A ESQUERDA ANTE O ASSASSINATO DE KENNEDY (Revista Spartacist 1)

A ESQUERDA ANTE O ASSASSINATO DE KENNEDY

O assassinato do presidente Kennedy foi um teste ácido da posição de classe de cada movimento de esquerda nos Estados Unidos. Entre os grupos radicais nos EUA, uma divisão qualitativa pode ser percebida entre aquelas tendências que se viraram resolutamente para a classe trabalhadora e uma alternativa independente ao estadismo burguês, e aquelas formações que juntaram seu choro ao lamento liberal pelo presidente morto.

PROGRESSIVE LABOR

27 de novembro, 1963 – “O assassinato do Presidente Kennedy, por um atacante ainda desconhecido, não apenas reflete a existência de sérias contradições políticas para a classe dominante dos EUA, mas eleva essas contradições a novas alturas….
Enquanto é essencial que os revolucionários avaliem todos os aspectos políticos do assassinato, também é necessário para os revolucionários rejeitar o assassinato como uma forma concebível de luta política. A morte de um homem não pode alterar o curso da história. Somente os esforços de milhões para mudar um sistema político e econômico particular pode ser decisivo… Finalmente, assassinato somente tende a confundir as verdadeiras questões diante dos trabalhadores. Encoraja a classe dominante a elevar a opressão do povo.
Assassinato e violência individual, entretanto, são parte do sistema capitalista…
Em várias ocasiões, nosso governo arquitetou ou apoiou verdadeiros assassinatos organizados com grande gosto. O assassinato de Patrice Lumumba foi recebido contentemente pela administração Kennedy. Além disso, o assassinato também tem sido uma maneira de eliminar amigos que viveram além de sua utilidade para o governo. Apenas semanas antes do assassinato de Kennedy, o governo (e muitos que agora choram lágrimas hipócritas por Kennedy) estavam rindo descontroladamente do assassinato, inspirado pelos EUA, de Diem e seu irmão no Vietnã do Sul….
Diante de sua contínua crueldade e terror, o povo e, especialmente, aqueles que se consideram combatentes pelo socialismo, não deveriam ser pegos no emaranhado das contradições da classe dominante. O povo deveria utilizar todo momento para pressionar por suas demandas. Ele não deveria esperar para que a administração Johnson restabeleça a ofensiva – o que ela vai fazer – contra os povos que lutam por uma vida melhor. O histórico de Johnson é parte integral da opressão da classe dominante – com uma pitada de tempero sulista adicionada por boa medida.
O povo ainda se vê diante do racismo, desemprego, péssimas moradias e educação, altos aluguéis e serviços médicos de altos preços (ou inexistentes). O povo, se realmente for se unir, deveria se unir em torno de programas lidando com seus problemas.”

WORKERS WORLD

25 de novembro de 1963 – “Os Estados Unidos da América se aproximaram de um golpe de Estado fascista, e do estabelecimento de uma ditadura totalitária reacionária de direita.
Esse é o fato principal e fundamental a emergir do assassinato do presidente Kennedy.
Que o golpe de Estado não tenha acontecido de fato, só pode se explicar pelo fato de que forças políticas da reação, racismo virulento e militarismo a favor de ‘guerras preventivas’ falharam em se reunir no momento crítico e emergir como ‘salvadores da pátria’.
A tendência à ditadura totalitária só pode ser revertida pela intervenção de uma massa multitudinária ainda maior do movimento da classe trabalhadora, e da unidade entre os trabalhadores negros e brancos contra um opressor comum.”

(Workers World merece crédito por ter reimpresso extratos da excelente declaração de Fidel Castro sobre o assassinato).

RED FLAG

(Órgão britânico do grupo de Posadas, a tendência trotskista com base na América Latina).

Janeiro de 1964 – “O assassinato de Kennedy é o resultado de uma luta entre bandidos. Uma facção liquidou um membro da facção rival.
No coração do imperialismo ianque, há duas tendências. Uma tendência é centrada no que se chama o Pentágono e é erradamente chamada ‘direita’ (não existe esquerda ou direita para o capitalismo, mas simplesmente diferentes posições em relação à mesma política) e a tendência ‘Kennedy’….
“O imperialismo da tendência Kennedy tenta lucrar com os interesses conservadores da burocracia soviética de prolongar sua própria existência ao máximo.
A assim chamada facção Pentágono está ciente dessa situação e sente que o próprio atraso significa uma perda direta para seus interesses econômicos, políticos e sociais. Essa é a razão para a ofensiva que ela acaba de realizar…
O Pentágono matou Kennedy dentro da rede política construída para lançar uma guerra de surpresa no momento mais conveniente para si mesma.”

Das publicações dos três grupos acima, pode-se ver que a posição de classe básica foi mantida em suas discussões do assassinato de Kennedy. Uma linha de classe deve não somente continuar a orientar a classe trabalhadora contra seu inimigo de classe, a burguesia, mas deve oferecer uma análise correta para os trabalhadores em um período de confusão e consternação. Os três grupos acima não perderam de vista seu inimigo na classe dominante – nem hesitaram em apontar isso a seus leitores.

Houve exageros e erros, tais quais a confusão de Workers World entre fascismo e golpe de Estado. Ou a referência do grupo Progressive Labor ao “nosso” governo. E, é claro, a conclusão da tendência de Posadas de que o Pentágono assassinou Kennedy só pode ser considerada uma especulação interessante a essa altura.

Essas posições se destacam em claro contraste aos periódicos e organizações cujo “socialismo” e “marxismo” as levaram, num momento de pânico, a se recolherem junto à classe dominante. Declarações sobre “Amar (!) este país (!!)” e coisas do tipo só servem para confundir e desorientar os militantes socialistas. Compare os exemplos a seguir.

NEW AMERICA [Partido Socialista]

13 de dezembro de 1963 – “Estou escrevendo no dia de luto sob um profundo sentimento de choque e perda, e vergonha. Nós lamentamos a perda de um presidente valente, sinceramente interessado na paz e na liberdade, que estava ganhando força….
Você estará lendo essa coluna após o Dia de Ação de Graças, quando teremos esse dia de luto em perspectiva. Pelo que nós, americanos, podemos ser gratos nesse tempo de tragédia? Podemos ser gratos pelo enriquecimento da memória. Podemos ser gratos pela explosão geral de luto e reconhecimento da vergonha pela atmosfera de ódio na qual a tragédia aconteceu. Podemos ser gratos pela sucessão ordeira e ausência de partidarismo amargo na subida do presidente Johnson ao seu alto cargo.”
Norman Thomas

O Partido Socialista se une à nação inteira ao lamentar profundamente a trágica morte de nosso presidente. O assassinato insensível e covarde que tirou a vida de John F. Kennedy foi um dos maiores crimes e tragédias na história do nosso país. À Sra. Kennedy e a toda a família Kennedy, estendemos nossas mais sinceras e cordiais condolências”.
Resolução do Comitê Nacional do Partido Socialista

THE WORKER [Partido Comunista]

26 de novembro de 1963 – “Nação em luto por líder martirizado” (manchete da primeira página).
Nós compartilhamos – com todos os outros americanos – incomensurável luto diante do monstruoso e chocante assassinato do presidente John F. Kennedy.
Estendemos nossa mais profunda simpatia à Sra. Kennedy, ao seu filho e filha, e toda sua família….
Embora angustiados pela tristeza sobre da perda do maior oficial da nossa nação, o povo americano não entrará em pânico. Se reunirá ao redor da Constituição, defenderá suas tradições democráticas e direitos básicos e não será distraído da sua determinação para que nossa nação trilhe o caminho de uma democracia cada vez mais ampla, do progresso social e da paz.”

THE MILITANT [SWP]

2 de dezembro de 1963 – “Se nós realmente amamos esse país, devemos renunciar ao ódio” (manchete de capa citando o chefe de justiça Earl Warren como “voz da sanidade”).
O povo americano passou por uma das mais traumáticas experiências em sua história. A estonteante notícia de que o presidente Kennedy havia sido assassinado, seguida tão rapidamente pelo assassinato inexplicável e televisionado do seu suposto assassino na prisão municipal de Dallas por um capanga da polícia, deixaram os americanos perplexos e em choque. Uma onda de apreensão correu o mundo com a notícia do assassinato de Kennedy conforme as pessoas de todos os países tentavam decifrar a causa e o presságio do trágico evento….
Antes de todos os outros, é dever do governo federal fornecer ao povo uma análise completa da atmosfera de ódio e violência que estimulou tal tragédia. Antes de todos os outros, é dever do governo federal defender efetiva e completamente as liberdades civis dos americanos de todas as visões políticas, não importa quão críticos aos que estão no poder, e a liberdade civil de todos os americanos, independente de sua cor. Somente assim a nuvem de ódio e violência que paira sobre o país pode começar a se desfazer”.
Os Editores

O Socialist Workers Party condena o brutal assassinato do presidente Kennedy como um ato desumano, criminoso e contra a sociedade. Estendemos nossa mais profunda simpatia à Sra. Kennedy e às crianças em seu luto pessoal.”
O ato vem da atmosfera criada pela agitação e atos inflamatórios de forças racistas e ultraconservadoras. O terrorismo político, como a supressão da liberdade política, viola os direitos democráticos de todos os americanos e pode apenas fortalecer as forças da reação. Diferenças políticas no interior de nossa sociedade devem ser resolvidas de maneira ordeira pela decisão da maioria após um debate público livre e aberto no qual todos os pontos de vista sejam ouvidos.”
Farrell Dobbs, Secretário Nacional do Socialist Workers Party

E, agora, um sopro de ar fresco!

THE NEWSLETTER

(Órgão da Socialist Labour League, os trotskistas britânicos).

30 de novembro de 1963 – “Este político milionário foi destruído pelas próprias contradições que pensou que poderia superar suave e pacificamente.
Venhamos ou não a conhecer a verdade sobre os assassinatos de Dallas, Texas, a morte de Kennedy foi, sem dúvida, resultado de um agonizante conflito no interior da classe dominante americana.
Na questão da integração dos negros e de política externa e defesa, o programa de Kennedy, refletindo as necessidades de um setor do grande capital dos EUA, fez surgir uma aguda hostilidade dos grupos políticos e econômicos poderosos.
O papel das autoridades estaduais do Texas torna isso muito claro. Se Oswald foi vítima de uma conspiração, e isso parece bastante provável, o trabalho foi organizado em um alto nível da máquina de Estado….
Nós não estamos de luto por John F. Kennedy.
Como socialistas internacionais, o vemos como um líder mundial do inimigo de classe.
Se ele era um homem de visão, era no interesse da continuação da exploração capitalista em toda a parte.”
John Crawford

7 de dezembro de 1963 – “Marxistas e o assassinato de Kennedy” (manchete da página dois).
O assassinato do presidente Kennedy fez emergir uma rodada mais que usual de histeria, lágrimas e louvor pelos representantes políticos e literários da classe média.
Ao ler alguns dos artigos na imprensa assim chamada socialista e liberal, um leitor desavisado pensará que Kennedy defendia a liberdade do povo negro e era, de fato, um socialista em tudo menos no nome.
Assim, os ajudantes do capital internacional se esforçam para embelezar a mais reacionária potência imperialista no mundo em seu momento de crise.
Kennedy foi, é claro, um representante muito capaz de sua classe. Tudo o que ele fez foi em razão de um objetivo, fortalecer o imperialismo americano…
Quando falou sobre os direitos dos negros, ele estava meramente usando uma fraseologia liberal bonita para que pudesse, em nome de sua classe, continuar a melhor escravizar o povo negro.
Marxistas não expressam qualquer forma de simpatia a respeito da morte de Kennedy
Não apoiamos o ato de terror individual responsável por sua morte, não porque sejamos frágeis ou humanitários sobre como foi feito, mas porque o terror individual não é substituto para a construção de um partido revolucionário.
Desorganização — Terrorismo é uma arma que, de fato, desorganiza e deixa a classe trabalhadora sem líderes. Ele cria a impressão de que a remoção de políticos capitalistas proeminentes ou homens de Estado pode resolver os problemas da classe trabalhadora.
Mas para cada tirano atingido, há outro pronto para assumir seu lugar. Apenas a derrubada do sistema capitalista nos Estados Unidos e sua substituição pelo poder da classe trabalhadora e pelo socialismo pode resolver os problemas da classe trabalhadora americana, branca e negra.
Tal tarefa não pode ser alcançada por terroristas como Lee Oswald. A resposta não está com eles, mas através da preparação e construção de um partido revolucionário que, por meio da ação de massa, tome o poder….
A tomada do poder pelo partido revolucionário não acontece sem terror. A classe dominante não hesitará em aterrorizar a classe trabalhadora, o povo negro e os povos coloniais….
A simpatia dos marxistas, enquanto não concordando com o método de Oswald, deve ser dada aos milhões de Oswald, brancos e negros, que foram levados à pauperização pelo capitalismo. A tarefa do movimento marxista americano é direcionar sua atenção para essas pessoas, e não em mandar mensagens de simpatia à Sra. Kennedy.
Fatal — Quando Lee Oswald disparou o tiro fatal, ele fez algo mais que assassinar o presidente.
Ele também destruiu completamente a mentira de que o Socialist Workers Party dos Estados Unidos é um partido trotskista e que ele mantém as tradições nas quais foi fundado na luta para construir a Quarta Internacional.
The Militant, órgão semanal do SWP que, de acordo com seu cabeçalho, é ‘publicado nos interesses da classe trabalhadora’, incluiu essa notícia na sua edição de segunda-feira, 2 de dezembro, com o título ‘Líder socialista denuncia o assassinato do presidente’:
(Segue-se a declaração de Farrell Dobbs que foi citada acima).
Essa declaração nauseante repudia cada princípio pelos quais Trotsky e o Partido Bolchevique lutaram. É uma declaração escrita por liberais covardes, cujos olhos estão voltados unicamente em direção à classe média americana.
“‘Nós estendemos’, diz Farrell Dobbs, ‘nossa mais profunda simpatia à Sra. Kennedy’.
De fato! E quem é a Sra. Kennedy?”
Reacionário — Ela é a filha de um milionário de Wall Street, e foi esposa do líder da potência imperialista mais reacionária na Terra. Os marxistas não podem ter qualquer simpatia com a Sra. Kennedy e sua classe.
“‘Diferenças políticas no interior de nossa sociedade devem ser resolvidas de maneira ordeira’, diz Dobbs.
De fato! Diga isso aos negros de Birmingham, Alabama, e aos mineiros do Kentucky. Diga isso aos milhões nos países coloniais que lutam contra o imperialismo.
A resolução das questões de classe não ocorrerá de maneira ordeira, mas de forma violenta, porque a classe dominante nunca vai desistir do seu poder pacificamente. Para os milhões de trabalhadores em luta contra o imperialismo ao redor de todo o mundo, Dobbs é só mais um liberal americano que fala a linguagem da ‘ordem’ para mascarar a brutalidade de seu próprio governo imperialista.
Como Trotsky teria odiado essa declaração do líder do Socialist Workers Party. Ele teria esfolado vivo o seu autor em qualquer idioma que dominasse. É uma vergonhosa lambeção de botas dos pequeno-burgueses americanos, vinda de um homem que se reivindica um marxista!”
Ataque — Dobbs envia suas condolências à ‘Sra. Kennedy e às crianças’, mas nenhuma palavra sobre a Sra. Oswald, uma pobre mulher russa cujos filhos e ela própria serão visados para ataque onde quer que vão.
Em vez de tomar o lado dos pobres dos Estados Unidos, Dobbs vira seus olhos para os representantes dos ricos e poderosos.
Houve, é claro, uma possibilidade distinta de que uma repressão anti-operária utilizasse o assassinato de Kennedy para atacar a esquerda. Mas tal ataque não poderia ser impedido enviando condolências à Sra. Kennedy. A resposta a qualquer repressão é explicar as questões de classe envolvidas no assassinato, que só pode ser feito por meio de uma completa exposição do papel de Kennedy.
Traição — Farrell Dobbs não vê a classe trabalhadora como seu único aliado real na luta contra a repressão. Ele olha na direção oposta, para a classe dominante. Nessa questão, assim como em todas as outras, Dobbs traiu o movimento marxista….
Sua degeneração política é um alerta para marxistas em toda a parte. Ela se segue imediatamente à dita ‘reunificação’ com os pablistas, que apoiaram o assassinato dos líderes sindicais argelinos pelos capangas contratados da FLN em Paris, em 1957 e 1958.
Essa unificação foi uma aliança dos renegados do trotskismo para passar da classe trabalhadora aos benfeitores cujo único objetivo é embelezar o imperialismo.
Esperamos notícias sobre se James P. Cannon, fundador do movimento trotskista americano, estava disposto a assinar a mensagem de condolências à Sra. Kennedy.”
Gerry Healy, Secretário Nacional da Socialist Labour League

O teste ácido para qualquer organização que se apresenta como socialista ocorre em períodos de crise ou oportunidade revolucionária. Todas essas organizações foram testadas em sua habilidade de manter seus princípios no momento do assassinato de Kennedy. Para quem o conceito de trotskismo é sinônimo com posição de classe sob as mais adversas circunstâncias, a declaração de Farrell Dobbs e toda a edição do Militant sobre o assassinato de Kennedy vieram como profundo choque. Em um momento mais calmo e propenso a reflexão, até próprios os líderes do Socialist Workers Party ficariam mortificados e surpresos com sua falta de fibra.

É verdade, é claro, que é uma tática perfeitamente principista evitar cuidadosamente o uso de frases provocativas quando a existência organizativa legal e, possivelmente, a vida dos revolucionários, está em risco. Entretanto, as palavras de Dobbs e do Militant não foram as de um socialista revolucionário, mas sim de social-democratas e de liberais burgueses, merecendo os ataques de Gerry Healy e da Socialist Labour League.

A Tendência Revolucionária têm criticado repetidamente a tentativa de converter o SWP em um apêndice das formações radicais pequeno-burguesas. O abandono do conceito de que a classe trabalhadora e sua vanguarda devem liderar as massas, evidente e inevitavelmente levam, em um momento de crise, ao abandono da essência de todas as posições proletárias revolucionárias.