Contra a reação capitalista, por uma alternativa dos trabalhadores

Manifestação “Ele Não”, em 30 de setembro, mostra disposição de luta contra a reação, mas que tem sido canalizada para as eleições e expectativas nas Instituições do Estado burguês. Foto: G1

A extrema-direita cresce e a esquerda se associa ao projeto falido de “colaboração de classes” do PT

Por Rafael Ferreira, outubro de 2018. Uma pequena adição foi feita para fins de maior clareza em 23/10/18, sem alteração das posições aqui expressas.

Passamos por um momento preocupante na política brasileira. Após o esgotamento do governo do PT de colaboração com a classe dominante, e um golpe que acelerou a retirada de direitos dos trabalhadores, estamos em uma situação de crise política e econômica, onde não só os direitos trabalhistas e sociais estão sendo arrancados, mas também as liberdades mais básicas estão ameaçadas, e há o crescimento de forças de extrema-direita nas urnas e no cotidiano.

A chegada de Bolsonaro ao segundo turno em primeiro colocado, a eleição de uma forte bancada conservadora e reacionária para o Congresso nacional e as ações repressivas cada vez mais frequentes da polícia, não são a causa, mas o efeito da disposição de uma parcela crescente da classe dominante e do Estado burguês em esmagar os direitos dos trabalhadores a qualquer custo, para aumentar seus lucros e garantir maior estabilidade; e de uma falência dos projetos burgueses adversários, especialmente o da direita neoliberal tradicional (PSDB/DEM), mas também o do “pacto de classes” capitalista proposto pelo PT.

A questão que se coloca de forma imediata é: como enfrentar e derrotar a reação personificada por Bolsonaro, mas que na verdade está concretizada pelas instituições repressivas do Estado burguês e por amplos setores da classe dominante? Para nós, há duas posições principais: tentar emplacar um novo governo ao Estado capitalista, como foram os governos do PT de conciliação com os empresários, ou criar uma forte alternativa proletária capaz de fazer recuar a reação. Enganam-se aqueles que pensam que essas duas respostas podem ser combinadas ou conciliadas, especialmente nesse momento de aguda crise.

A trajetória recente do projeto petista de “colaboração de classes” e a sua subordinação às estruturas reacionárias

Diante dessa conjuntura difícil, em que o mais inescrupuloso e reacionário projeto de Bolsonaro/PSL pode chegar ao poder por vias eleitorais, muitos lutadores pelas causas sociais e pelos direitos dos trabalhadores buscam, ansiosos, uma alternativa. Nesse processo, muitos sucumbiram ao desespero e passaram a defender, desde o primeiro turno, o “voto útil” em candidaturas que, ainda que burguesas, tinham chances de derrotar eleitoralmente a extrema-direita, como Haddad/PT e Ciro Gomes/PDT. É um voto não por convicção, mas pelo “pragmatismo”, contra Bolsonaro. Essa posição, embora justificada do ponto de vista emotivo, não ajuda a resolver a situação. Pelo contrário, ela desloca a conjuntura cada vez mais à direita, ao enfraquecer as alternativas da classe trabalhadora e reduzir a disputa entre um programa burguês e um programa burguês “radical” de extrema-direita.

Chegamos a essa situação após longo período de “colaboração de classes”, isso é, um governo que dizia ser possível conciliar os interesses da classe trabalhadora e da burguesia, mas que na verdade subordinava os trabalhadores aos grandes capitalistas. Ele obteve relativo sucesso enquanto o país viveu momentos de crescimento econômico (principalmente nos dois governos Lula), onde foi possível garantir alguns benefícios aos trabalhadores e à população no geral, através de programas sociais, sem afetar o crescimento dos lucros da burguesia que, por sua vez, se via satisfeita duplamente, com o aumento das taxas de lucros e a estabilidade política.

Durante esse período, inúmeras greves foram contidas ou sabotadas pelo aparato sindical do PT, limitando a capacidade de luta dos trabalhadores. É importante dizer que os benefícios concedidos à população mais pobre foram apenas uma insignificante fração de toda riqueza que o país adquiria. Mas para quem nunca teve nada na vida, isso não importava porque, efetivamente, sua condição melhorou, ainda que pouco.

Mesmo durante esse período de algumas concessões, vivemos também ataques brutais, como a Reforma da Previdência em 2003, a privatização de empresas e bancos públicos, os leilões do petróleo e o aprofundamento da dependência do país às empresas estrangeiras, e a ocupação do Haiti, feita sob as ordens das Nações Unidas, que implicou num atentado à soberania do país caribenho e reprimiu duramente os trabalhadores de lá. Podemos ver também que, quando pressionado, o governo de colaboração de classes tende muito mais a atender os interesses da classe dominante.

Entretanto, essa situação se alterou quando as crises econômicas mundiais afetaram o Brasil e fizeram os ganhos dos capitalistas caírem (já em meados do primeiro governo Dilma). Para manter sua taxa de lucro, a burguesia passou a exigir cortes de gastos públicos com serviços sociais, que evidentemente afetaram as condições de vida, e mudanças nas leis que diminuíssem as “obrigações” do empresariado para com os trabalhadores. Assim, o próprio PT foi sendo forçado pela classe dominante, com a qual era aliado, a promover tais cortes, e os fez enquanto pôde, provando que a colaboração de classe só “funciona” enquanto os lucros do andar cima continuam aumentando, e acaba quando eles ameaçam diminuir.

Depois de dizer, em sua campanha de reeleição em 2014, que não iria retirar direitos “nem que a vaca tussa”, Dilma logo se pôs a cortar gastos sociais, culpando essas pequenas concessões e os programas sociais pela crise econômica, junto com o banqueiro Joaquim Levy no Ministério da Fazenda.

De lá para cá, o Congresso e o STF promoveram um golpe que retirou Dilma do poder e o colocou nas mãos de Temer, já que se considerou o PT incapaz de fazer as “reformas necessárias” na intensidade e velocidade suficiente, devido a disputas em sua base aliada. Tudo isso com a Operação Lava-Jato como pano de fundo, a qual esses setores queriam direcionar unicamente ao PT, para toma-lo como “bode expiatório”, e um grande fortalecimento das várias instâncias do Judiciário, em especial do STF, que passou a atuar cada vez mais como um fiador das medidas de “austeridade” e da perseguição unilateral ao PT, blindando o governo Temer e parte de seus aliados. Todo esse teatro teve como objetivo concreto uma aceleração do ritmo de retirada de direitos.

Nesse processo todo, a opinião pública foi amoldada pela mídia que, ligada a setores mais conservadores, trataram de associar todo o mal da realidade política ao PT, e impedir qualquer crítica à esquerda que poderia surgir a esse partido, limitando o debate à corrupção (como se isso não fosse inerente ao sistema e a todos os partidos principais) e ao “excessivo” gasto do governo petista com programas sociais, sem qualquer crítica aos enormes repasses (diretos e indiretos) aos banqueiros e grandes empresários, apoiados por todos os partidos e políticos burgueses. Preparou-se assim a opinião pública para aceitar projetos de austeridade, e encontrava-se um “culpado” que não era o sistema capitalista, com sua classe dominante parasitária à frente, e os problemas sociais por ele engendrados. Dessa forma, foi dado o espaço para o crescimento de grupos reacionários e de extrema-direita, baseados em pautas moralistas e preconceituosas, como MBL e Bolsonaro.

O PT, ao tentar se vender como viável para a burguesia, pouco ou nada fez para combater o golpe (nem mesmo mobilizou seriamente suas bases nos sindicatos para impedir a prisão de Lula), tampouco para conscientizar a classe trabalhadora diante do avanço da reação. Até recentemente, Dilma, Haddad e o próprio Lula elogiavam a Lava-Jato. O mesmo vale para o crescimento do papel das Forças Armadas na sociedade brasileira. O governador do PT na Bahia, Rui Costa, por exemplo, quer também o projeto de militarização de escolas em seu estado. Enquanto o PT denuncia pontualmente algumas ações dessas instituições, segue propagando absoluta confiança no Estado burguês e na capacidade de conciliar com os grandes capitalistas. No discurso que fez no dia de sua prisão, Lula afirmou que “se não confiasse na Justiça, não teria feito um partido político, teria proposto a revolução”. 

No primeiro turno das atuais eleições, o PT apoiou candidatos golpistas em 15 estados do país, participando de blocos com esses partidos reacionários e ajudando-os a se fortalecer. Nessa reta final de campanha, Haddad está acenando a todos os setores reacionários. Para ganhar apoio de igrejas, falou contra a legalização do aborto. Poucos dias depois, elogiou o juiz Sérgio Moro, responsável pela condenação de Lula. O PT está propagandeando-o como um “homem de família”, reforçando ideologias conservadoras. Essa política é não só imprestável para combater a reação, como também um perigo enorme diante da extrema-direita de Bolsonaro e seus agentes.

Muitos na esquerda que se diz socialista se colocam, mais uma vez, a reboque do projeto do PT, preferindo defender acriticamente as vantagens de um novo governo petista, até mesmo tentando “embelezar” para a classe trabalhadora as suas políticas e seu significado. Em geral, diante do avanço reacionário, a maior parte da esquerda limitou-se à defesa do regime cada vez mais podre da “democracia” dos ricos, levantando bandeiras como “eleições gerais” ou “assembleia constituinte”, ou ainda buscando canalizar expectativa para a via eleitoral, sem levantar nenhuma proposta sobre a superação do sistema.

Defendemos e lutamos pela expansão dos direitos democráticos dos trabalhadores, como a liberdade de expressão e manifestação, política e cultural, liberdade de organização sindical e partidária. Mas o fazemos numa perspectiva de superação do Estado burguês e do atual falso regime “democrático”, não de crença no respeito das instituições da classe dominante a resultados eleitorais,  normas constitucionais ou à vontade popular.

Assim, há muitos grupos supostamente socialistas que nem sequer ousam mais falar em socialismo no seu cotidiano, como a maior parte das correntes do PSOL (inclusive a recém-formada Resistência), que assim contribuem para a ilusão de que o regime burguês pode contemplar os interesses dos trabalhadores, e deixam o papel de alternativa perante “tudo que está aí” ser ocupado cada vez mais pela extrema direita. Há também os setores que se reivindicam revolucionários e que dizem combater a falsa noção de “colaboração de classes”, mas que, nesse momento, estão indo a reboque de apoiar a campanha eleitoral do PT de forma “crítica”, como é o caso da Esquerda Marxista/PSOL, do PSTU e do MRT.

Organizações socialistas, que se propõem a ser vanguarda na tomada de consciência do proletariado, deveriam ser os primeiros a esclarecer que são as instituições principais do Estado burguês e a classe dominante que estão comprometidos com essa onda reacionária, e que, por querer comprometer-se com elas, o PT iria conduzir muitos desses ataques e lavar as mãos diante de tantos outros, caso chegasse ao poder. O próprio golpe de 2016 se insere nessa lógica. A grande burguesia “usou” o governo Dilma para implementar seu programa reacionário enquanto achou útil, e depois se organizou para removê-la do poder quando não precisava mais e exigia maior rapidez na implementação dos ataques.

Independente do resultado do segundo turno, a situação exige resistência ativa do proletariado, bem como denunciar o papel do PT durante seus governos de falsa “conciliação de classes”, em que o proletariado foi atacado e contido, dando abertura à reação. Hoje, apoiar a campanha eleitoral do PT reflete expectativas em um novo governo burguês, representante da classe dominante, que ainda que de forma mais branda que Bolsonaro, atacaria os trabalhadores, pois sua aliança com a burguesia exige isso, e não há controle popular algum sobre a sua política após o voto. Por todas essas razões, reafirmamos nossa posição já declarada desde o começo dessas eleições, de votar nulo no segundo turno entre dois projetos burgueses.

Combater a extrema-direita e a reação da burguesia: por uma frente de luta dos trabalhadores!

A burguesia e os principais braços do seu Estado continuarão seu ataque contra os trabalhadores e o povo. Preparação para resistir é a tarefa imediata e urgente. Precisamos organizar instrumentos para conduzir nossas lutas, pois mesmo que Bolsonaro não vença, ainda estaremos em uma conjuntura de ataques econômicos e onde expressiva parcela da população está sendo manipulada pelos ideais reacionários defendidos por tal candidato; em que há grupos fascistas atuantes nas ruas; e no qual as Forças Armadas, as polícias e o Judiciário sentem-se cada vez mais confiantes para passar por cima de tudo e de todos.

A maior parte da esquerda, em sua enorme expectativa nas eleições, negligencia a organização do proletariado para a luta. E isso mesmo essas eleições tendo sido marcadas por inúmeras fraudes, desde a proibição da candidatura de Lula, até o “lavar de mãos” da Justiça eleitoral a respeito de doações ilegais de campanha da candidatura Bolsonaro e a difusão incontrolada de mentiras pelas redes sociais. Quando a situação piorar, correremos sério risco de sermos pegos despreparados por fé no regime “democrático” burguês e nas suas instituições.

As condições em que vivemos tendem a piorar; a população, a perder a fé no governo eleito; e diante de uma ausência de projetos de esquerda para mudar a situação, em conjunto com uma mídia que limita a capacidade crítica do povo, as propostas de extrema-direita, as mais radicais, as mais absurdas, passam cada vez mais a serem vistas como “alternativas”, a “única saída”, como algo “novo”.

Esse filme aconteceu de forma similar no passado: o desgaste dos regimes burgueses e a ausência de alternativas à esquerda permitiram o avanço do fascismo. Atualmente o mundo assiste a um crescimento da extrema-direita a nível mundial e aqui não é diferente, ainda que não haja até o momento um movimento fascista de massas. Quando o fascismo ganha força suficiente, ele não precisa das eleições para tomar o poder. Bolsonaro pode ser a personificação da extrema-direita brasileira nessas eleições, mas ele é apenas uma imagem de uma realidade muito pior que está sendo criada, e não será a eleição o instrumento para que seja derrotada.

Bolsonaro e Haddad não são iguais. O primeiro se mostra disposto a trazer os retrocessos em uma velocidade e intensidade maior. Temer, em comparação com Dilma, demonstra bem essa questão de diferença de ritmos.  Por isso, apesar de que não apoiamos a candidatura burguesa do PT como alternativa a Bolsonaro, nós certamente participaremos de lutas de classe para rejeitar uma vitória da extrema-direita. Mas a ideia de uma “resistência eleitoral” só pode ser uma ilusão debilitante. Em tais situações, ou em caso de tentativa de um novo golpe direitista, golpe policial ou ações fascistas, a tarefa urgente dos revolucionários é mobilizar a classe trabalhadora para a batalha.

No interior da luta contra os ataques aos direitos democráticos e sociais, nós dialogaremos com os trabalhadores em luta que apenas o socialismo pode garantir condições de vida decentes e a derrota de fato da extrema-direita, levantando propostas que preparem uma futura ofensiva contra os patrões, banqueiros e latifundiários. Essas propostas envolveriam estatização das grandes empresas e bancos sob controle dos trabalhadores, para garantir empregos de qualidade, redução da jornada de trabalho e para absorver os trabalhadores desempregados; subida dos salários conforme a inflação; concessão das terras e imóveis dos grandes especuladores e proprietários para benefício da população que paga altos aluguéis ou mora em áreas de risco; legalização do aborto para salvar as vidas de milhões de mulheres; dentre outras. Somente a independência de classe e a mobilização dos grupos de esquerda, sindicatos e movimentos sociais em ações comuns, pode nos tirar da crise de forma favorável aos trabalhadores e ao povo.

Apesar da urgência do momento estar, por ora, identificada com a disputa eleitoral, é imprescindível desde já pensarmos e agirmos para além dela, pois mesmo no caso improvável do Bolsonaro não ser eleito, a direita reacionária e truculenta, inclusive fascista, não vai se desmobilizar e abandonar as ruas; a burguesia seguirá demandando novas rodadas de retiradas de direitos, privatizações, auxiliada por um legislativo ainda mais à direita, por um STF disposto a garantir a legalidade de todos esses atos, por polícias e Forças Armadas prontas para reprimir quem ficar no caminho. Mas mesmo em seu interior, a burguesia está dividida sobre como proceder e sobre quem e quais instituições deve estar na primeira linha de comando. Nada disso está decidido e isso abre possibilidade de ação dos trabalhadores.

Por isso, a única possibilidade para evitar o esmagamento dos nossos direitos está em construirmos uma frente de ação que unifique os movimentos, organizações, sindicatos da classe trabalhadora para organizar desde manifestações de rua até greves, passando por ocupações e outros métodos de luta, com o objetivo de fazer os reacionários recuarem e derrotarmos a nova rodada de ataques que virá.

Muitos apoiam Bolsonaro porque acreditam erradamente que ele impedirá que as condições de vida sigam se deteriorando, o que significa que a luta em torno dessa demanda é a chave para afastar parcela importante do povo desse demagogo (tanto agora, quanto durante seu possível governo). Construir um instrumento desses, essa “frente de lutas” (frente única) não é uma tarefa fácil, ela já está extremamente atrasada, e não será resolvida em poucos dias. Mas o dia nacional de greve em abril de 2017, as massivas manifestações “Ele não”, dentre outros casos, mostram que há forte disposição para a mobilização entre os setores progressistas em geral e entre a classe trabalhadora, que deve liderar esse movimento.

Falta transformarmos essa disposição em ação coordenada e contínua. O outro lado já está muito bem preparado e mobilizado em torno de uma pauta de ataques contra nós, ainda que internamente não tenha coesão. Não podemos deixar nossa preparação e mobilização de lado para focar nas urnas, pois não é na arena eleitoral que vamos assegurar a vitória. Batalhas muito mais duras nos esperam depois das eleições, sem que tenhamos nesse momento formas adequadas de enfrentá-las.

Poder operário contra o avanço reacionário!

Pela organização imediata de uma frente única combativa de organizações da classe trabalhadora, que construa ações rumo a uma greve geral por tempo indeterminado e que organize autodefesas operárias contra ataques fascistas!

Por um partido revolucionário dos trabalhadores, que aponte a verdadeira alternativa: Ele não, Socialismo sim!