difusas, em prol de uma abstrata democracia e liberdade de expressão. Estes eram protagonizados, sobretudo, por intelectuais e artistas, e não tinham nem uma defesa explícita do socialismo, nem das conquistas da revolução. O que mais chamou atenção recentemente foi o protagonizado pelo “Movimento San Isidro”, em novembro de 2020. Esse grupo, formado por artistas, vinha usando as redes para protestar por liberdade de expressão e denunciando atos de censura que, de fato, eram injustificadas, pois envolvia suprimir opiniões que não tinham nada de pró-capitalistas ou contrarrevolucionárias – apenas eram independentes dos aparatos estatais e sua propaganda oficial.

Em novembro, um dos membros desse movimento foi detido de forma ilegal e os demais ocuparam um edifício em resposta, o qual logo foi desocupado pela polícia, levando a mais detenções. Há relatos de participação de indivíduos abertamente pró-Trump nessa ocupação, o que mostra o perigo de protestos com pautas difusas, que não se demarcam claramente em relação à defesa das conquistas sociais da revolução. No dia 27, cerca de 300 pessoas protestaram em frente ao Ministério da Cultura contra a censura e repressão ao Movimento San Insidro, e protestos menores ocorrem em outras cidades, como Santa Clara. Esses protestos do dia 27 reuniram setores muito heterogêneos, como defensores da revolução que discordam da censura, mas também grupos reacionários, pró-imperialistas e pró-capitalistas, que usam a bandeira da democracia para legitimar um projeto de contrarrevolução restauracionista.

Numa situação de cerco imperialista e constante ameaça contrarrevolucionária, manifestações por “liberdade de expressão” e “democracia” em abstrato, sem deixar claro a defesa da revolução e suas conquistas sociais, podem ser facilmente instrumentalizadas por forças reacionárias, interessados numa restauração capitalista. Mais uma vez, foi o que ocorreu nos Estados operários burocratizados do Leste Europeu e URSS, em 1989-91, com a contrarrevolução tendo assumido a forma de uma reação democrática, apoiada em razoável mobilização popular por “democracia”. Por isso, a defesa da democracia contra a ditadura de burocracia deve sempre estar associada à defesa incondicional das conquistas sociais da revolução e da propriedade social, à firme oposição a qualquer intervenção imperialista e também a um posicionamento claro sobre que tipo de democracia desejamos: não a falsa democracia representativa da burguesia, usada para encobrir sua ditadura de classe, mas a democracia proletária, dos conselhos e comitês de trabalhadores e camponeses.

Nos protestos do dia 11 todos os elementos mencionados se misturaram: indignação de trabalhadores com a piora das suas condições de vida, repúdio à censura e repressão indiscriminados, e também o uso demagógico da defesa da democracia por setores contrarrevolucionários e pró-imperialistas. Tratou-se de protestos em grande parte espontâneos, convocados pelas redes sociais (que são um elemento bem recente em Cuba, fruto de uma abertura parcial promovida durante a gestão de Raúl Castro), com composição e pautas heterogêneas e sem uma liderança política estabelecida.

O governo rapidamente os denunciou como protestos pró-imperialistas e usou de repressão policial em várias cidades, inclusive prendendo militantes reconhecidamente socialistas em Havana (alguns, inclusive, membros do PC). Contudo, relatos diversos circulados por socialistas cubanos nas redes sociais dão conta de que as manifestações foram pautadas por demandas por comida, medicamentos e melhores condições de vida, e tiveram caráter popular. Em Havana, por exemplo, boa parte dos detidos pela polícia são moradores de Centro Habana, bairro popular para onde muitos migraram das províncias de interior, fugindo da fome na crise dos anos 1990. Setores comprometidos com a defesa da revolução estavam presentes e, inclusive, foram reprimidos com prisão (veja em anexo a nota de solidariedade a Frank Garcia Hernandez e outros militantes socialistas presos em Havana durante o protesto).

De certa forma, o próprio regime reconheceu haver legitimidade nesses protestos, pois Diaz-Canel foi pessoalmente a San Antonio de los Baños, onde as manifestações começaram, para dialogar com a população que estava nas ruas e tentar apaziguar os ânimos. Acaso o Presidente iria a uma manifestação de “mercenários da CIA”, como os meios de comunicação do regime posteriormente acusaram (quando ficou claro que a tentativa de apaziguamento não funcionou)?

Ao mesmo tempo, é fundamental reconhecer que os protestos também tiveram como eixo uma defesa abstrata da democracia contra o regime, e rapidamente se espalhou nas redes o slogan “SOS Cuba”, chamando à ingerência estrangeira na ilha, e “Pátria e vida” – este último, referência ao rap “Patria y vida”, que denuncia as reformas econômicas recentes e clama por “liberdade, não mais doutrinas” e “pátria e vida”, ao invés do slogan nacionalista da revolução, “pátria ou morte”. Grupos de direita, pró-imperialistas e pró-capitalistas, certamente estiveram presentes e tentaram disputar a indignação da população para seus próprios fins contrarrevolucionários, mas as manifestações não foram capturadas por essas forças de maneira imediata e automática.

Dito isso, a conclusão é que tal espontaneidade e heterogeneidade não permite a caracterização dos protestos do dia 11 como uma operação contrarrevolucionária da CIA, como quer o regime cubano e seus defensores acríticos em outros países. Ao mesmo tempo, é oportunista, e totalmente condenável, a postura de apoio acrítico visto por parte da esquerda socialista a essas manifestações, simplesmente por terem caráter popular e algumas demandas progressistas, ignorando os riscos representados pela presença da direita. Dada essa heterogeneidade, está colocada a disputa pelo sentido e conteúdo desses protestos ou, em termos mais gerais, do sentido e conteúdo da crescente insatisfação popular com o regime e a piora das condições de vida. O caráter dessas manifestações não está definido e dependerá de seu desenrolar.

Nós marxistas defendemos um movimento de luta contra a burocracia que tenha uma clara composição, pautas e interesses proletários diante das recentes reformas e da condução do país, delimitando-se claramente contra o imperialismo e a restauração do capitalismo. Não apoiaremos movimentos “democráticos” que auxiliem a contrarrevolução em Cuba, um Cavalo de Tróia que destruiria muitas conquistas sociais.

Os dados estão lançados: contrarrevolução restauracionista versus manutenção das conquistas sociais e revolução política

Por ora, o regime reagiu demonstrando força, com manifestações de apoio muito maiores tendo ocorrido no dia 12. Contudo, há uma direita muito bem preparada na ilha para disputar essa insatisfação e, com isso, convocar novos protestos, de conteúdo mais claramente definido que os do dia 11. A própria burocracia, que no dia 11 prendeu ativistas socialistas e LGBT, permitiu o crescimento de “ONGs” pró-capitalistas, igrejas evangélicas e grupos de direita na ilha nos últimos anos, os quais, com o grande apoio midiático que estão recebendo da imprensa burguesa internacional, e, certamente, também apoio operacional e material de agências do imperialismo como a CIA, se encontram numa posição favorável para manobrar as legítimas insatisfações da população cubana e usá-las para um processo contrarrevolucionário revestido de ares “democráticos”.

A única forma de evitar isso é com a formação de uma coluna de quadros socialistas, organizados em um partido independente da burocracia, que disputem essa insatisfação legítima para outro caminho, demonstrando, desde os locais de trabalho e bairros populares, que o regime burocrático não é um legítimo representante da causa socialista, e principalmente que a interferência estrangeira e a restauração do capitalismo não são solução para os problemas enfrentados pelo povo cubano – ao contrário, só vão agravá-los sobremaneira. É necessária uma firme oposição ao bloqueio, a qualquer interferência estrangeira e um firme repúdio e combate às forças de direita, pró-capitalistas, mas sem prestar nenhum apoio político à burocracia, que, ao desacreditar cada vez mais o socialismo, joga água no moinho da contrarrevolução. Enquanto as manifestações de oposição se mantiveram heterogêneas e sem uma liderança e programa pró-capitalista, é dever dos socialistas disputa-las para tal programa.

Infelizmente, porém, o cenário mais provável é que as forças de direita consigam hegemonizar a insatisfação popular no próximo período, convocando e dirigindo manifestações próprias, com conteúdo pró-capitalista e pró-imperialista, ainda que revistado com defesa abstrata da democracia. Nesse cenário, mesmo mantendo firme oposição ao regime burocrático, é dever dos socialistas verdadeiros cerarem fileiras contra qualquer tentativa de contrarrevolução, apoiando eventuais ações da burocracia para suprimí-las e organizando iniciativas próprias no mesmo sentido, as quais possam servir de base, no futuro, para a luta contra a própria burocracia, em defesa da revolução e do socialismo.

Abaixo o criminoso bloqueio imperialista a Cuba! Abaixo qualquer interferência estrangeira! Defesa incondicional das conquistas sociais da revolução cubana! Expulsão das agências e forças contrarrevolucionárias atuantes nas manifestações! Não à repressão das vozes favoráveis à revolução e às suas conquistas! Por um partido socialista dos trabalhadores, que lute pela defesa das conquistas sociais da Revolução Cubana e por uma democracia proletária! Abaixo a burocracia, viva o socialismo! Pela expansão internacional da revolução, para que Cuba possa romper verdadeiramente seu isolamento!

ANEXO – Liberdade e anistia para Frank Haernandez e demais socialistas detidos no dia 11

Nota do Comitê Mário Pedrosa sobre os recentes acontecimentos em Cuba

São Paulo, 12 de julho de 2021

Os membros do Comitê Mário Pedrosa, organizador do Evento Online Trótski em Permanência 2021 e do II Encontro Internacional Leon Trótski 2022, vêm a público manifestar solidariedade aos militantes comunistas e revolucionários que foram presos pelo governo cubano durante as manifestações políticas de 11 de julho de 2021 em Cuba.

Dentre os detidos, encontra-se nosso camarada Frank García Hernández, organizador do I Encuentro Internacional Leon Trótski, em maio de 2019 em Havana, membro deste Comitê Mário Pedrosa, notório defensor do Comunismo na Ilha, estudioso marxista e membro do Partido Comunista Cubano.

A bandeira crítica dos militantes de esquerda, defensores do Comunismo em Cuba e engajados na defesa da construção do Socialismo e contra os riscos de restauração capitalista na Ilha, não se confunde de modo algum com palavras de ordem reacionárias, oportunistas e contrarrevolucionárias, tais como a que clama por “pátria e vida”.

Esses companheiros cubanos são militantes internacionalistas e visam contribuir para a construção do Socialismo em Cuba. Suas vozes têm de ser ouvidas pelo governo cubano, e não censuradas!

O Comitê Mário Pedrosa conclama o governo cubano pela imediata liberdade dos militantes comunistas detidos nessas manifestações e pela abertura de diálogo com as vozes críticas revolucionárias da esquerda cubana.

Ademais, o Comitê Mário Pedrosa condena veementemente o embargo econômico contra Cuba e seu recrudescimento por parte dos EUA, reconhecendo a atual gravidade sanitária e as consequências funestas para a economia cubana em decorrência da crise da Covid-19. O embargo econômico e político norte-americano só faz agravar ainda mais a situação dramática pela qual passa o povo cubano devido à pandemia.
Este Comitê Mário Pedrosa se solidariza com o povo cubano de modo incondicional, na luta contra o Imperialismo e na defesa do Comunismo cubano!

Pela liberdade de pensamento e crítica!
Pela Defesa Incondicional de Cuba!