Por uma revolução política dos trabalhadores na China! (1989)

Abaixo a repressão sanguinária de Deng Xiaoping!


Por uma revolução política dos trabalhadores na China!

O presente artigo foi originalmente publicado em julho de 1989, pela então revolucionária Tendência Bolchevique Internacional (International Bolshevik Tendency). Sua tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em junho de 2016.

A Tendência Bolchevique condena o criminoso massacre dos manifestantes em Pequim em 4 de junho, perpetrado pelos líderes do Partido Comunista da China (PCC). Marxistas revolucionários denunciam as execuções e a continuação da repressão dos trabalhadores e estudantes chineses, através das quais o regime de Deng Xiaoping almeja reestabelecer seu controle. As ações bárbaras do governo chinês e sua vendeta em curso contra aqueles que ousaram questionar o monopólio político do PCC são violações dos princípios mais básicos do socialismo.

 

A revolução de 1949 trouxe ganhos verdadeiros para os trabalhadores chineses: o domínio dos senhores de terras, grandes capitalistas e imperialistas estrangeiros foi derrubado e a riqueza produtiva do país foi coletivizada. Todavia, enquanto a revolução arrancou as raízes do neocolonialismo e erradicou muitos dos escombros semifeudais do passado, ela deixou os escalões superiores do PCC de bases camponesas com um monopólio do poder político. Contrariamente à opinião pública, a República Popular da China não é nem nunca foi uma sociedade “socialista”, no sentido de Marx e Lênin. Ao invés, ela é um Estado operário deformado governado por uma burocracia estalinista parasitária. A tarefa de estabelecer o controle político direto da classe trabalhadora na China continua em aberto. Revolucionários defendem as conquistas sociais da revolução chinesa, mas nós o fazemos sabendo que essa defesa demanda uma revolução política para destruir a burocracia do PCC e para passar o poder político para as mãos de conselhos democráticos de trabalhadores.

 

A poderosa explosão de protesto que abalou a China por sete semanas nessa primavera [no hemisfério norte] foi direcionada contra a incompetente e corrupta burocracia do PCC. Todavia, o “movimento democrático” nunca apresentou uma alternativa clara para a perspectiva de continuidade do domínio estalinista. Os protestos que começaram com a morte de Hu Yaobang – um burocrata “liberal” que caiu em desgraça por lidar de maneira muito leniente com uma onda anterior de protestos estudantis – se espalhou rapidamente para os trabalhadores de dúzias de cidades através da China. A participação de milhões de trabalhadores transformou o caráter e o significado dos protestos. Os líderes estudantis pretendiam apenas pressionar o governo por um pouco mais de espaço político, algumas reformas educacionais e talvez algumas mudanças de pessoal entre a elite governante. Mas as forças sociais alinhadas atrás de seu movimento tinham o potencial de alcançar mudanças muito mais profundas na sociedade chinesa. A liderança do PCC percebeu corretamente que a participação massiva dos trabalhadores e desempregados era uma potencial ameaça revolucionária ao seu domínio. Esse potencial foi destacado quando, por algumas poucas semanas, o apoio popular neutralizou as unidades do Exército de Libertação Popular enviadas para dispersar os protestos.

 

O que é uma revolução política?

 

Vários impressionistas autodeclarados “trotskistas” – do Secretariado Unificado de Ernest Mandel à tendência Espartaquista – declararam que uma verdadeira revolução política estava a caminho. Apesar dos levantes terem sido enormes em escopo e certamente foram potencialmente revolucionários, eles não constituíram o que trotskistas poderiam caracterizar como uma revolução política. Em primeiro lugar, qualquer tentativa séria de substituir o PCC demandaria instituições revolucionários capazes de desafiar e efetivamente tomar o lugar do poder de Estado burocrático que existe. A Revolução Húngara de 1956, que foi uma tentativa de revolução política, ergueu conselhos de trabalhadores, que poderiam ter se tornado as principais instituições do poder de Estado caso os trabalhadores tivessem triunfado. Mas o “movimento democrático” chinês, apesar do entusiasmo de massas que ele gerou e do pânico que ele criou entre os trêmulos velhos que governam o Reino Médio, não criou formas organizativas que poderiam ter se constituído enquanto a estrutura básica de um poder de Estado. O objetivo do movimento não era destruir, mas reformar as instituições do domínio burocrático.

 

Em segundo lugar, uma revolução política em um Estado operário deformado almejaria derrubar a burocracia ao mesmo tempo em que preservaria a propriedade estatal dos meios de produção. O “movimento democrático” não possuía tal clareza em relação a seus objetivos. Em grande parte devido à exclusão que a burocracia realizou das massas em relação à vida política, bem como ao clima antipolítico que resultou da sua amarga experiência na Revolução Cultural dos anos 1960, os estudantes e trabalhadores chineses lutaram contra tanques e tropas governamentais sem possuírem um programa definido. Do início ao fim, o “movimento democrático” continuou politicamente amorfo. Mas se é prematuro taxar os protestos antiburocráticos dessa primavera como “o começo de uma revolução política”, a afirmação de que eles representam uma tentativa de restauração capitalista foge ainda mais da realidade.

 

“Democracia” versus comunismo?

 

Tanto a mídia ocidental como o regime de Deng Xiaoping falsamente apresentam o conflito entre o “movimento democrático” e os oligarcas estalinistas como uma luta entre capitalismo e comunismo. Como parte de sua tentativa para justificar a repressão sanguinolenta, a burocracia chinesa tem divulgado a presença de agentes da inteligência taiwanesa entre os manifestantes. Enquanto seria absurdo imaginar que as manifestações foram iniciadas ou dirigidas por um punhado de agentes capitalistas, é altamente provável que tais elementos estivessem presentes. O caráter politicamente amorfo do “movimento democrático” significava que ele estava aberto à participação daqueles que querem uma restauração do capitalismo. Uma tarefa chave de uma intervenção marxista em uma situação dessa seria a de polarizar o movimento entre aqueles que querem democratizar a tomada de decisões políticas nas bases da preservação do sistema de propriedade coletivizada e seus inimigos de classe cuja agenda chama por uma contrarrevolução social.

 

Apesar do “movimento democrático” ter contradições em seus objetivos, ele claramente não era antissocialista em seu caráter geral. Milhares de estudantes na Praça Tiananmen que estavam saudando uma réplica da Estátua da Liberdade estavam simultaneamente cantando a Internacional, o hino do comunismo. Por contraste, é obviamente perverso que a fração de Deng Xiaoping, que por uma década esteve ocupada descoletivizando a agricultura chinesa, promovendo empresas privadas e forjando uma aliança militar com o imperialismo dos EUA tente agora se apresentam como a guardião do socialismo.

 

Apesar desse round de luta não ter atingido o nível do poder dual, uma característica de situações revolucionárias, ele representou uma profunda crise social. O que deu aos protestos iniciados por estudantes seu impacto foi que ele foi de encontro com o ressentimento e a ansiedade generalizada existente entre os trabalhadores chineses ante os efeitos do programa econômico de “reformas” pró-mercado de Xiaoping. A liderança chinesa prefere se referir a isso como “construção do socialismo com métodos capitalistas”. Mas para milhões de trabalhadores chineses, a erosão da política da “tigela de arroz de ferro” – que, desde 1949, garantiu emprego e as necessidades básicas da vida – é uma questão de vida ou morte. A restauração da economia de mercado avançou muito mais na China do que na União Soviética e dezenas de milhões de trabalhadores e camponeses pobres estão sofrendo com desemprego generalizado, 30% de inflação e uma galopante corrupção – frutos das “reformas”.

 

“Socialismo de mercado” é antissocialista

 

A mídia capitalista afirma que as “reformas” de mercado na China e na URSS provam que o “socialismo” falhou. Mas os marxistas jamais acreditaram que o socialismo pudesse ser atingido dentro do escopo de um único país atrasado. Socialismo, conforme compreendido por Marx, Engels e Lênin, tem por premissa a eliminação da escassez e, consequentemente, demanda um nível de produção material que só pode ser atingido por uma divisão mundial de trabalho e pela aplicação dos níveis mais avançados existentes de tecnologia. É o stalinismo, não o marxismo, que advoga a utopia autárquica e reacionário do “socialismo em um só país” enquanto uma cobertura nacionalista e antimarxista para a preservação dos privilégios da elite burocrática dominante.

 

As contradições e irracionalidades do planejamento burocrático em um único país levaram tanto Deng quanto Gorbachev a adentrarem a via das reformas econômicas do “socialismo de mercado”. Na China, essas “reformas” promoveram o crescimento de uma camada de em torno de vinte milhões de empreendedores “autoempregados”, que vão de artesãos individuais a especuladores de commodities e donos de fábricas. Hoje existem fazendeiros “autoempregados” na China que possuem 500 empregados! Esse estrato “autoempregado”, que se beneficiou das “reformas” de Deng, está inquieta com o poder político dos burocratas do partido e almeja uma “normalização” das relações sociais capitalistas – isto é, restauração capitalista total. Os burocratas do PCC balançam entre essa camada (e seus irmãos imperialistas) e as indóceis vítimas plebeias do crescimento das relações de mercado. O massacre de Pequim e a repressão subsequente tem sido apresentado pela mídia burguesa como parte de uma luta épica entre uma democracia sem adjetivo de classe e o malvado e tirânico comunismo. Todavia, ainda que os estrategistas políticos dos EUA estejam ansiosos para tirar as “lições” anticomunistas do banho de sangue da Praça Tiananmen, eles tem sido restringidos pelo medo de que uma reação demasiada dura possa empurrar os chineses de volta para a URSS, o que representaria um grande revés estratégico para o imperialismo.

 

Gorbachev, por sua parte, teve o cuidado de não fazer nenhuma crítica aos mandatários do PCC e tratou o brutal massacre de estudantes e trabalhadores que pediam por uma pequena “glasnost” como um assunto estritamente interno à China. Os aliados cubanos de Moscou, talvez desejando mandar uma mensagem para potenciais dissidentes internos, optou por endossar as ações da liderança chinesa. A edição de 18 de junho do Gramna tinha por manchete “Distúrbios almejavam derrubar o socialismo”. Ela afirma que foram “os linchamentos e impiedosos ataques das forças antigovernamentais às tropas que forçaram o governo a ordenar medidas fortes para parar o caos”. Por hora Deng e Cia. conseguiram suprimir a oposição através de um poder de fogo superior, mas as profundas tensões sociais que produziram a resistência permanecem. Ademais, as amplamente conhecidas divisões fracionais da liderança do PCC em relação a como lidar com o “movimento democrático” reflete o caráter profundamente instável da casta parasitária estalinista. O potencial para novas irrupções é óbvio. Certamente uma das mais importantes casualidades do massacre da Praça Tiananmen foi a aura de legitimidade política que tradicionalmente cercou o PCC e seu Exército de Libertação Popular. A barreira da Grande Mentira que predomina nos rádios e televisão controlados pelo Estado e afirma que as manifestações eram provocações violentas, iniciadas por contrarrevolucionários, dificilmente vai afetar a atitude de centenas de milhares de testemunhas e participantes.

 

Por um partido trotskista na China!

 

O que é de vital necessidade na China é a criação de um núcleo de militantes que lutem por um programa de revolução política para derrubar o domínio dos parasitas anticlasse trabalhadora do PCC, ao mesmo tempo que defendam a propriedade coletivizada. Uma autêntica oposição comunista ao domínio estalinista iria se opor vigorosamente às mobilizações racistas contra estudantes africanos que tiveram lugar inverno passado em Nanquim, nos quais foi levantado o slogan “Matem os demônios negros”. Outro componente do programa de uma oposição genuinamente socialista a Denge e Cia. seria o repúdio da aliança anticomunista entre os estalinistas de Pequim e os imperialistas dos EUA, selada sobre o sangue dos angolanos/cubanos, vietnamitas e dos afegãos.

 

Sem um partido consolidado em torno dessa perspectiva para encabeçar as lutas antiburocráticas, os elementos da classe trabalhadora podem ficar desmoralizados. Alguns podem até ser seduzidos por elementos pró-capitalistas, cujo programa, apesar de contrarrevolucionário, ao menos é claro. A reconstrução socialista da China requer um levante proletário, que quebre as rédeas da oligarquia do PCC e se comprometa em estender os ganhos de 1949. Isso significa uma luta política contra o nacionalismo mesquinho de Mao Tse-tung e seus herdeiros, bem como o reconhecimento de que o socialismo só pode ser estabelecido na China através da extensão da revolução dos trabalhadores às cidadelas do imperialismo – mais imediatamente a poderosa economia do Japão.

 

Os trabalhadores e esquerdistas chineses devem ser apresentados à alternativa revolucionária aos desmandos da burocracia. A alternativa autenticamente comunista ao stalinismo foi liderada por Leon Trótski, que, com Lênin, liderou a Revolução Bolchevique em 1917. Após a morte de Lênin, Trótski travou uma luta heroica contra a perversão estalinista do marxismo. Trótski consistentemente expôs o oportunismo e os zigue-zagues políticos dos estalinistas, incluindo as políticas desastrosas que levaram à derrota da classe trabalhadora chinesa em 1927. A análise da degeneração do Estado soviético de Trótski mantém toda a sua validade hoje e continua sendo a única análise coerente das contradições sociais nos Estados operários degenerados e deformados. O programa elaborado pela Quarta Internacional sob a liderança de Trótski, para a restauração da missão revolucionária histórica do Estado operário soviético por intermédio de uma revolução política proletária ilumina o caminho a seguir para o movimento dos trabalhadores na China. Este é o programa em que se baseia a Tendência Bolchevique e pelo qual ela luta – o programa do comunismo internacional combativo.

 

 – Abaixo a lei marcial de Deng Xiaoping! Pela libertação imediata de todos os presos políticos pró-socialismo!

 – Repúdio à aliança antissoviética de Pequim com o imperialismo dos EUA! Por uma revolução política proletária na China para derrubar os parasitas estalinistas!

 – Abaixo o “socialismo de mercado”! Pela reconstrução socialista da China dentro de uma Federação Socialista do Extremo Oriente!

 – Por um partido trotskista na China! Pelo renascimento da Quarta Internacional – o Partido Mundial da Revolução Socialista!