Aonde vai o Brasil?
Entre a colaboração de classes do PT e a extrema-direita antidemocrática e antissocialista
Por Rafael Ferreira, maio de 2018.
Os tempos não são fáceis para aqueles que nem negam a realidade diante dos seus olhos, e nem se rendem a ela buscando a linha mais “viável” ou fácil (que frequentemente é uma proposta de repetir os erros do passado). A conjuntura se desloca cada vez mais à direita, pois não existem alternativas fortes de esquerda e aqueles reconhecidos como parte desse campo político majoritariamente se limitam aos quadros da institucionalidade burguesa. Qualquer coisa que vá além dessa limitada institucionalidade é taxada por ambos os lados do espectro político como muito “radical”, “sectário”, enfim, “extrema esquerda”, e é apagado da disputa política e ideológica. O resultado é que o centro vira “esquerda”, direita vira “centro” e extrema-direita aparece como uma alternativa viável, enquanto muitas correntes de esquerda são vistas como extremistas, terroristas, algo a que não se pode dar atenção.
Isso favorece tanto a direita quanto o PT e seus satélites. Bater no PT e associar o partido com a corrupção é um discurso fácil para amplos setores da direita construírem suas campanhas, dada as dificuldades de PSDB, MDB e outros se diferenciarem do PT no que se refere ao envolvimento em esquemas de corrupção (já que estiveram tanto quanto ou até mais metidos neles do que o PT). Abre-se uma janela para um discurso radical de direita que consegue colocar essa direita “clássica” e o petismo como a mesma coisa através desse discurso anticorrupção, que se alia com as expressões dos mais comuns preconceitos existentes em nossa sociedade. Essa vertente, representada especialmente por Bolsonaro, se utiliza do senso comum e desconhecimento da população sobre os mais diversos assuntos para se colocar como uma alternativa óbvia, fácil e rápida para problemas candentes.
A ideologia vigente entre os trabalhadores permite ver a corrupção e seus efeitos negativos, mas não permite ver suas causas, nem sua relação extremamente próxima para com o atual sistema econômico. Nossa educação deficitária e a própria ação ativa de sujeitos nessa disputa ideológica limitam nossas possibilidades de romper com os preconceitos enraizados historicamente no país, de forma que continuamos a acreditar neles. Diante disso é até possível perceber a limitação do discurso que para na questão da corrupção (que é a base dos partidos tradicionais de direita, tipo o PSDB). Mas sem romper com os preconceitos, sem romper com a crença no sistema econômico, o máximo que se pode fazer é criticar aqueles que julgamos (corretamente ou não) corruptos, defender ou naturalizar o sistema econômico e usar os preconceitos como elo nesse discurso e justificativa para outros problemas sociais.
Por exemplo, em vez de criticar o capitalismo pela exploração da mão de obra, desigualdade social e desemprego, culpa-se os imigrantes pela redução das vagas de emprego e diminuição do salário. Portanto, a ideologia burguesa (vamos dar nome aos bois) até deixa um espaço para raciocinarmos acerca da situação atual, mas esse raciocínio tem liberdade para caminhar só para a direita, podendo chegar ao seu extremo. Em última instância, ela torna o radicalismo de direita viável, enquanto apaga a esquerda radical da disputa política. Se aceitarmos essa imposição, aqueles que são de esquerda podem ver-se forçados a defender o próprio sistema capitalista (na forma de uma limitada defesa da “democracia”) enquanto única saída possível contra a extrema direita.
Agora, seria isso bom também para o PT? Esse “bom” é relativo, porque o PT é o principal bode expiatório de todo o processo, mas cabe lembrar a trajetória recente desse partido, que só conseguiu chegar ao poder com a “Carta ao povo brasileiro”, na qual Lula assumia compromissos com a burguesia e pôde ser aceito como presidente. De lá para cá, o PT somente aumentou suas alianças e relações com os partidos da direita tradicional, especialmente o PMDB (que mudou de nome para MDB) e, quando a crise internacional chegou até o país, teve que governar cada vez mais como um partido da direita tradicional para manter-se no poder. Assim, vimos Dilma, mas também o partido, dar ministério para figuras como a ruralista Kátia Abreu e o quase tucano Joaquim Levy, voltar atrás de projetos e atender interesses de bancadas como a evangélica e ruralista, dar isenção de impostos para empresários e até mesmo aprovar a lei antiterrorismo usada para reprimir manifestações durante a copa e olimpíadas.
Depois de longos anos gozando de alta popularidade, o PT começou aos poucos a perder a confiança de alguns de seus eleitores, militantes e apoiadores, que começam a duvidar da viabilidade do projeto petista ou ao menos da capacidade do PT em aplicá-lo. Então veio o impeachment, que pode ser corretamente chamado de golpe, onde, mesmo se propondo a atender cada vez mais os interesses da burguesia, o PT foi passado para trás, visto que precisavam escolher um bode expiatório para representar todo o mal da corrupção e “estancar a sangria em um grande acordo nacional com o supremo com tudo”. Esse processo culminou com a prisão de Lula e agora sofre alguns outros desdobramentos. Isso tudo colocou o PT em uma posição de vítima e sua boa máquina de propaganda logo iniciou o discurso de que o golpe foi porque o partido representava os interesses dos trabalhadores. Indicando corretamente o golpe como uma manobra da direita, fez-se uma grande campanha sobre as organizações de esquerda para que se alinhassem com o discurso petista, ou estariam “fazendo coro com a direita”. O que resultou, por sua vez, na conformação de “frentes” que defendem o PT e dão vida nova ao projeto enganador de “colaboração de classes” do partido, como única alternativa viável diante do crescimento da extrema direita.
Ou seja, é colocada diante de nós uma polarização. Mas não é uma polarização no sentido de radicalização política de esquerda x direita, ela é, na melhor das hipóteses, centro-esquerda burguesa (PT) x direita radical burguesa (Bolsonaro). Ambos os polos se retroalimentam: conforme o PT recupera sua popularidade e apoio, seus opositores se veem tentados a tomar uma postura mais radical e caminham rumo ao Bolsonaro; ao mesmo tempo em que, quanto mais este cresce, mais se diz necessária a união da esquerda diante do PT para detê-lo.
A união das alternativas de esquerda em torno do PT é problemática na medida em que, para que seja viável, ela pressupõe o abafamento de críticas mais profundas ao projeto político desse partido (o que é justificado pela necessidade de se unir contra a extrema direita). O próprio PT diante de todo o corrido não fez autocrítica e nem se propôs a mudar seu projeto (inclusive cogitou até nova aliança com o MDB). A presença de organizações que se dizem revolucionárias de esquerda em alianças que defendem o mesmo projeto que deu na situação atual – como na forma da Frente Povo Sem Medo / Vamos, e no recente manifesto “Unidade para reconstruir o Brasil” (assinado pelas fundações do PT, PSB, PDT, PCdoB e PSOL) é contraditório, contraproducente no interesse de buscar conscientizar o proletariado sobre nosso sistema político, econômico e social; essas uniões também dão uma cobertura de esquerda ao projeto petista, ou seja, reforça a imagem que os próprios petistas querem fazer de si mesmos que eles são a única alternativa de esquerda possível.
Cabe dizer que uma “frente antifascista” (não consideramos que a atual extrema-direita seja majoritariamente fascista) ou até mesmo uma frente na defesa dos direitos democráticos dos trabalhadores não seria algo ruim, nem deveria excluir as bases do PT (sua militância nos sindicatos e movimentos sociais em geral). Mas essa suposta frente precisaria ter propostas de ação claras e a ação conjunta para defesa ou combate de um inimigo em comum. De forma alguma deve suprimir as críticas feitas aos programas de outras organizações, e menos ainda ser um bloco político em torno de um programa ao estilo “denominador comum”. O problema é que até agora todas as “frentes” que surgiram não deram visão às críticas ao projeto petista, pelo contrário, o reafirmaram ou foram meros eventos de palanques eleitorais, além de que o PT tem cumprido a função de “acalmar” as manifestações surgidas até então.
Portanto, o lado bom para o PT disso tudo é que ele está recuperando seu apoio popular e se constituindo como a única esperança programática para aqueles que não se identificam com a direita tradicional, a direita radical ou mesmo as ditas “novidades políticas” (que na prática defendem a mesma coisa que a direita que já estamos acostumados), e tudo isso sem ter que abrir mão de seu projeto político aplicado até então. Ou seja, recupera apoio popular e se mantém em boa condição para negociar com a burguesia. Claro que isso não significa que o PT sairá vencedor disso tudo, e o próprio PSOL se coloca como uma alternativa ao PT, mas com uma proposta de governo bastante similar (especialmente a partir da aliança com a plataforma Vamos, encabeçada por Guilherme Boulos) e poderia ocupar o espaço outrora ocupado pelo PT. Uma derrota do projeto petista provavelmente colocaria no poder um partido que faria todas as reformas e cortes que a burguesia quer, consequentemente isso desgastaria esse governo no decorrer de seu mandato e o PT faria seu papel de oposição e se colocaria como alternativa no próximo período eleitoral, fazendo apelo à toda sua história e ao processo do golpe que sofreu. Nessa situação o PT acaba tendo maior capacidade de manobra eleitoral do que qualquer outro partido que tente tomar sua posição.
Por fim, mas não menos importante, diante de uma situação de polarização é comum se observar os discursos que pedem para se desconfiar ou evitar os extremos, um discurso normal que prega o equilíbrio e tende ao centro. Esse discurso por si já apaga as alternativas de esquerda, pelo menos a esquerda radical, revolucionária e limita ao debate entre a “colaboração de classes” petista ou na direita tradicional, excluindo também as alternativas de extrema direita. No fim das contas, é uma posição que serve de sustentação do status quo ainda que com possibilidade de pequenas reformas. Porém, esse discurso carrega um novo perigo na atual conjuntura, onde a polarização vai do PT a Bolsonaro e esses são considerados os extremos. Se o PT é o “polo à esquerda” e o Bolsonaro o polo à direita, no centro está a direita tradicional, e assim que surge ninguém menos que Geraldo Alckmin (PSDB), chamando MDB e outros para formar um campo que chama de “Centro Democrático” (conforme matéria do Estadão de 27 de abril), mais uma recriação fabulosa que nossos partidos de sempre fazem para se constituírem como algo diferente e o discurso que usam é exatamente esse de “temos que nos unir pelo interesse nacional”, “radicalismo não leva a nada”, “temos que enfatizar nossas semelhanças”. Portanto, é mais uma dose colossal para obscurecer as enormes diferenças sociais que existem no país e manter a degradação das condições de vida dos trabalhadores para sustentar a exploração capitalista. Talvez entre pessoas mais à esquerda, isso não seja um problema, provavelmente não cairão nesse papo de Alckmin de “centro”, só que nesses casos, a tendência é enxergar esse “centro ideal” no PT e seus satélites. Mais uma vez, qualquer coisa que pudesse chegar perto de uma proposta socialista e revolucionária fica apagada da política.
Resta uma grande dúvida quanto aos partidos da esquerda radical, revolucionária: quando poderemos apresentar nossas propostas de fato se não temos espaço para isso quando o sistema vai bem e quando vai mal temos que nos limitar ao projeto do “centro”, porque não temos força para fazer valer o nosso e a extrema direita começa a aparecer no horizonte? Não tem atalho, não é fácil, as propostas socialistas e revolucionárias depois de tudo que aconteceu na história são difíceis de serem defendidas, explicadas e entendidas, existe muita desinformação, mentiras e falta de entendimento. Mas, se forem escondidas, postas em segundo plano, pelos seus próprios defensores, nunca mudaremos essa situação. A saída é criticar, explicar, demonstrar o melhor que pudermos para tentar aumentar nossas forças para que, no futuro próximo, possamos nos tornar uma força significativa na política. O caminho da crença numa imaginária “colaboração de classes”, como ficou demonstrado pela história recente do PT, não vai conseguir dar solução satisfatória para os problemas centrais do nosso tempo. Conforme apontou Leon Trotsky, um dos dirigentes principais da revolução russa de 1917: “Quanto mais conciliadores, doces e obsequiosos formos com a burguesia, mais intransigente e feroz ela se tornará contra nós.” Que o próximo ascenso da classe trabalhadora seja com uma consciência socialista e um programa de reivindicações que ataquem os patrões e os poderosos na defesa de nossos interesses; um projeto que não nutra esperanças e não aceite um “governo de esquerda” nos limites do Estado burguês e em colaboração com a classe capitalista, mas que busque construir um novo tipo de poder, dos trabalhadores e para os trabalhadores.