Stalinismo e a política do “Terceiro Período”
A Fantasia Stalinista do MLP (EUA)
O Mito do “Terceiro Período”
Este artigo foi originalmente publicado em 1917 No. 3 (1987) pela Tendência Bolchevique Internacional.
No verão anterior às eleições de 1984 [nos Estados Unidos] que levaram Ronald Reagan à Casa Branca para o seu segundo mandato, Michael Harrington e Irving Howe, dois proeminentes socialdemocratas norte-americanos, comentaram na Revista New York Times que “hoje em dia, praticamente todo mundo na esquerda concorda que o Partido Democrata, com todos os seus problemas, deve ser a nossa principal arena política.” Eles exageraram – mas não muito.
A maioria das organizações que se reivindicam revolucionárias nos Estados Unidos hoje estão de fato se orientando para os Democratas. Alguns, como o Workers World Party [1], abertamente se jogam na “Coalizão Arco-íris” do enganador Jesse Jackson. Os ex-trotskistas da Liga Espartaquista, por outro lado, respondem à atração gravitacional dos Democratas de forma mais incomum – com, por exemplo, uma oferta ridícula para “proteger” a convenção de 1984 do Partido Democrata em São Francisco contra o perigo imaginário alucinante de um ataque Nazista/Republicano.
A maioria das organizações que se reivindicam revolucionárias nos Estados Unidos hoje estão de fato se orientando para os Democratas. Alguns, como o Workers World Party [1], abertamente se jogam na “Coalizão Arco-íris” do enganador Jesse Jackson. Os ex-trotskistas da Liga Espartaquista, por outro lado, respondem à atração gravitacional dos Democratas de forma mais incomum – com, por exemplo, uma oferta ridícula para “proteger” a convenção de 1984 do Partido Democrata em São Francisco contra o perigo imaginário alucinante de um ataque Nazista/Republicano.
O ex-maoísta Partido Marxista-Leninista (MLP), é uma das poucas exceções a esta tendência à direita. O MLP foi fundado há 18 anos como a filial norte-americana da seita reformista de Hardial Bains, o nacionalista Partido Comunista do Canadá (Marxista-Leninista) [CPC-ML]. O MLP acompanhou o CPC-ML para longe da legião de apoiadores de Mao Tsé-Tung em meados dos anos 1970, mas logo entrou em conflito com Bains e deu um giro à esquerda. Em uma tentativa de entender as origens do revisionismo no campo maoísta e ex-maoísta desde a sua origem, o MLP iniciou um estudo crítico da história do movimento comunista internacional. Até agora ele rastreou as raízes da degeneração até 1935, quando o Sétimo Congresso da Internacional Comunista (Comintern) proclamou que dali em diante o dever da vanguarda da classe trabalhadora era entrar em coalizões (ou “frentes populares”) com suas próprias burguesias para conter o perigo do fascismo.
A Crítica do MLP à Frente Popular
A edição de 1º de outubro de 1986 da revista teórica do MLP (o Workers Advocate Supplement) contém uma crítica contundente dos resultados da estratégia de frente popular na Espanha durante a guerra civil nos anos 1930. O texto argumenta que a orientação do Partido Comunista Espanhol (PCE) e da Comintern era “terrivelmente errada” e critica especificamente a supressão dos anarquistas e do POUM (Partido Operário da Unificação Marxista – cujos líderes incluíam alguns ex-trotskistas) como parte de uma “campanha de violência – apoiada com medidas policiais – contra qualquer coisa que se aproximasse do espírito da luta de classes e do socialismo ou que criticasse os liberais capitalistas ou a República”. O artigo conclui que:
“Onde quer que as massas estivessem em luta contra a reação, o legado espanhol era desenterrado para justificar a capitulação diante dos capitalistas liberais em nome de uma ‘unidade ampla’, enquanto se combatia o ‘grande perigo’ das ideias supostamente ‘ultraesquerdistas’ sobre a independência política da classe trabalhadora, a luta de classes, a revolução proletária e o socialismo.”
Isto é algo bastante sério vindo de uma organização com um legado stalinista. E não é simplesmente uma questão de artigos teóricos em um debate escrito. O impulso à esquerda do MLP está refletido nas suas atuais posições em questões internacionais, da Nicarágua (onde ele é crítico das tentativas dos sandinistas de se ajustarem à burguesia) até a África do Sul. Mas enquanto o MLP exibe uma atração subjetiva à orientação de classe-contra-classe da Comintern dirigida por Lenin, o movimento à esquerda do MLP é parcial, confuso e contraditório.
O MLP e o Espectro do Trotskismo
O rompimento do MLP com a política da frente popular é falho pela sua timidez em confrontar o legado do trotskismo. Para parafrasear Marx, o resíduo da herança stalinista assombra como um fantasma a mente do departamento político do MLP. Mesmo nessas questões históricas onde ele foi mais longe, por exemplo, na Guerra Civil Espanhola, ele está, na melhor das hipóteses, apenas redescobrindo posições que foram defendidas de forma mais clara e menos ambígua cinquenta anos antes por Leon Trotsky e a Oposição de Esquerda. (Membros céticos do MLP podem facilmente verificar isto eles próprios ao dar uma lida em qualquer dos grandes escritos de Trotsky sobre a Espanha, como por exemplo, o seu ensaio de dezembro de 1937, “As Lições da Espanha: O Último Aviso”). O reflexo anti-trotskista intrínseco do MLP é um obstáculo para que ele realize uma investigação materialista séria sobre as origens do revisionismo no movimento comunista. A sua crítica ao Sétimo Congresso [da Comintern] é permeada de idealismo. Políticas corretas se tornam incorretas como resultado de um “pensamento mecânico”:
“O Sétimo Congresso… simplesmente culpou o esquerdismo e o sectarismo para justificar o abandono dos princípios leninistas fundamentais que foram defendidos no período do Sexto Congresso. Ele não corrigiu nenhuma rigidez, apenas deu um giro à direita – de fato, ele levou o pensamento mecânico mais além e solidificou-o com visões de direita.”
— “Entre o Sexto e o Sétimo Congressos”, Workers Advocate Supplement, 15 de julho de 1986.
Isto não explica nada. Até Mao Tsé-Tung sabia que “ideias corretas [e incorretas, pode-se acrescentar] não caem do céu”. A adoção da linha de frente popular em 1935 não foi mais do que o resultado de uma aplicação “rígida” das mesmas ideias que fazem com que muitos na esquerda norte-americana rastejem diante dos Democratas, devido a uma incapacidade de compreender Lenin.
O giro do Sétimo Congresso, ao qual o MLP investe tanto significado, foi um evento de importância primariamente simbólica. Significativamente, ele já tinha sido assinalado um ano antes pela entrada da União Soviética na Liga das Nações em busca de aliados “pacifistas” contra Hitler. Em maio de 1935, dois meses antes da abertura do Congresso, Stalin tinha negociado o infame “Pacto Laval” com o imperialismo francês como uma barreira contra a insurgente Alemanha. O comunicado final do acordo anunciou: “O Sr. Stalin entende e aprova inteiramente a política de defesa nacional exercida pela França com o objetivo de manter o seu poder bélico no nível de segurança”. Quando o Sétimo Congresso se reuniu, a sua tarefa foi ratificar o repúdio ao leninismo sob o argumento de um “anti-fascismo” que ultrapassava as divisões de classe.
Dimitrov falou sobre as implicações do giro no seu discurso de encerramento ao Congresso: “Mesmo alguns dos grandes Estados capitalistas, com medo de perder com uma redivisão do mundo, estão, no presente momento, interessados em evitar a guerra”. A frente popular tinha o objetivo de forjar um bloco com aqueles “pacíficos” ladrões imperialistas que estavam satisfeitos com a divisão do mundo que foi definida em Versalhes em 1919.
“O que havia de novo em 1934 e 1935 era o reconhecimento de que a defesa da URSS poderia ser garantida através do apoio, não de partidos comunistas estrangeiros, fracos demais para derrubar, ou mesmo complicar seriamente os governos nacionais, mas com a ajuda de governos dos países capitalistas expostos à mesma ameaça externa que a URSS, e que o melhor serviço que aqueles partidos podiam prestar seria encorajar os governos a prover este apoio.”
— E. H. Carr, O Crepúsculo da Internacional Comunista 1930-1935
A frente popular foi ditada não pelas exigências do proletariado internacional, mas com o propósito de salvaguardar o “socialismo em um só país”. Quando os socialdemocratas votaram a favor dos créditos de guerra em agosto de 1914 [no início da Primeira Guerra Mundial], isto significou que eles colocavam a preservação das suas organizações acima da solidariedade internacional da classe trabalhadora. De modo similar, o “socialismo em um só país” contrapôs a vitória parcial conseguida na Rússia aos interesses da revolução internacional. Em ambos os casos a defesa de avanços limitados conseguidos pelos trabalhadores, dos quais os respectivos burocratas tiravam os seus privilégios, ficou à frente dos objetivos gerais do movimento.
O Sétimo Congresso não foi o começo dos desvios políticos da Comintern para longe do leninismo, mas a conclusão de um processo que estava em curso por cerca de doze anos. Entre o Quinto e o Sexto congressos, a liderança “pragmática” de Stalin já havia tentado diversos experimentos desastrosos de colaboração de classes. O Sétimo Congresso marcou a transformação formal da Comintern em uma agência reformista que não era qualitativamente diferente da socialdemocracia. Em agosto de 1935, mesmo antes de os delegados terem completado suas deliberações, Trotsky comentou: “Mesmo se todos os participantes hoje negarem o fato, eles estão todos… comprometidos, na prática, com a liquidação do programa, princípios e métodos táticos estabelecidos por Lenin, e estão preparando a completa abolição da Comintern como uma organização independente.” (“O Congresso de Liquidação da Comintern”).
Oito anos depois, Stalin dissolveu a Comintern num gesto de boa fé para com os seus aliados imperialistas “democráticos”. Quem precisava de uma internacional proletária em uma época de coexistência pacífica entre as classes? A declaração de 22 de maio de 1943 que anunciou a dissolução declarou que: “Nos países da coalizão anti-hitlerista, o dever sagrado das mais amplas massas do povo, e em primeiro lugar dos trabalhadores, consiste em ajudar por todos os meios os esforços militares dos governos desses países…”. A política da frente popular em tempos de paz inevitavelmente se transfigura em socialpatriotismo quando a guerra irrompe. Nós nos perguntamos como o MLP se posiciona na Segunda Guerra Mundial: com o apelo por “unidade nacional” e nada de greves, feito por Stalin, Browder e os socialdemocratas, ou com o derrotismo revolucionário (e defesa da União Soviética) de Trotsky e da Quarta Internacional?
As Raízes da Frente Popular: “Socialismo em um só País”
Para entender a degeneração da Internacional Comunista é necessário entender a degeneração da revolução que lhe deu vida. O fracasso da onda revolucionária que se seguiu à Primeira Guerra Mundial em levar os trabalhadores ao poder em qualquer lugar fora da URSS, a exaustão da população soviética após sete anos de guerra e um colapso virtual da economia tinham, em 1921, exigido um recuo temporário da liderança Bolchevique. Esta política, conhecida como Nova Política Econômica (NEP), envolvia centralmente fazer concessões a forças de mercado para reviver a produção e prevenir a fome em massa.
A NEP foi bem sucedida, mas ao fazer isso ela criou uma camada privilegiada de pequenos capitalistas no campo e nas cidades (kulaks e nepmen). Estes elementos constituíram uma base social conservadora para o rápido desenvolvimento de uma camada administrativa/burocrática dentro do próprio Partido Bolchevique. O fracasso dos Comunistas alemães em explorar uma situação potencialmente revolucionária em 1923 tornou aparente que a Revolução Russa iria permanecer isolada por algum tempo. Isto também consolidou a posição ascendente da tendência burocrático-conservadora dirigida por Stalin. Pelos cinco anos seguintes, os “pragmatistas” como eles chamavam a si mesmos, realizaram uma política consistentemente à direita em casa e no exterior sob a bandeira do “Socialismo em um só País”. Em 1925, o Kremlin iniciou um bloco sem princípios com a liderança do Congresso dos Sindicatos Britânicos (TUC). Supostamente organizado para se opor à intervenção britânica contra a URSS, o “Comitê Sindical Anglo-Russo” não estabelecia nenhuma obrigação para os dirigentes do TUC, enquanto lhes permitia se vangloriarem com a autoridade da revolução russa. A greve geral britânica de 1926, que surgiu no meio de uma poderosa greve de mineiros, revelou que o TUC não havia se transformado no “centro organizador que engloba as forças internacionais do proletariado para a luta” como antecipado, mas permanecia uma agência da ordem capitalista.
A ajuda [financeira] mandada pelos mineiros soviéticos para os seus camaradas britânicos em luta foi rejeitada com indignação pelos burocratas sindicais, que anunciaram que eles “não queriam ouro russo”. Os covardes burocratas chamaram pelo fim da greve geral depois de nove dias, justo quando ela estava começando a surtir efeito. Trotsky exigiu que os soviéticos rompessem com os líderes traidores do TUC e criticassem fortemente a traição destes, mas o Comintern decidiu manter a sua posição de solidariedade acrítica com os destruidores da greve. Um ano depois, quando os burocratas britânicos perceberam que não precisavam mais de uma cobertura pela esquerda, eles simplesmente se retiraram do Comitê.
Colaboração de Classes e Desastre Sangrento na China
Na China, os resultados do curso direitista do Kremlin foram ainda mais desastrosos. Lá a Comintern adotou a “estratégia” de liquidar o crescente movimento comunista no partido nacionalista burguês Kuomintang (KMT). Em 1925 Stalin explicou as tarefas dos Comunistas na China na forma como se segue:
“Em tais países como o Egito e a China (…), os comunistas não podem mais fazer do seu objetivo formar uma frente única contra o imperialismo. Em tais países, os comunistas devem passar da política de frente única nacional para a politica de um bloco revolucionário dos trabalhadores e da pequeno-burguesia. Em tais países, este bloco pode assumir a forma de um só partido de trabalhadores e camponeses, como o Kuomintang (…).”
— “As Tarefas Políticas da Escola do Leste”, citado em Walter Laqueur, Communism and Nationalism in the Middle East.
De julho de 1926 a março de 1927, a China foi arrastada por um massivo levante revolucionário. Em meio a isso, os comunistas chineses receberam a ordem de Moscou para não organizar sovietes e para prestar atenção às suas atividades nas mobilizações camponesas de forma a manter boas relações com a burguesia nacional. Trotsky se opôs de forma aguda a essa linha direitista liquidacionista diante do KMT e notou que:
“Todas essas receitas e mesmo a forma com a qual elas são formuladas são cruelmente reminiscências da velha cozinha menchevique. A saída é estabelecer a linha organizativa que seja o pré-requisito necessário para uma política independente, mantendo a atenção, não na esquerda do Kuomintang, mas acima de tudo nos trabalhadores despertos… Quanto mais cedo a política do Partido Comunista Chinês for corrigida, melhor para a revolução chinesa.”
— “O Partido Comunista Chinês e o Kuomintang”, 1926.
Mas o principal interesse de Stalin na China nesse período estava em estabelecer uma aliança diplomática com o regime burguês. Para promover isto, o KMT foi admitido na Internacional Comunista como um partido em relações fraternais. Trotsky, sozinho entre os líderes soviéticos, votou contra esta deformação do leninismo. Como o MLP teria votado?
Na Primavera de 1927, conforme a liderança do KMT se movimentava para decapitar a vanguarda do proletariado chinês, a Comintern ordenou aos comunistas que largassem suas armas para não “provocar” os aliados burgueses. O resultado da colaboração de classes na China nos anos 1920 foi o mesmo que da Espanha nos anos 1930: dezenas de milhares dos melhores militantes foram exterminados e o movimento dos trabalhadores foi destruído.
Stalin gira à esquerda: o Terceiro Período
O giro à direita da política externa soviética após o Quinto Congresso teve seu reflexo domesticamente na orientação para os camponeses ricos. O aliado fracional de Stalin, Bukharin, disse a eles: “Enriqueçam!” e propôs ir rumo ao socialismo na União Soviética com “passo de tartaruga”. Mas os kulaks (camponeses ricos) não tinham interesse em socialismo em nenhuma velocidade e em 1927-28 eles estavam se mobilizando abertamente pela contrarrevolução. Stalin provou responder muito mais prontamente às ameaças ao seu próprio regime do que aos reveses do movimento internacional. Entre a primavera e o outono de 1928, ele mudou desde uma posição de que “a expropriação dos Kulaks seria uma tolice” para declarar que “Nós devemos quebrar a resistência dessa classe através de uma luta aberta” (Problemas do Leninismo). O resultado foi um giro abrupto para a esquerda no Sexto Congresso da Comintern em 1928. (O fato de que a Internacional não havia sido convocada por quatro anos – sob Lenin ela havia se reunido anualmente mesmo durante a Guerra Civil – indica a baixa importância que ela recebia pela liderança insular, nacionalista de Stalin). Ao contrário do que diz o MLP, as decisões do Sexto Congresso não representaram a continuidade ininterrupta dos “princípios fundamentais do leninismo”, mas ao invés disso o desvio simétrico da capitulação anterior ao KMT e aos burocratas sindicais britânicos. Da prostração diante de forças não-proletárias, a “linha geral” se tornou uma rejeição insípida da possibilidade de unidade de ação com qualquer um que não estivesse pronto para aceitar a liderança comunista.
O giro de 180 graus na linha política foi “explicado” pela proclamação de que a luta de classes havia supostamente entrado no “Terceiro Período” da história do pós-guerra, caracterizado pela crise final do capitalismo e pelo sucesso inevitável de levantes revolucionários em toda parte. O “Terceiro Período” era, na frase astuta de Trotsky, “uma combinação de burocratismo stalinista com metafísica bukharinista”, que não tinha nenhuma relação com a realidade da luta de classes no período. De 1928 a 1932, nenhum partido comunista no planeta estava numa posição em que pudesse seriamente desafiar o poder de sua burguesia. A teoria do “Terceiro Período” era simplesmente uma cobertura “histórico-mundial” para os ziguezagues do Kremlin.
As políticas do Terceiro Período eram um repudio direto dos princípios e táticas cuidadosamente elaborados nos primeiros quatro congressos da Internacional. A política leninista de lutar para construir lideranças comunistas nas organizações de massa dos trabalhadores que já existiam foi substituída por um separatismo sectário de “sindicatos vermelhos”. Incontáveis pequenos “sindicatos” comunistas, muitos sendo pouco mais do que organizações fantasmas que só existiam no papel, foram criados e combinados em federações sindicais paralelas. Com esta tática – explicitamente denunciada por Lenin em “Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo” como “um erro tão imperdoável que é com certeza um dos maiores serviços que os comunistas poderiam prestar à burguesia” – o Partido Comunista dos Estados Unidos conseguiu de uma só vez o que os burocratas sindicais e capitalistas não tinham conseguido fazer durante todo o período da histeria anti-Bolchevique no pós-guerra. Ele tirou os comunistas dos sindicatos e dessa forma abandonou as massas de trabalhadores à influência dos sindicalistas reacionários da Federação Americana do Trabalho [AFL].
Resultados do “Terceiro Período”: Hitler Esmaga o KPD
Os resultados mais desastrosos do “Terceiro Período” ocorreram na Alemanha onde o Partido Comunista (KPD) rotulou o Partido Socialdemocrata (SPD) como “social-fascista”. Stalin afirmou que “A socialdemocracia, falando objetivamente, é a ala moderada do fascismo”. Isto efetivamente impossibilitou qualquer aproximação aos líderes do SPD para uma frente única contra o movimento nazista que crescia rapidamente. Ao invés disso, o KPD chamou por “frentes únicas pela base”, ou seja, para que os trabalhadores socialdemocratas se “unissem” com os comunistas sob a liderança do KPD. Isso naturalmente teve pouco impacto nos milhões de trabalhadores socialdemocratas que não estavam prontos a admitir que eles fossem “moderados” ou “social-fascistas”. O KPD perdeu a oportunidade de explorar profundamente as contradições entre os socialdemocratas e os fascistas:
“A socialdemocracia não pode ter influência sem as organizações de massa dos trabalhadores. O fascismo não pode se entrincheirar no poder sem aniquilar as organizações dos trabalhadores. O parlamento é a principal arena da socialdemocracia. O sistema fascista é baseado na destruição do parlamentarismo. Para a burguesia monopolista, os regimes parlamentarista e fascista representam somente diferentes formas de dominação; ela recorreu a um ou a outro, dependendo das condições históricas. Mas para ambos os socialdemocratas e os fascistas, a escolha de uma forma ou da outra tem um significado independente; mais do que isso, para eles isto é uma questão de vida ou morte.”
— Trotsky, “E agora?”.
Em agosto de 1917, os bolcheviques exploraram uma contradição comparável a esta entre Kerensky, o pseudo-socialista que estava à frente do Governo Provisório pró-imperialista, e Kornilov, o general de direita que desejava derrubá-lo. Lenin não perdeu seu tempo chamando os trabalhadores e soldados que ainda tinham ilusões em Kerensky para se unirem sob a bandeira do bolchevismo, mas ao invés disso propôs uma frente única aos mencheviques e socialistas-revolucionários e a criação de organizações conjuntas de autodefesa contra um inimigo comum. Dessa forma os bolcheviques mobilizaram as maiores forças possíveis para esmagar Kornilov enquanto ao mesmo tempo ganhavam muitos trabalhadores de base entre os apoiadores de Kerensky, que viam que os comunistas eram os mais determinados oponentes da contrarrevolução.
Trotsky recomendou que o KPD propusesse ao SPD um bloco militar semelhante contra o terror fascista. Ele explicou como os militantes do KPD deveriam motivar a frente única com os trabalhadores de base do SPD:
“O bolchevique não pede ao socialdemocrata que altere de imediato a opinião que tem do bolchevismo e da imprensa bolchevique. Mais do que isso, ele não exige que o socialdemocrata assine um contrato pela duração do acordo prometendo manter silêncio da sua opinião sobre os comunistas. Tal demanda seria absolutamente indesculpável. ‘Enquanto’, deve dizer o comunista, ‘eu não convencer você ou você não me convencer, nós devemos nos criticar um ao outro com total liberdade, cada um usando os argumentos e expressões que achar necessário. Mas quando o fascista quiser colocar uma mordaça em nossa garganta, nós iremos repeli-lo juntos!’. Pode algum trabalhador socialdemocrata inteligente responder a essa proposta com uma recusa?”
— “A Frente Única para Defesa”, 1933.
Ao invés disso, o KPD apelou à base do SPD com denúncias estéreis, ultimatos vazios e vangloriando-se sem sentido. Um líder do KPD declarou no parlamento alemão: “Deixem Hitler assumir o poder – ele logo irá à bancarrota, e então será a nossa vez”. O sectarismo criminoso do KPD foi talvez exposto de maneira mais explícita na Prússia em 1931, quando ele apoiou um referendum organizado pelos fascistas para remover o governo estadual liderado pelo SPD. Imaginem o impacto que o espetáculo de uma campanha conjunta realizada pelo KPD e pelos nazistas teve nos trabalhadores socialdemocratas! Ainda assim, o MLP caracteriza essas táticas literalmente suicidas como “uma linha marxista-leninista correta no geral”.
Marxismo e Fatalismo
No seu principal documento lidando com o Terceiro Período (“Entre o Sexto e o Sétimo Congressos”), o MLP conclui que: “A IC e seus partidos fizeram avanços no seu trabalho nesse período… A consolidação dos partidos nesse período provavelmente teve muito a ver com os sucessos subsequentes”. Quais “sucessos subsequentes” – as frentes populares? O MLP descreve o período das maiores derrotas já sofridas pela classe trabalhadora como um de “avanços” e “consolidação” em razão do seu apego irracional ao Terceiro Período.
O artigo continua, reconhecendo que “Ao mesmo tempo, houve o severo revés da chegada ao poder de Hitler na Alemanha, pela qual, no entanto, não se pode culpar os erros do PC alemão” (ênfase adicionada). Então a quem ela deve ser atribuída? A vitória dos fascistas sobre o movimento proletário mais poderoso do mundo e o maior e mais forte partido comunista [fora da União Soviética] era inevitável? Ou será que o MLP acredita que o triunfo da reação fascista só pode ser revertido em situações onde os traidores de classe profissionais da Segunda Internacional estejam preparados para oferecer uma liderança revolucionária?
As táticas do KPD eram falsas do começo ao fim. Dada a profunda covardia e traição dos líderes socialdemocratas, que capitularam a cada passo ao invés de lutar, o sectarismo impotente da liderança do KPD levou ao desastre na Alemanha da mesma forma como a estratégia de frente popular do Partido Comunista Espanhol preparou a vitória de Franco meia dúzia de anos depois.
A afirmação de que a destruição do poderoso movimento dos trabalhadores alemães, sem um tiro ter sido disparado, não pode ser atribuída aos erros da sua liderança histórica é ao mesmo tempo objetivista e profundamente pessimista. Assim, já que o KPD não cometeu nenhum erro estratégico grave, a única conclusão é que a vitória de Hitler era inevitável. Trotsky poderia muito bem ter o MLP em mente quando apontou que “Como regra, os vulgarizadores de Marx, gravitando em torno do fatalismo, nada observam na arena política, a não ser as causas objetivas”. O otimismo fatalista de “Após Hitler, será nossa vez” do Terceiro Período é transformado pelo MLP em um pessimismo fatalista.
O MLP pode não entender a conexão orgânica entre o “esquerdismo” do Sexto Congresso e a capitulação do Sétimo, mas Trotsky entendeu. Quatro anos antes do discurso de Dimitrov, ele alertou:
“Aproxima-se o momento, um desses momentos decisivos na história, em que a IC, depois de ter cometido grandes erros, que não passavam, entretanto, de erros ‘parciais’, embora abalassem ou destruíssem as suas próprias forças acumuladas nos cinco primeiros anos de sua existência, se arrisca a cometer um erro fundamental, fatal, que pode arrastar nas suas consequências a própria IC, apagando-a como fator revolucionário do mapa político, durante todo um período histórico. (…) Nada a calar, nada a atenuar. É preciso dizer clara, energicamente, aos operários avançados: Depois do ‘terceiro período’ de aventura e fanfarronada, começará o ‘quarto período’, o período do pânico e das capitulações”.
— “Está na Alemanha a Chave da Situação Internacional”, novembro de 1931.
O “erro fundamental, fatal” do qual ele falava era o desastre na Alemanha. Este levou diretamente à frente popular, que de fato “apagou a IC do mapa político”. A liderança do MLP não realizou um estudo sério das lições da derrota na Alemanha, pela mesma razão pela qual ela ignora as lições da liquidação do PC chinês em 1927 – porque fazer isso iria abalar o mito da “época dourada” da Comintern stalinista antes do Sétimo Congresso. Isto, por sua vez, iria leva-los a ter de encarar de frente a luta da Oposição de Esquerda contra os erros de direita que se seguiram ao Quinto Congresso e o desastroso “esquerdismo” do Terceiro Período, que precedeu e condicionou a capitulação covarde da frente popular.
Um dos mecanismos usados pelo MLP para se esquivar de uma apreciação política de Trotsky – o líder da única oposição comunista à destruição política da Internacional de Lenin – tem sido citar as traições de uma variedade de pretendentes revisionistas do trotskismo. Muitas destas críticas são substancialmente corretas, mas elas não constituem uma crítica ao trotskismo, da mesma forma como uma lista de críticas equivalentes contra o Partido Comunista [pró-Moscou] não iria refutar o leninismo. Marx certa vez explicou para Weitling que a ignorância nunca fez bem a ninguém. Nesse espírito, militantes sérios no MLP devem eles mesmos tirar as suas vendas e ler Trotsky. Aqueles que o fizerem vão descobrir que o manto da autêntica continuidade comunista depois de Lenin passa pela Oposição de Esquerda e por ela sozinha.
NOTA
[1] Workers World Party (Partido Mundial dos Trabalhadores), foi fundado por Sam Marcy em 1959 após seu rompimento com o então trotskista SWP norte-americano. O motivo principal do rompimento foi seu apoio à supressão da revolução política dos trabalhadores húngaros pelo exército soviético em 1956. O grupo de Marcy apoiou sucessivamente vários regimes stalinistas e cometeu inúmeras capitulações a líderes stalinistas ao longo da sua história.