A resposta da esquerda dos EUA a Trump e as eleições de 2016

A resposta da esquerda dos EUA a Trump e as eleições de 2016

Colaboração de classes e a importância do programa revolucionário

Por Joseph Donnelly, originalmente publicado em inglês em março de 2017.

Protesto anti-Trump em Los Angeles, 12 de novembro de 2016 [Foto: laweekly.com]

Em 20 de janeiro, Donald J. Trump fez seu juramento para se tornar o 45º Presidente dos Estados Unidos. Sua campanha eleitoral, lançada formalmente em 16 de junho de 2015, se tornou o centro das atenções de muitos ativistas políticos, preocupados com os rumos do país sob sua gestão. Para muitos apoiadores do Partido Democrata, bem como de outros agrupamentos liberais, Donald Trump aparentou ser uma ótima forma de agregar pessoas à sua causa – segundo eles, se você não escolher um liberal Democrata (como Hillary Clinton), você estará escolhendo Trump. Já fazem pelo menos uns cem anos que os revolucionários tem se confrontado com esse tipo de lógica, de escolher o “mal menor”. E nós sempre apontamos que se trata de um argumento para dar apoio a forças burguesas – levando a desarmar e a desmobilizar a independência das lutas de classes. Ainda assim, muitas pessoas e organizações que se reivindicam revolucionárias caem nesse conto.

Como afirma o Manifesto Comunista, “O movimento proletário é o movimento independente da imensa maioria em proveito da imensa maioria” (ênfase adicionada). Um programa político que almeja subordinar a luta pelo socialismo a formações políticas lideradas por uma ou outra fração da burguesia é colaboracionismo de classe. Políticas colaboracionistas de classe e pseudo-revolucionárias foram um aspecto central do stalinismo ao longo do século XX, levando à traição da primeira Revolução Chinesa (1925-27) e ao massacre dos trabalhadores e camponeses chineses, como fruto da ordem dos stalinistas para que os comunistas chineses se subordinassem ao partido burguês conhecido como Kuomitang. A colaboração de classe é a característica central da ideia da “frente popular”, que subordina a política independente do proletariado àquela de uma fração da burguesia, normalmente uma que se encara ser “progressiva”, o “mal menor”, ou “democrática”. A política da frete popular, com o apoio dos stalinistas, pavimentou o caminho para a derrota da greve geral de 1936 na França. Essa derrota preveniu a vitória do proletariado sobre o Estado capitalista, que poderia ter evitado a ascensão do brutal regime de Vichy. A frente popular também foi a razão da derrota da Revolução Espanhola e da ascensão do regime de Franco na Espanha. Capitulando ao governo republicano “anti-fascista”, muitos anarquistas, stalinistas e até mesmo supostos “trotskistas” organizados no POUM (Partido Operário de Unificação Marxista), levaram à derrota da classe trabalhadora na Espanha, e essa traição levou, por sua vez, diretamente à ascensão do regime fascista de Franco, que pelas décadas seguintes brutalizou a classe trabalhadora da Espanha.

Quando tem lugar uma situação revolucionária, a habilidade das lideranças no movimento operário em se oporem a políticas de colaboração de classe será fundamental para que as chances que a classe trabalhadora tiver de tomar o poder. Manter a independência do programa revolucionário não é, como alguns talvez argumentem, uma tentativa sectária de manter algum tipo de pureza típica de seitas, mas sim uma tentativa real de separar aqueles que podem lutar pela revolução daqueles que irão traí-la. A estratégia que muitos grupos de esquerda e anticapitalistas defendem nos EUA irá inevitavelmente levar a traições a não ser que se rompa inteiramente com seu atual oportunismo e suas políticas de colaboração de classes.

CPUSA: “comunistas” pró Hillary

A história do imperialismo dos EUA não se reduz ao Partido Republicano, “de extrema direita”, mas também se entende aos “liberais progressivos” do Partido Democrata. Atrocidades como a Primeira Guerra Mundial; o bombardeio, inclusive atômico, ao Japão; a Guerra do Vietnã; a derrubada de vários governos democraticamente eleitos na América Latina e mundo a fora, dado apoio às ditaduras que os substituíram, foram todos frutos de gestões Democratas. Os Democratas de hoje, tais como os Clintons e o ex-presidente Obama, continuaram essa longa tradição de gestão do imperialismo, particularmente em relação à contínua brutalização do Oriente Médio, em especial no Iraque, Afeganistão e Síria, assim como na Somália, Paquistão e tantas outras nações ao redor do globo. Socialistas apoiarem Democratas – sejam eles os “do establishment” ou os “progressivos” — é um crime contra a classe trabalhadora.

O Partido Comunista dos EUA (CPUSA, na sigla em inglês) – que para muitos é a primeira referência quando se começa a se interessar pela tradição comunista – comete esse crime de forma descarada. Em uma página de “Perguntas Frequentes” (FAQ) em seu site, eles declaram que, “uma revolução socialista não é um único evento cataclísmico. Ao invés, abrirá uma era de transição – de radical mudança econômica, política, social e cultural. O processo eleitoral será parte desse processo. Ele será um processo profundamente democrático, um que liberará a energia criativa de milhões de pessoas em ação” (http://www.cpusa.org/faq/what-is-the-path-to-socialism-for-the-usa/). A estratégia do CPUSA, de lentas reformas em direção ao socialismo, lembra a “via chilena para o socialismo”. Representada pela experiência do governo Allende nos anos 1970, que defendia reformas como nacionalização de empresas e distribuição de terras, a experiência reformista acabou na forma de um golpe militar. Em vez de uma revolução que genuinamente lute contra a classe dominante, os reformistas não podem verdadeiramente se levantar contra o capitalismo, porque a burguesia não irá simplesmente aceitar ser “reformada” para fora do poder, e eventualmente tentará esmagar os trabalhadores, mesmo que para isso tenha que recorrer ao fascismo, que elimina todos os aspectos da democracia burguesa e dos direitos dos trabalhadores.

Eles declaram ainda em seu site que “Comunistas buscam mudar a sociedade pacificamente. Nós lutamos para expandir cada caminho democrático e eleitoral, como parte da nossa luta pelo poder político e econômico da classe trabalhadora. Nosso partido acredita que é possível fazer transformações fundamentais usando o processo eleitoral, a Constituição e especialmente a Carta de Direitos [Bill of Rights]” (http://www.cpusa.org/faq/why-does-the-communist-party-oppose-violence/). O que isso significa na realidade é que eles não vão ser a favor de autodefesas proletárias em face da esmagadora violência utilizada pelo Estado burguês. O resultado inevitável de recusar apoiar a violência do oprimido contra o opressor e buscar transformar a sociedade dentro dos limites de uma constituição democrática-burguesa é ser levado a permanecer “neutro” na luta entre o opressor e o oprimido – o que, na verdade, significa apenas ajudar  e ser cúmplice do opressor.

Idealmente, nós também gostaríamos de uma via não-violenta para a realização do socialismo, mas a História repetidamente mostrou que a burguesia irá usar todo tipo de violência para manter seu poder, e nós devemos nos preparar para isso. Como Engels afirmou em Princípios Básicos do Comunismo (https://www.marxists.org/portugues/marx/1847/11/principios.htm):

“Seria de desejar que [a abolição da propriedade privada por via pacífica] pudesse acontecer, e os comunistas seriam certamente os últimos que contra tal se insurgiriam. Os comunistas sabem muitíssimo bem que todas as conspirações são não apenas inúteis, como mesmo prejudiciais. Eles sabem muitíssimo bem que as revoluções não são feitas propositada nem arbitrariamente, mas que, em qualquer tempo e em qualquer lugar, elas foram a consequência necessária de circunstâncias inteiramente independentes da vontade e da direção deste ou daquele partido e de classes inteiras. Mas eles também vêem que o desenvolvimento do proletariado em quase todos os países civilizados é violentamente reprimido e que, deste modo, os adversários dos comunistas estão a contribuir com toda a força para uma revolução. Acabando assim o proletariado oprimido por ser empurrado para uma revolução, nós, os comunistas, defenderemos nos atos, tão bem como agora com as palavras, a causa dos proletários.”

Com sua orientação “pacífica” e eleitoreira, o CPUSA se mantém fiel à tradição de colaboração de classe do movimento stalinista, tendo apoiado Hillary Clinton nas eleições de novembro passado. Tanto no site da organização (cpusa.org), quanto no site de seu braço de mídia (peoplesworld.org), os não-comunistas do Partido Comunista dos EUA tem resmungado sem parar sobre a derrota de sua candidata nas eleições de novembro, pondo a culpa da derrota de Clinton no FBI e também nos “ataques de direita e teorias da conspiração” (http://www.peoplesworld.org/article/new-york-communists-analyze-election-outcome/).

Apesar de inicialmente terem preferido Bernie Sanders, e constantemente se referirem a ele como um “socialista” (absorvendo, assim, o mau uso do termo feito pelo próprio), o CPUSA já estava se preparando para sua derrota e, consequentemente, a passagem do apoio para Clinton, contra Trump. Eles afirmaram que o partido não poderia “ignorar o fato de que ela tem lutado contra a extrema direita por mais de 25 anos, incluindo os shutdowns de governo encabeçados por [Newt] Gingrich [que bloqueou o orçamento da gestão Bill Clinton na virada de 1995-96] e as tentativas de impeachment contra Bill Clinton”. Eles também argumentaram que “Clinton também é motivada por sensibilidades democráticas e apoia negociações coletivas entre patrões e empregados [ao invés das negociações individuais predominantes], direitos reprodutivos [como aborto] e restaurar e expandir os direitos de voto. Ela prometeu continuar as políticas climáticas de Obama”, concluindo que “se deve ter uma visão mais nuançada de Clinton, que é susceptível a pressão vinda debaixo” (http://www.cpusa.org/article/left-strategy-in-2016-part-1-grasping-the-key-link-of-struggle/).

A única força que pode lutar por direitos democráticos, e mante-los a longo prazo, é o proletariado, no escopo da luta pela revolução socialista. A História já mostrou que as lutas democráticas, por fora da luta pelo socialismo e sob a ordem capitalista, não poderá obter resultados duradouros; e que mobilizar o poder da classe trabalhadora, especialmente no contexto de uma luta mais ampla pelo socialismo, é um método muito mais poderoso para se conquistar as demandas democráticas, especialmente em países sob dominação imperialista, conforme apontou Trotsky através sua Teoria da Revolução Permanente. Ao buscar os Democratas, ao invés da classe trabalhadora, o CPUSA não pode oferecer nada ao movimento operário que não seja derrota nas lutas vindouras.

Socialist Alternative (CIT): “trotskistas” pró-Sanders

Outras organizações, como a Socialist Alternative (SAlt, Alternativa Socialista), a seção nos EUA do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT – no Brasil, a LSR/PSOL), focaram mais em apoiar Bernie Sanders e, mais tarde, o Partido Verde, enquanto ao mesmo tempo capitulavam à lógica do “mal menor” em relação a “proteger” os estados decisivos para Clinton. Kshama Sawant, membro do Conselho Municipal em Seattle e militante da SAlt, declarou em entrevista que, no que tange uma petição endereçada a Bernie Sanders, “Mais de 120 mil pessoas assinaram aquela petição porque elas querem que Bernie continue sua revolução política por fora do Partido Democrata caso os Democratas não o deixem seguir a frente como candidato. E naquela petição nós dissemos que, se as pessoas não estiverem convencidas da ideia de concorrer em todos os estados, então ao menos vamos concorrer nos estados seguros. Então eu acho que a ideia dos estados seguros pode ser usada como uma tática, mas acho que o que as pessoas precisam se apegar fundamentalmente é, você sabe, que precisamos construir um partido independente”  (http://therealnews.com/t2/index.php?option=com_content&task=view&id=31&Itemid=74&jumival=16899). O apoio oportunista e colaboracionista de classe da SAlt a Sanders, tentando apelar de forma desesperada a seus fãs, os levou tão fundo no buraco que eles sequer querem parecer opostos a Clinton! Isso é o resultado inevitável da estratégia deles de apelarem a votantes Democratas, que eles vem utilizando por anos.

Marx e Engels tinham uma abordagem muito diferente da SAlt frente a processos eleitorais. Além de apenas lançar candidatos que se opunham decisivamente ao capitalismo sob um programa revolucionário, diferentemente do pró-capitalista Sanders, Marx e Engels sabiam que a decisão dos trabalhadores em concorrerem não deveriam ser afetada pela possibilidade de “sangrar” votos de um liberal que estivesse concorrendo contra um oponente mais conservador. Em sua Mensagem da Direção Central à Liga dos Comunistas, de março de 1850 (https://www.marxists.org/portugues/marx/1850/03/mensagem-liga.htm), eles afirmaram que:

“Mesmo onde não existe esperança de sucesso, os operários devem apresentar os seus próprios candidatos, para manterem a sua democracia, para manterem a sua autonomia, contarem as suas forças, trazerem a público a sua posição revolucionária e os pontos de vista do partido. Não devem, neste processo, deixar-se subornar pelas frases dos democratas, como por exemplo, que assim se divide o partido democrático e se dá à reação a possibilidade da vitória. Com todas essas frases, o que se visa é que o proletariado seja ludibriado. Os progressos que o partido proletário tem de fazer, surgindo assim como força independente, são infinitamente mais importantes do que o prejuízo que poderia trazer a presença de alguns reacionários no órgão representativo.”

Se uma organização socialista revolucionária cresce a ponto de ser benéfico lançar um candidato em uma eleição burguesa, os interesses dos trabalhadores devem ser os norteadores – e não os interesses do liberais, sejam eles “progressivos” ou de algum outro tipo. Além de priorizar ter seus próprios candidatos anticapitalistas, concorrendo sob um programa revolucionário, quando isso não for possível uma alternativa tática para os marxistas é apoiar candidatos com independência de classe, ao mesmo tempo em que se critica a insuficiência de seu programa, como uma forma de “coloca-los a teste” e, assim, romper as ilusões de seus apoiadores a partir de uma experiência prática. Mas Sanders claramente não é um candidato com independência de classe, nem mesmo com muito esforço da imaginação.

A visão que a SAlt tem não é a do socialismo revolucionário, mas a do liberalismo tingido de retórica vazia contra as grandes corporações. A SAlt, que nominalmente procura romper com os Democratas e construir um novo partido, olhou para Bernie Sanders durante toda a temporada eleitoral e ainda olha para a sua derrota como um exemplo a seguir para movimentos futuros. Admitindo esse fato, eles afirmam: “Se queremos conquistar aquilo pelo que Bernie Sanders fez campanha, cabe a nós liderar o caminho na construção de nossos próprios movimentos e de nosso próprio partido político – de, por e para os 99%”. Para a SAlt, o objetivo dos socialistas é recriar a campanha de Bernie Sanders, onde o anticapitalismo é substituído por “anti-corporações”, que é uma versão liberal utópica de um capitalismo reformado, onde as pequenas empresas são fetichizadas. Sua visão de “uma sociedade que põe as pessoas antes dos lucros” (http://www.kshamasawant.org/building_an_alternative_to_corporate_politics) ainda é uma sociedade com lucros. E esperar que o capitalismo seja reformado, ou seja “politicamente revolucionado” por políticos Democratas “progressistas”, para “colocar as pessoas antes dos lucros”, é uma ilusão prejudicial que a SAlt está disseminando. Dizer que o estilo de política de Bernie Sanders representa a política da classe trabalhadora é absurdo para qualquer marxista verdadeiro – e precisamente por isso a SAlt não é, na verdade, marxista. Eles argumentam que “a histórica campanha presidencial de Bernie Sanders provou decisivamente que uma campanha eleitoral poderosa poderia ser construída sem dinheiro de corporações, baseada diretamente nos interesses dos 99%”.

Um candidato que se lançou à presidência através de um dos dois partidos do imperialismo dos EUA supostamente se baseia nos interesses do “99%” (que para a SAlt inclui, por exemplo, os guardas armados do Estado capitalista) e “se revelou uma ameaça para a classe dominante”
(https://www.socialistalternative.org/2017/01/13/u-s-presidential-election-rigged-99/). Como afirmamos em uma recente polêmica com a SAlt/CIT em relação a seu apoio a Sanders, “Sanders não é apenas um ‘progressista’ com apoio popular. Sua campanha era por um dos dois partidos do grande capital imperialista americano e buscava recrutar tal apoio popular para dito partido, com o qual é comprometido em vários aspectos políticos que de progressistas não tem nada. Ele sempre foi um seguidor do Partido Democrata em todas as questões importantes enquanto foi Senador, embora tenha sido eleito como independente. Assim, apesar de ter sido contra a guerra do Iraque, apoiou muitas outras guerras de rapina do maior exército imperialista do mundo, desde os bombardeios na Sérvia no fim dos anos 1990 e a ocupação do Afeganistão em 2001, assim como as ações do governo Obama na Líbia e na Síria, mais recentemente. A certa altura das primárias, inclusive, deixou claro que apoiaria a candidatura de Hillary Clinton caso ela fosse escolhida a candidata do partido – apoio esse reafirmado ao final das primárias – o que demonstra seu compromisso com o partido” (https://rr4i.milharal.org/2016/08/21/contra-todos-os-candidatos-capitalistas-por-um-partido-da-classe-trabalhadora/). Não é isso suficiente para provar que ele não era qualquer tipo de ameaça à classe dominante? Ele não é uma ameaça para eles, porque ele é um de seus muitos representantes, embora um “progressista”.

Após a vitória eleitoral de Trump, a SAlt também argumentou que “um partido que representa as pessoas trabalhadoras deve antes de tudo propagar uma ousada agenda contra as corporações e pela classe trabalhadora. Mas também deve demandar que seus representantes eleitos recusem doações de corporações e aceitem apenas a renda básica de seus constituintes, como Kshama Sawant, membro socialista do Conselho Municipal em Seattle. Muitos parlamentares Democratas eleitos escolheriam deixar os Democratas em vez de aceitar essas condições. É por isso que continuaremos a defender um novo partido dos 99%” (https://www.socialistalternative.org/2016/11/26/trump-prepares-vicious-attacks-prepare-massive-resistance/). Ao que parece, a SAlt vê um lugar nesse novo partido para a pequena minoria de Democratas que “aceitaria essas condições”. Como um partido revolucionário pode incorporar Democratas? E não só incorporar Democratas, mas também, como eles afirmaram claramente antes, ter Democratas como Bernie Sanders liderando este novo partido dos 99%? Bem, é por isso que o partido que eles defendem não é um partido socialista revolucionário, capaz de liderar futuras Revoluções de Outubro, mas um partido vagamente “anti-corporações”, com uma “agenda da classe trabalhadora” (https://www.socialistalternative.org/2016/10/04/sanders-stumps-clinton/) – e por isso, o que eles realmente acabam querendo dizer é uma agenda de colaboração de classe, salpicada com algumas reformas genuínas que os trabalhadores poderiam apoiar, o qual trairá os interesses da classe trabalhadora, subordinando-os aos capitalistas. Como Trotsky declarou no Programa de Transição: “A situação política mundial no seu conjunto caracteriza-se, antes de mais nada, pela crise histórica da direção do proletariado”. Claramente, SAlt é uma parte do problema que Trotsky observou aqui, conforme eles continuam a propagar ilusões na burguesia.

Socialist Action: um Partido dos Trabalhadores, mas pra que fins?

Há ainda a Socialist Action (SA, Ação Socialista), que levanta a perspectiva de formar um partido trabalhista nos EUA. A SA é ligada ao Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU, no Brasil a Insurgência/PSOL e o MES/PSOL), agrupamento de origens pablistas, formação contra a qual se insurgiu a Tendência Revolucionária do SWP, cujo legado anti-revisionista e anti-pablista nós reivindicamos como parte da continuidade revolucionária do trotskismo no pós-guerra (ver: http://rr4i.milharal.org/2011/09/30/em-defesa-de-uma-perspectiva-revolucionaria/). Em um artigo recente eles apontam que os trabalhadores organizados são a única força capaz de lutar contra “Wall Street e os barões ladrões de hoje em dia”, e também defendem a reconstrução e democratização dos sindicatos. (https://socialistaction.org/2016/11/09/labors-trump-card-build-a-labor-party/) Todas perspectivas corretas, mas não é exatamente “radical” atualmente odiar Wall Street – essa é, afinal, a mensagem na qual o Democrata Bernie Sanders baseou sua campanha, e a retórica anti-Wall Street é facilmente encontrada no discurso de qualquer candidato que tenta apelar “ao povo”, até mesmo em Trump e Clinton.

A SA, ao apontar os trabalhadores organizados como a força capaz de superar os ataques de Trump, defende que isso seja feito a partir da construção de um partido trabalhista, declarando que “Um partido dos trabalhadores desses poderia aglutinar o justificado asco dos trabalhadores frente às duas máquinas políticas das grandes corporações, e finalmente canaliza-la de tal forma que seja possível revidar a longa ofensiva das corporações contra os trabalhadores e o planeta”. O slogan e a demanda por um partido dos trabalhadores é uma tática que os trotskistas podem utilizar em certos cenários, mas nós sempre insistimos que o slogan por um partido dos trabalhadores deve caminhar de mãos dadas com a defesa de um programa trotskista revolucionário, um programa que advoga pela ditadura do proletariado, em prol de uma transformação comunista do mundo.

A ideia da SA de um “partido dos trabalhadores” é a de um partido que iria lutar por demandas como “dinheiro para postos de trabalho, não para guerras”. Ao não declarar abertamente a necessidade de um poder proletário e uma revolução socialista, o artigo da SA em questão é ambíguo no que tange a como essas demandas seriam implementadas, deixando espaço para a noção de que poderiam ser obtidas através de mudanças no governo ou orçamento. Ademais, eles defendem “taxar as corporações e os ricos, não os trabalhadores”. É necessário dizer claramente que isso não pode e não será feito de forma consistente sem que se estabeleça um poder proletário, através de uma revolução socialista – algo que a SA não faz. Além disso, eles defendem que o Estado “pare os assassinatos racistas e processe os policiais assassinos”. Enquanto temos total acordo com a primeira parte da demanda, a segunda metade apresenta a questão como se fosse possível obter justiça através de pressão sobre o Estado burguês para que ele se enfrente contra seus próprios instrumentos, a política inerentemente racista. Acabar com os assassinatos por parte da polícia não é algo que será atingido apenas processando policiais, mas algo que precisa ser levantado pela classe trabalhadora, que lute pela sua própria autodefesa.

Marxistas deveriam, ao invés, lutar nos movimentos de massas contra as ilusões em reformas governamentais que, infelizmente, muitos trabalhadores possuem, apontando a necessidade de se construir um partido revolucionário dos trabalhadores, que lute pelo socialismo. Quaisquer reformas que sejam conquistadas pela luta da classe trabalhadora só poderão ser mantidas e significativamente expandidas quando os trabalhadores derrotarem o Estado capitalista e estabelecerem seu próprio poder de classe. A SA diz que “É hora de rejeitar o beco sem saída das políticas eleitorais, que nos deixam suplicando por migalhas a um ou outro partido controlado por nosso inimigo de classe. É hora de canalizar nosso poder de forma efetiva. É hora de organizar!”. Todavia, o partido dos trabalhadores que eles propõem como solução não pode canalizar o poder de forma efetiva, a não ser que ele seja organizado ao redor de um programa revolucionário. De outra forma, ele poderá terminar sendo um canal para disseminar ilusões no, ou até mesmo integrar o Estado burguês, ao invés de instrumento de derrubada dele, como é o caso com a maior parte dos partidos Socialistas e Trabalhistas de massas na Europa.

A SA ressalta que os EUA são um dos poucos países que não tem um partido desses: “O fato dos EUA serem talvez o único país capitalista central na Terra que não tem tradição de independência política baseada na classe trabalhadora expressa na forma de um Partido Trabalhista, ou de um Partido Socialista de massas, provou ser um grande fator de desorientação”(https://socialistaction.org/2016/10/16/u-s-leftists-leap-into-democratic-party-swamp/). Todavia, ter um partido de massas como o Partido Socialista Francês, o PSOE da Espanha, ou Partido Trabalhista inglês não significaria algo menos desorientador para a classe trabalhadora. Apesar de nós também reconhecemos que usar esse slogan de forma correta, como Trotsky fez (ver https://www.marxists.org/archive/trotsky/1938/04/lp.htm), pode ajudar a abrir caminho para a construção de um partido revolucionário, é necessário dizer abertamente que um “partido dos trabalhadores” só pode representar verdadeiramente os interesses da classe trabalhadora caso ele adote uma estratégia contra o capitalismo.

A Socialist Action tende a ser significativamente mais principista em questões vitais, tais como independência de classe, do que muitos outros na esquerda dos EUA. Por exemplo, a SA reconhece claramente, diferentemente de outros na esquerda, que Sanders não era nada mais que outro político burguês, e criticou a mencionada SAlt, escrevendo que “O apoio da Socialist Alternative ao Democrata Sanders, ainda que demandando que ele rompesse com os Democratas e fosse o candidato do Partido Verde, serve para disseminar ilusões nas políticas capitalistas” – o que é uma crítica verdadeira. Eles reconhecem que, “Para Sawant, o principal exemplo de ‘partido independente’ é o Partido Verde, de classe média e pró-capitalista, ou alguma outra variante sem definição de classe”. Mas como o “partido dos trabalhadores” da SA – que seria construído sobre a luta contra a “ofensiva das corporações” – seria diferente do “partido dos 99%” da SAlt? A SA afirma que “Revitalizar o movimento operário e lançar um partido dos trabalhadores são passos chave no caminho para levar os 99% da defensiva para a ofensiva”, mas, tal qual a SAlt, falha em mencionar qualquer coisa que seja sobre a necessidade de um programa trotskista revolucionário, levando, dessa forma, a acreditar que esses novos partidos serão apenas baseados vagamente em slogans anti-corporações e demandas liberais, ao invés de num programa de demandas projetado para que os trabalhadores rompam com suas ilusões no Estado capitalista.

De sua parte, a Socialist Action, afirma que “socialistas revolucionários levantam a necessidade urgente por um Partido dos Trabalhadores baseado em um movimento operário combativo, (re)energizado e revigorado” (https://socialistaction.org/2016/11/10/protests-score-trumps-hate-mongering-agenda/), o que, apesar de ser uma base mais principista para um partido do que o partido à lá Sanders da SAlt, não dará conta de conquistar nenhum ganho de longo prazo, caso não tenha a sua frente um programa revolucionário. Todavia, sua única menção à revolução é em referência a eles próprios como sendo socialistas revolucionários, sem mais nada a acrescentar. Eles afirmam que “Os programas reacionários prometidos pelos partidos capitalistas Republicano e Democrata ressaltam a necessidade de todos os movimentos de mudança social significativa e justa redobrarem seus esforços de organização. Devemos construir nossas lutas em várias frentes – contra as guerras de agressão imperialista, pelos direitos de imigração e justiça climática, contra a violência policial nas comunidades minoritárias, pelos direitos reprodutivos completos das mulheres e muitas outras questões. Junte-se a nós para construir estes movimentos independentes e junte-se à Socialist Action!”. Embora concordemos com todas essas questões, como revolucionários nós explicaríamos essas lutas no contexto de uma luta global contra o capitalismo e a necessidade de uma revolução. Nós, do Reagrupamento Revolucionário, defendemos um partido dos trabalhadores revolucionário, o qual, declaramos abertamente, deve ser baseado em um programa leninista-trotskista (isto é, transitório), que lute pela ditadura do proletariado e pela criação de uma sociedade comunista.

Party for Socialism and Liberation: a reboque da noção vulgar de “socialismo”

Outra organização na esquerda, o Party for Socialism and Liberation (PSL, Partido Pelo Socialismo e Libertação), argumenta que “É da mais imperiosa urgência que todas as pessoas progressistas tomem as ruas em defesa dos imigrantes, muçulmanos e pessoas de cor, e lançar uma visão alternativa em prol de unidade proletária e solidariedade na luta contra a rapinagem do capitalismo neoliberal” (https://www.liberationnews.org/united-states-of-trump-whats-at-stake-the-fight-back-begins/). Isso é verdade. Mas, enquanto é principista para marxistas trabalharem taticamente, em questões específicas do movimento operário com outros grupos centristas ou não-marxistas enquanto mantêm abertamente sua luta por um programa revolucionário, o PSL não segue as próprias palavras no que tange a forma como eles interagem com o movimento – em vez disso, eles seguem à reboque de “progressistas” como Sanders, apenas apontando que ele está de alguma forma à esquerda de Clinton ou outros Democratas, enquanto falha miseravelmente em expor uma linha de classe. Ao fazer isso, subordinam a luta de classes à políticas vagas, “progressistas”, o que significa alguma variante de política burguesa. Na falta de um programa explicitamente revolucionário, que mantenha a independência do proletariado, em suas lutas diárias eles mantêm, tal como o CPUSA, a estratégia estalinista de colaboração de classe. Isto significa uma perspectiva de romper nominalmente com o Partido Democrata, ao mesmo tempo em que se recusa a apresentar uma mensagem revolucionária e, em vez disso, segue à reboque de tudo o que for popular.

Em relação à campanha de Bernie Sanders nas primárias, o PSL argumentou contra o que grupos como o nosso fazem quando denunciamos Sanders. Eles acham que tentar romper as ilusões que muitos trabalhadores bem-intencionados têm em uma ala ou outra da burguesia é a estratégia errada para preparar a revolução socialista. O PSL escreve: “No entanto, alguns socialistas radicais enfatizaram em sua agitação o quão ‘ruim’ Sanders é em algumas questões, ou que ele não é um ‘socialista de verdade’. Essa não é a melhor maneira de alcançar os milhões de novos partidários de Sanders, que, pela primeira vez em suas vidas, querem um ‘socialista democrático’ para presidente dos Estados Unidos” (https://www.liberationnews.org/socialist-tactics-bernie-sanders-campaign/). O PSL simplesmente inverte tudo. O objetivo de um revolucionário não é popularizar uma compreensão do socialismo que simplesmente significa defesa de reformas básicas, como saúde universal, educação pública gratuita etc., mas sim nadar contra a corrente e mostrar como essa compreensão do socialismo e os políticos por trás dela – como Sanders – servem apenas para desarmar as lutas reais pelo socialismo. Os marxistas lutam contra todos os enganadores burgueses “progressistas”. Se queremos conquistar trabalhadores para o socialismo real, não podemos nos recusar a dizer a verdade sobre Sanders: ele não nos oferece nada além de traição, pois ele é um Democrata. O PSL, ao se recusar a fazer isso, contradiz sua ênfase anterior na “unidade e solidariedade da classe trabalhadora”, e acabará oferecendo apenas a mesma traição que Sanders, ainda que talvez com um tom mais de esquerda.

Enfrentar Trump com ações combativas da classe trabalhadora!

Em resposta a Trump, nós do Regrupamento Revolucionário reconhecemos que apenas um movimento independente da classe trabalhadora pode representar qualquer ameaça real a ele e a todo o aparelho de Estado capitalista, que também é defendido ativamente pelos Democratas, Verdes e muitas outras forças anti-Trump. Apesar de não sermos uma força social poderosa, um grupo de propaganda combativo trotskista que luta junto ao movimento operário mais amplo e a outras organizações socialistas através da tática da frente única pode ter uma influência poderosa no resultado das batalhas da luta de classes. Essa tática, contraposta à frente popular de colaboração de classe, mantém a independência programática das organizações envolvidas na luta em conjunto durante uma circunstância ou ação particular, como uma greve. Além disso, todos os envolvidos mantêm o direito de criticar os outros envolvidos nessa ação – uma necessidade para expor o ponto de vista marxista sobre o que essa situação representa, como apontar que essa ou aquela batalha são parte de uma luta entre capital e trabalho, ou tentar contrapor nossos pontos de vista com os de outros grupos socialistas, que podem não ter uma visão revolucionária principista sobre um futuro curso de ação. Por exemplo, lutaríamos ao lado de Kshama Sawant e o resto da Socialsit Alternative por um salário mínimo de US$15, mas seríamos inflexíveis no que tange que Bernie Sanders não ser uma solução. Ou lutaríamos ao lado da Socialist Action em uma situação de greve, mas seríamos explícitos que não precisamos apenas de um partido dos trabalhadores, mas de um partido revolucionário com um programa revolucionário.

A necessidade de participar efetivamente das lutas do proletariado é uma parte vital desse programa revolucionário, mesmo se formos um grupo quantitativamente pequeno. Se olharmos para a greve dos caminhoneiros de Minneapolis de 1934, vemos a coluna de quadros bem pequena da Communist League of America, uma organização trotskista na época, que mais tarde participou da fundação do Socialist Workers Party (que, por décadas, não segue mais a tradição política de seus fundadores), efetivamente contrapondo à confusão dos burocratas sindicais uma liderança revolucionária – e no curso da greve, a retidão da perspectiva trotskista foi provada por milhares de trabalhadores que conseguiram conquistas significativas sob sua liderança. Mesmo tendo os líderes trotskistas sido presos e intimidados, os trabalhadores aprenderam que, para vencer, eles deviam opor-se às táticas colaboracionistas de classe e anti-combativas dos burocratas sindicais. (Para mais informações sobre estes eventos, ver:
https://www.marxists.org/archive/cannon/works/1944/ht03.htm).

Uma luta contra o colaboracionismo de classe e pela adoção de um programa revolucionário que aponte a necessidade do proletariado de tomar o poder de Estado e de estabelecer a sociedade comunista é a única maneira de alcançar um sucesso final na luta de classes. A História mostra que isso pode levar a vitórias, enquanto que outros métodos levam os trabalhadores a derrotas.

Por um partido revolucionário da classe trabalhadora!
Enfrentar Trump com ações combativas da classe trabalhadora!
Plenos direitos de cidadania para os imigrantes!
Solidariedade com os refugiados! Não ao banimento!
Por saúde universal! Defender os direitos ao aborto!
Por autodefesas dos trabalhadores contra ataques da polícia!