O período histórico em que vivemos

RETORNAR AO MENU

A crise financeira de 2008 inaugurou um novo período na luta de classes. A cruzada contrarrevolucionária global da burguesia começara em meados dos anos 1970 e teve seu auge em 1991, com a destruição final da propriedade coletivizada e dos outros resquícios das conquistas da Revolução Russa nos países do antigo Pacto de Varsóvia. A destruição dessas conquistas que representavam, para os trabalhadores de todo o mundo, a existência de alguma alternativa ao sistema capitalista, junto com a pilhagem generalizada e sujeição econômica de quase um quinto da superfície do planeta pela burguesia imperialista, não só foi um golpe moral terrível nas correntes que se reivindicavam socialistas, sendo partidárias da URSS ou não, como salvou o capitalismo de uma grande crise por quase duas décadas.

A esquerda que se reivindica socialista já estava fragmentada e desorganizada pelas degenerações sucessivas da Segunda, Terceira e Quarta Internacionais. A “paz social” que se seguiu garantiu a marginalização dos grupos socialistas que ainda mantinham significância. Foi uma paz reacionária, com seus termos impostos pela hegemonia ideológica e pelas armas de uma classe burguesa que se considerava confiante o suficiente para anunciar o “Fim da História” e a “Vitória do Capitalismo”. A maioria dos declarados socialistas já havia abandonado, abertamente ou na prática, os fundamentos do marxismo, e se resignou ao papel de tentar corrigir esse ou aquele aspecto mais problemático do capitalismo. Restaram apenas punhados de grupos minúsculos de marxistas revolucionários, que foram incapazes de fazer muito mais do que tentar resguardar um ideal que se recusaram a abandonar.

O desencanto e exposição nítida do significado do capitalismo a partir da crise que se iniciou em 2008 nos centros imperialistas marcou também o retorno à cena da luta de classes como um fenômeno reconhecido e generalizado. Seguiram pesados ataques feitos pela burguesia contra as condições de vida e trabalho já deterioradas, por meio de “pacotes de austeridade” e “reformas” contra os trabalhadores para transferir recursos de magnitude inédita aos grandes capitalistas. Foi nessas condições que foi organizada, geralmente sem um caráter socialista na liderança, resistência dos trabalhadores e massas oprimidas contra a ofensiva da burguesia. Foi como resultado disso que a influência de organizações autodeclaradas socialistas voltou a crescer, embora se mantenha até agora, no início do que parece ser uma crise econômica ainda mais profunda, ainda em estado amorfo. As tradições marxistas de organização e pensamento não foram retomadas e atualizadas no decorrer desse processo.

Em cada país, o nível de organização particular da classe trabalhadora levou a expressões diferentes da luta de classes, tanto na sua forma e meios como na sua intensidade. O que unifica tais movimentos é o caráter global e inter-relacionado da economia capitalista e os seus eixos gerais de resistência contra a investida burguesa. Todos os problemas que vieram com a queda do bloco soviético não teriam sido tão fatais agora se tivéssemos herdado do século 20 uma tradição marxista consistente e com clara autoridade prática ao redor da qual os trabalhadores pudessem ter se organizado e se mobilizado. Mas como isso não era uma realidade, o período pós-soviético só piorou o estado de mais completa confusão, fragmentação, desmoralização e adaptação ao “possibilismo” do que é palatável dentro do sistema, que já era característica das organizações da esquerda dita socialista. Ocorrem no mundo sucessivas rebeliões que não avançam para se transformar em revoluções pela ausência de uma perspectiva marxista na política e na prática organizativa dos trabalhadores em luta. É a ausência de lideranças, perspectivas e tradições socialistas revolucionárias no movimento que causa tal impossibilidade de dar o passo adiante.

Entre as massas, o socialismo segue identificado difusamente como ditadura burocrática, governos burgueses de esquerda ou “Estado de bem-estar social”. O surgimento no início do século de figuras como Hugo Chávez e seu “Socialismo do Século XXI”; Bernie Sanders e seu “socialismo” aos moldes das socialdemocracias europeias; e de uma geração de propagandistas e reabilitadores da figura de Stálin e de seus métodos de “construção do socialismo” na URSS deu gás a tal confusão. A vanguarda da classe trabalhadora em nosso período é caracterizada pela confusão política e ideológica, com as organizações que se afirmam socialistas repercutindo tais ideias falsas, e se dividindo em campos distintos a cada questão diferente que a luta de classes traz à tona. O passado muitas vezes não clarifica as diferenças políticas, mas as obscurece, porque o que uma organização diz hoje, não dizia ontem; ou o legado histórico que diz reivindicar contradiz a sua ação concreta no presente. E isso não com relação a detalhes, mas a questões fundamentais da revolução e da luta de classes.

As organizações do movimento da classe trabalhadora padecem de clareza ideológica quanto às tarefas e os métodos necessários. Grupos de campos opostos na esquerda reivindicam, por vezes, as mesmas tradições, enquanto existem partidos onde coexistem membros de todo tipo de tradições, sem balanço algum das mesmas. Os eventos da ultima década provaram isso, mas contribuíram pouco para remediar a situação. Ao contrário: as organizações socialistas implodem e se racham, por vezes, sem justificativa política coerente, o que só confunde o movimento dos trabalhadores; se fundem sem clareza programática; giram a posições opostas às que diziam defender antes, em um baile completamente irracional e inexplicável do ponto de vista da necessidade urgente da luta pelo socialismo.

A nova geração de socialistas é colocada diante de uma crise de grande magnitude. Para resolvê-la, precisamos restabelecer entre a esquerda que se reivindica socialista uma base marxista e internacionalista, partindo de um balanço do que foi herdado do século 20 e desse longo período de recuo. É preciso começar reafirmando o essencial: a atualidade do marxismo, da luta de classes e a necessidade de uma revolução que instaure a ditadura do proletariado. Para poder sair da crise em que estão os revolucionários, é preciso primeiro de tudo clareza quanto às questões mais fundamentais que nos confrontam. Esse manifesto programático tem como objetivo servir como um ponto de partida para debates com outros revolucionários quanto às tarefas políticas e métodos que a revolução proletária exige dos marxistas.

Apesar de tudo o que foi e ainda é repetido até a exaustão pelos teóricos burgueses que falam da “vitória do capitalismo” e os teóricos “pós-modernos” que até mesmo negaram a existência da luta de classes, o sistema socioeconômico global encontrado no século 21, apesar de suas mudanças significativas, que precisam ser levadas em conta, ainda é aquele contra o qual Marx e Engels declararam guerra no Manifesto Comunista de 1848. O marxismo não estará superado enquanto o capitalismo não o for. A última década foi, em grande parte do planeta, de empobrecimento absoluto e ataques terríveis às condições de existência dos trabalhadores, para garantir a maximização dos lucros de um punhado cada vez menor de superbilionários. A crise climática causada pelo capitalismo bate às portas cada vez mais preocupantemente. Golpes e guerras se tornam cada vez mais parte do vocabulário corrente dos trabalhadores diante da sanha de potências imperialistas em manter seu poder. Somente a classe trabalhadora organizada e portando as lições essenciais do marxismo e da luta de classes pode pôr um fim ao futuro sombrio que a continuação do domínio da burguesia reserva para a humanidade.

RETORNAR AO MENU