As eleições e a crise política brasileira

[Fotos de Nelson Almeida para o El País]

Setembro de 2018

A burguesia se encontra numa encruzilhada na atual conjuntura de crise política que, em si própria, é um efeito da crise econômica capitalista. Quando o cenário é adverso, os “de cima” se dividem sobre como proceder. As velhas “opções” a que recorriam já não funcionam mais para manter um regime estável de exploração do trabalho. Ou não encontram nenhuma legitimidade (como no caso da direita neoliberal tradicional); ou não contam exatamente com a confiança e preferência dos grandes capitalistas.

O pacto petista de “colaboração de classes” funcionou para a burguesia por mais de 10 anos, mas já não pode existir. Esse “acordo” beneficiou principalmente aos patrões e banqueiros, e não aos trabalhadores, que só receberam pequenas concessões. Do ponto de vista dos burgueses, beneficiou algumas empresas nacionais da construção civil e do setor de tecnologia de extração, que entraram em crise com a redução das exportações e com a diminuição do poder de compra causada pelo desemprego galopante. Do ponto de vista dos trabalhadores, foram pequenas melhorias em comparação com os governos neoliberais anteriores. Mas tal “modelo” só se manteve enquanto o Estado tinha recursos sobrando (diante do crescimento econômico) para realizar grandes obras de infraestrutura, alguns investimentos em Universidades públicas, e para alguns programas de assistência social.

Conforme o crescimento econômico e a arrecadação estatal caíam em razão da queda dos preços dos produtos de exportação principais do Brasil, da diminuição das exportações e do desemprego, esse modelo entrava em crise e o PT era abandonado pelo amplo círculo de “aliados” (bancada ruralista e evangélica, bancos, grandes monopólios imperialistas), temerosos de que Dilma não defendesse suficientemente bem seus “sagrados” lucros como uma prioridade máxima.

As poucas concessões dadas pelo PT aos trabalhadores em 13 anos no poder foram retiradas com uma rapidez impressionante no último ano do governo Dilma e, depois, pelo governo Temer. Desde o golpe e a evidente incapacidade de Temer de se manter no poder de forma estável, a burguesia está perdida. Sem apoio popular, Temer se apoiou ora no Judiciário, ora nas Forças Armadas (com a recente intervenção federal no Rio de Janeiro, por exemplo), instituições que ainda não estão tão deslegitimadas quanto o Congresso e o presidente, e desejam ter mais e mais poder.

Nas atuais eleições, os vários políticos e partidos da classe dominante tentam se vender como uma alternativa viável, estável, para “pôr as contas em ordem” — ou seja, garantir o pagamento de dívidas a banqueiros e empresas, o financiamento estatal de suporte aos capitalistas (apelidado de “bolsa empresário”), seguir arrancando recursos das áreas sociais e da classe trabalhadora para favorecer os capitalistas em crise e investidores, condições exigidas “pelo mercado”. A burguesia não tem nenhuma solução verdadeira para a crise do seu sistema que não seja o esmagamento das condições de vida dos trabalhadores para recuperar seu ímpeto e sua taxa de lucro.

Os “garantidores da ordem” têm cada um sua estratégia particular para fazer isso enganando os trabalhadores e esperando ter o mínimo de sustentação (na base da persuasão, da repressão, ou de uma combinação de ambas). Os trabalhadores devem se delimitar de todos os enganadores da classe dominante e aproveitar essa crise de representatividade para se colocarem como uma classe capaz de governar o país em seu próprio nome.

As candidaturas da classe dominante

Marina (REDE), Álvaro Dias (PODE), Amoedo (NOVO), Alckmin (PSDB) e Meireles (MDB) nada mais são do que uma continuidade do governo Temer com uma tentativa fracassada de “repaginada” ou “inovação”. Seu programa é o programa neoliberal dos ataques aos direitos da classe trabalhadora, em defesa da “reforma” trabalhista, da previdência, a Emenda Constitucional do teto de gastos, que significará um desinvestimento maciço nas áreas sociais, e uma longa série de posições similares. Pretendem manter o arrocho sobre o povo, retirando o pouco que resta, para maximizar lucros e voltar os recursos do Estado para pagar dívidas de empresários e conceder isenções fiscais. Por esse motivo, não conseguiram nenhum tipo de atenção especial. As candidaturas que têm mais chances são as de caráter mais populista e que são vistas como alternativas às outras, como Bolsonaro (PSL), Ciro Gomes (PDT) e Haddad (PT).

As candidaturas populistas de centro-esquerda

A popularidade das candidaturas de Ciro e Haddad parte do fato que defendem, a partir de perspectivas diferentes, uma renovação do “pacto social” dos governos petistas. Os discursos de ambos para tal se pautam na falsa ideia de que é possível superar a crise através de um bom plano econômico. Uma vez eleitos e essa perspectiva se revelando falsa, eles seriam reduzidos a fazer o que seus partidos sempre fizeram: administrar a maquinaria do Estado burguês segundo os interesses da classe dominante, governando com boa parte da mesma corja com que o PT governava, sob a desculpa de fazer “o que é possível”.

Por esse motivo, não temos a menor confiança de que, se eleitos, Ciro ou Haddad tentarão revogar as reformas de Temer. Lula, antes de sua prisão, disse que “Seria falso dizer que vou anular tudo” (Valor Econômico, julho de 2017). O PT está adaptado à ideia de conviver com a classe dominante brasileira e suas exigências, que por sua vez se adapta às necessidades do sistema capitalista internacional, o interesse das grandes corporações imperialistas. Kátia Abreu, ruralista e candidata a vice-presidente com Ciro, afirmou, em um evento empresarial em São Paulo, que “era um mito” que ele pretendia revogar a “reforma trabalhista” (Folha de S. Paulo, 20 de agosto).

Se eleitos, fariam exatamente como Dilma fez num contexto de crise: submeter-se-iam aos planos de “ajuste” do capital para extrair mais-valia. E não seria preciso muito para que, caso virassem por qualquer motivo um empecilho para a classe dominante nacional ou imperialista, corressem o risco de um conflito com o Congresso, Judiciário ou mesmo com as Forças Armadas, um novo golpe ou aprofundamento da reação. Estão de braços atados, nessa conjuntura acirrada, pelo seu objetivo de governar com a burguesia e por dentro Estado burguês. É bom lembrar que o próprio Temer precisou se ajoelhar diante dessas instituições.

A candidatura reacionária de Bolsonaro (PSL)

Bolsonaro é explicitamente reacionário. Seu programa conseguiu reunir os setores da população que sempre foram anticomunistas e eram nostálgicos da ditadura, com aqueles que querem algo “diferente” e estavam abertos aos projetos de direita, por reforço da polícia e das Forças Armadas como suposta solução para a sensação de insegurança, pela “prisão dos corruptos”, e dispostos a ignorar as posições absurdas e corruptas de seu próprio candidato. Antes defendendo um vago “patriotismo” de direita, desde que montou seu time de campanha, Bolsonaro tornou-se um neoliberal convicto, votou a favor de todas as medidas principais e “reformas” de Temer, governo do qual seu partido foi um dos mais fiéis aliados. O símbolo disso é o responsável por seu programa econômico, o banqueiro Paulo Guedes.

Os trabalhadores certamente têm razão em rejeitar que seja eleito como presidente. Participaremos das mobilizações contrárias a ele por seu racismo, machismo, homofobia e homenagens aos torturadores da ditadura. Porém, recentemente, várias organizações socialistas desesperadas com a perspectiva do ascenso reacionário começaram a defender um “voto útil tático” nas candidaturas que puderem derrotar o Bolsonaro, sob a justificativa de que Bolsonaro é fascista e que sua vitória nas urnas levaria a uma mudança qualitativa no campo da luta de classes. Não concordamos nem com a “tática” nem com a análise.

É necessário ter clareza de que nem toda candidatura ou partido reacionário é fascista. As experiências do século XX ensinam que um movimento fascista se pauta não só no populismo reacionário, mas que se distingue pelo para-militarismo organizado e centralizado na figura do partido fascista, que age sistematicamente para esmagar o movimento operário. A vitória nas ruas dos fascistas é pré-condição para a formação de um governo fascista.

Em casos de ataques de grupos fascistas e paramilitares de direita, não só é apropriado como absolutamente necessário a organização de uma frente operaria, um bloco prático para organizar a autodefesa dos trabalhadores e minorias, e esmagar as sementes do movimento fascista. Mas isso se faria nas ruas, e não nas urnas.

Bolsonaro e seu movimento é primeiramente eleitoreiro. Se for eleito, não contando com uma força paramilitar para fazer valer sua vontade sobre a burguesia, ele geriria o Estado burguês seguindo os ditames da burguesia. O maior perigo da sua candidatura não é em si, mas sim no fato de que seu discurso reacionário permite que na sua sombra haja o crescimento e reagrupamento de grupelhos fascistas, e que ela também traz a promoção e normalização da participação de militares na vida política nacional.

O ascenso reacionário que se canaliza através da sua candidatura pode levar à criação de um movimento fascista de massas ou a um golpe militar, e por isso precisa ser combatido, mas qualquer uma dessas alternativas só se cristalizaria através de uma transformação desse movimento, não só de sua orientação e organização, como de sua liderança. Já foi demonstrado pelo caso do Mourão subindo ao palanque que não só existem diferenças como atritos entre esses setores que hoje integram a campanha.

Quem pode deter esse avanço reacionário? Não o PT, que tem dado trégua contra o governo Temer. Não um Ciro Gomes, amigo dos ruralistas e empresários. Os aliados atuais ou desejados de Ciro e Haddad não vão tolerar uma luta de massas contra Bolsonaro, contra os fascistas e militaristas ao seu redor, pois temem acima de tudo um movimento de trabalhadores que ameace sua ordem.

O próprio Bolsonaro se gestou sob os anos do governo do PT. O então partido dele (PP) inclusive foi base desse governo por anos, recebendo ministérios. A lógica de associar-se aos “centrões” e partidos políticos burgueses de aluguel, repletos de Bolsonaros e Cunhas, não é capaz de impedir o avanço dessa direita violenta. Ciro queria o apoio desses partidos e Haddad não rejeita governar com eles. Inclusive, o PT está associado a partidos golpistas em 15 estados do país para as eleições para governador.

Haddad e Ciro não levantam o mesmo programa que Bolsonaro. Dizem ser contra o caos e autoritarismo judiciário que se instalou no país e contra as reformas mais severas de Temer. Mas isso contraria completamente os interesses da base de apoio que eles almejam: a burguesia brasileira, com a qual pretendem governar e conciliar, caso eleitos.

Mesmo que Bolsonaro perca nas urnas, o poder de Estado segue com o Judiciário, com as polícias e as Forças Armadas, com a burocracia. Essas instituições seguirão dominadas por aqueles que querem aprofundar a reação da burguesia contra o povo, que têm laços de sangue e de intimidade com o grande capital, empresários e banqueiros. Atualmente há uma situação na qual as polícias, o Exército e Judiciário estão instrumentalizados diariamente para defender medidas dos capitalistas contra o povo.

Aceitar governar nesses termos e com a classe dominante, é aceitar os ditames do que ela exige, e consequentemente estar à mercê dessas instituições que podem, a qualquer momento, voltar-se contra o próprio governo eleito (o que ficou demonstrado pela queda de Dilma).

Não apoiamos, sob nenhum argumento e sob nenhuma desculpa “tática”, as candidaturas da burguesia. Está fora de questão para nós o apoio a qualquer um dos representantes da classe dominante. Apesar de não serem os preferidos da burguesia devido a suas ideias de “pacto social” entre todas as classes (claro, sempre para maior vantagem da burguesia), está claro que as candidaturas de Ciro e Haddad não oferecem nenhum risco ao regime capitalista.

Essas candidaturas só oferecem riscos à classe trabalhadora, por reforçarem a situação de desmobilização, despreparo e desarmamento da classe para a luta, que derivam tanto das ilusões quanto das desilusões políticas causadas por essas figuras, que tentam atrelar os trabalhadores à legalidade institucional burguesa.

Os socialistas que apoiam essas candidaturas não fazem nada mais que revelar suas próprias ilusões com o parlamentarismo e ajudar a reforçar as ilusões de setores dos trabalhadores de que esses candidatos podem, uma vez eleitos, defender, mesmo que de maneira deformada, os interesses dos trabalhadores.

Os revolucionários insistem que o poder da burguesia não se concentra nas eleições, que estão cada vez mais parecidas com um macabro espetáculo, e sim no Estado (Forças Armadas e policiais, burocracia e Judiciário), na propriedade privada dos meios de produção, e no controle ideológico que exercem sobre classe trabalhadora. Essas são as correntes que precisam ser quebradas o quanto antes.

A tarefa dos revolucionários é usar o espaço que as eleições burguesas nos dão para, através da propaganda do programa marxista e de uma série de demandas, e através da denuncia dos projetos políticos burgueses, auxiliar as massas a se livrarem ou se precaverem contra as ilusões parlamentares, ajudando a prepara-las para as lutas que virão. Por esse motivo, tampouco apoiaríamos esses candidatos sob a ótica de um “menos pior” ou “mal menor” num segundo turno.

As candidaturas de esquerda

Na atual situação, os partidos da classe trabalhadora estão atomizados. Os revolucionários não passam de uma minoria da minoria. São poucas as organizações da classe trabalhadora que têm registro eleitoral, e o espaço destas é cada vez mais cerceado nos debates, rádio e televisão. Na impossibilidade de terem seus próprios candidatos, os revolucionários poderiam, caso haja, apoiar outros candidatos da classe trabalhadora, com a condição de que estes falem em nome da nossa classe e dos seus interesses básicos, rejeitando a colaboração de classe com a burguesia (seus candidatos, partidos, financiamento e regime).

Esse apoio não pode ser acrítico. Diante dessa impossibilidade de ter candidatos próprios, devemos apoiar as campanhas proletárias independentes, mas nos delimitando de suas fraquezas, erros e oportunismos. Isso deve ser feito com a intenção de demonstrar tais limites a outros apoiadores da campanha, ao mesmo tempo em que se levanta a bandeira de uma candidatura proletária contra as dos partidos burgueses.

Existem algumas candidaturas de partidos que se reivindicam socialistas que não estão ligadas diretamente à burguesia. Como elas tem um caráter muito variado e contraditório, precisam ser analisadas caso a caso para determinarmos seu conteúdo. As mais importantes são as duas candidaturas à presidência, a de Guilherme Boulos (PSOL) e a de Vera Lúcia (PSTU). Existem também as candidaturas ao legislativo de outros partidos, como o PCB, a Esquerda Marxista (EM), Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT), entre outras.

A candidatura de Guilherme Boulos (PSOL)

Boulos (PSOL) tem dito muitas verdades sobre a realidade do país – a desigualdade social e racial, o privilégio, poder e riqueza dos banqueiros e grandes empresários em comparação à piora crescente das condições de vida dos trabalhadores. Na sua entrevista de duas horas no programa Roda Viva, por exemplo, Boulos foi absolutamente fiel no retrato que fez da sociedade brasileira. Ele fez algumas propostas de reformas moderadas, que são corretas e apoiáveis, mas ele defendeu conquista-las de forma separada de um projeto socialista (que ele nem menciona, a não ser para dizer que o Brasil “não tem que repetir a história de nenhum país”). É um programa altamente contraditório, que considera possível mudar o país sem estabelecer um poder dos trabalhadores que seja sem patrões e contra os patrões.

A candidatura Boulos está, num nível formal, certamente à esquerda da de Haddad ou Ciro, entre outros que defendem abertamente suas alianças com setores diferentes da burguesia e a manutenção do status quo. Porém, há um claro comprometimento de Boulos em não mudar as regras do jogo. Ele também deixou claro que pretende governar com a classe dominante, ao dizer que “se o empresário gera emprego e serve ao país, excelente”; que “a constituição assegura o direito à propriedade e ele deve ser respeitado”; e que pretende “governar com bancos que tenham taxas civilizadas de juros e tratem o povo de maneira decente”. Por isso se resume em defender reforma tributária, plebiscito e referendos sobre as medidas do Temer, e em propor baixar as taxas de juros dos bancos.

A classe dominante possui mil maneiras políticas e jurídicas de inviabilizar a realização ou a aplicação dos resultados de plebiscitos ou referendos. Num momento em que governos eleitos são retirados do poder e juízes ameaçam os mais básicos direitos democráticos, é uma ilusão acreditar na força de plebiscitos e referendos (ou seja, no voto). A FIESP e as Forças Armadas não aceitariam nem o primeiro plebiscito caladas, mas sim preparariam um novo golpe. A burguesia precisa ser forçada a recuar pela pressão dos trabalhadores. Mesmo algumas reformas mais básicas só serão implantadas derrotando o Estado capitalista, arrancando os meios de produção e o sistema bancário da burguesia e socializando-os, e construindo um Estado proletário para defender essa nova sociedade.

Boulos não realiza nenhuma demarcação séria com a ala da política burguesa representada pelo PT. No último ano, afirmou ter “profundo respeito e admiração pela figura do presidente Lula” ainda que dissesse “não estar 100% sintonizado com seu partido”. Como já declaramos antes, nos posicionamos contrariamente à perseguição que o Judiciário tem realizado contra o PT desde o impeachment, inclusive a prisão de Lula e seu direito de concorrer. Porém, não baixamos nem por um instante nossa crítica ao que os governos do PT representaram para o povo. Arrocho, aliança com o que há de pior da burguesia, ataques, como a Reforma da Previdência de 2003, e as concessões, retiradas assim que cessou o crescimento econômico. É muito diferente do que declara Boulos, que já afirmou que: “O presidente Lula, nem preciso dizer, já foi absolvido pela história e pelo povo brasileiro, por tudo aquilo que fez e por tudo aquilo que representa para o nosso povo”. (Rede Contínua News, Guilherme Boulos falou na praça da república logo após a condenação de Lula em 2ª instância, 24/01/2018).

Sobre sua disposição de aliar-se politicamente com esse setor da burguesia, Boulos deixou isso claro mais uma vez ao prometer apoio eleitoral ao PT ou a Ciro Gomes num eventual segundo turno numa entrevista que deu ao site do Partido dos Trabalhadores:

“No segundo turno há espaço para uma aliança?”
“Acho natural que, num segundo turno, toda a esquerda se una em torno de qualquer candidatura do campo progressista e de enfrentamento ao golpe. Não fazer isso seria suicídio político.”
— Boulos: “A diversidade não impede a unidade da esquerda” https://www.google.com.br/amp/www.pt.org.br/boulos-a-diversidade-nao-impede-aunidade-da-esquerda/amp/

O PSOL têm assinado vários acordos em defesa de um “projeto nacional de desenvolvimento” junto com partidos burgueses, PDT, PT e PCdoB, como o “Manifesto Unidade para Reconstruir o Brasil”. Nesse texto, afirmam a necessidade da “união de amplas forças políticas, sociais, econômicas e culturais que constituam uma nova maioria política e social capaz de retirar o país da crise e encaminhá-lo a um novo ciclo político de democracia, de soberania nacional e de prosperidade econômica e progresso social”. Isso nada mais é que uma tentativa de repetir o projeto petista numa conjuntura no qual ele é inviável.

Como resultado, na prática a candidatura cumpre o mesmo papel que as de Ciro e Haddad, reconciliando os trabalhadores com a classe dominante e suas instituições, e tem como resultado ajudar a desarma-los frente às lutas que estão por vir, e desmobiliza-los no período eleitoral. Por todos esses fatores, não consideramos a candidatura de Boulos como uma candidatura socialista ou proletária. Caracterizamos como uma candidatura burguesa pelo seu programa, mesmo que ela não tenha envolvimento direto com a burguesia. Uma frente popular eleitoral “com a sombra da burguesia”, pelo seu desejo de unidade com essa classe.

Nesse caso, não damos nenhum apoio a Boulos, nem mesmo “crítico”, pois sua candidatura nada difere desse padrão de comprometimento com políticos da burguesia e disposição de conciliação com a classe dominante.

É bom ressaltar que não é incomum candidatos do PSOL que concorrem sob a ótica de serem “bons gestores” e de se preocuparem em “governar para todos”, sem o menor comprometimento com uma agenda da classe trabalhadora em oposição aos capitalistas e seu sistema. Nesse caso, não constituem candidaturas socialistas e não devem ser apoiados. Muitos na esquerda apoiaram a campanha de Marcelo Freixo para prefeitura do Rio de Janeiro em 2016, por exemplo, desde apoios entusiastas até apoios tímidos, apesar de que esse candidato havia feito pactos de apoio mútuo com candidatos capitalistas para um segundo turno eleitoral, assim como deixado claro em campanha na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro que não tinha nada contra o “mercado”. O PSOL, como partido pequeno-burguês, contém desde políticos burgueses até correntes da classe trabalhadora, geralmente reformistas ou centristas, que tendem a se adaptar à direção liberal para evitar sua expulsão.

As candidaturas socialistas para o legislativo

Não apoiaremos as candidaturas que declaram apoiam o Boulos, como as da Esquerda Marxista (EM) e do PCB, pois mesmo que essas tenham uma linha socialista em sua propaganda, entendemos que elas também cruzam a linha de classe ao prestar apoio à candidatura pró-capitalista de Boulos pelo PSOL. A Esquerda Marxista, tendência do PSOL, faz críticas muito corretas a Boulos, apontando no seu jornal “Foice e Martelo” n. 122, por exemplo, que “as tiradas moralistas de Boulos não vão esconder a sua vontade de ligação com os banqueiros e a burguesia, pelo contrário, só a ressaltam”. Porém, esse grupo, assim como vários outros da ala esquerda do PSOL (como a CST e o MES), seguem afirmando publicamente o voto em Boulos para os círculos mais amplos.

Esses grupos centristas que dizem estar fazendo entrismo no PSOL, mas que na prática tendem a permanecer lá indefinitivamente, tendem a ter suas políticas moldadas pela pressão da ideologia burguesa que se faz sentir no PSOL, temendo enfrentar diretamente e honestamente a influencia da burguesia e de seus ideólogos sobre a classe operária. Por isso evitam uma ruptura com as candidaturas dos movimentos burgueses “de esquerda” como foi a de Freixo em 2016 e como hoje é a de Boulos, preferindo tentar compensar seu tamanho pequeno frente a esses movimentos, ao apoia-los “criticamente, pela esquerda”, cumprindo o papel de ajudar a solidificar a influencia da burguesia sobre o movimento operário. Eles justificam essas políticas prometendo às suas bases que, em um futuro distante, em um período revolucionário, as suas manobras diplomáticas com as direções e a sua adaptação à esses setores da burguesia vão ser recompensadas pelo desenrolar da luta de classes, com a formação de um partido marxista de massas.

Comunistas passam com os movimentos das massas operárias por todas as suas experiências de luta de classes, sempre defendendo seu programa socialista. Mas não passamos com os movimentos de massas por experiências de conciliação de classe e traição. Não se constrói organização marxista sem um combate honesto e aberto à influencia da burguesia no seio do movimento operário.

Apoiaríamos criticamente a essas e outras candidaturas que se reivindicam socialistas e proletárias apenas mediante um rompimento claro com todos os defensores de projetos de governo burgueses, incluindo o de Guilherme Boulos, e uma rejeição do tal “voto útil”.

O MRT, até esse momento (a menos de dez dias das eleições) não tem uma posição eleitoral definida no pleito para Presidente. Daríamos apoio eleitoral crítico a seus candidatos para deputado apenas mediante uma postura de rompimento com as candidaturas como a de Boulos, que até agora não temos como confirmar. Em 2016 o MRT esperou até o último momento para adotar uma posição tímida de apoio e voto crítico na candidatura burguesa de Marcelo Freixo para a prefeitura do RJ.

A candidatura de Vera Lúcia (PSTU)

Diferente das outras candidaturas ditas de esquerda, existe uma que declarou uma posição clara de independência de classe, de denúncia das candidaturas burguesas, e que adotou um programa socialista e radical para essas eleições. Essa é a campanha á presidência da Vera Lúcia, assim como os outros nomes do PSTU, que afirma:

“Nesse momento de grande crise econômica, política e social, vemos várias candidaturas colocando-se à disposição para continuar e aprofundar a política econômica dos últimos governos. São várias candidaturas, mas, de um ou outro jeito, contam com o mesmo projeto: continuar gerindo o capitalismo que condena milhões à fome e ao desemprego.
“Diante disso, o PSTU se vê na obrigação de apresentar à classe trabalhadora e o povo pobre do Brasil, uma alternativa socialista e revolucionária. Um programa que aponte a ruptura com o capitalismo, os grandes bancos e empresas, chamando a que a classe operária e a população pobre se rebelem, façam uma revolução que destrua o capitalismo e que construa, na luta, um governo socialista dos trabalhadores, baseado em conselhos populares. Só um programa socialista pode acabar com a dominação imperialista no nosso país, garantir uma segunda e verdadeira independência, e acabar com toda exploração e opressão.”
— 16 pontos de um programa socialista para o Brasil contra a crise capitalista, 24 de agosto de 2018. https://www.pstu.org.br/16-pontos-de-um-programa-socialista-para-o-brasil-contra-acrise-capitalista/

Esse não é um material meramente interno ou propagandístico, mas o conteúdo do principal material de campanha que o PSTU tem levado para milhares de trabalhadores no último mês. Os 16 pontos levantados pelo PSTU (que são explicados pormenorizadamente) são os seguintes: 1 – Revogação de todas as reformas que retiram direitos! Não à reforma da Previdência; 2 – Pelo direito ao trabalho! Redução da jornada sem redução dos salários; 3 – Planos de obras públicas para gerar emprego e resolver problemas estruturais; 4 – Aumento geral dos salários e aposentadorias; 5- Estatização das 100 maiores empresas sob o controle dos trabalhadores; 6 – Moradia, Educação e Saúde pública e de qualidade para todos; 7 – O campo para quem trabalha! Nacionalização e expropriação do latifúndio! Revolução e reforma agrária radical; 8 – Regularização e titulação das terras indígenas e quilombolas; 9 – Prisão e o confisco dos bens de corruptos e corruptores!; 10 – Suspensão do pagamento da dívida e auditoria; 11 – Proibição das remessas de lucro! Estatização do sistema financeiro; 12 – Fim da Lei de Responsabilidade Fiscal! Por uma Lei de Responsabilidade Social; 13 – Reestatização das empresas privatizadas, sob o controle dos trabalhadores; 14- Pelo fim da criminalização das lutas e da pobreza! Revogação da lei antiterrorismo! Desmilitarização da PM e descriminalização das drogas! Pelo direito dos trabalhadores e do povo pobre à autodefesa, organizada nas lutas, nos bairros, ocupações; 15 – Pelo fim de toda a opressão! Contra o racismo, o machismo, a LGBTfobia e a xenofobia; 16 – Por um governo dos trabalhadores baseado em conselhos populares.

Esse é um programa que aponta a necessidade de superação do capitalismo e denuncia as principais supostas “alternativas” dentro dos limites do sistema. O PSTU, apesar de ser centrista, é um partido proletário, e nesse caso, como sua candidatura mantém a independência de classe, um voto nesse partido é, nessa ocasião, um voto contra os patrões. Votar em Vera Lúcia em 7 de outubro é rejeitar todos os candidatos da burguesia e afirmar uma posição dos trabalhadores. Trabalhador vota em trabalhador!

Nossas críticas ao PSTU

Sempre apresentamos de forma consistente e contínua nossas críticas às posições oportunistas do PSTU. Falaremos novamente. Ao defender a “prisão de todos os corruptos”, como pauta geral, elemento defendido por Vera em algumas entrevistas, o PSTU confunde o combate proletário à corrupção da burguesia, com o apoio às empreitadas falsamente “moralizantes” da Justiça e da Polícia burguesa. A defesa da “prisão de todos os políticos corruptos” por essas instituições só tem como efeito reforça-las, e elas também são parte do Estado burguês.

Essa é uma posição que o PSTU vem aprofundando desde 2016, quando no auge das mobilizações reacionárias pelo impeachment, chamou pelo “Fora Dilma já”, aparentemente ignorando que Dilma não estava sendo derrubada pelos trabalhadores organizados, mas de maneira inconstitucional por um novo bloco hegemônico da burguesia que tinha o interesse de aprofundar os ataques que ela só havia começado. O mesmo pode ser dito de sua postura de ignorar, em vez de denunciar, as restrições antidemocráticas levantadas contra o PT (prisão de Lula, proibição de sua candidatura). Por essa posição inconsequente, o PSTU perderá o voto de muitos militantes e trabalhadores honestos que concordam com a sua crítica à colaboração de classes.

Na política internacional, o PSTU/LIT tem deixado de lado completamente a independência de classe. Apoiou movimentos burgueses de oposição dominados por figuras reacionárias na Líbia, Síria, Egito (golpe militar) e Ucrânia sob o argumento de que apoiava uma “revolução” nesses países. Nossa oposição aos governos Kaddafi, Assad, Morsi e Yanukovych deveria ter sido uma oposição de classe contra classe, não misturada e conjunta com setores burgueses reacionários e pró-imperialistas que lideravam inclusive grupos armados na Síria ou na Praça Maidan em Kiev, ou que deram um golpe militar sangrento no Egito.

Algo similar foi feito no movimento sindical recentemente em Itabira (MG), onde militantes do PSTU e da CSP-Conlutas fizeram chapa conjunta, vencedora de eleição do sindicato Metabase, que era presidida por um apoiador de Bolsonaro. Essa questão, até agora não esclarecida e que tampouco passou por autocrítica, mostra a inconsistência da PSTU na defesa da independência de classe.

Além disso, a posição do PSTU no cenário eleitoral nacional é bastante abstrata, pois faz um chamado à rebelião e à revolução socialista, que são corretos, mas não aponta que a tarefa imediata para a esquerda está na organização de uma frente única proletária para realizar a luta contra os ataques, um movimento de greves, manifestações, ocupações etc. A revolta operária, ou mesmo o “governo de conselhos populares” do PSTU toma ares de um “programa máximo” quando não vem acompanhado de um programa concreto para a luta. Isso deriva do crescente sectarismo e autoproclamação do PSTU em relação a outros grupos da esquerda.

Porém, é bom lembrar que isso nem sempre foi assim. Em 2012, antes do partido dar um giro que lembra o “terceiro período” estalinista, o PSTU apoiou uma campanha de caráter muito semelhante ao da atual candidatura Boulos. A candidatura de Edmilson Rodrigues (PSOL) a prefeito de Belém do Pará, cargo que ele ocupou durante oito anos enquanto esteve no PT, foi lançada e apoiada por uma frente que incluía o PSOL, o PSTU e o PCdoB (!). Relembramos o que Edmilson disse durante uma entrevista que deu na época ao blog Ponto de Pauta, que citamos em uma polêmica com o PSTU daquele ano. Quando perguntado sobre doações de campanha e se o partido causava “temor aos empresários”, ele respondeu que:

“O PSOL é a expressão do movimento social, autêntico, combativo, mas se você conversa com o empresariado de Belém, pode ouvir ‘não sou PSOL, mas tenho respeito pelo Edmilson’. Agora se você me perguntar se vou aceitar todo tipo de apoio, eu digo que não. De multinacionais envolvidas com a destruição da Amazônia, não aceitaremos. De empresários bandidos, de forma alguma. Qualquer empresário que, dentro da lei, quiser fazer doações, está chamado a contribuir e será recebido de bom grado.”

Até hoje, nenhum balanço sobre o apoio a Edmilson em Belém, numa chapa conjunta com o PCdoB, foi feito pelo PSTU.

Nosso programa para os trabalhadores do Brasil

Não temos preconceito contra usar o espaço eleitoral, que recebe atenção mesmo de setores mais apáticos dos trabalhadores, para defender os interesses da nossa classe e o socialismo. Se pudéssemos, realizaríamos uma campanha, não com a intenção de ganhar as eleições para gerir o Estado burguês, e sim para denunciar os candidatos capitalistas; expor as intenções deles diante da classe trabalhadora e dos setores subalternos da sociedade; agitar e popularizar as lutas dos trabalhadores (especialmente contra as leis e “reformas” que retiram direitos; e o papel das forças armadas e do judiciário); e levantar o programa da luta de classes de forma acessível para a grande maioria da população.

Porém, a luta de classes não se traduz nas eleições e tampouco se encerra nelas. A luta de classes vai continuar depois de 7 e de 28 de outubro, numa situação dificílima para o proletariado. A classe burguesa vem para cima da classe trabalhadora armada até os dentes, ameaçando recorrer ao bonapartismo judiciário, às polícias e Forças Armadas. Precisamos estar preparados e organizados para lutar. É necessário construir urgentemente uma frente de lutas dos trabalhadores; que reúna os setores já organizados e mobilizados da nossa classe e se expanda para novos setores, pressionando os sindicatos contra a paralisia das burocracias da CUT, CTB, Força Sindical, buscando arrastar os trabalhadores pelo exemplo. Essa frente de lutas poderia realizar mobilizações, panfletagens, greves, protestos, ocupações contra os ataques da classe dominante: as retiradas de direitos sociais, restrição aos direitos democráticos, a repressão, os salários rebaixados. Deve almejar organizar uma greve geral para vencer. Ao mesmo tempo, deve permitir plena liberdade de debate entre os grupos que a componham, sem sectarismo.

Num período de reação, nosso programa não pode se limitar a voltar aos “velhos tempos” de suposta estabilidade e “democracia”. Dentro e fora dessa frente, defenderemos um programa para a classe trabalhadora do Brasil, que inclui:

– Redução da jornada de trabalho sem redução de salário, para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores e combater o desemprego. Integração de todos os demitidos e desempregados ao trabalho por meio da qualificação técnica obrigatória gratuita oferecida pelas empresas, com salários dignos e direitos, integrando-os até acabar com o desemprego.

– Reajustes automáticos dos salários de acordo com a subida dos preços (para deter os efeitos da inflação) e também por um salário mínimo que atenda às reais necessidades básicas da família trabalhadora. O salário mínimo deveria dobrar de forma imediata para frear a desvalorização do trabalhador. Devem ser imediatamente proibidos os contratos intermitentes, temporários e abusivos.

– Anulação a Lei da Terceirização, que precariza salários e gera instabilidade. Integração dos trabalhadores terceirizados às empresas para as quais prestam serviços com plenos direitos. Contra o racismo e o machismo! Salário igual para trabalho igual.

– Retirar de pauta a contrarreforma da Previdência e reverter os cortes nas áreas sociais. Que as grandes fortunas, heranças, bancos, agronegócio e grandes empresas sejam taxados tanto quanto necessário para financiar previdência, moradia, saúde, transporte e educação. Fim das isenções milionárias, suspensão do pagamento da dívida pública e do perdão de dívidas de grandes empresas com o Estado brasileiro.

– Cancelamento das dívidas dos trabalhadores com os bancos até determinado valor e refinanciamento dos valores acima em condições mais favoráveis. Para isso, é necessária a estatização de todos os bancos, sob controle da classe trabalhadora.

– Contra os leilões do petróleo e sucateamento da Petrobras. Pela reestatização plena da Petrobras e a expropriação, sem indenização, das companhias petrolíferas estrangeiras, todas sob controle dos trabalhadores.

– Abaixo a interferência das Igrejas nos direitos das mulheres! Pela legalização do aborto, com garantia de procedimento seguro e gratuito pelo SUS. Expandir creches, criar restaurantes e lavanderias públicas para desafogar as mulheres do trabalho doméstico e da dupla jornada.

– Abaixo as arbitrariedades do Judiciário: que os juízes que abusarem contra o povo ou protegerem os criminosos da classe dominante sejam retirados do cargo imediatamente.

– Chega de mordomias para a corrupta casta política e jurídica: que todo parlamentar eleito, ministro, juiz, prefeito etc. receba apenas o salário médio de um trabalhador. Fim do “foro privilegiado”. Expropriação dos bens de todos os empresários e políticos corruptos para benefício e uso da população. Expropriação das empresas envolvidas em corrupção sob controle da população.

– Direito à terra para quem nela vive e trabalha. Expropriação das terras e imóveis dos grandes especuladores e proprietários para benefício da população que paga altos aluguéis ou mora em áreas de risco, dos pequenos produtores rurais que plantam e colhem quase tudo que vai para nossas mesas. Condições de financiamento para os pequenos proprietários que vivem do próprio trabalho, no campo e na cidade.

– Contra a Lei Antiterrorismo, a Intervenção militar no Rio de Janeiro e a escalada de repressão aos direitos democráticos. Pela dissolução da polícia militar e outras forças profissionais de repressão. Pelo direito de autodefesa dos trabalhadores e do povo, e pela retirada de todos os processos contra lutadores das causas populares.

– Que todo apoio seja dado aos refugiados venezuelanos e de outros países! Os trabalhadores não devem reconhecer as fronteiras da burguesia. Pelo direito dos venezuelanos (e quaisquer outros refugiados) ao emprego e a cidadania no Brasil!

Fica claro que esse programa, que resolveria os principais problemas da classe trabalhadora no atual momento, não pode ser realizado pelos políticos e pelo Estado da classe dominante. Porque exige enfrentar a propriedade privada das indústrias, terras e bancos, que para eles é um “princípio sagrado”, e que eles fariam de tudo para impedir, inclusive reprimir e assassinar os que lutassem por isso. Realizar esse programa exige a organização dos trabalhadores para lutar e para governar por meio das suas próprias ferramentas: construir um poder alternativo ao atual Estado. Mas seria importante falar isso durante as eleições, divulgar e explicar esse programa, e chamar os trabalhadores para as lutas em curso dos trabalhadores por direitos democráticos e sociais. Essa é a contribuição do Reagrupamento Revolucionário ao atual momento político-eleitoral.

APÊNDICE: “Frente eleitoral de esquerda” ou frente única de ação?

A frente que defendemos para os trabalhadores não é uma frente eleitoral ou com base em um programa estratégico definido, que hoje não existe na esquerda, e sim uma frente para organizar ações do proletariado e outros setores oprimidos: uma frente única de ações concretas na defesa dos interesses dos trabalhadores. Desta forma eficiente de unidade — na luta – temos feito propaganda ativa desde que se iniciou a presente onda de ataques, desde o governo Dilma, passando pelo golpe e agora pela intervenção federal no Rio de Janeiro.

Alguns na vanguarda propõem com frequência a construção de uma frente eleitoral de esquerda, inspirados na experiência da FIT (Frente de Esquerda e dos Trabalhadores) da Argentina. Essa proposta é comum, por exemplo, ao MRT (grupo que administra o site Esquerda Diário).

Imaginemos no cenário brasileiro uma frente composta pelas organizações da classe trabalhadora dentro do PSOL, pelo PSTU e pelo PCB. Qual posição defenderia o candidato de tal frente sobre o cenário político brasileiro? Defenderia o “Fora Todos” e “Prisão de todos os corruptos” do PSTU e que a saída de Dilma não foi nenhum golpe? Ou a posição do PSOL de que o impeachment foi um golpe e que é necessário um governo de esquerda (por dentro do Estado capitalista) para conter o avanço da direita? Ou ainda a posição do PCB pelo “Poder popular” (cujo significado é bastante ambíguo)? Qual seria o programa de tal candidatura? Um programa “democrático e popular” de reformas no capitalismo? Ou um programa de demandas transitórias apontando para a necessidade de derrotar o Estado burguês? Ou ainda uma mistura entre eles? No contexto internacional, a situação ficaria ainda mais confusa. Se questionado sobre a Venezuela, provocação certa da direita brasileira, tal candidato teria a posição do PCB e da maioria do PSOL, de que o governo Maduro é representante de uma “revolução bolivariana” e um “governo popular”, ou a posição do PSTU por um “Fora Maduro”? Não é à toa que a FIT da Argentina se dividiu diante de inúmeros momentos decisivos da luta de classes em nosso país vizinho.

Há, evidentemente, posições comuns entre todos os partidos e grupos da classe trabalhadora, contra aos ataques do Estado burguês aos direitos democráticos, “reformas” que retiram direitos sociais dos trabalhadores, e à intervenção federal no Rio. Mas isso só mostra a necessidade de uma frente de tipo diferente, uma frente única de ações de massa contra tais medidas do Estado
burguês. O que não há em comum na esquerda brasileira é um programa propositivo, e nem poderá haver, considerando o seu oportunismo dominante, a análise cega ou sectária de outros, e adaptação da maioria das correntes aos limites do Estado burguês.

Concretamente, nas frentes programáticas e eleitorais prevalecem sempre as posições do grupo mais à direita, que hoje são as do PSOL. Propor uma frente como essa, uma unidade programática com os centristas e reformistas, significaria deixar de lado, na prática, a crítica firme a esses setores. Poder-se-ia responder que propor uma frente como essas não impede ou proíbe de realizar críticas. Porém, nesse caso, isso seria restrito a círculos fechados, enquanto o objetivo principal seria apoiar e promover uma propaganda reformista ou centrista. Fazer parte de uma campanha política comprometida com um programa definido não permite uma diferenciação séria. Como explicou o revolucionário Leon Trotsky:

“Os acordos eleitorais e as negociatas parlamentares concluídas entre o partido revolucionário e a socialdemocracia costumam servir, em regra, à socialdemocracia. Um acordo prático para ações de massa, para os objetivos da luta é sempre para proveito do partido revolucionário. (…) Nenhuma plataforma comum com a socialdemocracia ou os dirigentes dos sindicatos alemães, nenhuma publicação, nenhuma bandeira, nenhum cartaz em comum! Marchar separados, golpear juntos! Pôr-se de acordo unicamente sobre a maneira de golpear, sobre quem e quando golpear!”

“É precisamente no domínio da propaganda onde é inadmissível um bloco desse tipo. A propaganda deve apoiar-se sobre princípios claros, sobre um programa preciso. Marchar separados, golpear juntos. O bloco não deve ser criado para nada além de ações práticas de massas. As negociações pelo alto sem uma base de princípios não conduzem a nada, a não ser a confusão. A ideia de apresentar às eleições presidenciais um candidato da frente única operária é uma ideia fundamentalmente errada. O partido não tem direito de renunciar a mobilizar seus partidários e a contar suas forças nas eleições. Mas uma candidatura do partido que se oponha a todas as outras candidaturas não pode constituir, em nenhum caso, um obstáculo para um acordo com outras organizações pelos objetivos imediatos da luta”.

No caso do surgimento de um movimento amplo por uma candidatura da classe trabalhadora, participaríamos desse movimento sem sectarismo, mas sempre defendendo o programa marxista coerente como o melhor programa para a candidatura. Não nos absteríamos de participar desse movimento, e nem de apoiar criticamente uma candidatura dos trabalhadores caso prevaleçam reformistas ou centristas de forma independente da burguesia.

O que não devemos alimentar é a possibilidade de uma unidade programática, que é a ideia da “frente de esquerda eleitoral” nesses moldes. Contrapomos à ideia de uma “frente de esquerda eleitoral”, a defesa de candidaturas proletárias revolucionárias nas eleições burguesas ou de apoio crítico no caso de candidatos reformistas e centristas, pois isso nos permite manter as mãos livres e defender abertamente o nosso programa, separando o motivo de apoio (o caráter proletário) das críticas que forem necessárias. Aí, precisamente, está a diferença!