Polônia: a classe trabalhadora contra a “Boa Mudança”
[Traduzimos para o português este artigo escrito em novembro de 2018 por M. Krakowski, simpatizante do Reagrupamento Revolucionário em Varsóvia, Polônia. Consideramos que a situação política nesse país apresenta muitos traços similares com rumos que o governo Bolsonaro pretende tomar à frente do Estado burguês no Brasil, o que torna a leitura ainda mais importante para os trabalhadores e revolucionários do nosso país].
Este é o terceiro ano desde que o partido de extrema-direita Lei e Justiça (Prawo i Sprawiedliwość – PiS) venceu as eleições parlamentares na Polônia, tornando-se o primeiro partido na história da Terceira República Polonesa a controlar simultaneamente a presidência, o senado e o Sejm (as duas casas do Parlamento) com uma maioria absoluta, o que lhe permite formar praticamente um governo de partido único.
A ascensão do PiS ao poder veio após oito anos de governo do partido de centro-direita democrata-cristão Plataforma Cívica (Platforma Obywatelska – PO) e de seu parceiro de coalizão, o Partido Popular Polonês (Polskie Stronnictwo Ludowe – PSL, tradicionalmente o partido da pequena-burguesia rural). Esses oito anos, apesar de muita propaganda positiva (especialmente em 2014, quando foi celebrado o décimo aniversário de adesão à União Europeia e o vigésimo quinto da contrarrevolução capitalista na Polônia) foram marcados por pesadas medidas de austeridade; privatização de indústrias e hospitais estatais (assim como seu fechamento); crescimento da pobreza e do desemprego; aumento da idade para aposentadoria para os 67 anos; eliminação na prática do dia de 8 horas de trabalho; e proliferação dos assim chamados “contratos de lixo”, contratos de trabalho sem qualquer segurança e sem plano de saúde, férias pagas ou direito de organização sindical.
Eis alguns eventos políticos marcantes desse período: em 2011, uma ativista do movimento por moradia em Varsóvia, vítima da selvagem privatização das moradias, Jolanta Brzeska, foi assassinada pelos proprietários. O escritório da Promotoria conduziu a investigação sob a suposição de suicídio e depois a abandonou por completo; em 2014, houve um escândalo de vazamento de gravações de conversas entre políticos. As conversas, gravadas num restaurante e na propriedade do antigo Primeiro Ministro Donald Tusk (que se tornou Presidente do Conselho Europeu em 2014), eram bastante francas, vulgares e reveladoras, com comentários depreciativos sobre o então Primeiro Ministro britânico David Cameron e outros aliados do Estado polonês. Inicialmente, houve poucas consequências políticas, mas em 2015, novas revelações de conversas levaram a uma limpeza no gabinete; no início de 2015 houve uma greve de mineiros da Silésia contra o fechamento das minas. A declaração da greve foi recebida com balas de borracha disparadas pela polícia.
A PO conseguiu vencer por dois mandatos consecutivos, mas tudo que eles tinham a oferecer era o fato de que não eram os lunáticos direitistas do PiS (que já haviam estado brevemente no poder entre 2005 e 2007). A sua arrogância e autocomplacência foi o que os arruinou. No início de 2015, quando a vitória do candidato do PiS para presidente, Andrzej Duda, deu uma mostra do que estava por vir, o então presidente em exercício, Bronislaw Komorowski, que tinha sido apoiado pela PO para reeleição, colocou a culpa da sua derrota na juventude “exigente” que não saberia apreciar a sua “liberdade” alcançada em 1989. As massas frustradas apostaram na reação, que soube empregar uma demagogia populista, para ver se dessa vez as coisas poderiam melhorar (já que a PO nada fez).
Lei e Justiça é liderado pelo católico nacional-conservador Jaroslav Kaczynski, que muitos dizem ser o verdadeiro governante da Polônia hoje. Ele comanda seu partido com punho de ferro e o presidente Duda e o Primeiro-ministro Beata Szydlo e agora Mateusz Morawiecki seriam seus meros fantoches. No primeiro governo do PiS, ele serviu por algum tempo como Primeiro-ministro quando seu falecido irmão-gêmeo Lech era o presidente da Polônia, antes do acidente de avião em Smolensk que pôs fim à sua vida em 10 de abril de 2010. (Até hoje o partido propaga teorias da conspiração culpando ou o governo da PO ou os russos, sugerindo que se tratou de um assassinato).
Kaczynski é um populista que explora o descontentamento dos trabalhadores e dos pobres (especialmente os pobres do campo) depois de 25 anos de capitalismo. Mas ele certamente dirige tal descontentamento para caminhos muito reacionários. A campanha eleitoral misturou promessas de benefícios para os trabalhadores, como o programa de “500 złotys para cada criança” (złoty é a moeda polonesa), taxar os bancos e baixar a idade de aposentadoria, com nacionalismo e racismo contra os imigrantes. O próprio Kaczynski incitou o medo de que os refugiados muçulmanos estariam trazendo doenças e parasitas (uma tática reminiscente da propaganda nazista contra os judeus). O seu partido foi e é totalmente oposto aos planos da União Europeia e da Alemanha de cotas para recebimento e realocação de refugiados. A PO havia incialmente afirmado que só aceitaria cerca de 60 famílias cristãs; depois, relutantemente concordou em aceitar 7 mil refugiados sem tais distinções. Mas o PiS tem afirmado que não aceitará mais ninguém. O partido também tem laços íntimos com o padre Tadeusz Rydzyk, um padre católico e milionário do ramo midiático dono da rádio ultracatólica Maryja e da estação de TV Trwam. É do tipo de pessoa na qual a banda Genesis pensava quando escreveu a música “Jesus he knows me”.
Não havia muita verdade na demagogia social do PiS, é claro. Já no seu breve governo entre 2005-2007, eles haviam baixado os impostos sobre os ricos e enviado a polícia contra uma manifestação de enfermeiras. Agora, eles de fato implementaram o seu aclamado programa +500, taxaram um pouco mais os bancos e reduziram a idade para aposentadoria. Mas em contrapartida a essas pequenas migalhas dadas com uma mão, eles tiram dos trabalhadores com a outra, secretamente. Em dezembro do ano passado, houve uma mudança no gabinete e o Primeiro-ministro Beata Szydlo, associado com o programa do +500, foi substituído por Mateusz Morawiecki, antigo banqueiro do BZ WBK (Santander) e presidente da Confederação Leviatã, que por anos tem feito lobby dos interesses dos grandes bancos na política. Ele próprio tem 33,5 milhões de złotys em sua conta bancária. Esse capitalista, que também é um bom católico, em uma entrevista na TV Trwam logo após sua posse, disse que sonhava em “recristianizar” a Europa. Ele recentemente conseguiu seu outro sonho de tornar toda a Polônia uma “zona econômica especial”. Essas zonas foram criadas há 20 anos e nelas, os empresários são isentos de pagar imposto de renda, certas normas do código trabalhista não se aplicam e proliferam as agências de trabalho temporário, tornando mais difícil a organização dos trabalhadores. A ideia foi apoiada pelo chefe da Agência de Desenvolvimento Industrial, que disse que ela vai de acordo com as necessidades dos negócios.
A nova ideia do PiS de um esquema de pensões, os “Planos de Capital dos Empregados”, que beneficiariam principalmente as instituições financeiras, lançando de 10 a 15 bilhões de złotys do pagamento dos trabalhadores e dos fundos públicos anualmente no mercado financeiro, enquanto os benefícios parariam de ser pagos aos pensionistas depois de fazerem 70 anos. O programa de habitação “Mais Casas” (Mieszkanie+), que deveria entregar de 2 a 3 milhões de apartamentos simples por volta de 2030, está fadado ao fracasso por ser feito com base no mercado, à mercê de desenvolvedores e do setor privado. Até agora, desde o anúncio do programa, apenas entre 200 e 300 foram construídos, enquanto seriam necessários entre 167 e 250 mil anualmente para atingir a meta. Está muito distante das possibilidades de um programa de habitação feito com base em uma economia planejada e nacionalizada, como era o caso da República Popular da Polônia, apesar de suas deformações burocráticas. Além disso, os inquilinos nesse programa devem aceitar normas de despejo “para a calçada” (sem mesmo serem encaminhados a programas de alojamento) se não puderem mais pagar. De acordo com a lei, isso será então qualificado como “deixar voluntariamente o imóvel”, termo no qual o inquilino deve concordar ao assinar o termo de arrendamento. No Estado operário deformado, não havia desabrigados e moradia não era considerado um privilégio ou luxo.
Desde que chegou ao poder, o PiS (assim como em 2005-2007), tem focado em tomar para si todos os órgãos do Estado e em construir as bases para um regime autoritário. Sua inspiração é o marechal Josef Pilsudski, o ditador da Polônia capitalista no período entre as guerras mundiais, cujo regime reprimiu brutalmente comunistas, trabalhadores, camponeses e minorias nacionais. O PiS tomou o Tribunal Constitucional, a suprema corte da Polônia, responsável por determinar a constitucionalidade das leis, assim como o sistema judiciário, a Procuradoria e as agências de inteligência. Em 2016, ele passou uma assim chamada “lei antiterrorismo”, que expandiu o poder das polícias e agências de segurança para monitorar e prender, e restringiu a liberdade de reunião. Também se fala em reescrever a Constituição, com Duda chamando por um referendo constitucional no centésimo aniversário da independência da Polônia este ano. O que eles têm em mente pode ser visto no seu rascunho de proposta feito em 2011, que incluía aumentar o poder do Presidente e reduzir o do Sejm (Câmara), banir completamente o aborto, enfraquecer a separação entre a Igreja e o Estado, e implementar a pena de morte.
Tem havido, é claro, repressão contra a esquerda. Logo depois de o PiS chegar ao poder, em 2016, três membros do stalinista Partido Comunista da Polônia (KPP) foram sentenciados a fazer serviço comunitário por terem feito propaganda de conteúdo “que apelava diretamente ao sistema comunista de Estado, assim como ao marxismo e leninismo”. Apesar de ser um partido registrado que opera legalmente, o KPP tem sido perseguido desde então. Agora a Procuradoria está com a mira apontada para o portal que se reivindica trotskista (associado à corrente de Ted Grant e Allan Woods, assim como a Esquerda Marxista no Brasil) Władza Rad (Poder Soviético). A casa do administrador do site foi invadida pela polícia e todos os seus equipamentos foram confiscados.
Houve um crescimento no racismo contra muçulmanos e todas as formas de xenofobia. Pessoas já foram atacadas apenas por falar alemão na rua! Forças ultranacionalistas ou mesmo fascistas se sentem encorajadas desde a vitória do PiS. Mal passa um dia sem notícias de crimes de ódio, tais quais ataques físicos a pessoas que têm a pele mais escura (portanto, não apenas pessoas do Oriente Médio, mas também ciganos, mediterrâneos, latinos). Também há um sentimento antiucraniano e, ao contrário do caso dos muçulmanos, há muitos imigrantes da Ucrânia na Polônia, geralmente cumprindo o papel de trabalho barato para os capitalistas poloneses. Ano passado em Varsóvia, a Marcha da Independência fascista reuniu 60 mil pessoas, carregando cruzes célticas e cantando palavras de ordem como “Europa branca de nações irmãs”, “A Europa será branca ou ficará vazia”, “Todos diferentes, todos brancos” e “Queremos Deus”. Em janeiro de 2017, a pequena cidade de Elk viu manifestações similares a pogroms após a morte de um homem polonês por um vendedor de kebab tunisiano.
O próprio PiS está manifestando esse espírito reacionário e encorajando essas tendências. Eles estão preparados para incorporar as forças paramilitares de extrema-direita na assim-chamada Defesa Territorial, que tem como modelo a Guarda Nacional nos EUA. Assim como seu paralelo americano, ela seria usada contra ameaças internas, não externas, ao Estado. O PiS saudou a Marcha da Independência, e Morawiecki, então ministro do desenvolvimento, disse que era “vergonhoso” que uma marcha antifascista estivesse acontecendo ao mesmo tempo em Varsóvia, que notadamente reuniu entre 2500 e 5000 pessoas. Esse ano passou uma infame lei que criminaliza menções à participação polonesa no Holocausto, assim como afirmações de que o “Estado e nação polonesa” tenham cometido quaisquer crimes contra a humanidade. Ela foi acompanhada de uma explosão de ódio contra os judeus. O antissemitismo é uma arma tradicional da burguesia polonesa, assim como foi da burocracia stalinista, contra o movimento dos trabalhadores e o marxismo.
Enquanto isso, bispos católicos têm feito pressão, com apoio de figuras de liderança do PiS, para que seja derrubado o “compromisso” de 1993 sobre a questão do aborto, retirando o direito ao aborto segundo a necessidade, que existia no Estado operário deformado, ao mesmo tempo em que permitia em casos de séria deformação do feto, nos quais a gravidez ameaça a vida ou saúde da mulher, ou se é resultado de estupro ou incesto. Os bispos querem bani-lo mesmo nesses casos. Esse projeto enfrentou sérias mobilizações populares, que derrotaram a primeira tentativa de introduzir tal lei. A “Greve de Mulheres” e o “Protesto de Preto” conseguiram repercussão internacional. Entretanto, a reação ainda não disse a última palavra.
Além dessas manifestações contra a proibição completa do aborto, houve outras mobilizações de massa contra as medidas tomadas pelo PiS, tais quais a tomada do Tribunal Constitucional e, agora, das cortes. Mas as organizações que as lideraram, como o Comitê pela Defesa da Democracia (KOD) e Cidadãos da Polônia (Obywatele RP) têm uma perspectiva política liberal, buscando apelar à União Europeia para intervir em defesa da “democracia” na Polônia. Eles se orientam pela oposição parlamentar composta pela PO e pelo partido liberal pró-mercado Nowoczesna (Moderno), partido fundado em 2015 por Ryszard Petru, discípulo e assistente de Leszek Balcerowicz, o ministro da economia polonês que nos anos 1990 executou a infame “terapia de choque” e que já foi economista do Manco Mundial (tendo encaminhado pacotes de austeridade para a Hungria). Esses movimentos representam aqueles que se beneficiaram mais diretamente da “transformação de sistema”, e um dos seus slogans é “Deixe ser como era”. Eles não atraem a juventude.
Não há nada de progressivo nesses partidos e em sua oposição ao PiS. Ambos o governo e a oposição agora se acusam mutuamente de “comunismo”, o que é revelador sobre o clima político reacionário na Polônia contemporânea. Parece que o “fantasma do comunismo” ainda está assombrando a burguesia polonesa. Esses partidos não são sérios sobre a defesa dos direitos democráticos. Em essência, eles apoiaram, por exemplo, a lei “antiterrorismo”, com alguma oposição verbal às suas cláusulas mais controversas. O promotor que está perseguindo o Władza Rad é um queridinho da oposição, e falou ano passado contra a politização do escritório da Promotoria pelo PiS. O Nowoczesna em algum momento propôs banir “organizações anarquistas” juntamente com as racistas.
A predominância da Igreja Católica não começou com o PiS, ela foi fortalecida por todos os governos desde 1989, e restaurou seus privilégios e propriedade. O notório Primeiro-ministro da PO, Niesiolowski (que também é um admirador do general Franco) disse que o dinheiro melhor gasto é o dinheiro gasto com a Igreja. No governo da PO, poderia haver processos por “ofender sentimentos religiosos” (a versão polonesa das leis de blasfêmia). Quanto aos planos reacionários sobre o aborto, no governo da PO o número de abortos legais realizados já foi baixo porque a atual lei ainda deixa para o médico a opção de não realizar se a sua “consciência” mandar. Essa é a realidade do draconiano “compromisso” sobre o aborto que eles defendem.
Quanto ao ódio racial, étnico e nacional, o governo socialdemocrata em 1996 conduziu massivas deportações de ciganos. O fascismo começou a se erguer sob o governo da PO. Na Marcha de Independência de 2013, a multidão tentou colocar fogo em uma ocupação urbana na qual, além de militantes de esquerda, havia famílias despejadas com crianças. Muito provavelmente, os líderes dos ultranacionalistas já estavam, nessa época, conectados com os serviços secretos. Grupos paramilitares de extrema-direita já estavam se integrando no exército polonês no despertar da crise ucraniana de 2014 também.
No governo da PO, os revisionistas históricos do assim-chamado Instituto da Memória Nacional também cultivaram essas forças e reabilitaram seus predecessores reacionários, enquanto apagavam a esquerda polonesa da história ou denegriam suas tradições. Foi sob o governo PO-PSL e com o apoio do presidente Komorowski que o Dia da Memória dos Soldados Malditos foi instituído, jogando água no moinho dos grupos fascistas. “Soldados Malditos” era o nome dado à resistência armada anticomunista entre 1944 e 1956, que assassinou esquerdistas, soldados do Exército Vermelho, sobreviventes judeus do Holocausto, membros de minorias nacionais ou camponeses que haviam tomado as terras dos proprietários depois da reforma agrária. O culto a eles é um dos pontos focais da nova onda de nacionalismo polonês.
A verdadeira diferença entre o PiS e a oposição está na política externa, que reflete o atual conflito dividindo a classe dominante dos Estados Unidos. Entretanto, o que torna isso ainda mais ridículo é que ambos concordam que o inimigo principal é a Rússia. A sua discordância é sobre com quem se aliar contra ela. Ambos os lados estão comprometidos com a aliança com os EUA, mas a PO e o Nowoczesna, especialmente desde a eleição de Trump, chamam por uma cooperação mais próxima com a Alemanha e a União Europeia. O PiS quer se apoiar tanto no aliado americano quanto numa coalizão de Estados da Europa central e oriental contra ambas a Rússia e a Alemanha, revivendo a estratégia de Pilsudski do “Intermarium” (hoje chamada de “Iniciativa dos Três Mares”). Então, além chamarem uns aos outros de “comunistas”, ambas as frações também se acusam mutuamente de “agentes russos”, com a oposição falando sobre como o governo enfraquece a defesa da Polônia. O antigo ministro das relações exteriores da PO, Sikorski, lamentou o fato de que aviões F16 poloneses que participaram de operações contra o Estado Islâmico não tomaram parte nos ataques aéreos de Trump na Síria esse ano. Enquanto isso, a Polônia está treinando pilotos sauditas que bombardeiam civis no Iêmen. Também há uma “conexão polonesa” nas armas com as quais as milícias jihadistas anti-Assad estão equipadas. Sob o governo do PiS, as tropas da OTAN desembarcaram na Polônia e os americanos começaram a instalar o seu sistema de defesa antimísseis contra a Rússia.
Portanto, como podemos ver, as diferenças entre o PiS e a oposição liberal são principalmente táticas. Tanto o PiS quanto a PO tiveram sua origem no Solidariedade, que foi a ponta de lança da contrarrevolução na Polônia. O PiS hoje fala demagogicamente em defesa das vítimas da restauração capitalista, mas ele também foi cúmplice no empobrecimento e catástrofe social completa que aconteceu. Os irmãos Kaczynskis foram colaboradores próximos de Lech Walesa, com Jaroslaw como chefe da sua chancelaria presidencial em 1991, enquanto Walesa administrava os ataques contra as massas trabalhadores da Polônia. Hoje o PiS denuncia Walesa como um “agente comunista”. Pode-se dizer que a contrarrevolução devora seus próprios filhos. Apesar de o PiS ter usado o assassinato de Brzeska e o assunto da reprivatização como argumento para atacar o prefeito de Varsóvia, da PO, essas coisas vêm ocorrendo desde 1989, incluindo no período em que Lech Kaczynski foi prefeito da capital.
As críticas do PiS ao regime pós-1989 se resumem, em última instância, à narrativa de que o capitalismo polonês foi “distorcido” pelos “agentes comunistas” dentro do Solidariedade, que estariam trabalhando em cumplicidade com a burocracia, assim como capitalistas estrangeiros (e talvez os judeus também!). Eles querem construir um “capitalismo nacional”, o “verdadeiro capitalismo polonês”. Logo depois de ter indicado Morawiecki como primeiro-ministro, Kaczynski disse que eles querem uma “segunda onda de capitalismo polonês e esperamos que o governo de Mateusz Morawiecki o desenvolva”. Morawiecki, por sinal, trabalhou como consultor do primeiro-ministro da PO, Tusk.
O PiS ganhou apelando para os trabalhadores e fazendeiros desesperados que haviam perdido tudo com a transformação, mas o seu núcleo eleitoral é a pequena-burguesia, que quer recuperar a sua “dignidade” às custas da classe trabalhadora e dos pobres, assim como das “elites”, definidas como o capital estrangeiro e os poloneses conectados com ele. Ela aspira a se tornar a verdadeira grande burguesia polonesa capaz de competir com a Alemanha.
Além do PiS, PO, Nowoczesna e PSL, existe no parlamento um movimento populista “anti-establishment” do músico de rock Pawel Kukiz, que é tão reacionário quanto o PiS e, ocasionalmente, seu aliado. Entre as pessoas que chegaram ao Sejm como aliados de Kukiz estão membros do Movimento Nacional (Ruch Narodowy) e a Juventude de Toda Polônia, que em novembro de 2015 convidaram para uma sessão no Sejm membros do partido neofascista Fuorza Nova, da Itália. Outro dos deputados de Kukiz é o burguês Marek Jakubiak, que reclama que os poloneses servem de mão de obra barata para os alemães, mas que, em sua cervejaria, paga aos trabalhadores apenas 1700 złotys. Ele se tornou famoso primeiramente por sua homofobia e transfobia. O próprio Kukiz declarou que a KOD está sendo financiada por um “banqueiro judeu”.
“E quanto à esquerda?”, pode-se perguntar. Desde as eleições, a tradicional ala esquerda do capitalismo polonês, a ex-stalinista e hoje socialdemocrata Aliança da Esquerda Democrática (Sojusz Lewicy Demokratycznej – SLD) está fora do parlamento. A SLD tem uma longa história de traições das lutas dos trabalhadores e oprimidos na Polônia. Ela baixou os impostos para os empresários, recuou de suas promessas de campanha de expandir as leis que garantem o aborto, incluiu a Polônia na OTAN e na União Europeia imperialista, lançou as bases para os “contratos de lixo”, começou com os despejos “para a calçada”, privatizou indústrias estatais e conduziu outros ataques contra a classe trabalhadora. Por fim, mas não menos significativo, o governo da SLD participou das criminosas guerras nos Bálcãs, no Afeganistão e no Iraque, assim como permitiu que a CIA conduzisse torturas em prisões secretas. Ela pavimentou o caminho para o primeiro governo do PiS. A SLD nunca concorreu com base na independência de classe, caso no qual mereceria apoio crítico dos revolucionários. Nas últimas eleições, ela concorreu em coalizão com o Partido Verde burguês e com o partido liberal Seu Movimento. Hoje em dia, ela fica a reboque da oposição parlamentar burguesa, aceitando a sua liderança e, em 2016, seu braço sindical, a OPZZ, convidou ativistas do KOD para a manifestação do 1º de maio.
A força ascendente na esquerda, que tem tomado alguns dos votos de esquerda da SLD, é o Razem (“Juntos”), partido fundado no começo de 2015. É uma formação populista burguesa inspirada no Syriza e no Podemos, que sequer fala da boca para fora de socialismo e da classe trabalhadora, e que é histericamente anticomunista. Ainda assim, os direitistas horrorizados acusam o Razem de “comunista”, citando posições como a defesa do imposto de renda progressivo com 75% na tarifa mais alta, e chegam a pedir que ele seja posto na ilegalidade. O Razem é comprometido com a OTAN e a União Europeia; e assim como muitos na esquerda polonesa, é obcecado com a suposta ameaça de um “imperialismo russo”. Durante a visita de Trump a Varsóvia no ano passado, eles realizaram um protesto no qual o acusaram de ter “laços com a Rússia”, exatamente no momento em que ele lançava ameaças contra ela, para a alegria da burguesia polonesa! Quanto às acusações de “comunismo”, o programa do Razem é de um capitalismo “com uma face humana”, que é impossível nessa etapa de decadência do capitalismo, como foi demonstrado pelo Syriza na Grécia, que depois de chegar ao poder em 2015, traiu suas promessas de pôr fim à austeridade, impondo cortes ainda mais drásticos do que os que eles haviam inicialmente rejeitado.
Na esquerda mais radical, temos o já citado Partido Comunista, que é um partido reformista inepto e não representa nenhuma ameaça ao capitalismo polonês, ao contrário do que dizem os reacionários que querem bani-lo. Enquanto até mesmo o Partido Comunista stalinizado dos anos 1930 chamava por uma “República Soviética Polonesa”, hoje o KPP declara que seu objetivo é simplesmente uma “República soberana”. Seu foco atual é combater o processo de destruição das tradições comunistas – a troca de nomes de ruas dados em homenagem a indivíduos, eventos, organizações e datas associadas ao regime comunista. Isso tem sido feito com o objetivo de apagar a esquerda polonesa da história e caluniar os líderes do marxismo revolucionário da Polônia, ao compará-los com nazistas e stalinistas.
Frequentemente, os alvos desse apagamento são memoriais em homenagem aos soldados do Exército Vermelho que lutaram para libertar a Polônia do nazismo. Nós certamente devemos honrar a sua luta e sacrifício, e nos opor à retirada de tais monumentos. Mas é preciso evitar o risco de se confundir com os reacionários que veem a Alemanha como o inimigo principal e teriam pragmaticamente apoiado Stalin como salvador da “nação polonesa”, e também os “camaradas” dos serviços de segurança e militares stalinistas que hoje estão na polícia do Estado burguês, que têm nostalgia da República Popular Polonesa (o regime stalinista) ao mesmo tempo em que sustentam posições bastante reacionárias.
O KPP, como stalinistas típicos, tendem ao frentepopulismo. Por exemplo, nas eleições de 2005, o partido concorreu em um bloco com o Partido Anticlerical (liberal burguês), o Partido Verde, o Partido Socialista Polonês, e também o assim-chamado Partido Trabalhista Polonês – uma formação pós-fascista, chauvinista e clerical que tentou se modernizar como socialdemocrata, envenenando os trabalhadores com nacionalismo econômico. Muitos na esquerda reformista, incluindo aí quase todos os que se reivindicam “trotskistas”, ficaram em determinado momento empolgados com tal Partido Trabalhista.
As organizações mais significativas que reivindicam o trotskismo são a Democracia dos Trabalhadores (Pracownicza Demokracja, PD), afiliada ao SWP britânico fundado por Tony Cliff, e a Alternativa Socialista (Alternatywa Socjalistyczna, AS), seção polonesa do CWI/CIT dirigido por Peter Taaffe (cuja seção no Brasil é a LSR, corrente do PSOL). A Democracia dos Trabalhadores é basicamente um grupo socialdemocrata, que evita referências à classe trabalhadora, preferindo falar das “pessoas comuns”. Eles chamaram voto no Razem nas últimas eleições, e por vezes o consideram “anticapitalista” ou um “partido socialista”.
A Alternativa Socialista passa uma mensagem mais radical. Na seção “Nossos Princípios” do seu site, eles defendem a “socialização da economia, substituindo o sistema de gerência por autogestão dos trabalhadores” e “planificação democrática da economia para satisfazer às necessidades de toda a sociedade e salvar o planeta, em vez de servir para a acumulação de riquezas na mão de um punhado de capitalistas”. Mas eles omitem a questão do poder e do Estado, e de como esses princípios seriam executados, o que é um obstáculo para sua reivindicação como corrente revolucionária. Eles consideram que o Razem pode ser algo mais do que é hoje, fazendo o chamado para que ele “adote um programa anticapitalista”; também apoiam os elementos mais “radicais” no partido contra a liderança. Eles querem que o Razem seja um novo partido socialdemocrata no qual eles poderiam fazer um entrismo profundo e votar lealmente, assim como seus antecessores da tendência Militant faziam com o Partido Trabalhista britânico.
E quanto à classe trabalhadora em si? Tristemente, ela ainda está enfeitiçada pelo nacionalismo, racismo e religião. Ela sofreu uma profunda lavagem cerebral durante os anos 1990 e agora muitos têm uma visão de mundo pequeno-burguesa, acreditando que se trabalharem duro, eles se tornarão patrões e explorar outros em vez de serem os explorados. Eles põem a culpa dos seus problemas, não na economia de mercado, mas na distorção das mesmas pelas “elites”.
A esquerda ficou comprometida pelas traições e crimes do stalinismo e da socialdemocracia. O Solidariedade, em aliança com o governo do PiS, faz o que pode para conter os trabalhadores. É a central sindical mais venal de todas, preferindo organizar peregrinações de trabalhadores para o santuário de Jasna Gora e reuniões para empresários do que greves. Mas as outras não são muito melhores: não é à toa que o nível de sindicalização está entre os mais baixos da Europa. Mais à esquerda está a Aliança de Sindicatos de Toda a Polônia (OPZZ), alinhada com a SLD. Mas ela não disse uma palavra sobre a recente greve vitoriosa dos trabalhadores metalúrgicos na Alemanha, que lhes garantiu uma jornada de trabalho semanal de 28 horas. Tanto Solidariedade quanto a OPZZ no passado buscaram apoio do Parlamento Europeu e da sua Suprema Corte em vez de mobilizar os trabalhadores, como foi logo depois da grande manifestação sindical em setembro de 2013, que não teve nenhum resultado.
Mas, como Trotsky escreveu há 80 anos, as leis da história são mais fortes do que os burocratas. O PiS não pode resolver as questões que o colocaram no poder. Parece que os trabalhadores poloneses, sentindo-se mais confiantes após os modestos ganhos sociais no governo do PiS e diante do desemprego baixo, estão começando a despertar e exigem salários mais altos. Tem havido mais disputas trabalhistas, embora elas raramente resultem em greves. No ano passado, houve protesto dos médicos juniores e até mesmo greves de fome contra o baixo salário e desinvestimento da saúde pública. Os trabalhadores dos correios têm se organizado em escala nacional (segundo alguns relatos, até mesmo com trabalhadores ucranianos) contra a gerência e os sindicatos oficiais do Serviço Postal. A corrente sindical Inicjatywa Pracownicza (Iniciativa dos Trabalhadores) pode se gabar de ter organizado os trabalhadores do primeiro depósito da Amazon na Polônia, que se instalou aqui para usar a força de trabalho polonesa, pior paga, como ponto de apoio contra os trabalhadores da empresa na Alemanha. Houve exemplos de pequenas greves locais que alcançaram vitória devido à solidariedade entre os trabalhadores poloneses e ucranianos.
Este ano havia uma greve organizada para maio pelos trabalhadores da Companhia aérea polonesa LOT. Devido à traição dos burocratas do Solidariedade (o representante da OPZZ, Jan Guz, ao pregar a conciliação, não foi muito melhor), a greve não aconteceu. Em vez disso, houve uma missa católica e comunhão tanto para os trabalhadores quando para a gerência da empresa. A trabalhadora que seria a líder da greve caso ela tivesse ocorrido, foi demitida e até acusada de “terrorismo”. Mas não acabou: como uma das representantes locais disse a um jornalista depois de tal espetáculo, “isso é guerra”.
O governo se gaba de um milagre econômico, assim como fazia o de Tusk. Mas, como notou um comentarista numa rádio pública no ano passado ao discutir o boom econômico, enquanto os lucros podem estar crescendo, o investimento não está. A “boa mudança” (o principal slogan de campanha do PiS, que desde então se tornou um tipo de piada) não pode escapar às contradições do capitalismo. Ao passar a lei que transforma toda a Polônia em uma grande “zona econômica especial”, Morawiecki deu o sinal claro de que seu governo quer aumentar a exploração do proletariado polonês. A classe dominante da Polônia sem dúvida está percebendo o fim da ordem geopolítica do pós-guerra, alimentado pela crise do capitalismo, e vai se armar para sobreviver e buscar seus interesses contra a Rússia e outros países. Sob o governo da PO, o orçamento militar chegou a 2% do PIB, enquanto o PiS quer elevá-lo a 2.5% até 2030. Esses senhores esperam que as massas paguem por isso, então também estão se armando contra elas. Nós devemos fazer o possível para preparar os trabalhadores para as batalhas que estão por vir, e explicar as lições das vitórias e derrotas, tanto presentes quanto passadas.
O fato de que o PiS ainda é capaz de aparentemente “manobrar” entre as classes e afastar o descontentamento das massas ao fingir se distanciar das “elites” de uma forma semibonapartista, deve-se principalmente à completa bancarrota política dos liberais que só puderam oferecer aos trabalhadores “água quente nas torneiras” (o infame slogan de Tusk) e, principalmente, aos socialdemocratas da SLD. Por duas vezes os trabalhadores os puseram no poder por nostalgia da maior segurança econômica e social que havia no stalinismo, apenas para se frustrarem amargamente, o que pavimentou o caminho para que a reação chegasse ao poder, incluindo o primeiro governo do PiS em 2005.
Apesar de o comunismo ter sido declarado morto em 1989, aparentemente o seu espírito nunca foi exorcizado, com todos os partidos da burguesia trocando acusações de “comunista”. No bicentenário do nascimento de Marx, a TV estatal polonesa julgou necessário exibir um programa para alertar aos telespectadores de suas “ideias mortais”. Conforme Marx escreveu sobre a França no processo de ascensão de Louis Bonaparte, “A república socialista apareceu como uma frase, como uma profecia, no limite da revolução de fevereiro. Nos dias de junho de 1848, ela foi afogada no sangue do proletariado de Paris, mas seguiu assombrando, como um fantasma, os atos subsequentes do drama”. (O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte). Claramente, a classe dominante tem medo de perder a base sob seus pés e de que o proletariado entre novamente num caminho revolucionário, acompanhando os movimentos grevistas dos professores nos EUA, dos ferroviários na França, dos metalúrgicos na Alemanha, ou as revoltas populares no Irã, Tunísia ou Marrocos.
Há um descontentamento ganhando forma na sociedade polonesa, mas ele não encontra um meio de expressão. A oposição liberal e seus apêndices, em virtude de sua natureza de classe, são incapazes de levantar a classe trabalhadora, a única força social que pode lutar por direitos democráticos. O Razem, por sua vez, só pode oferecer “diálogo social” e tentar obter a redução da jornada de trabalho para 7 horas por meio de petições que fracassam em conseguir o número esperado de assinaturas. De acordo com pesquisas, a maioria dos poloneses é contra que o PiS tome para si o Poder Judiciário, mas eles não querem se alinhar com a oposição para defender “tribunais livres” que assinaram a decisão de despejar muitos deles direto para a calçada, ou que declararam que trabalho sem vínculo empregatício como legal.
É preciso romper com esse ciclo vicioso de governos de “centro” ou de “esquerda” que pavimentam o caminho da extrema-direita Trata-se de um fenômeno internacional que aconteceu com o Partido Democrata e Trump nos Estados Unidos, o PD e o governo de Conte/Salvini na Itália, SPÖ e o governo Kurz na Áustria e, talvez logo tenhamos que acrescentar, o PT e Bolsonaro no Brasil. Para isso, precisamos construir uma nova força, um partido político que exponha a demagogia social do PiS e lute não só contra os capitalistas estrangeiros, mas também contra a sua querida burguesia nacional; proponha um programa de mudança social que vá muito além das migalhas concedidas pelo PiS, e também além da República Popular Polonesa (ainda que reconhecendo suas conquistas); que lute pela instituição da democracia dos trabalhadores baseada em conselhos, como os criados na Rússia em 1917, e que defenda todos os oprimidos promovendo a solidariedade internacional da classe trabalhadora. Nem sob a bandeira da União Europeia, nem sob a Constituição burguesa de 1997, mas sob a bandeira vermelha da revolução socialista, diremos In hoc signo vinces! (Sob este símbolo, vencerás!).