Polêmica com o Coletivo Lenin sobre a História do Trotskismo
Coletivo Lenin sobre James Cannon
Revisando a História do Trotskismo
Por Rodolfo Kaleb
Outubro de 2011
Esta é uma resposta a erros factuais, às vezes conscientemente desonestos, do Coletivo Lenin sobre a história do trotskismo e da Liga Espartaquista dos Estados Unidos (organização cujas posições e história de luta contra o revisionismo pablista nós defendemos até o fim da década de 1970) presentes em um comentário no blog Nova Dialética e reproduzido no blog do próprio Coletivo. O comentário foi feito após uma postagem (não reproduzida aqui) sobre a importância histórica e a figura política de James Cannon, um veterano trotskista norte-americano e quadro fundador a Quarta internacional que cumpriu também um papel progressivo nos primeiros anos da luta contra o revisionismo de Michel Pablo e Ernest Mandel.
Comentário do Coletivo Lenin
O Cannon foi uma figura fundamental em toda a história do trotskismo.
Foi ele que, no começo da Segunda Guerra, lutou contra a fração de Schatman, no SWP (Partido Socialista dos Trabalhadores), a seção americana da Quarta Internacional. A fração defendia que a URSS era um nova sociedade de classes e, por isso, não deveria ser incondicionalmente defendida contra a restauração do capitalismo.
O SWP, com Cannon como membro da direção, lutou contra o macartismo, inclusive defendendo militantes do PCUSA que fizeram espionagem para a URSS.
Em 1953, Cannon escreveu a “Carta Aberta aos Trotskistas do Mundo Inteiro”, onde denunciou a linha da direção da Quarta Internacional, que achava que os PCs do mundo inteiro poderiam cumprir um papel revolucionário.
A crítica de Cannon foi certa (pra ter uma ideia, uma minoria da Quarta Internacional rompeu em 1954 e se dissolveu dentro dos PCs), mas ele errou ao romper com a internacional e criar o Comitê Internacional, com os grupos de Lambert e Healy.
As duas organizações estavam totalmente adaptadas à socialdemocracia (Healy dentro do Partido Trabalhista inglês e Lambert, na central pelega Force Ouvrière) e, na verdade, por trás das críticas estava a stalinofobia (ou seja, elas consideravam que o stalinismo era completamente contrarrevolucionário e que, portanto, qualquer movimento contra o stalinismo seria progressivo). Ou seja, capitulavam ao clima anticomunista do primeiro mundo.
Como prova que o SWP era ainda uma organização saudável, ele logo saiu dessa canoa furada. Em 1956, depois do posicionamento fundamentalmente igual do Comitê Internacional e da Quarta Internacional sobre a revolução antiburocrática na Hungria, Cannon e Peng Shu-tse (da seção chinesa) começam a lutar pela reunificação dos trotskistas.
Essa reunificação acontece em 1963, formando o SU (Secretariado Unificado da Quarta Internacional). Infelizmente, a autocrítica do pablismo foi parcial (Pablo sai do SU em 1964), e não impediu que se repetissem as mesmas concepções centristas. Tanto Cannon como a maioria do SU, dirigido por Ernest Mandel, consideram a direção cubana como revolucionária e trotskista inconsciente.
Por isso, a reunificação de 1963 foi uma puta (sic) de uma oportunidade perdida.
A Liga Espartaquista surgiu nessa época, lutando contra a posição sobre Cuba. Infelizmente, eles repetiram o mesmo erro de Cannon na época da Carta Aberta, e foram para o Comitê Internacional. Depois de serem expulsos de lá, criaram a sua própria corrente internacional, cada vez mais sectária e sempre capitulando ao stalinismo (por exemplo, não condenaram a invasão da Tchecoslováquia pela URSS em 1968).
Depois disso, Cannon continuou lutando pela fusão entre todas as correntes revolucionárias, como ele defendeu em “Novas Forças Revolucionárias estão Emergindo” (1962). Dentro do SU, ele combateu, junto com Moreno, a política de luta armada imediata na América Latina, que levou à destruição de várias seções. Infelizmente, mesmo a posição sobre a luta armada estando certa, tanto o SWP quanto o PST de Nahuel Moreno fizeram as críticas a partir de um ponto de vista muito próximo do social-pacifismo, refletindo as concepções centristas que já prevaleciam neles.
Resumindo: mesmo com todos os erros, James Cannon foi um grande revolucionário. A maior prova disso é que mesmo as correntes que romperam com o SWP quando ele estava na direção, como a Liga Espartaquista e o Partido da Liberdade Socialista (fundado por Clara e Dick Fraser), mesmo fazendo várias críticas (algumas corretas), se reivindicam cannonistas.
Crítica do Reagrupamento Revolucionário
O comentário do Coletivo Lenin é uma falsificação da história da Quarta Internacional que só pode servir para confundir a vanguarda trotskista. Também é um sintoma lamentável da degeneração de um grupo que antes, apesar de falhas e limitações, defendia o legado daqueles que combateram o revisionismo pablista do movimento fundado por Leon Trotsky, e que hoje se encontra mais precisamente do outro lado do muro, tentando enumerar qualidades para os pablistas ao invés de combatê-los (para saber mais leia nossa carta de ruptura O Coletivo Lenin é Destruído pelo Revisionismo!, de julho de 2011).
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A primeira crítica do Coletivo Lenin ao papel de Cannon na luta contra o pablismo se refere ao fato de ele ter cumprindo um papel de liderança no rompimento do SWP com a “Quarta Internacional” sob domínio pablista. Parece que o Coletivo Lenin considera acertado pontuar críticas ao pablismo, mas um verdadeiro crime romper com eles. O grupo diz que “A crítica de Cannon foi certa…, mas ele errou ao romper com a internacional e criar o Comitê Internacional, com os grupos de Lambert e Healy”. Parece que para o Coletivo Lenin a luta contra o revisionismo deveria ser um exercício de ideias sem daí retirar conclusões organizativas e políticas. Isto é algo alheio à seriedade com a qual o próprio Cannon tratava a questão. Ele e seus apoiadores não teriam dividido o movimento trotskista se não houvesse motivos relevantes para isso.
Algo ausente em todo o comentário do Coletivo é o fato de que os pablistas eram não apenas oportunistas políticos como também utilizavam métodos burocráticos. Não falam sobre as posições do Secretariado Internacional de Pablo (SI) na greve geral francesa nem no princípio de revolta operária em Berlim Oriental em 1953, ocasiões em que os pablistas defenderam as traições dos stalinistas. Não demonstram que a adaptação de Pablo a outras correntes do movimento que supostamente cumpririam papel “objetivamente revolucionário” se estendeu não somente ao stalinismo, mas também ao nacionalismo e à socialdemocracia e outras forças não-revolucionárias que seriam supostamente forçadas ao caminho da revolução por circunstâncias objetivas.
Os pablistas são responsáveis por vários desrespeitos burocráticos aos direitos da seção chinesa emigrada na Europa, que foram denunciados como fugitivos de uma revolução por não seguirem a liderança de Pablo, que considerou Mao um revolucionário e não defendeu os trotskistas chineses contra a repressão que se seguiu. Pablo inclusive suprimiu artigos que criticavam a liderança maoísta (como é relatado por Peng Shuzi). Não apenas os pablistas expulsaram burocraticamente a maioria da seção trotskista francesa (PCI, o “grupo de Lambert”), que discordava da sua visão política liquidacionista, como também tentaram fazer o mesmo com a seção norte-americana através da colaboração secreta com a fração de Cochran-Clarke do SWP. De fato, foi somente esta tentativa que fez o SWP despertar de sua apatia internacional e passar a cumprir um papel na luta contra Pablo, Mandel e seus aliados. Isso pode ser confirmado com a leitura da Carta Aberta aos Trotskistas do Mundo Inteiro, onde Cannon escreve:
“O jogo duplo de Pablo ao apresentar uma face à liderança do SWP enquanto secretamente colaborava com a tendência revisionista cochranista é um método que está fora da tradição do trotskysmo. Mas existe uma tradição à qual ela pertence — ao stalinismo. Tais instrumentos, usados pelo Kremlin, são os mesmo usados para corromper a Internacional Comunista. Muitos de nós experimentamos isso no período de 1923-1928.”
No mesmo documento podemos ter uma idéia dos motivos da liderança do SWP para preferir disputar os quadros do trotskismo por fora da “Quarta Internacional” pablista, ao invés de travar a luta por dentro:
“Resumindo: o abismo que separa o revisionismo pablista do trotskysmo ortodoxo é tão profundo que nenhum compromisso político ou organizativo é possível. A fração de Pablo demonstrou que não permitirá decisões democráticas que reflitam a opinião da maioria. Eles exigem a completa submissão à sua política criminosa. Eles estão decididos a eliminar da IV Internacional todos os trotskystas ortodoxos, a calá-los ou atar-lhes as mãos.”
O Coletivo Lenin não está apenas discordando de Cannon sobre a tática correta para combater os pablistas, mas sim rejeitando sob qualquer condição um racha com a liderança burocrática e revisionista de Pablo e Mandel. O Comitê Internacional expunha a necessidade de travar uma luta para derrotar politicamente as concepções pablistas, extingui-las do movimento trotskista mundial. Isso é algo que o Coletivo Lenin não reconhece e de fato esconde. O racha do SWP com o pablismo é descrito como algo despropositado, “um erro”.
É sempre preferível para aqueles que querem indevidamente reivindicar a trajetória de revolucionários honestos tentar transfigurá-los em oportunistas inconsequentes à imagem e semelhança dos primeiros. O Coletivo Lenin hoje não considera que o pablismo foi o principal responsável pela destruição da Quarta Internacional (colocando a culpa no próprio programa do trotskismo e em algumas de suas previsões imprecisas sobre o desenvolvimento do capitalismo). O líder do grupo, Paulo Araújo, acredita que o Secretariado Internacional pablista era uma organização revolucionária. O guia teórico do Coletivo Lenin pode ser resumido no seguinte trecho:
“Nos próximos capítulos, mostraremos que é impossível formular uma estratégia certa para a revolução mundial sem uma análise correta da decadência do capitalismo, e que essa estratégia é bem diferente da concepção leninista-trotskista de pequeno grupo que se torna, combatendo o reformismo das direções traidoras, um partido de quadros que mobiliza as massas através de reivindicações transitórias rumo ao poder. Ao mesmo tempo, veremos como a Quarta Internacional foi destruída não pelo revisionismo pablista, mas sim pela sua incapacidade de superar a herança da estratégia leninista e sua visão sobre a revolução mundial iminente.”
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Somos então informados pelo Coletivo Lenin de que o SWP era, no entanto, uma “organização saudável”, porque voltou atrás da sua decisão de 1953 e realizou uma fusão com os pablistas dez anos depois. Saudáveis aqueles que buscam aliança com o revisionismo?
O Coletivo tenta mostrar a fusão do CI com o SI (para formar o Secretariado Unificado) como uma necessidade urgente, independente do posicionamento político de ambos. Depois coloca que a “reunificação” foi uma “oportunidade perdida”, dando como exemplo a posição pablista do SU com relação à revolução cubana (Fidel Castro como um “trotskista inconsciente”). Isso não corresponde nem um pouco aos fatos concretos. Desde 1961 a liderança do SWP vinha tendo a mesma posição dos pablistas com relação a Cuba. No documento Gênese do Pablismo, escrito pela Liga Espartaquista em 1972 (e traduzido para o português pelo Coletivo Lenin na época em que ele era uma organização revolucionária) está escrito que:
“Quando a questão da reunificação, que se consumaria em 1963 com a formação do Secretariado Unificado, veio novamente à tona, o terreno político em sua totalidade havia mudado. O SI e o SWP convergiram com relação a Cuba. Mas a base já não era uma convergência aparente, senão o abandono por parte do SWP do trotskismo para abraçar o revisionismo pablista.”
Foi a adoção do método do pablismo pelo SWP que permitiu a fusão, e não uma mera necessidade de reunificar os trotskistas. Obviamente defendemos a necessidade de reunificar os quadros trotskistas, tanto naquela época quanto hoje. Mas essa reunificação deve se dar sob um programa que represente a perspectiva histórica revolucionária orientada para a classe trabalhadora, e não uma adaptação às lideranças traidoras (como o stalinismo, o nacionalismo, a socialdemocracia) existentes no movimento. A fusão do SWP com o SI pablista foi uma derrota que afastou, ao invés de aproximar, a reconstrução revolucionária de Quarta Internacional – o SWP foi perdido para o revisionismo e essa foi a base da fusão. Era assim que o próprio Coletivo Lenin colocava a questão quando seguia um programa político revolucionário:
“O colapso político do SWP como organização revolucionária, assinalado pelo seu entusiasmo acrítico em relação ao castrismo nos anos 60, e culminando com a sua unificação com os pablistas em 1963, foi um golpe enorme para todos os comunistas.”
Programa Político do Coletivo Lenin, fevereiro de 2009
De “um golpe enorme para todos os comunistas”, a aproximação e finalmente a fusão do SWP com os pablistas se transformou em uma “puta oportunidade perdida”. “Infelizmente”, diz o Coletivo Lenin, “a autocrítica do pablismo foi parcial… e não impediu que se repetissem as mesmas concepções centristas.” Aparece aqui como uma “infeliz” surpresa o que, na verdade, foi a própria base da reunificação que gerou o SU. Tal deformação da realidade só se explica pela adoração do atual líder do Coletivo Lenin ao centrismo de Mandel e do SU, que ele considera revolucionários (ainda que fazendo algumas críticas à parte de suas posições centristas). Como afirmou em um documento interno: “O SU, acho que em linhas gerais era revolucionário nas décadas de 50 e 60.” (outubro de 2010).
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É preciso ainda fazer alguns comentários sobre o Comitê internacional. Obviamente reconhecemos que ele cometeu erros políticos consideráveis. No entanto, o seu maior erro foi não ter combatido suficientemente bem o pablismo. Para isso, vamos citar o livreto O Pablismo e a Crise da Quarta Internacional, escrito em 2010 pelo Coletivo Lenin e disponível até hoje na página inicial do seu site, mas abandonado pelo próprio grupo na prática:
“Podemos vislumbrar que os objetivos táticos imediatos dessa nova organização [o CI] deveriam ser atrair os trotskistas remanescentes sob influência de Pablo e combater duramente o pablismo, se lançando para realizar as tarefas corretas diante do stalinismo (unidade na ação, mas clara diferenciação no programa), jogando luz sobre a estratégia traidora de Pablo. Infelizmente, essa perspectiva desafiadora jamais chegou a se concretizar. Apesar da atração dos quadros resistentes do trotskismo para fora da Quarta Internacional pablista, o Comitê Internacional nunca se tornou uma organização consequente de combate ao pablismo.”
A principal crítica que deve ser feita ao CI é pelo fato de não ter combatido o pablismo da maneira como deveria, não por ter rachado com Pablo e Mandel. No que diz respeito aos outros erros políticos do Comitê Internacional, não temos quaisquer ilusões. O CI cometeu erros graves, dentre os quais poderia ser incluído também o fato de nenhuma das suas seções ter dado uma resposta revolucionária à revolução boliviana de 1952, como é relatado pela Tendência Vern-Ryan do SWP.
Ao mesmo tempo há muitos lampejos prévios de desenvolvimentos que ocorreriam no futuro. A noção teórica incorreta de que os stalinistas eram “contrarrevolucionários de cabo a rabo” e dessa forma não poderiam, nem em circunstâncias excepcionais, derrubar o capitalismo foi adotada por todo o CI, incluído Cannon e o SWP. Ela foi um reflexo não de uma adaptação ao anticomunismo imperialista, mas uma tentativa com erros de combater as posições de Pablo de que os stalinistas haviam deixado de ser contrarrevolucionários e iriam agir para liderar a revolução mundial.
As afirmações de que o stalinismo era contrarrevolucionário de cabo a rabo, no fim, levaram a conclusões políticas stalinofóbicas sob circunstâncias diferentes, mas isso só iria acontecer muitos anos depois. A adaptação da seção britânica à socialdemocracia, por exemplo, foi real e teve sua origem em seguir a política de Pablo de entrismo profundo em todos os partidos de massas, fossem socialdemocratas ou stalinistas.
No entanto, a luta falha do CI foi, apesar de tudo, um luta contra o revisionismo. Essas falhas sem dúvida contribuíram para preparar a subsequente explosão do CI e a fusão do SWP com os pablistas. Mas o combate também gestou a continuidade da luta contra o revisionismo através da Liga Espartaquista, por exemplo. O Coletivo Lenin é absolutamente incoerente quando acusa (corretamente) a seção inglesa do CI de adaptar-se à socialdemocracia durante o período em que estava dentro do Labour Party ao mesmo tempo em que defende que foi correta uma fusão com os pablistas, adaptados por natureza à socialdemocracia, ao stalinismo e ao nacionalismo burguês.
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O Coletivo Lenin diz a Liga Espartaquista “repetiu o mesmo erro (sic) de Cannon da época da Carta Aberta”, ou seja, romper com os pablistas. Novamente o mesmo “crime”: formar uma organização independente dos revisionistas. A Liga Espartaquista reconheceu a necessidade de combater o pablismo e de tentar arrancar da liderança pablista os setores saudáveis do trotskismo. Em 1963, a sua precursora (a Tendência Revolucionária do SWP) se dispôs, inclusive, a adentrar a fusão que gerou o SU, com interesses táticos de disputar os trotskistas combativos do SWP – ou seja, realizar um entrismo. Isso está registrado no documento que traduzimos recentemente para o português, Rumo ao Renascimento da Quarta Internacional (julho de 1963):
“’Reunificação’ do movimento trotskista na base centrista do pablismo em qualquer das suas variantes seria um passo que afastaria, ao invés de aproximar, o genuíno renascimento da Quarta Internacional. Se, entretanto, a maioria dos grupos trotskistas atualmente existentes insistem em seguir em frente com tal ‘reunificação’, a tendência revolucionária do movimento mundial não deve virar suas costas para esses quadros. Pelo contrário: seria vitalmente necessário passar por esta experiência com eles. A tendência revolucionária entraria nesse movimento ‘reunificado’ como uma fração minoritária, com a perspectiva de ganhar uma maioria para o programa da democracia operária. A Quarta Internacional não irá renascer através da adaptação ao revisionismo pablista: somente com uma luta teórica e política contra todas as formas de centrismo é que o partido mundial da revolução socialista pode finalmente ser estabelecido.”
Não se trata de uma ignorância justificável do autor do comentário, visto que nós mesmos deixamos essa posição da Tendência revolucionária clara para a maioria do Coletivo Lenin na época de nossa luta fracional contra o oportunismo que atualmente domina o grupo, e que o documento em questão foi lido pelos camaradas. O líder do Coletivo Lenin havia feito essa mesma acusação anteriormente e reconheceu o seu erro em um email de 14 de fevereiro: “Eu realmente não sabia sobre a posição da SL de entrar no SU. Então, temos que corrigir as teses. Além disso, essa decisão mostra que eles eram ainda melhores do que eu pensava, e se propuseram à tarefa certa. Infelizmente, se perderam depois naquela religião do CI, e se destruíram”.
Em nenhum momento, entretanto, a TR deixava de classificar o SI e a maioria do SWP como centristas e de prometer contra eles uma luta teórica e política. Acontece que tal perspectiva não chegou a se realizar. A TR foi expulsa de maneira antidemocrática do SWP, decisão sobre a qual os pablistas europeus de Pablo e Mandel “lavaram as mãos”. Será que o Coletivo Lenin vai agora negar isso para tentar atestar que o Secretariado Unificado tinha um regime interno “democrático”?
O Coletivo Lenin argumenta que a Liga Espartaquista era sectária (por buscar formar uma corrente internacional própria) e que capitulava ao stalinismo. Em primeiro lugar, desconhecemos qualquer documento da Liga Espartaquista que aponte como algum tipo de “princípio” o seu isolamento. Na verdade, ela pontuou que a necessidade de construir uma corrente internacional revolucionária advinha do oportunismo e/ou burocratismo das organizações “trotskistas” existentes naquele momento. Na sua Declaração à Conferência de 1966 do Comitê Internacional, a Liga Espartaquista corretamente afirmou:
“Um camarada francês colocou muito bem: ‘não existe família do trotskismo’. Só existe o programa correto do marxismo revolucionário, que não é um guardachuva. No entanto, existem agora quatro correntes internacionais organizadas reivindicando serem trotskistas, e que são consideradas como ‘trotskistas’ em certo sentido convencional. Esse estado de coisas deve ser resolvido através de rachas e fusões. A razão para a presente aparência de uma “família” é que cada uma das quatro tendências – ‘Secretariado Unificado’, ‘Tendência Marxista Revolucionária’ de Pablo, ‘Quarta Internacional’ de Posadas, e o Comitê Internacional – é, em alguns países, o único grupo organizado reivindicando a bandeira do trotskismo. Dessa forma, eles atraem todos aqueles que querem se tornar trotskistas em suas áreas e suprimem a polarização; não há luta e diferenciação, ganha-se alguns e expulsa-se outros para forçá-los a abandonar suas pretensões como revolucionários e trotskistas. Assim, quando vários camaradas Espartaquistas visitaram Cuba, nós descobrimos que o grupo trotskista de lá, parte da Internacional de Posadas, era composto em maioria de excelentes camaradas lutando com valor sob difíceis condições. Os discursos feitos aqui pelos camaradas dinamarqueses e ceilaneses, representando alas de esquerda do Secretariado Unificado, refletem tais problemas.”
“O racha parcial e exposição crua das forças do Secretariado Unificado – a expulsão de Pablo, a traição no Ceilão, a linha de colaboração de classe do SWP na guerra do Vietnã, Mandel se rastejando diante dos herdeiros da socialdemocracia belga – provam que foi-se o tempo em que a luta contra o pablismo poderia ser travada num plano internacional por dentro de um mesmo espectro organizativo. E a experiência particular de nossos grupos nos Estados Unidos, que foram expulsos meramente pelas opiniões que mantinham, sem direito de apelo, demonstram que o Secretariado Unificado mente quando ele diz quere incluir todos os trotskistas.”
A Liga Espartaquista estava correta nisso e tinha razões profundas para não buscar construir uma organização com os pablistas, ou com Gerry Healy, o líder da seção inglesa do Comitê Internacional, com o qual ela buscava uma fusão até ter sofrido perseguições burocráticas.
“Sectário” é aquele que busca se isolar do movimento revolucionário sem motivos a não ser seus próprios fetiches. O Coletivo Lenin acha que é “sectário” negar unidade político-organizativa com os revisionistas? A Liga Espartaquista apresentava motivos políticos que consideramos extremamente importantes para não estar dentro das organizações que então se reivindicavam revolucionárias. Se o Coletivo Lenin acredita que os motivos políticos que separavam os pablistas dos trotskistas eram irrelevantes, então eles deveriam rejeitar qualquer aproximação com James Cannon ou com a Carta Aberta. O Coletivo Lenin também deveria, se agisse conforme suas palavras, liquidar em um grupo “revolucionário” maior. Já que o Coletivo reivindica atualmente reconhecer vários outros grupos como revolucionários, pelos seus próprios critérios a decisão de manter a sua própria organização separada não tem sentido ou justificativa exceto uma expressão verdadeira de “sectarismo”.
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A Liga Espartaquista é acusada de capitular ao stalinismo por, supostamente, “não ter condenado” a invasão soviética à Tchecoslováquia em 1968, que esmagou a “Primavera de Praga”, uma concessão de uma ala da burocracia (liderada por Alexander Dubcek) de diminuir a repressão do regime, o que poderia facilitar as possibilidades de uma revolução política proletária no país. Trata-se de uma calúnia.
A Liga Espartaquista não publicou nenhum texto sobre essa questão em 1968. Essa foi uma falha em razão das suas limitações (ela possuía então apenas um jornal bianual). Mas ela teve uma posição pública, que foi de condenar a ocupação soviética (uma forma de garantir a manutenção dos aspectos repressivos do regime), ao mesmo tempo em que chamava a não confiar na ala Dubcek da burocracia, nem em qualquer outra, apostando na ação independente da classe trabalhadora. Esta posição estava de acordo com o que a Liga Espartaquista colocou como tarefa dos trotskistas nos Estados operários degenerados ou deformados: defender as conquistas sociais contra as tentativas de contrarrevolução capitalista e lutar para derrubar a burocracia governante através de uma revolução política. Essa posição pode ser facilmente constatada em trechos posteriores publicados pela Liga Espartaquista ou sua corrente internacional. Para não sermos maçantes, vamos citar apenas três:
A Liga Espartaquista não publicou nenhum texto sobre essa questão em 1968. Essa foi uma falha em razão das suas limitações (ela possuía então apenas um jornal bianual). Mas ela teve uma posição pública, que foi de condenar a ocupação soviética (uma forma de garantir a manutenção dos aspectos repressivos do regime), ao mesmo tempo em que chamava a não confiar na ala Dubcek da burocracia, nem em qualquer outra, apostando na ação independente da classe trabalhadora. Esta posição estava de acordo com o que a Liga Espartaquista colocou como tarefa dos trotskistas nos Estados operários degenerados ou deformados: defender as conquistas sociais contra as tentativas de contrarrevolução capitalista e lutar para derrubar a burocracia governante através de uma revolução política. Essa posição pode ser facilmente constatada em trechos posteriores publicados pela Liga Espartaquista ou sua corrente internacional. Para não sermos maçantes, vamos citar apenas três:
“A invasão soviética na Tchecoslováquia em agosto de 1968 sublinhou a contradição central dos países stalinistas primeiramente analisada por Trotsky: a propriedade social dos meios de produção coexistindo com uma burocracia repressiva que havia usurpado o controle político do proletariado e deforma os vastos potenciais da economia. O ímpeto para a invasão não foi o medo de uma ameaça militar da Alemanha, mas o relaxamento da censura política e controle que a ala Dubcek da burocracia foi forçada a tolerar com o objetivo de ‘liberalizar’ a economia ao aumentar a exploração dos trabalhadores Tchecos. A Liga Espartaquista condena a invasão russa, ao mesmo tempo notando a ausência de oposição sindical de massa, que caracterizou a revolução húngara de 1956. (…)”
Developments and Tactics of the Spartacist League
Resoluções Adotadas na Segunda Conferência Nacional, 30 de agosto a 1 de setembro de 1969
Reimpresso no Boletim Marxista número 9
“A URSS e os Estados operários deformados devem receber defesa militar incondicional pela classe trabalhadora contra o imperialismo ou contrarrevoluções nativas. Ao mesmo tempo, entretanto, nós nos posicionamos em oposição a tentativas da burocracia soviética de defender os seus próprios interesses estreitos através de tais táticas como a invasão da Tchecoslováquia em 1968 e a supressão dos sovietes húngaros pelos tanques russos em 1956. Nos Estados operários degenerados e deformados nós lutamos por partidos trotskistas para liderar o proletariado na luta pela democracia soviética através da derrubada desses burocratas anti-proletários.”
Defend the Russian Revolution, publicado pela Liga Trotskista (seção canadense da Tendência Espartaquista Internacional), extraído de Spartacist Canada número 21, página 12, novembro de 1977.
O terceiro que está aqui traduzido do espanhol foi, há menos de seis meses (!), circulado internamente por nossa tendência dentro do Coletivo Lenin, já que dizia respeito ao fato de Fidel Castro, que era defendido pelo SU, ter apoiado a invasão soviética. Também na “Primavera de Praga”, o SU apoiou sem críticas a ala da burocracia stalinista, que queria construir um “socialismo menos repressivo” em um só país.
“Ainda que sob uma pressão considerável por parte do colosso imperialista ianque do norte (…) os cubanos aparentemente decidiram ‘melhorar’ suas relações com Moscou em troca de um incremento na ajuda militar e econômica. Assim, quando em 23 de agosto de 1968 os tanques soviéticos entraram em Praga, Castro fez um importante discurso radiofônico para apoiar a invasão do Kremlin à Tchecoslováquia. Seu discurso foi uma ducha fria para muitos castristas latinoamericanos e deve ter remexido ainda ao SU. Mas tanto haviam se acostumado estes ex-trotskistas a desculpar o indesculpável, que Joe Hansen escreveu um grande artigo (…) no qual ‘lamenta’ de passagem que Castro não tenha visto a invasão tcheca como um dos piores crimes do Kremlin…”.
Lugarteniente del Kremlin en Africa: Cuba exporta la traición estalinista
Spartacist em espanhol número 7, junho de 1979
Essa questão também foi apontada por nós em nossa luta interna, quando deixamos claro que a Liga Espartaquista foi contra a invasão das tropas do Pacto de Varsóvia à Tchecoslováquia. Apesar disso, o Coletivo Lenin publica essa falsa acusação sem a menor base documental, com o objetivo claro de desmoralizar uma corrente revolucionária que combateu o pablismo. Foi somente quando estava se tornando uma corrente degenerada política e organizativamente que a Liga Espartaquista começou a ter ilusões e a elogiar o papel da burocracia stalinista. Na Carta de ruptura do Coletivo Lenin com a IBT (escrita em dezembro de 2010), quando o grupo ainda defendia uma perspectiva revolucionária, ele colocou a questão da maneira correta:
“Vimos que a SL havia assumido uma série de posições estranhas a partir de fins dos anos 1970. Em 1979, paralelamente à posição correta de defender a aliança tática com o Exército Vermelho contra os fundamentalistas islâmicos apoiados pela CIA, eles também levantaram a palavra de ordem acrítica de ‘Viva o Exército Vermelho no Afeganistão!’, quando da ocupação do país. Outras adaptações pró-stalinistas muito semelhantes se seguiram a essa, com a organização de uma coluna em um ato nomeada ‘Brigada Yuri Andropov’, em homenagem ao líder da URSS na época e a resposta às críticas com a publicação de um poema em sua homenagem na primeira página de seu jornal, quando da morte do burocrata.”
Isso é bem diferente de ter publicação insuficiente e não responder a todos os fenômenos da luta de classes, o que é infelizmente natural para um grupo pequeno. A mesma coisa aconteceu com o Coletivo na ocasião das provocações militares da Coréia do Sul contra o Estado operário deformado da Coréia do Norte no fim de 2010. O Coletivo Lenin, que então dizia inequivocamente que o país era um Estado operário deformado, teve a posição pública de defender militarmente a Coréia do Norte, mas não publicou nenhum texto sobre o assunto. Será que isso nos permitiria dizer que o Coletivo Lenin “não condenou” a provocação? Obviamente não.
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Se em alguns momentos o atual líder do Coletivo Lenin realizou enganações conscientes em sua narrativa sobre a história do trotskismo, em outros pontos ele está simplesmente expressando sua própria ignorância em muitas questões. No entanto, falta de familiaridade com certas questões nunca o inibiram de proclamar a si próprio uma autoridade no assunto. O papel de Cannon na reunificação do SWP com os pablistas não foi central. Desde a época após o racha com os pablistas em 1953, Cannon, já um senhor idoso, havia se recolhido para cuidar da saúde na Califórnia. Ele prestou apoio à reunificação (uma parte da sua trajetória que nós não reivindicamos), mas não foi o seu artífice como o comentário do Coletivo Lenin poderia deixar a entender ao dizer que ele “continuou lutando pela reunificação entre todas as correntes revolucionárias (sic)”.
Também falsa, entretanto, é a afirmação segundo a qual “Dentro do SU, ele [Cannon] combateu, junto com Moreno, a política de luta armada imediata na América Latina… Infelizmente, mesmo a posição sobre a luta armada estando certa, tanto o SWP quanto o PST de Nahuel Moreno fizeram as críticas a partir de um ponto de vista muito próximo do social-pacifismo”. Cannon nunca chegou a participar das disputas internas do SU, quando a ala à direita de Joseph Hansen e Nahuel Moreno decidiu romper com as concepções guerrilheiras que haviam adotado ao capitular ao castrismo. Nessa época, o veterano trotskista já tinha a saúde muito debilitada, vindo a falecer pouco depois, em 1974, aos 84 anos. Cannon estava nessa época longe de contato com o centro do partido havia muitos anos e de acordo com relatos, lhe desagradava o rumo político que estava tomando o partido que ele havia fundado.
O legado de Cannon ao romper com a Internacional Comunista em 1928 segue como um exemplo para todos os revolucionários que colocam os princípios e as intenções revolucionárias acima dos interesses pessoais ou privilégios. É também um exemplo de que a perspectiva revolucionária está amplamente ligada a dizer a verdade à classe trabalhadora para livrá-la das concepções burguesas ou “realistas”. A tradução para o português que realizamos da carta de Cannon que intitulamos James Cannon Sobre sua “Poltrona de Couro” (citada na postagem de Nova Dialética) buscou despertar o espírito crítico e corajoso de Cannon nos revolucionários dispersos pelo mundo.
Esse sentimento se encontra não apenas no rompimento de Cannon com a Terceira Internacional stalinista, como também na sua coragem para encabeçar uma ruptura do movimento por ele fundado em colaboração com Trotsky, em nome da defesa de um projeto revolucionário contra o revisionismo. Essa luta contra o pablismo e a coragem necessária para tanto estão atualmente ausentes na prática e nas palavras do Coletivo Lenin. Essa postura impede que esse grupo possa contribuir positivamente para reconstrução revolucionária da Quarta Internacional.