Mais sobre a política da LCI no Afeganistão

LCI em Nova Iorque e Paris:

Uma História de Duas Cidades
O presente artigo foi originalmente publicado pela então revolucionária Tendência Bolchevique Internacional em junho de 2002, em seu site. Sua tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em janeiro de 2013, a partir da versão disponível em http://www.bolshevik.org/Leaflets/ICL%20in%20New%20York%20and%20Paris.html.
Na mais recente edição de “1917” [publicação da TBI], nós documentamos o abandono por parte da Liga Comunista Internacional (LCI), da perspectiva de derrotismo revolucionário durante o recente ataque imperialista ao Afeganistão. A Liga Espartaquista dos Estados Unidos [SL – seção dirigente da LCI], que um dia foi uma organização revolucionária, ainda se considera como defensista do Afeganistão, mas achou conveniente abandonar o chamado pela derrota da coalizão imperialista liderada pelos EUA. Ao invés de renunciar abertamente ao leninismo, a SL tenta disfarçar de fininho o seu revisionismo:

“Desde uma perspectiva marxista, entretanto, não existe forma de ‘derrotar’ o inevitável avanço dos capitalistas em direção à guerra, a não ser que eles sejam expulsos do poder através de uma revolução operária vitoriosa…”
― Workers Vanguard No 767, 26 de outubro de 2001
O capitalismo certamente tem um avanço inevitável rumo à guerra, mas isso não é desculpa para a decisão da SL de não chamar pela derrota do ataque imperialista contra o Afeganistão. A posição marxista de derrotismo revolucionário contra as aventuras neocoloniais dos imperialistas não é uma tática, mas um princípio.
Esse último giro deriva bastante obviamente do medo da liderança da SL das consequências de parecer pouco patriótica nos Estados Unidos. Na França, onde o clima político interno sobre essa questão é bem diferente, a Ligue Trotskyste de France [LTF – a seção francesa da LCI] tomou uma posição diferente. Em sua declaração de 14 de novembro de 2001, reimpressa em Le Bolchévik, No. 158 (Inverno de 2001-2002), a LTF não recuou do derrotismo aberto:
“Hoje novamente nós tomamos o lado contra o imperialismo: nós defendemos o Afeganistão contra o ataque imperialista, sem dar o menor apoio político aos reacionários do Talibã. Toda derrota para o imperialismo favorece a luta de classes aqui. E o oposto é igualmente verdadeiro; para pôr um fim às guerras de depredação imperialista é necessário romper a ‘união sagrada’ aqui, e derrubar a classe capitalista nos países imperialistas que dominam o mundo, como os Estados Unidos e também a França.”
Enquanto a liderança da LCI em Nova Iorque defendeu a visão essencialmente socialdemocrata de que a derrota militar do imperialismo no Afeganistão exige anteriormente uma vitória do socialismo nos países capitalistas avançados, a LTF corretamente observa que um recuo militar no Afeganistão pode acelerar a luta de classes dentro da sua nação imperialista.
Essa disparidade política também está refletida em compreensões diferentes da relevância da atitude de Leon Trotsky com relação à invasão de Mussolini à Etiópia nos anos 1930. A SL afirma que a situação na Etiópia em 1935 era fundamentalmente diferente daquela do Afeganistão em 2001:
“a guerra dos EUA contra o Afeganistão é, em importantes sentidos, diferente da invasão italiana à Etiópia, que tinha o objetivo de realizar a antiga intenção da Itália de colonizar aquele país. Os EUA não tem o objetivo de realizar uma ocupação no Afeganistão – ao menos não nesse momento – embora uma vez na Ásia Central, os imperialistas venham a devorar o que eles puderem. Ao atacar o Afeganistão, os EUA buscam vingança pelo insulto ao seu poder imperial.”
Workers Vanguard, 26 de outubro de 2001
A LTF, em uma polêmica contra aqueles que se recusam a tomar lados em tais conflitos, afirma que existe uma analogia íntima entre Etiópia e Afeganistão:
“Nos anos 1930, Trotsky respondeu a esse tipo de argumento explicando que era necessário defender a Etiópia de Negus, uma monarquia reacionária, contra a Itália…”.
Nós temos um lado, nós defendemos o Afeganistão contra o imperialismo sem nenhum apoio político a nenhuma das facções criadas e apoiadas pelos imperialistas.”
Le Bolchévik, No. 158 (Inverno de 2001-2002), ênfase adicionada.
Nós temos um lado, e a LTF tem um lado, mas a SL tem um lado? (1) Parece que os quadros norte-americanos da SL não tem certeza. Algumas vezes eles enfatizam seu desejo de defender o Afeganistão contra os imperialistas, que parece muito com tomar um lado. Mas nesse caso, eles iriam apoiar o tipo de revés militar que retirou os fuzileiros navais dos EUA do Líbano em 1983 [ocasião em que a SL lamentou pelas perdas humanas e se recusou a apoiar a explosão do quartel dos fuzileiros pelo Jihad Islâmico], ou como a que retirou os soldados norte-americanos da Somália uma década depois. Se os líderes da SL não desejam ver mais derrotas como essas contra os comandantes imperialistas, porque ainda falar de “defesa”?
Os líderes da SL afirmam que os setores da esquerda que chamam pela derrota do imperialismo (como a própria SL fez há pouco, em 1999, quando a OTAN atacou a Iugoslávia) estão simplesmente fazendo ladainha pseudo-revolucionária. Mas em Paris, a LTF canta em tom diferente, e reclama que um grupo de antigos membros da SL (o Grupo Internacionalista) “acusa-nos [a LCI] de ‘kautskismo’ porque, na visão deles, nós não proclamamos alto o suficiente que nós somos pela derrota militar do imperialismo”. Kautskistas nunca reivindicam a derrota militar da sua “própria” classe dominante imperialista. Nós acolhemos bem o fato de que a LTF seja “pela derrota militar do imperialismo” (quanto mais alto proclamado melhor, é claro), mas nós sugerimos que eles entrem em contato com o escritório da sua corrente irmã nos Estados Unidos para descobrir porque esta não tem a mesma posição. (2)
NOTAS
(1) Um camarada nos escreveu para chamar atenção para uma edição recente de Workers Vanguard (31 de maio [de 2002]) na qual o Socialist Workers Party de Jack Barnes é criticado por apoiar Boris Yeltsin no confronto de agosto de 1991 nas ruas de Moscou:
“Quando a defesa da União Soviética, a maior salvaguarda econômica de Cuba, foi colocada em questão em 1991, o SWP apoiou as forças da contrarrevolução de Yeltsin, exclamando que ‘Os Trabalhadores Soviéticos Conquistaram uma Gigantesca Vitória ao Derrotar o Golpe’ (Militant, 6 de setembro de 1991).”
O que Workers Vanguard não menciona é que a posição deles foi de neutralidade nesse confronto decisivo entre os remanescentes da corrupta burocracia stalinista e as “forças da contrarrevolução de Yeltsin”. Essa posição reflete a atual incoerência da LCI no Afeganistão – eles defenderam a derrota de um lado (Yeltsin), enquanto se recusaram a defender o outro (os golpistas stalinistas). Nada disso importa muito quando considerado apenas como um comentário secundário, mas a contradição na postura da LCI se tornaria imediatamente aparente para qualquer um que tentasse realmente por em prática tais absurdos.
(2)Outro camarada da TBI comentou:
“A França coloca um problema especial para a SL/LCI. Eles tentam construir uma tendência com pessoas bastante talentosas que eles querem tornar politicamente estúpidas (e que dessa forma não sejam uma ameaça para a direção) parcialmente através de várias barreiras para qualquer contato com influências político-educativas. Em países onde o nível de debate sobre questões pertinentes para a visão marxista-trotskista é baixo, ou desenvolvido apenas por grupos pequenos e isolados, não é difícil isolar seus membros dessas influências. É um pouco mais difícil estabelecer as barreiras impermeáveis de uma seita que reivindica o trotskismo em Paris, uma cidade onde há uma difundida reivindicação do trotskismo e onde discussões inteligentes, ainda que ocasionalmente incorretas, altamente relevantes para o trotskismo são um aspecto importante da vida cultural. Isso põe uma dificuldade fundamental para que a SL mantenha a sua operação francesa.”