A Greve do Sepe-RJ e a Luta dos Trabalhadores da Educação

Lutar por uma educação pública, universal, gratuita e de qualidade 
Abaixo a Burocracia Sindical, pela União da Classe Trabalhadora!

Por Leandro Torres
Agosto de 2011

         O mês de junho foi tido como um marco para setores da esquerda do Rio de Janeiro, que incorretamente enxergaram na insubordinação de parte do Corpo de Bombeiros Militares do estado um ascenso de “trabalhadores”. Porém, os BMs não foram os únicos a se movimentar na cidade. Os professores e funcionários da rede estadual de educação, organizados através Sepe-RJ (Sindicado Estadual dos Profissionais da Educação), protagonizaram uma importante mobilização por melhores salários e direitos, marcada por uma combativa greve que durou 66 dias. As principais organizações da esquerda do Rio de Janeiro (PSTU e PSOL), entretanto, acabaram dando mais atenção à insubordinação dos bombeiros, repleta de demandas reacionárias, do que à luta dos educadores, da mesma forma como fez a mídia burguesa. [1]

          Tais educadores (o que inclui professores, animadores culturais, merendeir@s, inspetores e porteir@s), além de terem realizado uma greve e erguido um acampamento de 32 dias em frente à Secretaria Estadual de Educação, também engrossaram as fileiras de outras lutas, como a manifestação ocorrida em 30 de julho “Por uma Copa do Povo”, organizada contra as ações de repressão e despejo realizadas pelo governo contra os trabalhadores pobres do estado. Isso demonstrou a disposição da categoria em transformar sua luta em uma ampla campanha contra o governo estadual de Sérgio Cabral (PMDB) e seus aliados, como o prefeito do Rio, Eduardo Paes (também PMDB).
   Entretanto, a greve foi “suspensa” no dia 12 de agosto, após uma sessão da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) que discutiu as demandas dos educadores e aprovou algumas delas – mesmo que parcialmente. Em tal sessão, a proposta inicial dos lacaios de Cabral e dos patrões, de um aumento salarial de 3,5% para os professores, acabou sendo levemente elevada para 5%. Além do aumento salarial para professores (e animadores culturais, que foi de 14,6%), foram aprovadas algumas outras medidas importantes, como o descongelamento do Plano de Carreira dos funcionários e o abono dos dias paralisados.
Para alguns, a conquista de 5% de aumento aos professores e descongelamento do Plano de Carreira dos funcionários pode soar como uma vitória plena dos trabalhadores, mas quando lembramos que a pauta de greve incluía reivindicações como aumento de 26% para os educadores e eleições diretas para os diretores escolares, vemos que o desfecho não foi tão positivo quanto a direção do Sepe faz parecer, intitulando o boletim publicado no último dia 18 de “Greve Histórica Derrota Cabral e Risolia [Secretário de Educação]”. No mesmo boletim de título demasiado otimista, a própria direção do Sepe reconhece:

“É verdade que nossos salários ainda estão baixos, que o Plano de Metas ainda está vigorando e que não conquistamos a eleição direta para diretores, entre outras coisas.”
Boletim do Sepe, disponível em seperj.org.br

A “suspensão” da greve após um acordo que só obteve algumas das reivindicações se explica em parte pela intransigência do Governo de Sérgio “Caveirão” Cabral em negociar um aumento e também pela sua atitude repressora, que conseguiu aprovar no Legislativo o corte do ponto daqueles educadores que não voltassem ao trabalho no retorno das férias escolares (medida que foi revertida na sessão da Alerj).

Como afirma reportagem do Portal G1, “segundo o Sepe, a categoria vai se manter em estado de mobilização para acompanhar o cumprimento [das medidas aprovadas] da parte do governo”, que ainda precisa sancioná-las (Professores da rede estadual decidem suspender greve no RJ, de 12 de agosto). Porém, tal “ameaça” por parte da direção do Sepe, composta majoritariamente pelo PSTU e por setores do PSOL (APS/MTL/Enlace), [2] parece com a de um general que acaba de retirar suas tropas do campo de batalha. Sem dúvida alguma o Sepe deveria ficar atento ao cumprimento das medidas já aprovadas na Alerj (e ainda não sancionadas pelo governo estadual), mas isso deveria ter sido feito permanecendo na greve e no acampamento até que as conquistas se concretizassem, e também para lutar por aquelas ainda não obtidas.
Com o acampamento desfeito e os educadores de volta às escolas e salas de aula pouco após o retorno das férias, Cabral conseguiu a normalização da situação e a categoria viu parte das demandas de sua aguerrida luta de mais de 2 meses não se concretizar. Certamente, se as conquistas obtidas na Alerj fossem mais avançadas, haveria uma grande chance de Cabral não sancioná-las, o que torna a atitude dos dirigentes do Sepe extremamente irresponsável e deseducadora, por apostar mais na legalidade burguesa do que na mobilização da classe trabalhadora. Nesse momento os dirigentes do Sepe podem apenas “torcer” para que as conquistas sejam aprovadas por Cabral e sua corja.
Mas a pressão do governo dos patrões não foi o único fator envolvido. A burocracia sindical do Sepe certamente tem culpa no cartório. Acovardada pelas consequências (inclusive as eleitorais) de um corte no ponto dos educadores e incapaz de responder a essa ameaça a altura, optou por aceitar as negociações rebaixadas e voltar para casa com uma algumas conquistas para apresentar às suas bases.
Esse medo de perder parte da influência que possui sobre a categoria fica ainda mais claro se levarmos em conta que a radicalização do movimento fez surgir atritos entre a burocracia sindical e setores da base, como ficou claro no já citado ato do dia 30 de julho. Nessa ocasião, o “Comando do Ato” (composto pelos dirigentes do Sepe, principalmente os do PSTU), contrariando o clima radicalizado e combativo dos manifestantes, optou por não ocupar a rua em frente à Marina da Glória. Para piorar, o PSTU e sua base se retiraram durante a ocupação da mesma por cerca de metade dos manifestantes presentes, dividindo e enfraquecendo a mobilização enquanto havia companheiros na luta. Assim como em relação à greve e a muitos outros momentos, também nessa manifestação o PSTU optou pela via de menor resistência.
Não raro, o PSTU e o PSOL ainda tem a cara de pau de jogar parte da culpa nas costas dos trabalhadores e trabalhadoras, alegando que não foi possível ir mais além em determinada campanha devido ao “isolamento”, à “falta de apoio” e etc. Usam, assim, a desmobilização de parte da classe trabalhadora para trair suas lutas, quando na verdade o papel daqueles que se dizem revolucionários é justamente o de nadar contra a corrente e fazer o possível para avançar a consciência da classe, trazendo setores cada vez mais amplos do proletariado para uma postura combativa.
No caso da greve, como em tantos outros, ao invés de tentarem fazer avançar ainda mais a mobilização dos educadores estaduais, ampliá-la através de alianças com outros setores e lutar até o fim por suas demandas mais avançadas, o PSTU e o PSOL optaram por recuar após conseguirem algumas migalhas que os patrões resolveram ceder de seu enorme banquete, obtido através do suor dos trabalhadores.
Como os partidos que se encontram hoje a frente da classe trabalhadora não cumprem o papel de lutar pelas melhorias através de um projeto revolucionário, que tenha como cerne preparar os trabalhadores para derrubar do poder econômico, político e militar das mãos da burguesia, então estes partidos acabam inevitavelmente circunscritos a uma lógica reformista, que mantém o capitalismo intacto. No caso da greve dos educadores, ambos PSTU e PSOL não só se limitaram a uma postura reformista como também extremamente recuada, não deixando nada a desejar se comparados aos setores majoritários da CUT, que eles tanto condenam (corretamente) enquanto grandes inimigos dos trabalhadores. Para os revolucionários, uma greve deve ser uma “escola de guerra” na qual os trabalhadores devem aprender os mecanismos para expandir as lutas e melhor se organizar contra os patrões e o Estado, assim como perceberem os interesses comuns de toda a classe e sua necessidade de romper com o capitalismo.
Após aprovação da “suspensão” da greve pela assembleia da categoria, realizada em seguida à sessão na Alerj, convocou-se nova reunião do movimento para o dia 27 de agosto. Como já dissemos, entretanto, com os educadores de volta às escolas e com o acampamento desfeito, essa reunião provavelmente servirá apenas para que a burocracia realize seu balanço positivo da greve e pese na balança os riscos de reiniciá-la, contra as demandas (parcialmente) conquistadas, tentando assim convencer a base de que o mais “sensato” seria terminá-la de vez e esperar o próximo ano para uma nova campanha salarial (na qual, sem dúvidas, outras demandas políticas figurariam apenas de forma secundária).
Para aqueles que estão distantes, o fim da greve pode parecer uma perspectiva “realista”, tendo em vista a truculência de Cabral e de seus aliados. Mas estes não devem se deixar enganar: diversas entidades e grupos vinham prestando ativa solidariedade à greve dos educadores, dispondo-se não só a engrossar suas fileiras, como também a contribuir materialmente para a continuação do movimento, doando parte de suas finanças para o Fundo de Greve (destinado a pagar os professores que tivessem o ponto cortado por estarem em luta). Esse Fundo, aliás, poderia ter recebido uma considerável ajuda do voluptuoso caixa do Sepe, mas a direção majoritária do sindicato não tomou a menor iniciativa para organizá-lo.
Além disso, tem sido deflagradas em todo o Estado diversas outras greves e mobilizações ligadas ao setor da educação. Assim, na assembleia do dia 27 de agosto, todos os professores e funcionários combativos devem lutar pela continuação da greve, até que todas as suas reivindicações sejam atendidas. Passar por cima da burocracia sindical e levar a greve até o fim! Pela derrota de Cabral e de seus aliados!

A luta pela educação cresce em todo país…

Indo na contramão da atitude da burocracia sindical do Sepe, poucos dias após a saída de campo dos educadores do Rio de Janeiro, os servidores e professores dos Colégios Pedro II declararam greve, realizando logo após uma manifestação no centro da cidade com cerca de 1500 trabalhadores e estudantes. O mesmo fizeram aqueles ligados ao Instituto Federal e ao Instituto de Educação de Surdos. E seguem por caminho parecido os docentes de diversas universidades, que organizaram uma paralização nacional no dia 24 de agosto. Tais mobilizações se inserem em um conjunto ainda maior, a “Jornada Nacional de Lutas”, que aglomera importantes setores do funcionalismo público, entidades como o MST, dentre outros, em torno de uma campanha por melhorias sociais e trabalhistas.
Fora esses setores, também os educadores ligados à rede municipal do Rio de Janeiro estão mobilizados, preparando-se para um ato-paralização junto a diversos outros trabalhadores ligados ao funcionalismo público do município, contra medidas do governo que visam atacar sua previdência. Já os educadores da rede municipal de Niterói, cidade vizinha ao Rio, estão em greve desde o início de agosto! O irônico é que ambos setores se organizam através Sepe-RJ, porém o PSTU e o PSOL nada fizeram para unificar tais mobilizações, o que as tornaria muito mais poderosas. Pelo contrário, enfraqueceram-nas ao buscarem acabar nesse momento com a greve da rede estadual.

…mas é preciso ir além!

Nesse contexto de lutas do setor da educação, onde pautas como aumentos e reposições salarias, melhorias e descongelamento de Planos de Carreira, além da abertura de novos concursos, são quase onipresentes, o movimento dos educadores estaduais teria muito a oferecer enquanto um importante exemplo de combatividade a ser seguido por seus mais variados companheiros. Se unificadas, essa série de mobilizações seriam capazes de uma verdadeira “vitória histórica”, ao expandir e interligar a luta dos trabalhadores, mostrando seus interesses comuns contra o Estado capitalista e os patrões. Mas, ao retirar a categoria da luta, a direção do Sepe presta um verdadeiro desserviço à integração das mobilizações por melhores condições de trabalho e por uma educação pública, universal, gratuita e de qualidade. Portanto, cabe aos educadores não só passarem por cima dos burocratas de sua direção e lutarem pela continuação da greve, mas também pela aliança com os demais setores em luta.
É fundamental que os trabalhadores deixem as (péssimas) tradições corporativistas herdadas de anos de marasmo, que consistem em pensar apenas nos interesses específicos de sua própria categoria, e lutem pela unificação das suas campanhas. É verdade que as esferas de negociação são diferentes (Municipal, Estadual e Federal; Ensino Fundamental, Médio e Universitário; etc.), mas os trabalhadores não podem se deixar dividir por tal modelo fragmentador imposto pelo Estado dos patrões. Se queremos mudanças amplas e profundas na sociedade em que vivemos,  então temos que ter como perspectiva a unificação das diversas lutas. Uma só classe, uma só luta!
Mas quando falamos de unificar as diversas mobilizações em andamento, não nos restringimos à perspectiva de um ato nacional unificado, como é o caso da “Jornada Nacional de Lutas” comentada – o que sem dúvida possui peso e importância, mas não é suficiente. Ainda mais quando a principal demanda da “Jornada”, no que diz respeito à educação, se limita a exigir que o governo aumente para 10% do PIB a verba do setor. Ou seja, não só não apresenta um programa próprio com medidas práticas para a educação, como não questiona a ordem vigente, buscando apenas arrancar mais verbas do governo Dilma. “Exigir” mudanças por parte de Dilma e do PT, aliás, tem sido o carro-chefe de praticamente todas as campanhas do PSTU, que prefere mobilizar não para fortalecer e educar a classe sobre os limites do capitalismo, mas para “cobrar” melhorias do governo dos patrões.

Por um comitê unificado de trabalhadores da educação!

Na perspectiva de unificação das lutas, seria um grande avanço se @s profissionais da educação se unificassem em um Comitê de Luta dos Trabalhadores da Educação. Tal comitê deveria incluir não só os sindicatos de professores e funcionários em greve, mas também entidades estudantis. Esse tipo de iniciativa fortaleceria enormemente a luta dos grevistas e, com a adesão dos estudantes, daria fim ao discurso demagógico da mídia burguesa de que “greve na educação prejudica a juventude”, como se os educadores não estivessem lutando justamente por melhoras na educação dada aos jovens. Isso é algo importante, porque tal discurso ajuda a isolar as campanhas dos educadores em relação ao resto da classe.
Além desses setores, também seria fundamental buscar organizar os profissionais dos estabelecimentos privados de ensino, muitas vezes submetidos a condições mais precárias e com direitos muito mais restritos. É o caso, por exemplo, dos funcionários e funcionárias terceirizad@s que cuidam da faxina e de outros serviços, não só nas escolas privadas, como em praticamente todas as universidades, públicas ou não. Tais funcionári@s são em sua maioria mulheres negras, com salários de fome e sem nenhum direito trabalhista. Esse tipo de profissional, super-explorado pelo capitalismo, teria muito a ganhar em uma luta conjunta, que traria menos riscos de demissões e retaliações, já que contaria com o suporte de outras categorias e setores efetivos e com direitos sindicais.
Fora que um comitê assim teria grande força para conquistar demandas históricas ligadas à educação, como o passe livre e ilimitado para estudantes de todos os níveis; alojamentos, creches e bandejões gratuitos para estudantes, professores e funcionários (principalmente @s terceirizad@s) nivelamento nas três esferas (Municipal, Estadual e Federal) dos salários de acordo com os mais altos; etc. Mais importante ainda, uma luta desse tipo seria capaz de arrastar atrás de si outras categorias, inflamadas pelo exemplo combativo. Mas essas demandas avançadas, que representam um forte ataque aos lucros dos patrões, só podem ser conquistadas com união e combatividade. Elas apontam para as enormes possibilidades de melhorias sociais que podemos alcançar caso os trabalhadores estejam no poder, utilizando de forma planejada e democrática a enorme riqueza que produzem.
Porém, algo dessa magnitude só será possível quando, primeiro, os profissionais da educação romperem com o recuo e as capitulações de suas direções ante os ataques do Governo, como estão fazendo atualmente o PSTU e o PSOL à frente do Sepe. Segundo, superarem a lógica corporativista e atuarem enquanto uma só classe, unificada contra os patrões e contra o capitalismo. E terceiro, quando os estudantes passarem por cima da mentalidade de atuarem sozinhos e se aliarem à classe trabalhadora, como é o caso do exemplo que têm dado os estudantes chilenos, ainda que de maneira limitada. Romper com a burocracia sindical e o corporativismo. Avançar rumo a uma luta unificada pela educação pública, universal, gratuita e de qualidade!

Notas

[1] Nossas análises sobre esse processo foram recentemente publicadas no artigo O Vermelho Deles e o Nosso (13 de agosto, blog do RR).

[2] Nas últimas eleições, realizadas em maio de 2009, a Chapa 1 (Enlace e MTL) obteve 18 diretores, enquanto a Chapa 4 (PSTU, APS, PCB e Coletivo Paulo Romão, um racha do Enlace) obteve 16, de um total de 48 cargos para a Diretoria Central. As demais chapas (2 e 3 – encabeçadas pela corrente Democracia Socialista do PT e pelo PCdoB, respectivamente) obtiveram juntas 14 cargos. Cerca de dois terços da Chapa 4 foram compostos por membros do PSTU. Confira o resultado das eleições, no site do Sepe e a composição das chapas, no site do PSTU. Em abril desse ano, o Coletivo Paulo Romão deixou o PSOL junto com outro grupo, o Alternativa Socialista (centrado no Rio Grande do Sul). Os dois formaram uma nova organização, denominada Construção Socialista (CS).