A Vitória do CNT/OTAN na Líbia e o Centrismo do Coletivo Lenin

Derrota para os Trabalhadores na Líbia
Combater o Governo do Conselho Nacional e o Imperialismo!

Setembro de 2011

Kadafi foi um tirano que oprimiu a classe trabalhadora da Líbia por mais de quatro décadas. Sob a fachada de algumas nacionalizações progressivas contra a burguesia imperialista na década de 1970, enganou os operários e oprimidos e garantiu a manutenção do capitalismo no país sob as formas mais brutais. Após a década de 1980, alargou seus laços com os países centrais do capitalismo, sobretudo a Itália, e removeu passo a passo até as pequenas medidas progressivas que havia realizado. Apesar disso, sua derrota por uma coalizão dominada por setores da burguesia nacional – o Conselho Nacional de Transição (incluindo líderes tribais, monarquistas e militares anteriormente aliados a Kadafi) – e o poderio militar da OTAN (organização militar dos países imperialistas) foi uma derrota para os trabalhadores.

Os trabalhadores não poderiam ter nenhuma segurança com Kadafi. Era necessário preparar a cada momento a sua derrubada revolucionária, que poderia criar um governo operário revolucionário de liberdade, encerrando as condições de pobreza e exploração do povo, e de igualdade, principalmente para as mulheres de um país que era, e continua sendo, marcado pela opressão. Entretanto, e apesar das ilusões de muitos dentro e fora da esquerda, o governo que agora vai dominar a Líbia nada tem a ver com isso, muito pelo contrário. É um governo com laços próximos aos países que exploram a Líbia, um governo que não mediu esforços (sacrificando a população) em busca de seus próprios interesses mesquinhos de exploração dos trabalhadores, quando chamou a OTAN a intervir militarmente no país. A vitória do CNT sob a tutela da OTAN vai intensificar a exploração imperialista sobre a Líbia e manter a opressão às mulheres e outros setores.

Era papel dos revolucionários na Líbia e nos outros países desde o começo quebrar as ilusões nesse Conselho. O movimento de massas que ele passou a dominar deveria encarar a sua liderança, programa e trajetória reacionários – concluindo, assim, que as promessas do CNT por democracia não mereciam confiança alguma. Os trabalhadores não deveriam lutar do mesmo lado que os setores militares, tribais e monarquistas que tomaram metade do país e se enfrentavam com Kadafi desde fevereiro. Apoio ao CNT quando este tomou o poder em Bengasi (e outras cidades do Leste do país) seria uma traição contra a classe proletária. Essa era uma guerra civil entre frações equivalentes da burguesia líbia, cada uma dominando parte do país e onde a defesa da classe trabalhadora não estava associada a tomar o mesmo lado militar de algum dos combatentes. Era uma luta, portanto, que não dizia respeito aos proletários, os quais deveriam lutar por uma via classista.

Com o apoio militar dos países imperialistas ao Conselho Nacional Transitório a partir de meados de março, a situação mudou. Tornou-se necessário formar um bloco tático entre o movimento dos trabalhadores e os setores burgueses do governo de Kadafi que fossem contra o ataque imperialista, que tinha o interesse de impor uma opressão qualitativamente maior sobre os trabalhadores do país. O objetivo imediato dos revolucionários era vencer o bloco CNT/OTAN, mas isso não mudava a sua perspectiva de preparar a derrubada de Kadafi ao mesmo tempo em que a ameaça imperialista era vencida. Em suas táticas, os revolucionários jamais devem colocar de lado a luta pelo socialismo. Os trabalhadores revolucionários na Líbia deveriam dizer: “Não vamos deixar os imperialistas derrubarem Kadafi, porque isso é tarefa nossa!”.

Os setores amplos da esquerda que consideram a vitória do CNT (em razão de uma base de massas possuir ilusões em suas promessas) como uma vitória dos trabalhadores, enganam cruelmente a vanguarda que se reivindica revolucionária. Como se não fosse suficiente dar apoio a uma insurreição liderada pela burguesia reacionária da Líbia, esses demagogos ignoram o fato de que essa “vitória dos trabalhadores” foi apoiada pelo imperialismo. Invertem a lógica da luta de classes e passam a defender que o imperialismo pode ser um aliado na luta dos trabalhadores. Os revolucionários, porém, tem a tarefa de dizer a verdade por mais amarga que ela possa ser. Somente assim podemos ser coerentes diante das tarefas que se colocam diante de nós na luta pela revolução proletária.


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Na época em que a guerra civil estourou, assim como no início dos ataques aéreos da OTAN, fomos incapacitados de dar uma resposta pública coerente sobre este tema porque estávamos engajados em uma luta fracional com a maioria do Coletivo Lenin (confira nossa carta de ruptura O Coletivo Lenin é Destruído pelo Revisionismo!), que teve uma posição traiçoeira diante destes eventos. Como verdadeiros leninistas, respeitamos o princípio do centralismo democrático e discutimos nossas posições apenas internamente. Agora temos a oportunidade de publicar alguns trechos de nossa polêmica interna, que denunciam a degeneração do Coletivo Lenin enquanto organização revolucionária.

A posição atual do Coletivo Lenin, após a ocupação imperialista, é correta no fundamental, mas pode ser usada para tentar disfarçar a adaptação centrista que o grupo teve diante da guerra civil em seus primeiros momentos. Naquela época, o atual líder do Coletivo, Paulo Araújo, tinha amplas ilusões com o CNT, defendendo que ele tinha “formas democráticas” e que iria garantir a democracia para o povo líbio. Paulo Araújo defendeu que era necessário apoiar a derrubada de Kadafi pelo CNT e que era necessário tomar o lado militar do governo de Bengasi. Ignorava, portanto, o programa, trajetória e liderança do movimento liderado pelo Conselho e o fato de que sua dominação de metade do país era um regime inimigo dos proletários, além do fato de este governo chamar pela “ajuda” da OTAN.

Curiosamente, depois da ocupação imperialista chamada pelo CNT, o Coletivo Lenin deu um giro de 180 graus, passando para o outro extremo da barricada. Antes, Paulo Araújo chamava os trabalhadores a darem seu sangue por líderes traidores que supostamente lhes dariam democracia para, logo depois, dizer que era necessário lutar contra estes “democratas” armados com o fuzil imperialista. Esse é um típico ziguezague centrista baseado em apoiar um movimento que conta com certa popularidade enquanto se ignora o seu programa e liderança burgueses para depois, quando a liderança do movimento executa seu programa, “descobrir ingenuamente” que ele tem um conteúdo reacionário.

Para clarificar a posição do Reagrupamento Revolucionário, pautada na elaboração de nossa tendência dentro do Coletivo Lenin, estamos publicando trechos de um documento interno que escrevemos na época. O documento intitulado “Dilma e Líbia: Dois Sintomas de Uma Doença Revisionista” fazia um paralelo entre a posição de Paulo Araújo no conflito líbio e sua posição de “apoio crítico” a Dilma nas eleições brasileiras de 2010. Para facilitar a compreensão do conteúdo do texto, limitamos nossa publicação a trechos que dizem respeito à guerra civil líbia, fazendo pequenas modificações indicadas entre colchetes. É importante ressaltar que o texto discute a posição do Coletivo Lenin no momento anterior aos ataques aéreos da OTAN em apoio ao CNT e com o objetivo de estabilizar a situação no país. Nossas perspectivas com relação ao CNT, e os erros do Coletivo Lenin, podem ser facilmente comprovados pelo curso posterior dos acontecimentos.

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O Coletivo Lenin na Líbia e as Tarefas dos Revolucionários

Os trechos a seguir foram extraídos do documento interno “Dilma e Líbia: Dois Sintomas de uma Doença Revisionista”, publicado em abril de 2011 pela tendência de Rodolfo Kaleb e Leandro Torres no Coletivo Lenin. As fontes consultadas para a primeira parte do texto foram o site do governo do Conselho Nacional Transitório líbio (que continha todas as declarações públicas feitas por este até então) e também a versão em inglês da Wikipédia.

Um resumo dos acontecimentos na Líbia

Antes de partir para a interpretação das posições políticas é necessário conhecer concretamente [a trajetória] dos fatos. Esse é um componente fundamental do materialismo histórico e portanto base de qualquer análise marxista. Em fins de janeiro houve os primeiros chamados a uma rebelião contra Kadafi após a queda dos ditadores na Tunísia e Egito. Os confrontos começaram em 15 de fevereiro com uma passeata de 500 pessoas em frente ao quartel policial de Bengasi, que foi reprimida violentamente. O processo se alastra por outras três cidades do leste do país. Também em 15 de fevereiro acontece o primeiro encontro para organizar a Oposição – a Conferência Nacional da Oposição Líbia, que chama uma manifestação para o dia 17 de fevereiro.
Forma-se o exército da Oposição a partir de deserções das forças armadas e derrubam-se vários quartéis policiais e do exército na região leste do país no dia 17, “coincidindo” com o dia das manifestações. A oposição também toma controle dos meios de comunicação das cidades tomadas e começa a ganhar largo apoio dos setores populares. No dia 18 já estão sob controle da Oposição Bengasi e outras cidades menores no leste. O movimento oposicionista é composto por muitos setores populares, além de professores, estudantes e petroleiros. Kadafi acusa os rebeldes de receberem ajuda da Al Qaeda. A OTAN diz que houve indícios de atividade da Al Qaeda no exército da Oposição, sem confirmar as acusações. A Oposição negou o fato.
Em 20 [de fevereiro] muitas cidades do leste do país, inclusive Bengasi (segunda cidade do país, importante para o transporte marítimo), estabelecem um governo provisório. Desde essa data, segundo a Oposição, Kadafi tem ordenado para que o exército atirasse contra protestos com o objetivo de dizimar os manifestantes (o número de mortos é completamente incerto, com várias fontes dizendo números muito distintos entre 1000 e 8000 mortos). Também há relatos inúmeros da contratação de exércitos de mercenários nos países próximos para perseguir os manifestantes.
O embrião do CNT se reúne em 24 de fevereiro para organizar o Conselho, ato que se conclui no dia 27. É formado por 31 membros (líderes militares, líderes tribais, empresários e acadêmicos). Seu presidente é Mustafa Abdul Jalil, antigo ministro da justiça de Kadafi. Já nessa primeira reunião, muitos dos líderes do CNT pediram por uma intervenção das Nações Unidas. A importante cidade de Zawiyah (cidade estratégica a meio caminho entre Trípoli e Bengasi) é tomada em 24 de fevereiro. As forças do exército de Kadafi tentam retomar a cidade e são repelidas em 28 de fevereiro. Em 26 de fevereiro a oposição ganha mais duas cidades importantes.
O CNT surge em 27 de fevereiro com o objetivo de ser a “face política da revolução” segundo ele próprio. Em 5 de março ele se intitula o “único representante de toda a Líbia”, chamando o Estado de “República Líbia”. Ganhariam assentos no CNT apenas as cidades e vilas que ficassem sob controle da Oposição. As identidades dos 31 membros não foram reveladas, apenas o presidente, o porta-voz e dois cargos públicos. O exército do CNT se chama “Exército do Povo Líbio” e é um racha das forças armadas líbias, utilizando as armas pesadas e os tanques capturados. O CNT promete eleições livres e uma nova constituição para o país em suas declarações de 5 de março.
Em 6 de março o jogo começa a virar e Kadafi recupera algumas cidades perdidas, além de parar o avanço do CNT pelo país. Em 10 de março, Kadafi recupera Zawiyah. Em 17 de março a ONU aprova um ultimato exigindo cessar fogo do governo de Kadafi. Em 18 de março Kadafi aceita o cessar fogo mas ocorrem relatos de combate contra o exército da Oposição, com os soldados do governo ainda se aproximando de Bengasi.
A resolução 1.973 da ONU estabelece a criação de uma zona de exclusão aérea (que significa destruir as baterias antiaéreas para permitir tráfego de qualquer aeronave pelo espaço aéreo líbio). Em 19 de março começaram os bombardeios realizados por Inglaterra, França, Itália e Estados Unidos. A ação militar da França se concentrou em proteger as cidades dominadas pela oposição, com o envio de 19 caças da força aérea francesa. Até 22 de março 161 mísseis já haviam sido lançados contra alvos militares do governo líbio por aviões comandados pela OTAN. As forças da OTAN foram bem sucedidas em parar o avanço das forças leais a Kadafi, mas não conseguiram tomar o país e nem permitir o avanço da Oposição. Desde então há especulações sobre um cessar fogo e possíveis acordos entre o governo e a Oposição diante do conflito estagnado.

[CNT: “Defensores da democracia”?]

No caso líbio, a confiança do camarada Paulo na boa vontade da burguesia se estendeu a uma formação inteiramente burguesa, ainda que o camarada Paulo tenha achado em certo momento que era uma frente popular (opinião essa que, por sua “ousadia” organizativa [de postar uma nota no blog da organização sem consultar os demais membros ou a Direção Executiva], rendeu ao Coletivo Lenin uma crítica mais do que merecida na imprensa da esquerda). Em um email sobre a questão líbia, Paulo diz:

O que os trabalhadores teriam a ganhar com o CNT? Ora, a democracia burguesa! Essa é a verdadeira polêmica. O companheiro [Rodolfo] subestima a reivindicação democrática e as formas democráticas mantidas pelo CNT”

Achávamos que democracia era uma promessa do Conselho Nacional. Promessa essa que um marxista deveria ouvir e em nenhum momento acreditar como verdadeira. Como disse certa vez a Tendência Bolchevique, quando [era] uma organização revolucionária:

É um axioma do marxismo que os movimentos sociais e políticos devem ser julgados por sua liderança, programa, trajetória e composição de classe — não pelas ilusões da base. As mobilizações de massas contra o Xá do Irã em 1978-79 fornecem um caso exemplar. Apesar das esperanças e das intenções de muitos milhares de trabalhadores iranianos e esquerdistas que participaram (assim como as correntes pseudo-marxistas diversas que saudaram este suposto movimento ”objetivamente revolucionário”), o fato era que a direção estava firmemente nas mãos dos reacionários teocráticos ao redor do Aiatolá Khomeini. A contradição objetiva entre a base e o topo indica que uma tarefa chave dos marxistas era lutar para destruir as ilusões que as massas tinham no resultado final de um movimento com tal liderança e programa, levando os trabalhadores à oposição aos mulás, assim como ao Xá.” (Teses Sobre o Solidariedade, 1986).

Os marxistas não deveriam se basear nas promessas do movimento do Conselho, nem nas ilusões da sua base, que são justamente as de que o Conselho vai lhes dar democracia. Mas são nessas ilusões que o camarada Paulo parece se basear. Os marxistas deveriam avaliar a liderança (burguesia pró-imperialista, líderes tribais [reacionários] e chefes militares desertores), o seu programa (república democrática, pedido de ajuda ao imperialismo), a sua trajetória (formação no dia 15/02, tomada do poder de várias cidades no dia 18/02, consolidação em sua forma atual no dia 27/02 e continuidade da sua luta armada pelo poder de Estado, pedindo ajuda ao imperialismo, recebendo-a no dia 20/03) e composição [da base] (setores populares urbanos, setores de classe média e ao menos um setor operário, os petroleiros).
A conclusão que os marxistas devem tirar dessa análise é precisamente que o Conselho Nacional não pode ser um defensor dos direitos democráticos. Existe uma linha que separa “lutar por direitos democráticos” de “lutar por democracia burguesa”. Essa linha é completamente apagada pelo camarada Paulo.
Os marxistas defendem as liberdades democráticas e lutam por elas no sistema capitalista. Essas liberdades garantem ao proletariado melhores condições de se organizar e lutar pela sua emancipação. Por isso os revolucionários estão presentes nos movimentos que lutam por direitos democráticos, sempre que possível integrando-os. Em todos os momentos, defendemos que os revolucionários na Líbia deveriam levantar bandeiras democráticas e que deveriam intervir em todos os espaços possíveis influenciados politicamente pela Oposição líbia.
Isso é muito diferente de conceder ao Conselho a tarefa, ou melhor, a capacidade de garantir esses direitos democráticos. Não devemos dizer, como faz o camarada Paulo, que ajudar a “República Líbia”, que foi como o Conselho Nacional chamou o seu Estado, a se consolidar é lutar pelos direitos democráticos. Vamos lembrar que, apesar das suas promessas, o Conselho é composto pelos militares que por décadas estiveram com a ditadura. Ele é liderado também pelos serviçais do imperialismo e pelos líderes religiosos que apoiavam a monarquia líbia. Que o próprio presidente do Conselho foi o ministro da Justiça de Kadafi por mais de 20 anos!
Dizer que a vantagem em colocar o Conselho Nacional no poder é obter democracia é uma contradição incrível. É estender a luta por liberdades democráticas ao apoio ao governo do Conselho, ou seja, acreditar que apoiar militarmente o Conselho é lutar pelos direitos democráticos. O Conselho Nacional é inimigo dos direitos democráticos da classe operária! Se ele organizar eleições, vai ser só depois de ter certeza que a classe [trabalhadora] foi politicamente controlada e esmagada (o que o imperialismo já está fazendo, com o seu apoio) e com certeza haverá restrições inúmeras de direitos, manutenção dos aparatos de repressão, etc.

[“Frente única contra Kadafi”?]

A frente única é uma tática com que revolucionários procuram se aproximar de formações reformistas ou centristas para ‘jogar a base contra a direção’, quando há uma necessidade sentida e urgente de ação unida por parte das bases. É possível entrar em acordos de frente única com formações pequeno-burguesas ou burguesas, onde há um acordo episódico sobre um assunto particular, e onde é do interesse da classe trabalhadora (por exemplo, os bolcheviques fizeram frente única com Kerensky contra Kornilov). A frente única é uma tática que não só é projetada para realizar o objetivo comum, mas também demonstrar, na prática, a superioridade do programa revolucionário, e assim ganhar mais influência e aderentes para a organização de vanguarda.” (Programa do Coletivo Lênin)

Na questão Líbia, o camarada Paulo supõe a existência de uma “frente única contra Kadafi”, não em torno de ações práticas que fossem vantajosas para a classe operária, mas sim com o objetivo de colocar o Conselho Nacional no poder. Isso tem que ficar claro para todos: desde o dia 18 de fevereiro o Conselho controla cidades do país e luta para se consolidar como o representante de toda a burguesia na Líbia. Nisso consiste a luta do Conselho contra Kadafi. Apoiar esse movimento militarmente não pode ter outro significado que não ajudar o Conselho a se consolidar.
Os revolucionários deveriam lutar por direitos democráticos independente do governo do Conselho Nacional, que é o inimigo desses direitos. Isso significa não apoiar as investidas militares do Conselho Nacional contra Kadafi. Mas quando se defende “dar apoio militar ao Conselho” é justamente essas investidas que se está apoiando. Cria-se a ideia de que se pode ter uma “frente única” quando o objetivo dessa frente não é obter direitos democráticos, mas colocar o Conselho Nacional no poder. Os revolucionários só entram em frentes únicas “onde é do interesse da classe trabalhadora”. Se acha que é do interesse da classe trabalhadora colocar o Conselho Nacional no poder, então o camarada Paulo deveria expor de forma clara a sua tese, coisa que ele não fez nas reuniões.
Só pode-se conceber uma “frente única contra Kadafi” em relação ao que acontece hoje na Líbia se (1) considera-se que a guerra civil é uma luta por direitos democráticos, e não uma luta entre interesses burgueses (onde o CNT seria o “defensor do lado democrático”) e que, portanto, (2) o Conselho Nacional é o representante dos direitos democráticos na Líbia e que é “tático” para os revolucionários colocar esse governo burguês no poder.
Os revolucionários fazem frente única para lutar por direitos democráticos, onde tentam demonstrar que os partidos burgueses são incapazes de cumprir essas tarefas de maneira consequente. Já apoiar a tentativa do governo do Conselho de se consolidar não é uma “frente única”, mas sim um liquidacionismo. Assim se desmancha a retórica revisionista. Usa-se de um termo revolucionário – frente única – para apagar completamente o seu conteúdo, para defender que é “tático” para os revolucionários colocar no poder o Conselho Nacional.

[“Apoio aos atos de base”?]

No caso da Líbia, a falsificação do camarada Paulo ganha bases inteiramente concretas. Na proposta de declaração que escreveu sobre a Líbia, o camarada comparou o que acontecia no país com a redemocratização brasileira.

Por isso, é correto lutar pelo fim da ditadura de Kadafi, mesmo se existe um grande setor pró-imperialista na oposição. Os melhores exemplos que conhecemos dessa situação são do Brasil. Primeiro, a luta contra o Estado Novo, em 1945. Na época, o Partido Socialista Revolucionário, a seção brasileira da Quarta Internacional, levantou a palavra de ordem de Abaixo Vargas! Assembleia Constituinte!, mesmo sabendo que o governo era nacionalista e o maior setor da oposição, a UDN, era pró-americana, tendo inclusive apoio dos militares. […]”

O segundo exemplo foi o movimento pelas Diretas Já! Por acaso alguém nega que o MDB era pró-imperialista? E, por acaso, alguém acha que o caráter pró-imperialista do MDB era motivo para estar fora do movimento de massas que era dirigido pelos setores burgueses desse partido?” (Proposta de nota de Paulo sobre a Líbia).

Enquanto os trotskistas brasileiros estavam num movimento por direitos democráticos junto com setores da burguesia, não houve dúvidas para os trotskistas quando essa burguesia ascendeu ao poder: eles eram oposição e não ajudaram esse governo “democrático” (que reciclou todos os aparatos da ditadura) a se consolidar. Dizer que o que acontece na Líbia é um simples movimento é falsificar a sua natureza. De fato, a declaração sobre a Líbia em momento algum faz menção ao fato de o Conselho Nacional ter inúmeras cidades sob seu domínio na hora de avaliar a política correta. Em outro email, o camarada Paulo fez essa mesma falsificação se referindo ao Conselho Nacional como uma liderança em atos de rua:

A grande confusão do companheiro [Rodolfo] é que deveríamos ‘intervir’ nas mobilizações da oposição, mas sem apoiá-las. Aí existe um duplo erro: primeiro, nunca apoiamos as direções das mobilizações, por mais progressivas que forem, se as direções não forem revolucionárias. Não apoiar a direção não significa que não era para apoiar os atos, mesmo criticando as suas palavras de ordem.”

Nossa preocupação aqui não é avaliar a tática correta para os atos [de rua]. Acreditamos que os revolucionários deveriam intervir neles e disputar a consciência dos trabalhadores envolvidos. Mas não se toma o poder através de atos. Para tomar o poder são necessários armas e elementos conscientes. É a nossa posição diante do governo de Bengasi, e se vamos ou não ajudar esse governo a se consolidar, que está em jogo aqui. Em outubro de 1917, mencheviques e socialistas-revolucionários participavam dos atos. Eles participavam até mesmo dos sovietes. No entanto, diante da tomada do Palácio de Inverno e de algumas poucas cidades, nenhum deles teve dúvida: todos foram contra e nenhum deles trabalhou para consolidar o Estado operário soviético.
Da mesma forma, existe uma diferença brutal entre intervir em movimentos de massas com ilusões numa direção reacionária e apoiar essas direções reacionárias na sua tentativa de tomar o poder. Como exemplo, citamos a política da Tendência Bolchevique [que o Coletivo Lênin reivindicava como uma aplicação do defensismo revolucionário] na tentativa do [reacionário] Solidariedade [polonês] de tomar o poder em 1981.   

A intenção contrarrevolucionária da liderança do Solidariedade inequivocamente foi revelada (para os que quiseram ver) pelos acontecimentos do período imediatamente anterior ao contragolpe de Jaruzelski:
(a) as tentativas de estender o Solidariedade ao exército e à polícia;
(b) as discussões abertas sobre a necessidade de derrubar o Estado na reunião da direção geral do Solidariedade em Radom, em 3 de dezembro;” 
(c) a reunião de 12 dezembro em Gdansk de líderes do Solidariedade, que propôs ”fazer um plebiscito nacional por conta própria sobre um voto de confiança no General Jaruzelski, e para estabelecer um governo provisório não-comunista e organizar eleições livres” (New York Times, 14 dezembro 1981).”

Uma organização trotskista na Polônia no outono de 1981 teria se oposto intransigentemente ao curso pró-capitalista de Walesa & Cia. enquanto continuasse a intervir em reuniões de massa do Solidariedade nos locais de trabalho, e em cada outra arena onde fosse possível receber uma audiência da classe trabalhadora para cristalizar uma oposição anti-estalinista pró-socialista à direção do Solidariedade.” (Teses Sobre o Solidariedade, ênfase nossa).

Enquanto os revolucionários interviriam na base de massas do Solidariedade, eles não dariam nenhum apoio ao Solidariedade para obter os meios de consolidar um governo capitalista (rachar a polícia e o exército, derrubar o Estado, estabelecer um governo provisório). É exatamente isso que estamos contestando na atual posição do Coletivo Lenin. É claro que os revolucionários deveriam agir diante do que está acontecendo na Líbia. O que está em questão é se apoiar o governo do Conselho Nacional avança ou retrocede a luta por conquistas democráticas para o proletariado.
Na declaração que o camarada Paulo propôs, nem mesmo se coloca nossa posição diante do atual governo de Bengasi. Para nós não há a menor dúvida: deveríamos ser oposição a esse governo e não ter lhe dado nenhum “apoio tático” para se consolidar. Podem até nos perguntar: não iríamos lutar contra Kadafi e por liberdades democráticas? É claro que vamos! Mas entre essas duas coisas existe uma linha divisória que o camarada Paulo cruza de maneira irresponsável. Poderíamos até mesmo organizar uma frente única para resistir aos ataques contra os manifestantes por parte do governo Kadafi. Mas em nenhum momento isso pode ser confundido com dar apoio militar ao governo do Conselho Nacional.
Diante disso, chamamos os camaradas a reconsiderarem a posição aprovada pelo Coletivo Lenin e lutarem ao nosso lado por uma modificação da atual posição.