Arquivo Histórico: Teses sobre o Solidariedade Polonês

Teses sobre o Solidariedade Polonês


As seguintes teses sobre o Solidariedade polonês foram adotadas pela conferência de fusão entre a Tendência Bolchevique e a Tendência Leninista-Trotskista em 1986. Elas foram traduzidas para o português pelo Coletivo Lenin em 2007. A versão aqui presente foi copiada daquela disponível em coletivolenin.org com algumas correções baseadas no texto original. Seguidas às teses, estamos publicando um pequeno trecho traduzido para o português do livreto da Tendência Bolchevique “Solidariedade: Teste Ácido para os Trotskistas”.

1. Antes de seu Congresso de setembro de 1981, o Solidariedade não podia ser caracterizado definitivamente; porém a ausência de uma autêntica liderança marxista enraizada no proletariado, a identificação do “socialismo” com as políticas do regime stalinista desacreditado, cheio de privilégios e anti-socialista, e o crescimento concomitante do sentimento clerical-nacionalista, prepararam a base para sua consolidação subseqüente ao redor de um programa e uma direção comprometidos com a restauração capitalista.

2. A conduta da direção do Solidariedade na preparação do seu Congresso de setembro de 1981 indicava seu caráter pró-capitalista: (a) O esboço de programa apresentado por Walesa e companhia na edição do dia 17 de abril de 1981 do semanário do Solidariedade, de fato, propôs substituir por relações de mercado o planejamento centralizado. Este programa era aparentemente contraditório porque a direção contra-revolucionária teve que levar em conta as aspirações de milhões de trabalhadores poloneses e membros do Partido Comunista stalinista, que queriam reformar ou esmagar o stalinismo e manter a economia planejada. Portanto, o programa foi decorado com um pouco de retórica socialista. Defendia o controle operário (contra os stalinistas), junto com economia de livre mercado, clericalismo e nacionalismo polonês; (b) O documento programático principal produzido pelo Congresso de setembro exigia o fim do monopólio do comércio exterior; (c) Lane Kirkland, cabeça da abertamente pró-capitalista AFL-CIO, e Irving Brown, um notório agente da CIA que operava na Europa Ocidental, foram convidados ao Congresso, enquanto os sindicatos stalinistas da Europa Oriental foram ignorados; (d) O Congresso adotou deliberadamente os lemas da contra-revolução imperialista na Europa Oriental: “eleições livres” e “sindicatos livres” (ou seja, sindicatos anti-comunistas).

3. Junto com a influência predominante da hierarquia católica anti-comunista dentro do Solidariedade; com o crescimento de correntes reacionárias nacionalistas, e mesmo abertamente anti-semitas; com os sentimentos pró-capitalistas expressos por elementos dirigentes (como por exemplo o comentário de Walesa de que a eleição de Reagan em 1980 era um “bom sinal” para Polônia) e o extenso apoio às exigências dos pequenos capitalistas do Solidariedade rural; o Congresso de setembro de 1981 deve ser visto como uma confirmação da transformação política do Solidariedade numa organização abertamente a favor da restauração capitalista. A questão da defesa das formas de propriedade da classe trabalhadora, sobre as quais a economia polonesa se baseia, foi portanto diretamente posta. A atitude dos revolucionários diante do Solidariedade, portanto, também mudou, ou seja, passou a reconhecer que tinha se tornado necessário suprimir a direção restauracionista e os seus seguidores contra-revolucionários.

4. Isto não significa sugerir que os trotskistas desejariam suprimir os dez milhões de trabalhadores filiados ao Solidariedade — dos quais grande parte não desejava voltar às condições capitalistas do “mercado livre”, da escravidão assalariada, desemprego, etc. Uma organização trotskista na Polônia no outono de 1981 teria se oposto intransigentemente ao curso pró-capitalista de Walesa e companhia, enquanto continuasse a intervir em reuniões de massa do Solidariedade nos locais de trabalho, e em cada outra arena onde fosse possível receber uma audiência da classe trabalhadora para cristalizar uma oposição anti-stalinista pró-socialista à direção do Solidariedade.

5. É um axioma do marxismo que os movimentos sociais e políticos devem ser julgados por sua liderança, programa, trajetória e composição de classe — não pelas ilusões da base. As mobilizações de massa contra o Xá do Irã em 1978-79 fornecem um caso exemplar. Apesar das esperanças e das intenções de muitos milhares de trabalhadores iranianos e militantes de esquerda que participaram (assim como as correntes pseudo-marxistas diversas que saudaram este suposto movimento “objetivamente revolucionário”), o fato era que a direção estava firmemente nas mãos dos reacionários teocráticos ao redor do Aiatolá Khomeini. A contradição objetiva entre a base e o topo indica que uma tarefa chave dos marxistas era lutar para destruir as ilusões que as massas tinham no resultado final de um movimento com tal direção e programa, levando os trabalhadores à oposição aos reacionários Mulás, assim como ao Xá. Assim como no Irã, os marxistas revolucionários não podem determinar a sua orientação em relação aos acontecimentos na Polônia simplesmente por hostilidade aos que no momento detém o poder — é também necessário avaliar o programa positivo e a trajetória dos dirigentes da oposição.

6. A intenção contra-revolucionária da liderança de Solidariedade inequivocamente foi revelada (para os que quiseram ver) pelos acontecimentos do período imediatamente anterior ao contra-golpe de Jaruzelski: (a) as tentativas de estender o Solidariedade ao exército e à polícia; (b) as discussões abertas sobre a necessidade derrubar o Estado na reunião da direção geral do Solidariedade em Radom, em 3 de dezembro; e (c) a reunião de 12 dezembro em Gdansk de líderes do Solidariedade, que propôs “fazer um plebiscito nacional por conta própria sobre um voto de confiança no General Jaruzelski, e para estabelecer um governo provisório não-comunista e organizar eleições livres (New York Times, 14 dezembro 1981).

7. O fato de que o Solidariedade se consolidou ao redor de uma direção e um programa pró-capitalistas é um testemunho eloquente da bancarrota política completa dos parasitas anti-operários stalinistas que, em mais de três décadas administrando o “socialismo” na Polônia, só conseguiram levar um grande setor da classe trabalhadora para os braços da reação clerical-nacionalista. Embora os trotskistas tomassem uma atitude de apoio crítico à supressão militar de 13 dezembro da ameaça contra-revolucionária posta pelo Solidariedade, era necessário manter uma atitude irreconciliável em relação a Jaruzelski e ao resto da burocracia stalinista.

8. Tivesse a URSS intervido (como largamente foi imaginado) no outono de 1981, os trotskistas teriam apoiado criticamente, pela mesma razão que apoiaram criticamente as ações do Exército polonês em dezembro desse ano. Teríamos apoiado só as ações do exército soviético dirigidas contra a direção restauracionista do Solidariedade e sua base — e não contra toda a classe trabalhadora polonesa.

9. Nosso apoio à supressão de Solidariedade pela burocracia se estende só aos golpes desferidos nas seções contra-revolucionárias do sindicato, particularmente os quadros pró-capitalistas da direção. Tivesse havido reuniões de trabalhadores anti-restauracionistas, nós nos oporíamos à sua supressão no curso do golpe. Os bolcheviques não teriam nenhum interesse em apoiar medidas que tornassem mais difícil para a classe operária polonesa se reunir, discutir e se recompor politicamente. O peso do obscurantismo religioso, do nacionalismo venenoso e da ideologia pró-capitalista sobre um setor grande dos membros do Solidariedade só poderia ser destruído pela intervenção política de autênticos marxistas — e não por medidas policiais stalinistas. Para este fim, depois do contra-golpe, os trotskistas teriam procurado conservar o espaço político limitado ganho pelas greves de 1980-81.

10. Os burocratas privilegiados do Partido Operário Unido da Polônia [stalinista] estão interessados principalmente em conservar e estender os próprios interesses de casta à custa da classe trabalhadora. Em setembro de 1939, Trotsky propôs que a Quarta Internacional defendesse a União Soviética contra ataque nazista iminente sob o lema “Pelo Socialismo! Pela Revolução Mundial! Contra Stalin!” Com o perigo imediato de contra-revolução posto pelo Solidariedade, era o dever dos trotskistas defender a propriedade socializada sobre a qual os Estados Operários Deformados são baseados, enquanto deixassem claro “exatamente o que nós defendemos, exatamente como nós o defendemos, e contra quem nós o defendemos”. Apesar do fato que são obrigados, em última análise, a defender o organismo de que são parasitas contra correntes restauracionistas (que são geradas inevitavelmente pelo seu desgoverno burocrático), os burocratas stalinistas criam um perigo mortal para a preservação das formas de propriedade operárias na Polônia e em cada outro país que dominam. A defesa dos Estados Operários Deformados e Degenerados, assim, é inextricavelmente ligada à necessidade da revolução política proletária para esmagar a burocracia e o aparato policial pela ação revolucionária de massa.

Um Trecho do Livreto
Solidariedade: Teste Ácido para os Trotskistas” (1988)

No outono de 1981 o Solidariedade havia se tornado um movimento restauracionista-capitalista com ambos o poder social e a liderança subjetivamente comprometida a derrubar o regime stalinista desacreditado e desmoralizado. Chamar pela defesa do Solidariedade seria chamar pela defesa dos seus quadros contra-revolucionários. Nós damos apoio militar ao ataque preventivo dos stalinistas contra a liderança do Solidariedade.

Nós não damos aos stalinistas um cheque em branco para cercear os direitos democráticos dos trabalhadores de se organizarem, de se encontrarem para discutir política, e de recomporem-se politicamente. Nós sabemos que correntes restauracionistas-capitalistas só podem ser decisivamente derrotadas por uma revolução política proletária que esmague o poder dos parasitas stalinistas. Mas nós não identificamos a defesa dos direitos políticos dos trabalhadores poloneses com a defesa do Solidariedade.

Nós valorizamos e buscamos preservar e estender o espaço político ganho para o movimento dos trabalhadores na greve de 1980 que deu origem ao Solidariedade. Em geral, nós nos opomos à supressão stalinista dos dissidentes ideológicos, mesmo aqueles pró-capitalistas. Os revolucionários também defendem a existência de sindicatos independentes do Estado mesmo em Estados operários saudáveis.

Entretanto, o que separa os trotskistas dos Schatmanistas (ou seja, “socialistas democratas” anti-comunistas) é que nós, em última análise, não colocamos os “direitos democráticos” acima da defesa das formas de propriedade proletárias. Na Polônia em dezembro de 1981, era necessário escolher entre um e outro e nós seguimos Trotsky:

A questão da derrubada da burocracia soviética, para nós, é subordinada à questão da preservação da preservação da propriedade estatal dos meios de produção na URSS, e a questão da preservação da propriedade estatal dos meios de produção na URSS, para nós, é subordinada à questão da revolução proletária mundial”. (Em Defesa do Marxismo)

O golpe de Jaruzelski em 13 de dezembro de 1981 não fez nada para resolver as contradições que deram origem à crise na sociedade polonesa, mas ele interrompeu uma perigosa mobilização restauracionista. Nós não temos ilusões na capacidade dos stalinistas de proteger, muito menos de desenvolver, a propriedade nacionalizada na Polônia ou em qualquer outro lugar. De fato, a única garantia contra a restauração burguesa é a vitória da revolução política da classe proletária que esmague o poder dos parasitas burocráticos.

Nós somos pela supressão da contra-revolução por um movimento proletário com consciência de classe. Mas os trotskistas não podem assumir uma atitude de neutralidade em um confronto decisivo entre um movimento restauracionista capitalista e o aparato stalinista. Em meio aos grandes expurgos stalinistas em 1937, Trotsky projetou que:

Se o proletariado derrubar a tempo a burocracia soviética, então ele ainda vai encontrar no dia seguinte ao da sua vitória os meios de produção nacionalizados e os elementos básicos da economia planificada. Isso significa que ele não terá que começar do zero. Isso é uma tremenda vantagem!” (Escritos de Leon Trotsky 1937-38)