A questão ambiental e a questão da terra

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No campo, a classe trabalhadora é bem mais dispersa geograficamente, mas concentra-se nos polos do agronegócio e do latifúndio industrializado. Ali, está entre os setores mais explorados da nossa classe e que sofre das condições mais abusivas. O campo é ainda marcado por uma variedade de outras classes, como os camponeses (proprietários pequeno-burgueses), com subdivisões que vão desde o pequeno camponês (que se baseia no trabalho familiar) até o grande camponês (que emprega trabalhadores permanentemente, estando próximo de um capitalista).

Os pequenos camponeses, que são a grande maioria dessa classe e os que possuem menos terra, são historicamente um aliado em potencial dos trabalhadores. Mas é um processo de disputa política que define se os camponeses ficam do lado do trabalhador ou do burguês, não algo decidido de antemão. O programa marxista leva em consideração a situação da classe dos camponeses, uma classe esmagada e oprimida pelo capitalismo. Frequentemente, o agronegócio pressiona pela absorção das terras ou submete os pequenos camponeses a condições de dependência, na qual só conseguem vender a produção com preços e em condições desvantajosas, determinadas pelos compradores capitalistas.

O objetivo dos marxistas é a coletivização democrática da terra, ou seja, o controle pleno da terra plantável, dos insumos e da tecnologia agrícola pelos trabalhadores do campo, voltada para a satisfação das necessidades humanas, tanto no próprio país como nos demais que estejam caminhando no processo de transição socialista. Portanto, defendemos a expropriação do latifúndio e do agronegócio, a tomada da terra por aqueles que nela vivem e trabalham, acabando com a produção para satisfação do mercado externo (especialmente os mercados imperialistas) e também do latifúndio improdutivo, mantido para obtenção de rendas e aluguéis. Nosso programa nessa questão está em paralelo ao programa da seção urbana do proletariado, que precisa de moradia, e para a qual defendemos a expropriação dos imóveis desocupados nas cidades como medida imediata para os trabalhadores sem casa, que pagam aluguéis abusivos ou que vivem em áreas de risco. A terra é ao mesmo tempo moradia e meio de produção.

Para os pequenos camponeses já estabelecidos, defendemos que mantenham sua propriedade e sejam integrados a um futuro planejamento econômico socialista em termos vantajosos; ao mesmo tempo, lutaremos por sua adesão voluntária, com base no convencimento político, à construção de fazendas coletivas, com melhores condições técnicas. Somos contra as formas de coletivização burocrática forçada que se realizaram na União Soviética no final dos anos 1920, que arrancaram a terra mesmo dos pequenos camponeses e os submeteram a rotinas de trabalho sob as quais não tinham decisão. Apoiamos a luta dos pequenos camponeses e dos camponeses desenraizados de suas terras (que no Brasil tem no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra sua principal expressão) contra o latifúndio improdutivo e a violência de jagunços e capangas dos capitalistas do agronegócio e da burguesia extrativista. No interior de movimentos como esse, defendemos uma política revolucionária e de independência de classe dos trabalhadores contra a burguesia, totalmente oposta à colaboração com as elites, cuja expressão nos governos de colaboração de classe do PT desarticulou e enfraqueceu o movimento, freando as lutas por reforma agrária.

Umbilicalmente ligada à questão da terra está a do combate contra os efeitos da destruição capitalista do planeta. Nos últimos dois séculos, o capitalismo deu passos significativos que aproximaram a humanidade de uma catástrofe prolongada causada pela destruição dos recursos naturais e condições ambientais. O rompimento de acordos climáticos por si só já extremamente limitados e insuficientes (como o Acordo de Paris) e a ausência de qualquer plano de governos ou dos grandes donos das indústrias para a questão ambiental são o testemunho definitivo de que o capitalismo é um sistema incapaz de resolver a questão mais aguda da nossa era para a sobrevivência das sociedades humanas. O impacto recorrente das mudanças ambientais causadas pelo capitalismo é já inevitável, mas isso não significa que não possa ser mitigado e até certo grau revertido se for realizada uma mudança urgente no rumo das mudanças climáticas.

Apenas um sistema de produção e distribuição planejado na totalidade pelos próprios produtores (o comunismo) pode resolver essa questão, em oposição a um sistema cuja base é a competição entre grandes capitalistas na corrida por uma maior margem de lucro, e que leva a passar por cima dos trabalhadores e dos ecossistemas, ignorando normas de proteção ambiental (geralmente já frouxas). Como em todas as outras questões, os capitalistas buscam reter em mãos privadas todos os lucros, mas buscam socializar ao máximo (repassar ao conjunto da sociedade) os custos, prejuízos e tragédias. Isso reflete na perda de vidas, moradia e dignidade de milhões de seres humanos na forma de destruição socioambiental. São os trabalhadores e oprimidos (dentre os quais estão os povos originários) os que mais tendem a sofrer os efeitos. Por isso também, são os mais interessados em levantar a luta contra a destruição ambiental causada pelo capital, e em defesa da vida humana, animal, vegetal e da preservação dos recursos naturais.

O marxismo necessita de uma intervenção nos movimentos ecológicos, assim como nos dos atingidos pelo avanço dos meios de produção capitalistas e a destruição causada por eles (como o Movimento dos Atingidos por Barragens no Brasil) em torno de demandas que, além de reformas e concessões, apontem também a transição socialista. Defendemos que o movimento dos trabalhadores coloque como pautas prioritárias em suas lutas as demandas relacionadas à destruição socioambiental local. Trata-se de uma questão na qual a luta pelo socialismo é absolutamente urgente.

Combatemos ilusões na burguesia “verde” e a expectativa de que a destruição ambiental pode ser revertida apenas por meio de disputas nos limites do Estado burguês, por meio de regulamentações. Uma revisão rápida e imediata da produção mundial, inclusive a produção de energia hoje dominada pelos combustíveis fósseis, está completamente fora de questão enquanto o capitalismo reinar. Esse caminho lento, nos limites do que é aprovado pelos gabinetes e parlamentos burgueses, está nos matando. Que alguns capitalistas, vendo um potencial de negócio na energia limpa, tenham investido pequenas quantidades de capital nisso, não significa que eles possam oferecer uma solução genuína para a crise climática. Investem com interesse no lucro, sem nenhuma intenção de mudança de matriz energética. De fato, muitas das companhias por trás das atuais fontes de energia “suja” – petróleo, carvão, etc. – estão elas próprias investindo em fontes de energia limpas.

Defendemos que o lucro das empresas petrolíferas e poluidoras seja expropriado para auxílio das populações que sofreram com desastres ambientais e para investimento em energias limpas e renováveis, em empresas controladas pelos trabalhadores. Defendemos a preservação da Amazônia como território e bioma, contra a predação de empresas extrativistas e do agronegócio, mas também contra os desejos de governos imperialistas, que falsamente se colocam como “protetores ambientais”. Lutamos pela demarcação e defesa de territórios dos povos originários e para que o movimento dos trabalhadores tome parte ativa nesse luta.

Rejeitamos vertentes (geralmente pequeno-burguesas) que alimentam ideias neomalthusianas, anti-humanistas e primitivistas, que apontam a própria humanidade, a ciência ou o desenvolvimento populacional como causas da destruição ambiental. É o modo de produção capitalista, protegido pelos Estados burgueses, na sua busca incessante por matérias-primas para produção de mais-valia, e na sua gana pela redução de custos de produção, que os leva a desconsiderar as necessidades humanas e dos ecossistemas, que é responsável pela destruição. O capitalismo pode e deve ser eliminado da relação da humanidade com a natureza. O ser humano é um animal, ainda que muito diferente dos demais pela profundidade com que o trabalho permite sua modificação do meio. Consciente desse fato, um modo de produção novo, comunista, pode buscar por meio do planejamento social a harmonização (num nível diferenciado) dos seres humanos com o mundo natural do qual são parte integrante.

A tecnologia pode e deve ser adaptada para o uso dos recursos de forma a considerar os interesses da humanidade e do seu metabolismo natural com a Terra em longo prazo, sem uma “data de validade”; as populações podem ser levadas a uma ocupação menos danosa do espaço, etc. Isso não significa que as experiências de transição socialista (estagnadas pelo isolamento e pelas deformações burocráticas) tenham cumprido bem tal papel. Ao longo da década de 1920, a União Soviética liderou o mundo em proteção ambiental e preocupação científica ecológica, mas esse debate foi enterrado em anos seguintes pela reação burocrática no interior do primeiro Estado proletário. Casos como o acidente de Chernobyl e a destruição do Mar de Aral apontam que somente o controle democrático dos trabalhadores sobre os meios de produção e distribuição, e sua participação e decisão em todo o ciclo produtivo pode confeccionar um plano que leve em conta o bem-estar dos humanos e dos outros seres vivos como prioridade.

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