Documento Principal da Tendência Revisionista do Coletivo Lenin

Originalmente publicado como um documento de discussão interna de Paulo Araújo e posteriormente aprovado (com pequenas ressalvas) pela maioria do Coletivo Lenin, este texto é a base de suas futuras posições políticas degeneradas. Nossa tendência, enquanto éramos parte do Coletivo, assim como o Reagrupamento Revolucionário, rejeita as suas principais premissas teóricas e conclusões políticas. 

Documento de discussão interna
08 de Março de 2011
Paulo Araújo

A TEORIA DA DECADÊNCIA E A CRISE DA TERCEIRA E DA QUARTA INTERNACIONAIS


I. A teoria leninista da revolução europeia

A premissa econômica da revolução proletária já alcançou há muito o ponto mais elevado que possa ser atingido sob o capitalismo. As forças produtivas da humanidade deixaram de crescer. As novas invenções e os novos progressos técnicos não conduzem mais a um crescimento da riqueza material.
                                                                                   (Programa de transição)

            Trotsky não era um presepeiro que quisesse usar essas formulações somente com o propósito de chocar. Toda a concepção da revolução mundial que foi defendida pela Internacional Comunista está por trás dessa frase.
            Ao estudar a crise que destruiu a Quarta Internacional, a maioria das correntes estuda todo um longo período, de 1951 até hoje, onde houve as rupturas. Mas a Quarta Internacional surgiu apenas dezenove anos depois da fundação da Terceira – aliás, a IC passou para as mãos da burocracia stalinista cerca de seis anos após a sua fundação! – e é muito melhor e metodologicamente mais certo estudar todo o período de 1919 a 1938 como se fosse um só. Afinal, do ponto de vista da história, dezenove anos são muito pouco. Se, como temos dito desde 2007, o pablismo não surgiu do nada, e que a sua base foram as avaliações erradas de Trotsky, não só sobre a sobrevivênvia do stalinismo mas, principalmente, sobre a perspectiva do capitalismo, já que ele pensava que o sistema estava em sua “agonia mortal” (o nome do programa de transição é A agonia mortal do capitalismo e as tarefas da Quarta Internacional), isso significa que muitos dos elementos que levaram a Quarta Internacional à crise já existiam na Terceira.
            Queremos analisar aqui o que o leninismo-trotskismo deve a essa concepção da decadência do capitalismo, e como isso afeta a nossa concepção de partido. E qual é a nova estratégia que surge de mudarmos esses fundamentos, e substituí-los por uma teoria mais exata e científica da evolução do sistema.
            Na primeira parte do artigo, seguiremos muitas das análises do (então) comunista espanhol Fernando Claudin, em sua obra A Crise do Movimento Comunista, obviamente sem concordar com todas as conclusões a que ele chegou.

I. 1 A importância do quadro geral de “capitalismo agonizante”

            Simplesmente é impossível entender as tarefas a que a IC se propôs sem entender a visão geral que a sua direção tinha sobre o ritmo da revolução mundial.
            Poderíamos ficar citando aqui milhões de relatórios e documentos mas, para nós, o principal se resume a duas coisas, que determinariam a iminência da revolução na Europa e que, por isso, mudariam toda a forma de construção e funcionamento da IC:
            a) em primeiro lugar, a IC acreditava que o capitalismo estava em sua agonia final e que, para o tiro de misericórdia ser dado, não precisaria esperar por mais nenhum desenvolvimento econômico, era somente questão de arrancar os trabalhadores da influência do oportunismo:

De tudo o que dissemos sobre a essência econômica do- imperialismo deduz-se que se deve qualificá-lo de capitalismo de transição ou, mais propriamente, de capitalismo agonizante. (…) Quando uma grande empresa se transforma em empresa gigante e organiza sistematicamente (…), quando a distribuição desses produtos se efetua segundo um plano único a dezenas e centenas de milhões de consumidores (…) percebe-se que as relações de economia e de propriedade privadas constituem um invólucro que não corresponde já ao conteúdo, que esse invólucro deve inevitavelmente decompor-se se a sua supressão for adiada artificialmente, que pode permanecer em estado de decomposição durante um período relativamente longo (no pior dos casos, se a cura do tumor oportunista se prolongar demasiado), mas que, de qualquer modo, será inelutavelmente suprimida.(Imperialismo, etapa superior do capitalismo)

            Plataforma da Internacional Comunista, 1° Congresso:

Uma nova época nasceu. Época de desagregação do capitalismo, de sua derrocada interior. Época da revolução comunista do proletariado.
O sistema imperialista desaba. Problemas nas colônias, fermentação entre as pequenas nacionalidades até o momento privadas de independência revoltas do proletariado, revoluções proletárias vitoriosas em vários países, decomposição dos exércitos imperialistas, incapacidade absoluta das classes dirigentes de conduzir doravante os destinos dos povos – tal é o quadro da situação atual no mundo inteiro.
A humanidade, cuja cultura foi totalmente devastada, está ameaçada de destruição. Apenas uma força é capaz de salvá-la, e esta força é o proletariado. A antiga “ordem capitalista” morreu. Não pode mais existir. O resultado final dos processos capitalistas de produção é o caos, – e este caos só pode ser vencido pela maior classe produtora, a classe operária. Ela é que deve instituir a ordem verdadeira, a ordem comunista. Ela deve vencer a dominação do capital, tornar as guerras impossível, anular a fronteiras entre os países, transformar o mundo numa vasta comunidade que trabalha para si mesma, realizar a solidariedade fraternal e a libertação dos povos.

            Resolução sobre a Tática da IC, 4° Congresso:

II. O PERÍODO DA DECADÊNCIA DO CAPITALISMO

Após a análise da situação econômica e mundial, o 3º Congresso pode comprovar com absoluta precisão que o capitalismo, depois de haver realizado sua missão de desenvolver as forças produtivas, caiu em contradição irredutível não somente com as necessidades da evolução histórica atual, mas sim também com as condições mais elementares da existência humana. Esta contradição fundamental se refletiu particularmente na última guerra imperialista e foi agravada por esta guerra que comoveu, de modo mais profundo, o regime de produção e de circulação. O capitalismo, que desse modo sobreviveu em si mesmo, entrou em uma fase em que a ação destruidora de suas forças desencadearam a ruína e a perda das conquistas econômicas criadoras e realizadas pelo proletariado em meio as cadeias da escravidão capitalista.
O quadro geral da ruína da economia capitalista não é atenuado em absoluto pelas flutuações inevitáveis próprias do sistema capitalista, tanto em sua decadência como em sua ascensão. As tentativas realizadas pelos economistas nacionais burgueses e sociais democráticos por apresentar um melhoramento verificado na segunda metade de 1921 nos EUA e em menor medida no Japão e Inglaterra, em parte também na França e outros países, como um indício do restabelecimento do equilíbrio capitalista se baseia na vontade de alterar os feitos e na falta de perspicácia dos lacaios do capital. O 3º Congresso, bem antes do começo da expansão industrial atual, havia previsto que no futuro mais ou menos próximo, com a precisão possível, como uma onda superficial sobre o fundo da destruição crescente da economia capitalista. Já é possível prever claramente que se a expansão atual da indústria não é suscetível (não pode receber modificações), a não ser em um futuro distante, restabelecendo o equilíbrio capitalista de sanar as feridas abertas provocadas pela guerra, a próxima crise cíclica, cuja ação coincidirá com a linha principal da destruição capitalista não fará se não agudizar todas as manifestações desta última, e em conseqüência, em grande medida elevará a uma situação revolucionária.
Até sua morte, o capitalismo será presa de suas flutuações cíclicas. Só a tomada do poder pelo proletariado e a revolução mundial socialista poderá salvar a humanidade desta catástrofe permanente provocada pela persistência do capitalismo moderno.
Atualmente, o capitalismo está vivendo sua agonia. Sua destruição é inevitável.

            É bom notar que essa resolução é do 4° Congresso, ou seja, depois do reconhecimento da “estabilização relativa”, no 3° Congresso. Aqui matamos todo argumento de que a IC, depois do período inicial, passou a uma estratégia baseada na hipótese de uma longa duração do capitalismo.  A estabilização era “relativa”, mas dentro de um quadro geral de colapso do sistema.
            Toda a concepção da IC estava baseada numa ideia de iminência da revolução mundial. Mesmo Rosa Luxemburgo, cuja teoria concretamente mostrava que o capitalismo ainda iria sobreviver algumas décadas, acreditava que o acirramento das suas contradições iria levar a classe operária à revolução antes do esgotamento total do sistema:

Quando mais violentamente o capital empreende a destruição de todos os estratos não-capitalistas, em casa e no mundo externo, mais ele rebaixa o padrão de vida dos trabalhadores como um todo, também maior é a mudança na história cotidiana do capital. Ele se torna uma cadeia de desastres e convulsões políticas e sociais e, sob essas condições, pontuadas por crises ou catástrofes econômicas periódicas, a acumulação não pode continuar mais.
Mas, mesmo antes que esse impasse econômico natural criado pelo próprio capital seja atingido, se torna uma necessidade para a classe operária internacional se revoltar contra o seu domínio.
(A Acumulação do Capital)

b) por isso, a revolução seria uma tarefa imediata, e toda a construção dos partidos e da IC teria que ser feita o quanto antes. No 2° Congresso:

II – Em que Deve Constituir a Preparação Imediata da Ditadura do Proletariado

5.O desenvolvimento atual do movimento comunista internacional é caracterizado pelo fato que em grande número de países capitalistas o trabalho de preparação do proletariado para o exercício da ditadura não acabou e em muitos deles sequer começou de forma sistemática. Disso não decorre que a revolução proletária seja impossível num futuro próximo; ela é, ao contrário, tudo o que há de mais possível, a situação política e econômica apresenta-se extraordinariamente rica em materiais inflamáveis e em causas suscetíveis de provocar sua agitação inopinada; um outro fator da revolução, fora do estado de preparação do proletariado, é notadamente a crise geral em que se encontram todos os partidos governantes e todos os partidos burgueses. Mas resulta do que foi dito que a tarefa atual dos Partidos Comunistas consiste em acelerar a revolução, sem todavia provocá-la artificialmente, sem haver antes uma preparação suficiente; a preparação do proletariado para a revolução deve ser intensificada pela ação. De outra parte, os casos acima assinalados na história de muitos partidos socialistas obrigam a velar para que o reconhecimento da ditadura do proletariado não seja puramente verbal.
Por essas razões, a tarefa principal do Partido Comunista, do ponto de vista do movimento proletário internacional, é, presentemente, o agrupamento de todas as forças comunistas dispersas; a formação, em cada país, de um Partido Comunista único ou o fortalecimento e renovação dos partidos já existentes a fim de decuplicar o trabalho de preparação do proletariado para a conquista do poder sob a forma da ditadura do proletariado. A ação socialista habitual dos grupos e partidos que reconhecem a ditadura do proletariado está longe de ter sofrido alguma modificação fundamental; essa renovação radical é necessária, porque nela se reconhece a ação como sendo comunista e como correspondendo às tarefas da ditadura do proletariado.

            Logicamente, existia uma pergunta que não queria calar: se a situação era essa, porque então a maioria da classe operária seguia os reformistas? Lênin respondeu a isso recolhendo citações de Engels sobre a aristocracia operária inglesa, e formulando a partir daí a concepção de que uma parte da classe trabalhadora dos países imperialistas tinha sido “comprada” com parte dos superlucros da exploração colonial. No segundo capítulo desse artigo, mostraremos como essa teoria é falsa. Por enquanto, só é preciso entender uma questão: essa parte seria grande o suficiente para impedir a revolução? 

A base econômica do oportunismo e do social-chauvinismo é a mesma: os interesses de uma ínfima camada de operários privilegiados e da pequena-burguesia, que defendem a sua situação privilegiada, o seu ‘direito’ às migalhas dos lucros obtidos pela ‘sua’ burguesia nacional com a pilhagem de outras nações, com as vantagens da sua situação de grande potência etc.
                                                                                 (O Socialismo e a Guerra)

            Claramente, portanto, Lênin achava que a grande maioria dos trabalhadores europeus via o seu nível de vida piorar, e que essa era a base material para os novos partidos comunistas. Já que a influência do oportunismo sobre esses trabalhadores era somente ideológica, pois Lênin e a IC achavam que não havia uma melhora histórica no nível de vida deles, a tarefa dos partidos comunistas seria somente “bater de frente” com os reformistas, para mostrar às massas a disposição de luta revolucionária. 

I. 2 As consequências na organização da IC: o ultimatismo e o dogmatismo

            A partir daí, a IC criou uma metodologia para separar rapidamente as alas comunistas dos partidos socialdemocratas. Isso era exatamente o contrário do que era preciso fazer, ou seja, um longo e paciente trabalho de convencimento da base dos reformistas, que ainda não viam a necessidade da revolução mundial (nenhuma situação revolucionária na França, Inglaterra, EUA e Holanda, um curto período na Itália, isolamento dos revolucionários na Espanha e Alemanha etc), que levasse à diferenciação dentro dos partidos da Segunda Internacional, e ao seu racha posterior em cima de diferenças políticas concretas.
            Essa metodologia errada tinha várias faces. A primeira era uma dogmatização da experiência bolchevique, sem levar em conta nem as experiências nem as condições sociais totalmente diferentes dos outros países. Os partidos eram convidados a copiar os russos:

Atualmente já possuímos uma experiência internacional bastante considerável, experiência que demonstra, com absoluta clareza, que alguns dos aspectos fundamentais da nossa revolução não têm apenas significado local, particularmente nacional, russo, mas revestem-se, também, de significação internacional, E não me refiro à significação internacional no sentido amplo da palavra: não são apenas alguns, mas sim todos os aspectos fundamentais – e muitos secundários – da nossa revolução que têm significado internacional quanto à influência que exercem sobre todos os países. Refiro-me ao sentido mais estrito da palavra, isto é, entendendo por significado internacional a sua transcendência mundial ou a inevitabilidade histórica de que se repita em escala universal o que aconteceu no nosso país, significado que deve ser reconhecido em alguns dos aspectos fundamentais da nossa revolução.
                                                  (Esquerdismo, doença infantil do comunismo)

            Nem é preciso falar como isso impediu o desenvolvimento de direções com teorias próprias dentro da IC (por exemplo, a direção do KPD alemão foi constantemente vista com desconfiança, por causa de sua associação com as posições de Rosa Luxemburgo).
            Além disso, a formação dos partidos se conduziu da maneira mais sectária possível, simplesmente impondo condições para rachar os partidos socialdemocratas e a central sindical reformista “na marra”, cortando assim os laços com o movimento de massas orientado ao reformismo, e permitindo que os partidos já nascessem sob o signo do aventureirismo e do dogmatismo.
            A síntese dessa metodologia são as 21 condições, formuladas de propósito para romper qualquer ligação com os reformistas e centristas. Um resumo delas:

1) toda propaganda e agitação cotidiana devem ter caráter efetivamente comunista e dirigida por comunistas;
2) toda organização desejosa de aderir à IC deve afastar de suas posições os dirigentes comprometidos com o reformismo;
3) em quase todos os países da Europa e da América, a luta de classes se mantém no período de guerra civil. Os comunistas não podem, nessas condições, se fiar na legalidade burguesa. É de seu dever criar, em todo lugar, paralelamente à organização legal, um organismo clandestino;
4) o dever de propagar as idéias comunistas implica a necessidade absoluta de conduzir uma propaganda e uma agitação sistemática e perseverante entre as tropas;
5) uma agitação racional e sistemática no campo é necessária;
6) todo partido desejoso de pertencer à IC tem por dever não só o de denunciar o social-patriotismo como o seu social-pacifismo, hipócrita e falso;
7) todos os partidos desejosos de pertencer à IC devem romper completamente com o reformismo e a política do centro. A IC exige, imperativamente e sem discussão, essa ruptura, que deve ser feita no mais breve de tempo;
8) nas colônias, os partidos devem ter uma linha de conduta particularmente clara e nítida;
9) todo partido desejoso de pertencer à IC deve realizar uma propaganda perseverante e sistemática nos sindicatos, cooperativas e outras organizações das massas operárias;
10) todo partido pertencente à IC tem o dever de combater com energia e tenacidade a Internacional do sindicatos amarelos de Amsterdã;
11) todos os partidos desejosos de pertencer à IC devem rever a composição de suas frações parlamentares;
12) os partidos pertencentes à IC devem ser construídos com base no princípio do centralismo democrático;
13) os partidos comunistas, onde são legais, devem ser depurados periodicamente para afastar os elementos pequeno-burgueses;
14) os partidos desejosos de entrar na IC devem sustentar, sem reservas, todas as repúblicas soviéticas nas suas lutas com a contra-revolução;
15) os partidos que ainda conservam os antigos programas socialdemocratas têm o dever de revê-los e, sem demora, elaborar um novo programa comunista adaptado às condições especiais de seu país e no espírito da IC;
16) todas as decisões do Congresso da IC e de seu Comitê Executivo são obrigatórias para todos os partidos filiados à IC;
17) todos os partidos aderentes à IC devem modificar o nome e se intitular “Partido Comunista”. A mudança não é simples formalidade e, sim, de uma importância política considerável, para distingui-los dos partidos socialdemocratas ou socialistas, que venderam a bandeira da classe operária;
18) todos os órgãos dirigentes e da imprensa do partido são importados do Comitê Executivo da IC;
19) todos os partidos pertencentes à IC são obrigados a se reunir, quatro meses após o II congresso da IC, para opinar sobre essas 21 condições;
20) os partidos que quiserem aderir, mas que não mudaram radicalmente a sua antiga tática, devem preliminarmente cuidar para que 2/3 dos membros de seu comitê central e das instituições centrais sejam compostos de camaradas que, antes do II Congresso, tenham se pronunciado pela adesão do partido à IC;
21) os aderentes partidários que rejeitam as condições e as teses da IC devem ser excluídos do partido. O mesmo deve se dar com os delegados ao Congresso Extraordinário

            Também é importante ver, nas 21 condições, a visão da revolução iminente mesmo nos EUA, Inglaterra e França (condições 3 e 4), e a imposição do centralismo leninista, mesmo onde não fosse necessário tal nível de centralização (em 1923, Paul Lévi foi expulso da seção alemã por criticar publicamente o partido, enquanto Kamenev e Zinoviev sequer foram sancionados pelo Partido Bolchevique por denunciarem publicamemte o planejamento da tomada do poder).
            Depois, já no 5° Congresso, controlado pela fração stalinista, houve a política da “bolchevização”, que foi a conclusão lógica de tudo, com uma depuração maior ainda das seções e a imposição, em todos os detalhes, do regime do PC russo na época (sendo que não seria aceito mesmo um regime como o do mesmíssimo partido antes de 1921, quando se proibiram as frações).
            Os partidos socialdemocratas eram encarados como inimigos, como se vê ainda no 1° Congresso:

        II – RELAÇÕES COM OS PARTIDOS “SOCIALISTAS”

8 – A II Internacional se dividiu em três grupos principais: os social-patriotas declarados que, durante toda a guerra imperialista dos anos de 1914-1918, sustentaram sua própria burguesia e transformaram a classe operária em carrasco da revolução internacional; o “centro” cujo dirigente teórico atualmente é Kautsky, que representa uma organização de elementos constantemente oscilantes, incapazes de seguir uma linha determinada, constituindo-se, muitas vezes em verdadeiros traidores; e, enfim, a ala esquerda revolucionária.
9 – Com relação aos social-patriotas que, por toda parte, nos momentos críticos, se recusaram a pegar em armas para a revolução proletária, só a luta implacável é possível. Com relação ao “centro” – a tática de esgotamento dos elementos revolucionários, crítica implacável e desmascaramento dos chefes. Em certa etapa do desenvolvimento, a separação organizativa dos elementos do centro é absolutamente necessária.

            Ainda, na “Resolução sobre a posição em relação às correntes socialistas e à Conferência de Berna”:

A conferência socialista de Berna, em fevereiro de 1919, foi uma tentativa de galvanizar o que restava da Segunda Internacional.
A composição da Conferência de Berna demonstrou que o proletariado revolucionário de todo o mundo nada tem em comum com esta conferência.
O proletariado vitorioso da Rússia, o proletariado heróico da Alemanha, o proletariado italiano, o partido comunista do proletariado austríaco e húngaro, o proletariado suíço, a classe operária da Bulgária, Romênia, Sérvia, os partidos operários de esquerda suecos, noruegueses, finlandeses, o proletariado ucraniano, letão, polonês, a Juventude Internacional, a Internacional de Mulheres, recusaram-se ostensivamente a participar da Conferência de Berna dos social-patriotas (= as seções da IC!).

            Não é por acaso que quando, no 3° Congresso, se votou a política de frente única operária, houve a oposição dos comunistas de esquerda (KAPD alemão, Grupo Tribuna holandês e a corrente de Amedeo Bordiga na Itália), insistindo que não era possível nenhuma colaboração com tamanhos traidores, num momento em que o capitalismo estava às vésperas da morte. A posição dos esquerdistas, portanto, era coerente com a análise feita pela IC, o que também significava que era ainda mais fora da realidade, já que os dirigentes da Internacional pelo menos tentavam conciliar essa análise errada com a necessidade de “recuos”, como a frente única (que também era entendida sectariamente, como um expediente para denunciar a Segunda Internacional, e não também como um instrumento real para a luta pelas reivindicações).
            A partir daí, foi votada imediatamente a retirada da Conferência de Zimmerwald (que agrupava todos os socialistas que tinham sido contra a guerra) e a formação imediata da IC, com 5 corretas abstenções (a seção alemã).

            I. 3 Resumindo

            Existem muitos temas ainda que deveriam ser discutidos num balanço da IC, como a identificação entre ditadura do proletariado e ditadura do partido (principalmente em Esquerdismo, de Lênin, mas recorrente em toda a prática bolchevique nos sovietes), a posição mechevique da IC nos países coloniais, expressa na política de alianças com a burguesia nacional (que foi criticada por Trotsky a partir de 1927, quando ele generalizou a teoria da revolução permanente), que levou aos massacres do comunistas turcos (sob o silêncio da IC) nas mãos de Mustafá Kemal em 1921, a discussão sobre a questão negra etc.
            Mas o que interessa nesse artigo é mostrar que a IC partiu, na teoria, de uma concepção segundo a qual o capitalismo estava literalmente acabando nos próximos meses, e que essa concepção levou a uma política ultimatista para a formação dos PCs, com um tipo de centralismo e uma forma de intervenção política que, no final, foi incapaz de mobilizar as massas dos países imperialistas no rumo da revolução.
            Nos próximos capítulos, mostraremos que é impossível formular uma estratégia certa para a revolução mundial sem uma análise correta da decadência do capitalismo, e que essa estratégia é bem diferente da concepção leninista-trotskista de pequeno grupo que se torna, combatendo o reformismo das direções traidoras, um partido de quadros que mobiliza as massas através de reivindicações transitórias rumo ao poder. Ao mesmo tempo, veremos como a Quarta Internacional foi destruída não pelo revisionismo pablista, mas sim pela sua incapacidade de superar a herança da estratégia leninista e sua visão sobre a revolução mundial iminente.      

II. A teoria da decadência do capitalismo

            Assim expira o mundo,
            Não com uma explosão, mas com um suspiro.

            (T. S. Eliot, Os Homens Ocos, 1925)

            Como vimos, a IC partia do pressuposto de que o capitalismo havia entrado em sua crise terminal, onde a vida dos trabalhadores só poderia piorar, e as contradições do sistema se acirravam cada vez mais, levando a guerras interimperialistas. Sobre esses pressupostos, era construída toda uma linha de criação imediata de partidos comunistas, rompendo com a socialdemocracia, com a tarefa de construir sovietes na Europa para lutar pelo poder num período de curto (semanas e meses) a médio (alguns anos) prazo.
            Então, toda a crítica das concepções da IC só pode partir de uma comparação entre as previsões que ela fez e o que realmente aconteceu com o capitalismo desde 1919. Essa comparação deve fornecer as bases para a formulação de uma teoria alternativa sobre as perspectivas do capitalismo. É o que  tentaremos fazer a partir de agora.
            Existem dezenas de teorias sobre as mudanças no capitalismo, principalmente as que aconteceram desde 1945. Enquanto elas fornecem elementos muito importantes para uma análise das formas concretas do capitalismo atual, não é necessário rever todas elas em detalhe qaui (o que, além do mais, é impossível). Para o nosso objetivo, o que interessa saber são três fatores na dinâmica do sistema em escala mundial:

            a) se o capitalismo realmente está passando por uma fase de decadência
            b) se o nível de vida da classe trabalhadora tende a piorar
            c) se as contradições do sistema tendem a se acirrar  

            Vamos ver um por um.

            II. 1 Existe mesmo um período de decadência?

            Obviamente, qualquer marxista deve saber que, se o capitalismo conseguir manter um crescimento constante, que permita mesmo uma melhora gradual do nível de vida da classe trabalhadora, não é possível falar em revolução. O capitalismo seria o sistema definitivo que poderia desenvolver as forças produtivas indefinidamente, e o socialismo poderia até mesmo ser uma ideia possível e melhor na prática, mas a estrutura das relações de classe iria impedir que houvesse interesse objetivo pela destruição do capitalismo. Ou seja, o socialismo seria apenas mais uma utopia.
            Marx e Engels levavam muito a sério essa ideia, quando disseram, em A Ideologia Alemã, que “o comunismo não é uma ideia, e sim o movimento real que supera a ordem existente”.      
            Portanto, a primeira tarefa seria descobrir se existe um período histórico no qual o capitalismo deixa de ser viável.
            Segundo Marx, na sua Introdução à Crítica da Economia Política:

No desenvolvimento das forças produtivas chega-se a um ponto em que nascem forças produtivas e meios de circulação que só podem ser nefastos no quadro das relações existentes, e que não são mais forças produtivas, e sim forças destrutivas…

            Assim, temos que saber se a realidade demonstrou a existência desses limites absolutos, onde o desenvolvimento passa a ser destrutivo para o sistema (lógico que através de provas indiretas, da mesma forma que a teoria da relatividade de Einstein foi provada com a comprovação da curvatura das ondas de luz do Sol).
            Pelo que sabemos, até agora o capitalismo não acabou mas, mesmo entre os economistas e sociólogos burgueses, se faz um contraste entre os “trinta anos gloriosos” (1945-1975), e o período posterior, onde houve uma série de fenômenos sociais, como o crescimento do setor de serviços (e até mesmo desindustrialização, em alguns casos), desemprego em massa fora dos períodos de crise, financeirização da economia, queda geral na taxa de lucro etc. Todos os dados mostram que o capitalismo está vivendo (pelo menos) uma fase de crescimetno muito mais lento, contrastado com o período anterior. Seria possível associar esses “sintomas” com uma alteração secular no capitalismo? Essa fase seria reversível, num momento futuro?
            Para citar, por exemplo, o keynesiano americano Alvin Hansen:

Particularmente significativa, mas ainda muito escassamente considerada pelos economistas, é a profunda mudança que estamos atualmente sofrendo no que se refere à taxa de expansão extensiva. É importante integrar estreitamenteo aumento da população com os outros fatores sobre os quais se baseia a expansão, incluídos a expansão territorial e o progresso tecnológico. Com efeito, dificilmente se poderá colocar em discussão o fato de que um aumento contínuo da população, à taxa experimentada no séxulo XIX, apresentaria dentro em breve problemas insolúveis. Isso, naturalmente, deve-se ao fato de que não temos mais a rápida expansão territorial extensiva por todo o mundo que tínhamos anteriormente. A coisa mais importante a notar é o declínio da expansãoextensiva, a qual implicava tanto um aumento da população quanto uma expansão territorial.
            (Política Fiscal e Ciclos Econômicos)
             
            Obviamente, as próprias condições mostradas por Hansen são praticamente irreversíveis, e portanto se trata da fase final do capitalismo, e não de algo que possa ser corrigido (lógico que, por exemplo, se houver um aumento exponencial da população, é possível uma nova fase de crescimento, mas seria ecologicamente insustentável).
            Dentro do marxismo, existem duas teorias principais que argumentam de que existem limites econômicos absolutos para a manutenção do sistema.
            A primeira delas (e a mais famosa) é a baseada na queda tendencial da taxa de lucro. Foi defendida principalmente por Henryk Grossman, em sua obra A Lei da Acumulação e o Colapso do Sistema Capitalista, de 1929. Segundo essa teoria, a queda da taxa de lucro, provocada pela diminuição constante do valor da força de trabalho (que é quem produz o lucro) em relação ao valor dos equipamentos e matérias-primas gastos na produção, terminaria destruindo qualquer incentivo para a acumulação do capital.
            Não discutiremos essa teoria aqui, não porque ela não seja importante, mas porque ela reforçaria os nossos argumentos, baseados na teoria de Rosa Luxemburgo (mesmo que numa forma modificada), como mostraremos no final do capítulo.
            É importante lembrar que o debate marxista entre declínio da taxa de lucros e esgotamento dos mercados prosseguiu após a Segunda Guerra, com nomes como Paul Mattick e Hillel Ticktin em defesa da primeira tese, e toda a corrente ao redor da Monthly Review, dos EUA, ao redor de Paul Sweezy, além de nomes como István Meszáros, François Chesnais e David Harvey na defesa da segunda, combinando-a, às vezes, com teses subconsumistas (como é o caso de Sweezy).  

            II. 1. 1 A Acumulação do Capital, segundo Rosa Luxemburgo

            A segunda teoria, que adotamos desde a fundação do CCI, é a formulada por Rosa Luxemburgo, em seu livro, de 1912, A Acumulação do Capital, e se baseia na impossibilidade de realização da mais-valia (ou seja, a transformação do trabalho excedente criado na produção em lucro real, no mercado) se o capitalismo não estiver se expandindo para outras sociedades ainda não capitalistas.
            Como também veremos a seguir, alguns críticos de Rosa, como Paul Sweezy e Ernest Mandel, também usam argumentos semelhantes ao dela.  
            Rosa Luxemburgo tem sido chamada de “subconsumista” pelos seus críticos, dentro e fora do marxismo. Na verdade, ela defendeu posições subconsumistas (por exemplo, não acreditava no aumento relativo dos salários da classe trabalhadora no regime capitalista, e baseou grande parte da sua crítica ao Livro 2 do Capital nessa tese), mas elas não comprometem o fundamental do seu argumento.
            E o fundamental é o seguinte: o produto (o total das mercadorias produzidas) da sociedade pode ser dividido (fisicamente e em valor) em

            C + V + M

            onde C é o capital constante (gastos com equipamentos e matérias-primas), V é o capital variável (gasto em salários) e M a mais-valia (as mercadorias que os trabalhadores produziram acima do necessário para trocar pelas bens que podem comprar com o salário).
            Obviamente, os trabalhadores só podem comprar o valor igual ao que recebem em salários. Os capitalistas, se comprassem em bens de consumo toda a mais-valia, iriam absorver ela toda, mas não haveria investimentos para fazer o capitalismo crescer.
            Então, todo o investimento deve ser comprado por alguém que não seja nem os capitalistas nem os trabalhadores (nem, por exemplo, os funcionários públicos e militares, que são pagos por impostos extraídos dos salários e do lucro – a nossa definição sobre quais são os componentes da classe trabalhadora, e quais formam as camadas médias urbanas está no artigo do CCI, Quem é a classe trabalhadora?). Ele deve comprado por mais alguém que, no caso, não pode estar dentro das relações capitalista de produção. 
            Rosa viu esse “mais alguém” nos camponeses, que formavam a grande maioria da população mundial em sua época. Ela via o capitalismo se expandindo ao absorver as sociedades camponesas, que começavam sendo os compradores de mercadorias produzidas nos países capitalistas, e depois se tornavam trabalhadores assalariados, quando a produção capitalista dominava os seus países.
            Para Rosa, quando acabassem as sociedades não-capitalistas, o sistema entraria em colapso. Na verdade, pelos mesmo argumentos de Rosa, ele poderia sobreviver, mas crescendo apenas de acordo com o aumento da população – o que, para o capitalismo, seria uma catástrofe.           
            A grande maioria dos países do  mundo se tornou predominantemente capitalista durante o período entre 1945 e 1991 (no casos dos antigos países governados pela burocracia stalinista) e, como diria Carmem Miranda, “o mundo não se acabou”. De acordo com as previsões de Rosa, isso tornaria impossível vender as mercadorias que materializassem a mais-valia, levando a um colapso da taxa de lucro (mas, como vimos antes, ela achava que o capitalismo acabaria muito antes disso, por causa do acirramento das suas contradições).
            Porque isso não aconteceu?
           
            II. 2 Acirramento ou deslocamento das contradições?

            Rosa chegou perto da resposta, no último capítulo de seu livro, quando analisa o papel da produção bélica como campo de realização da mais-valia. Seria cansativo repisar o tema aqui, mas o importante é que a produção de armas serve para absorver uma parte dos investimentos, sem necessidade de ampliação do mercado, pois o consumidor é o próprio Estado.
            A realidade mostrou, e isso é reconhecido até pelos economistas burgueses keynesianos, que a dificuldade de realização da mais-valia levou à criação de vários mercados para escoar a produção, como a produção bélica e os gastos estatais em geral, o setor de serviços (que absorve as mercadorias sem produzir) e os mercados financeiros.
            A tese de Keynes cabe como uma luva nas formulações de Kautsky sobre a “depressão crônica”, que ligam explicitamente o problema à questão dos mercados:

Conforme a nossa teoria, esse desenvolvimento é uma necessidade que se confirma pelo simples fato de que o modo de produção capitalista tem os seus limites, que não pode ultrapassar. Deve chegar uma época, e talvez essa época se encontre muito próxima, a partir da qual se torne impossível o mercado mundial, mesmo que só transitoriamente, se expansa mais rapidamente que as forças produtivas sociais, com o que, em todas as nações industriais, a superprodução se torna crônica.  
(Teorias das Crises)

            Por outro lado, Sweezy, em sua Teoria do Desenvolvimento Capitalista, mesmo criticando a teoria de Rosa, mantém que, por causa do subconsumo em relação à produção, o capitalismo tende para a depressão crônica, e que o excedente (a mais-valia na teoria de Rosa) deve ser absorvido para evitá-la. Depois, em Capitalismo Monopolista, ele mostra como o excedente é absorvido no caso dos EUA. 
            Ou seja, no capitalismo do pós-Segunda Guerra, diferente do que Rosa pensava, a maior parte da mais-valia que não poderia ser investida na produção foi consumida improdutivamente, seja pelo Estado, seja transformada em capital fictício nos mercados financeiros (as ações significam apenas direitos de propriedade sobre as empresas, e a valorização delas é paga com parte dos lucros), seja colocada no setor de serviços (onde muitas empresas – por exemplo, lojas de shopping center, call centers, salões de beleza etc – não produzem nenhuma mercadoria, e o lucro delas é tirado do salário dos trabalhadores) ou em patentes (também são direitos de propriedades que aumentam o preço real das mercadorias. Esse consumo improdutivo é que impediu a ocorrência do desemprego em proporções ainda maiores, e manteve a taxa de lucro num nível aceitável.
            Além disso, dentro da própria produção, existe uma mistura entre trabalho produtivo e improdutivo. Por exemplo, os custos de marketing levam as mercadorias a serem produzidas com o uso de parte do trabalho somente para diferenciar um produto da outra (caso dos modelos de carros), algumas mercadorias são produzidas propositalmente para terem curta duração (isso é chamado pelo marxista húngaro István Meszáros de obsolescência planejada), entre outros fenômenos. Tudo isso torna ainda mais difícil determinar o quanto dos lucros é realmente usado na acumulação real. 
            Ou seja, as contradições do capitalismo não se acirraram nos países imperialistas (e mesmo em muitos dependentes), mas sim foram deslocadas, e parcialmente exportadas para os países semicoloniais. Isso é um dos grandes fatores que permitiram a estabilidade do capitalismo desde 1945, e impediram o surgimento de situações revolucionárias nos países imperialistas.
            Diante do crescimento do setor de serviços, alguns economistas e sociólogos burgueses, com Daniel Bell, Domenico de Masi e John Kenneth Galbraith, argumentraram que ele expressaa transformação do capitalismo numa sociedade “pós-industrial”, onde a indústria começou a perder o peso porque a grande maioria das necessidades materiais já foi satisfeita, e que o setor de serviços existe para suprir as necessidades sociais das pessoas.
            Em resposta a essa concepção apologética, lembramos que
            a) grande parte do setor de serviços é simplesmente parasitário (publicidade, gastos comerciais, despesas estatais e administrativas, mercado de luxo etc), representado um escoadouro inútil da mais-valia;
            b) o desenvolvimento desigual do capitalismo faz com que, mesmo nos países em que o setor de serviços se tornou maior que a produção industrial, isso acontece antes que as necessidades materiais dos trabalhadores tenham sido satisfeitas. No Brasil hoje, por exemplo, com 60% da população empregada no setor de serviços, uma parte significativa da população não tem saneamento básico, ruas asfaltadas etc;
            c) principalmente, como a economia continua capitalista, o crescimento do setor de serviços “suga” parte dos lucros gerados na produção (já que ele não cria mercadorias para incorporar o lucro, e os serviços são pagos com parte dos salários e lucros), fazendo com que a acumulação do capital (mesmo o investido em serviços) diminua, sendo que isso é tanto pior quanto mais o setor cresce.
            É logico é que o resultado, a longo prazo, dessas formas de deslocamento das contradições, já que a produtividade da indústria continua a crescer, é que as condições sociais são pioradas progressivamente com a desindustrialização, e que é preciso recorrer cada vez mais ao consumo improdutivo para manter o capitalismo. Pelo que sabemos, o primeiro autor que combinou a teoria de Rosa com a teoria sobre a generalização do trabalho improdutivo e a queda da taxa de lucro foi o alemão Robert Kurz, em seu artigo A Ascensão do Dinheiro aos Céus.
            É uma morte lenta e indolor.

            II.3 A situação dos trabalhadores vai piorar cada vez mais? ou Decadência e luta de classes

            Essa morte lenta seria sentida de imediato se fosse acompanhada de uma súbita queda do nível de vida da classe trabalhadora. E, talvez essa seja a “variável” mais importante a examinar se a gente quiser determinar as perspectivas para a revolução social. Ou seja, a clássica questão: o marxismo fala em pauperização absoluta ou relativa da classe trabalhadora?
            Trotsky não tinha dúvidas. Em seu artigo Os Noventa Anos do Manifesto Comunista, ele diz:

Atacaram violentamente a proposição do Manifesto referente à tendência do capitalismo baixar o nível de vida dos trabalhadores, e ainda reduzir-los à pobreza. Padres, professores, ministros, jornalistas, teóricos socialdemocratas e dirigentes sindicais saíram a enfrentar a chamada “teoria da pauperização”. Invariavelmente, encontravam sinais de crescente prosperidade entre os trabalhadores, faznedo a situação da aristocracia operária passar como a de todo o proletariado, ou tomando como perdurável alguma tendência momentânea. Enquanto isso, até o desenvolvimento do capitalismo mais poderoso do mundo, o dos EUA, converteu milhões de trabalhadores em mendigo mantidos às expensas da caridade federal, municipal ou privada.

            Como vimos, a IC. mesmo rejeitando a pauperização absoluta para o período anterior à Primeira Guerra Mundial, acreditava que a crise terminal do capitalismo a impunha.
            Pois bem, Mandel provou em A Formação do Pensamento Econômico de Karl Marx, que não existe uma só passagem da obra de Marx que defenda a tese da pauperização absoluta (ou seja, que os salários reais dos trabalhadores diminuem cada vez mais no capitalismo), embora o Manifesto Comunista tenha algumas formulações ambíguas, que são rechaçadas na seção VI do Livro I do Capital, sobre os salários. Pelo contrário, Marx polemizou longamente, como na obra Salário, Preço e Lucro, contra as teses do socialista alemão Ferdinand Lassale, que defendia que as greves são inúteis porque o nível de vida dos trabalhadores não pode melhorar no capitalismo.
            Mesmo nos países semicoloniais, é óbvio que os trabalhadores têm acesso a bens que não podiam consumir (ou que não existiam) no tempo de Trotsky. Isso é fácil de entender: com o aumento da produtividade, o valor (medido em tempo de trabalho) dos salários dos trabalhadores representa uma quantidade cada vez maior de mercadorias. Por isso, mesmo na favela as pessoas têm Internet, a mortalidade infantil diminuiu em praticamente todos os países, as possibilidades de alimentação melhoraram historicamente (mesmo que as crises possam reverter – em parte – isso), a alfabetização aumentou no mundo inteiro etc.
            Portanto, o nível de vida dos trabalhadores dos países imperialistas é mais alto em consequência da maior produtividade do trabalho, e não porque eles são pagos com “migalhas” da exploração imperialista. Aliás, a teoria impressionista de Lênin sobre a aristocracia operária é antimarxista, por imaginar que uma parte da classe trabalhadora em vez de ser explorada., ainda ganhe uma parte dos lucros.
            Estudos, como o da marxista americana Shane Mage e do canadense Murray Smith, entre outros, provam que houve manutenção ou ligeira diminuição da parte do Produto Interno Bruto dos seus respectivos países que corresponde aos salários (ou seja, houve uma leve pauperização relativa) desde a Segunda Guerra. Além disso, o neoliberalismo levou, desde a década de 1980, a uma piora no nível de vida da classe trabalhadora no mundo todo. Mas, mesmo assim, a realidade está muito longe das perspectivas catastrofistas imaginadas pela IC.
            Isso não quer dizer que a decadência não afeta a vida da classe operária e a suas condições de luta de classes. O grande ataque às condições de vida na classe trabalhadora nos últimos trinta anos, sob o neoliberalismo,não teve somente uma base ideológica (o discurso de “fim do socialismo” após a destruição da URSS), e sim também um fundamento material: com a revolução tecnológica na informática, nas comunicações e nos transportes, que começou na década de 1960, mas só se generalizou no final dos anos 1970, foi possível às empresas reduzirem o tamanho das suas plantas industriais, integrando elas através dos novos meios de comunicações e transportes.
            Isso levou à destruição do “operário-massa” que existia nas fábricas gigantes, à transferência das empresas para países sem tradição sindical, e a um controle maior da produção pelas gerências e chefias, além da tercerização generalizada, através da integração entre as empresas no mesmo processo de produção. Todas essas condições tornam mais difícil a organização sindical, e permitem à burguesia a série de ataques aos trabalhadores, ainda mais numa condição de deslocamento das contradições do capitalismo para setores onde émuito mais difícil organizar a luta de classes (capital financeiro, produção bélica, comércio e serviços pessoais, trabalho informal, doméstico etc).
            Aliás, Rosa Luxemburgo previu genialmente as consequências da exaustão dos mercados do mundo sobre a luta de classes, em Reforma ou Revolução?

Quando o desenvolvimento da indústria atingir o seu apogeu e o mercado mundial iniciar a fase descedente, a luta sindical tornar-se-á difícil: 1º, porque as conjunturas objectivas do mercado serão desfavoráveis à força do trabalho, a procura da força de trabalho aumentará mais lentamente e a oferta mais ràpidamente, o que não é o caso actual; 2º, porque o próprio capital para se compensar das perdas sofridas no mercado mundial, se esforçará por reduzir a parte do produto pertencente aos operários. A redução dos salários não é, em resumo, segundo Marx, um dos principais meios de travar a baixa das taxas de lucro? (ver Marx, Capital, livro III, cap. XIV, 2, Tomo X, p, 162). A Inglaterra oferece-nos o exemplo do princípio do segundo estádio do movimento sindical. Nessa fase, a luta reduz-se necessàriamente e cada vez mais à simples defesa dos direitos adquiridos e mesmo isso é cada vez mais difícil. Esta é a tendência geral da evolução cuja contrapartida deve ser o desenvolvimento da luta de classe política e social.

Depois disso, não cabem mais comentários… 

          II. 4 Crises

            O marxista alemão Fritz Steinberg provou que as crises da primeira metade do século XIX foram tão graves porque combinavam as características de crise capitalista com o efeito, ainda em curso, da proletarização do campesinato. Foi o caso na maioria dos países semicoloniais até a década de 1980. Depois dessa fase inicial, as crises capitalistas tendem a se estabilizar em efeitos mais “suaves”.
            Como as crises econômicas, tipicamente, reduzem a produção e os salários em 8 a 12%, é muito difícil que uma crise, sozinha, ou seja, sem estar combinada com outros fatores políticos ou sociais (guerras e catástrofes ecológicas de larga escala, situações raciais ou nacionais explosivas etc), consiga gerar uma situação revolucionária nos países centrais.
            Por tudo isso, devemos ter em mente, ao analisar as mudanças no programa comunista geradas pelo curso do capitalismo, que foi diferente do previsto pela IC, que o capitalismo não é tão frágil como foi imaginado, e que a sua longa decadência progride piorando num rito muito lento, não as condições de vida da classe operária, mas as condições sociais mais gerais, o que dificulta uma ação organizada de combate.
            Mesmo assim, os fatos mostram que existe realmente uma incapacidade crescente de funcionamento do sistema, que podemos associar com o fim do crescimento extensivo dos mercados, que havia marcado o capitalismo até a década de 1970. A teoria da queda tendencial da taxa de lucro mostra não só a própria existência de uma acumulação cada vez mais lenta, como também que esse processo não é explosivo, e que não depende de uma queda absoluta dos salários (pelo contrário, se houvesse aumento dos salários, a taxa de lucro cairia ainda mais rápido).
            A teoria de Rosa Luxemburgo fornece uma explicação para o processo, e a corrente keynesiana faz uma análise que tem vários pontos de contato com ela, além de colocar o consumo improdutivo e desvio da acumulação real como o recurso para a manutenção do sistema, o que não pode ser feito pela teoria da queda da taxa de lucro.  
            É importante deixar bem claro que entendemos decadência como um período histórico em que o capitalismo destroi lentamente as suas próprias bases materiais (diminuindo o trabalho assalariado, desindustrializando a economia, jogando grande parte da mais-valia no consumo improdutivo, criando desemprego permanente etc).
            Assim, somente no período de decadência é viável substituir, em escala mundial, o capitalismo pelo socialismo, porque a decadência permite a “quebra” do capitalismo (não pelas crises cíclicas, que são um mecanismo interno do sistema, mas sim pela combinação delas com outras circunstâncias sociais, como guerras, a destruição de setores precapitalistas na economia, estagnação econômica provocada pelo imperialismo etc) em países localizados, e a produção pode ser revolucionada de uma forma em que possa competir com o capitalismo (claro que isso nos países imperialistas, no caso da URSS não havia base material para superar o capitalismo e, portanto, a revolução russa não poderia avançar até o socialismo sem a ajuda de outras revoluções na Europa, como Trotsky demonstrou).
            É ainda mais importante dizer isso porque nós, desde o tempo do CCI, temos insistido erradamente em generalizar certos elementos reais de retrocesso (extermínio da população excedente por epidemias e drogas, relações de produção atrasadas que voltam a existir, como a escravidão etc) como a perspectiva para toda a sociedade no período de decadência. Essas formas de retrocesso são reais, e são frutos da decadência, mas são elementos marginais do processo, que continua sendo dominado pelas mudanças que acontecem na produção industrial.
           
III. A teoria da decadência e o racha na Quarta Internacional

            A Quarta Internacional, quando rachou em 1952-1953, não foi por motivos diretamente relacionados com o tema que estamos analisando. O que aconteceu foi a controvérsia do pablismo, ou seja, qual deveria ser a política da IV diante da expansão do stalinismo e da expropriação da burguesia na Europa Oriental. Não cabe aqui falar sobre essa difícil questão. O que é importante é que a discussão sobre a perspectiva do capitalismo foi mais “lenha na fogueira” do debate, e que quase todas as correntes trotskistas instintivamente voltaram a discutir a teoria da decadência, como parte da avaliação das diferenças entre elas.
            Portanto, aqui, o nosso objetivo não é explicar a destruição da IV Internacional, e sim mostrar como cada uma das suas correntes principais se posicionou diante das mudanças no capitalismo, que desmentiram todas as previsões de Lênin e Trotsky. Na seção seguinte, vamos discutir mais a fundo as consequências programáticas do reconhecimento dessas mudanças.
            Estamos estudando o caso do trotskismo porque, fora dele (e de pequenos grupos vindos do bordiguismo), o stalinismo destruiu a reflexão marxista sobre o capitalismo. Os partidos stalinistas se dividiram entre os partidos de massa reformistas, que várias vezes combinavam o marxismo e o keynesianismo dentro de um programa de reformas estruturais (sendo que a escola da regulação, de Michel Aglietta e Robert Boyer, foi uma expressão teórica dessa adaptação ao capitalismo, depois da crise do keynesianismo), e os grupelhos sectários maoístas e “marxistas-leninistas”, que apenas reciclaram o catastrofismo da IC. 

            III. 1 O SU e o neocapitalismo/capitalismo tardio

            A corrente que dirigiu o Secretariado Internacional após o racha, e que depois formou o Secretariado Unificado (SU) contava com Ernest Mandel, que se tornou, com o tempo, um respeitado economista. As posições do SU se identificaram com as de Mandel, a tal ponto que a corrente é chamada por muitos, hoje em dia, como mandelista.
            As obras mais importantes de Mandel, o Tratado de Economia Marxista e Capitalismo Tardio, foram escritas a pedidos da direção do SWP americano, para analisar as transformações sofridas no sistema desde a Segunda Guerra.  Além do SU, o SWP americano (que hoje formou outra corrente internacional) e a já extinta corrente dirigida por Michel Pablo (que fundiu com o SU em 1995) também defendem essa teoria. Os morenistas também, mas a tentativa de fusão com a corrente lambertista, em 1980, os fez aceitar a concepção da OCI.
            As posições de Mandel podem se resumir assim:

Nós definiremos o neocapitalismo como o último estágio no desenvolvimento do capitalismo monopolista, em que uma combinação de fatores – inovação tecnológica acelerada, economia de guerra permanente, expansão da revolução colonial – transferiram a fonte principal de lucros monopolistas dos países coloniais para os próprios países imperialistas, e fizeram as corporações gigantes mais independentes e mais vulneráveis.
Mais independentes, porque a enorme acumulação de superlucros monopolistas permite a essas corporações, através de mecanismos de investimentos por preços e autofinanciamento, e com a ajuda da manipulação dos custos de venda, distribuição e despesas de pesquisa e desenvolvimento, se libertarem do controle estrito pelosbancos e pelo capital financeiro, que caracterizava os monopólios da épocadeLênin e Hilferding. Mais vulneráveis, porque o encurtamento do ciclo do capital fixo, o fenômeno crescente da capacidade ociosa, o declínio relativo dos consumidores em meios não-capitalistas e, não menos importante, o desafiocrescente das forças não-capitalistas no mundo (os assim chamados países socialistas, a revolução colonial e, pelo menos potencialmente, a classe operária nas metrópoles) semearam até nas menores flutuações e crises a semente de perigosas explosões e do colapso total.
(Os trabalhadores sob o Neocapitalismo)

            Mandel reconheceu um núcleo de verdade na teoria de Rosa, sem aceitar que ela pudesse provar o colapso automático do sistema (e nisso ele está certo), e a generalizou para incluir não só as trocas entre o capitalismo e países semi ou não-capitalistas, como entre colônias internas (como o Sul da Itália e o Nordeste brasileiro), e a troca tecnológica (o que nos parece um caso de absorção da mais-valia excedente, pela obsolescência que as inovações provocam no capital de tecnologia mais antiga).
            Além disso, ele reconheceu que essas modificações levam a consequências programáticas. No mesmo artigo:

A questão que foi posta: O papel da classe operária não mudou fundamentalmente nesse ambiente modificado? O alto nível de emprego a longo prazo e o aumento dos salários reais não cortam qualquer potencial revolucionário da classe operária? Elanão estámudando a sua composição, se divorciando cada vez mais do processo produtivo, como resultado da automação crescente? As suas relações com outros setores da sociedade, como os trabalhadores de escritório, técnicos, intelectuais, estudantes, sofrem modificações básicas? (…) 
O capitalismo clássico educou os trabalhadores para lutarem por saláriosmaiores e menos horas de trabalho na fábrica. O Neocapitalimo educa o trabalhador para questionar a divisão da renda nacional e a orientação do investimento no nível superior da economia como um todo.
A lógica de todas essas tendências coloca o problema do controle operário no centro da luta de classes.

    Na próxima parte, mostraremos outras consequências políticas de teoria do neocapitalismo/capitalismo tardio.
            O que podemos criticar na teoria é que ela subestima o grau de adaptação da classe trabalhadora dos países centrais ao sistema. Como o marxista Herbert Marcuse notou em A Esquerda Sob a Contrarrevolução, o nível de consumo muda as condições sociais de existência da classe trabalhadora e, portanto, a sua consciência. Mas Mandel está certo em mostrar que a classe trabalhadora dos países imperialistas ainda mantém seu papel potencialmente revoucionário, o que o próprio Marcuse veio a admitir depois.

          III.2 O Comitê Internacional

            O Comitê Internacional, formado em 1953 como oposição à direção da QI, os acusou de serem revisionistas do trotskismo. A polêmica começou em torno da política em relação ao stalinismo, mas é óbvio que a teoria aceita pelo SU, que mudava vários dos pressupostos leninistas sobre o capitalismo, viraria um alvo fácil das acusações de revisionismo feita pelo CI. Com algumas citações, veremos como cada componente do CI tentou evitar de admitir a realidade das mudanças no capitalismo.

            III.2 . 1 O lambertismo

            A OCI (Organização Comunista Internacionalista) francesa, dirigida por Pierre Lambert, achou necessário manter todo o Programa de Transição na íntegra, para evitar o revisionismo. Por isso, os lambertistas defendem até hoje que as forças produtivas pararam de se desenvolver, e que o empobrecimento da classe trabalhadora é crescente. Sobre a questão das forças produtivas, escrevemos em A Tragédia do Lambertismo. Faremos uma longa citação das Teses para a Atualização do Programa de Transição, escritas com Nahuel Moreno:

A inexistência de uma crise como a de 1929 no pós-guerra – ou seja, umchoque que comova todo o mundo capitalista, do centro até a periferia – o boom econômico dos países imperialistas (a partir pelo menos de 1950), mais a combinação desses elementos com um espetacular desenvolvimento tecnológico, levaram o revisionismo a levantar uma nova concepção econômica antimarxista.
Ela sustenta, em primeiro lugar, que uma nova etapa se abriu, a neocapitalista ou neoimperialista, que se diferencia da imperialista, definida por Lênin como de decadência total, de crise crônica da economia capitalista. Generalizando abusivamente estes novos fatos, essa nova corrente teoricopolítica aceita tanto a teoriadoseconomistas burgueses como a da burocracia, e a transporta para as nossas fileiras como uma teoriaeconômica a serviço da sua capitulação aos aparatos burocráticos.
A segunda revisão – a principal – é a afirmação de que, nessa suposta nova etapa, as forças produtivas vivem um desenvolvimento colossal, graças ao enorme progresso tecnológico. É uma concepção anticlassista e antihumana, e justamente abase de sustentação dos ideólogos do imperialismo.
Para os marxistas, o desenvolvimento das forças produtivas é uma categoria formada por trêselementos: o homem, a técnica e a natureza. E a principal força produtiva éo homem: concretamente, a classe operária, o campesinato e todos os trabalhadores. Por isso, consideramos que o desenvolvimento técnico não é o desenvolvimento das forças produtivas se não permite o enriquecimento do homem e da natureza, ou seja, um maior domínioda natureza por parte do homem e deste sobre a sua sociedade .
A técnica – como também a ciência e a educação – são fenômenos neutros que se transformam em produtivos ou destrutivos de acordo com a utilização classista que se dê a eles. A energia atômica é uma colossal descoberta científica e técnica, mas transformada em bomba atômica é uma grande tragédia para a humanidade, nada tem a ver com o progresso das forças produtivas, e sim com o das forças destrutivas. A ciência e a técnica podem originar o enriquecimento do homem – desenvolver as forças produtivas – ou a decadência e a destruição do homem. Depende da sua utilização, e a sua utilização depende da classe que as tenha em mãos. Atualmente, o desenvolvimento das forças produtivas não só está freado pela existência do imprialismo e da propriedade privada capitalista, como também pela existência dos estados nacionais, entre os quais incluímos todos os estados operários burocratizados. Na época da agonia do capitalismo, esses estados nacionais cumprem o mesmo papel nefasto que os feudos no período de transição do feudalismo ao capitalismo.
Nesse pós-guerra, vimos o desenvolvimento colossal da indústria armamentista, ou seja, das forças destrutivas da sociedade, e também um desenvolvimento da técnica que levou a um empobrecimento do homem, a uma crise da humanidade, a guerras crescentes, e a um começo de destruição da natureza. Oatual desenvolvimento da economia capitalista e burocrática tem uma tendência crescente à destruição do homem e da natureza humanizada. A análise revisionista nesse ponto é árcial e analítia, porque não define nem as consequências do desenvolvimento nem suas tendências.
Se o revisionismo tivesse razão, as suas concepções significariam que entramos em uma época reformista em que se trata de se obter a maior parte possível a favor dos trabalhadores dentro desse processo de desenvolvimento progressivo. Se fosse assim, toda a concepção do Programa de Transição estaria errada. Mas a atualetapa docapitalismo produz miséria crescente para as massas. O domínio da economia mundial pelo imperialismo é uma trava ao desenvolvimento das forças produtivas. E o marxismo, o leninismo e o trotkismo estão mais vigentes do que nunca, porque são a única ciência que explica porque se abre uma etapa revolucionária: porque o deenvolvimento das forças produtivas é travado pelo regime social dominante, até o grau que provoca uma decadência, uma crise no desenvolvimento das mesmas.
A terceira revisão é consequência da anterior: se as forças produtivas se desenvolvem sob o neocapitalismo, os trabalhadores melhoram constante e sistematicamente seu nível de vida em escala mundial. O grave problema para as massas deixa de ser a miséria, já que, ao consumir cada vez mais, se alienam.
Os fatos foram tão categóricos contra essa teoria revisionista que, hoje em dia, de forma envergonhada, eles tratam de ocultá-la. Mas essa era a posição oficial do revisionismo na década de sessenta: a miséria das massas é relativa, já que sempremelhoram seu nível de vida, e não absoluta, como assegura o marxismo para a época imperialista. Os fatos e a concepção marxista ortodoxa sustentam que se abre uma etapa revolucionária quando a vida se torna insustentável para as massas, quando há desemprego, miséria crescente, queda do salário etc. A economia capitalista e imperialista, tanto quanto a burocrática, em sua etapa de crise definitiva, de putrefação e enfrentamento com a revolução socialista mundial, é a etapa da miséria crescente do movimento de massas em seu conjunto. O revisionismo tomou, como referência para formular a sua teoria, a situação da classe operária nos países avançados durante o boom, e não todas as massas.
 A quarta revisão é a que sustenta que desapareceram as cirses econômicas do tipo de 1929 no imperialismo, o qual, ao contrário, vive um boom econômico sustentado. Essa concepção ignora que o boom é excepcional e conjuntural e, em consequência, os fatos que assim o explicam. A suposta nova etapa não é, na verdade, outra coisa que a da economia capitalista em sua crise definitiva, de putrefação, deenfrentamento com a revolução socialista mundial. A atual economia imperialista , incluido seu boom, só pode ser entendida como parte dependente do político e do social, ligada ao processo total daluta entre a revolução socialista internacional e a contrarrevolução no mundo. A política dominou a economia nessa época, e com o método revisionista de separação não se pode entender nada.
São so grandes acontecimentos políticos de pós-guerra que exolicam a falta deuma crise como a de 1929, e não o automatismo económico por si só. Todos os fenômenos econômicos “anormais”, em última instância, têm a ver com a política contrarrevolucionária do Kremlin e do stalinismo no mundo. Sem essa política consciente, não teria havido o boom econômico, nem o Plano Marshall, nem o levantamento da economia alemã e japonesa, nem da europeia em seu conjunto, e teríamos presenciado crises muito superiores à do ano de 1929 nos países capitalistas avançados. O fato de que não tenha sido assim não tem a ver com as tendências mais poderosas da economia capitalista em seu estado de putrefação, ou seja, não surge de um fenômeno econômico, e sim de fenômenos políticos tais como, por exemplo, que o Kremlin tenha ordenado aos partidos comunistas ocidentais que apoiassem o restabelecimento da economia capitalista devastada pelasegunda guerra imperialista, fazendo com que a classe operária se sacrificasse para levantar essas economias capitalistas. 

                        III. 2. 2. O healysmo

            A SLL (Liga Trabalhista Socialista) inglesa buscou fugir da análise concreta da realidade com o recurso à pseudo-filosofia. Para eles, o boom era apenas uma “forma de aparência”:

O sistema capitalista, para sobreviver, só coloca uma perspectiva à frente da humanidade: o da queda na barbárie. O imperialismo não pode desenvolver as forças produtivas, porque a propriedade dos meios de produção continua em mãos privadas, com aeconomiamundial dividida em uma série deestados-nação rivais.
Essas contradições básicas e inescapáveis estiveram sempre presentes durante o boom relativo que o capitalismo experimentou depois da última guerra, mesmo que essas contradições não se revelassem abertamente “na superfície”.
Nossa perspectiva em economia deve partir, portanto, da natureza da presente época, caracterizada porum sistema social, o capitalismo, em crise, em que a crise de direção da classe é a questão principal. O capitalismo sobreviveu neste século, não por causa de sua força inerente, mas somente porque a classe trabalhadora foi incapaz de resolver essa crise de direção e tomar partido da série de crises econômicas e sociais que abalaram o sistema capitalista no curso desse século. O período desde 1945 não foi exceção a essa caracterização.

Tom Kemp, membro do WRP, escreveu em seu livro Capital, de Marx, hoje:

A marca do revisionismo de Mandel é que ele não consegue fazeruma análise da crise que se aproxima, e pode apenas repetir como um papagaio que 1929-1932 nunca vai se repetir… Como osrevisionistas antes dele, Mandel não vê tendências dominantes no modo de produção capitalista para o colapso. (…) Enquanto Mandel e seus colegas, os economistas burgueses e stalinistas, estudam o modo de produção capitalista com preocupação, as suas contradições, esclarecidas por Marx, estão levando à depressão, guerra e revolução socialista.

            III. 2. 3 O espartaquismo

            A Spartacist League americana, para evitar o debate, recorreu, em vez de negar as teorias, a atacar as suas supostas conclusões políticas:

Não, a origem da teoria das ondas longas de Mandel é política, não econômica. É um meio desonesto e objetivista de se desculpar pelo fato de que, durante os anos 1960, ele descartou a classe trabalhadora dos países imperialistas como força revolucionária. Nesse tempo, ele não se referia a “capitalismo tardio”, e sim “neocapitalismo”, baseado na “terceira revolução industrial” da automação eenergia nuclear. No seu livro Uma Introdução à Teoria Econômica Marxista, Mandel declara que: “A fase neocapitalista que estamos testemunhando agora é a de uma expansão a longo prazo no capitalismo”. Isso contradiz diretamente a tese leninista de que a época imperialista é a da decadência das forças produtivas – “a agonia mortal do capitalismo”, como Trotsky pôs no título do programa de fundação da Quarta Internacional.
E quais são as implicações dessa expansão de longo prazo? Mandel escreve:

“O ciclo de longo prazo que começou com a Segunda Guerra Mundial, e em que ainda estamos… tem, ao contrário, sido caracterizado pela expansão e, por causa dessa expansão, a margem de negociação entre a burguesia e a classe trabalhadora se alargou. Se criou a possibilidade de fortalecer o sistema na base da garantia de concessões aos trabalhadores… a colaboração próxima entre ums a burguesia expansiva e as forças conservadoras do movimento operário é sustentada fundamentalmente pela tendência ascendente no nível de vida dos trabalhadores.”
—Uma Introdução à Teoria Econômica Marxista

Tente apresentar esta linha para o meio radical pequeno-burguês hoje! Ririam de Mandel na palteia. Mas, na época, era um tema popular entre todas as teorias da “nova classe operária” e, sempre, nosso economista “marxista” pegou o que estava na moda e elaborou uma teoria que se encaixasse na impressão superficial.

            O politicismo dessa corrente é declarado diretamente na sua concepção de que o programa (ou seja, as posições políticas) produz a teoria.Na discussão da Tendência Revolucionária do SWP, entre James Robertson e Tim Wohlforth:

A teoria é uma simplificação suficiente da realidade, que pode entrar na nossa cabeça e nos dar uma compreensão ativa como participantes do que está acontecendo – ou seja, o que temos na nossa cabeça também é um fator. O programa gera a teoria. Oque é decisivo são as questões programáticas. Os bolcheviques e Lênin tinham uma teoria incorreta, uma teoria suficiente mas não correta mas, no momento supremo, eles tiveram a conclusão política correta de não fazer alianças com os liberais.

            Portanto, a forma que o “trotskismo ortodoxo” teve para manter o modelo de revolução da IC foi negar, de uma forma ou outra, o que acontecia diante dos próprios olhos.
            Por fora da QI, duas correntes trotskistas desenvolveram análises econômicas.
            Uma delas é a corrente conhecida pela sua seção inglesa, a Tendência Militante do Partido Trabalhista (e que hoje se dividiu em CMI e CWI), dirigida por Ted Grant. Ted Grant escreveu importantes artigos criticando o catastrofismo da Quarta Internacional, como Perspectivas Econômicas para 1946 e Haverá uma Depressão? (1960), mas a sua produção foi mais nas análises de conjuntura, sem tentar criar uma teoria do capitalismo do pós-Segunda Guerra. Por isso, ele não tem muito interesse para o tema desse artigo.
            A outra corrente é o Socialismo Internacional, dirigida por Toni Cliff, que ficou mais famosa por defender que a URSS era uma forma de capitalismo de Estado. O Socialismo Internacional criou a teoria da “economia armamentista permanente”, que corretamente via que estava havendo uma expansão do capitalismo no pós-guerra, mas insistia unilateralmente no fato do consumo improdutivo militar como fator de estabilização do sistema. Não conhecemos a teoria muito bem (pedimos até a ajuda dos companheiros da Revolutas nisso), mas ela teve o mérito de apontar uma das raízes parasitárias do “crescimento” do capitalismo decadente, e o distanciamento da perspectiva de crise geral na época. 

IV. Consequências políticas

            O trotskismo foi a única corrente que manteve uma organização internacional revolucionária depois da Segunda Guerra Mundial (em vários países, houve outras correntes revolucionárias – no caso do Brasil, a POLOP, a LSI e o PCBR – mas elas nãose coordenaram internacionalmente). Por organização revolucionária, queremos dizer uma corrente lutando pelo governo operário através de conselhos ou asembleias, e com uma estratégia que coloque a classe trabalhadora no centro da luta por isso, criando uma organização com democracia interna para corrigir os erros cometidos na luta por essa estratégia.
            Mesmo assim, o trotskismo (assim como as outras correntes de esquerda) foi incapaz de dirigir até a vitória uma revolução socialista num país capitalista. O objetivo desse artigo foi mostrar como as concepções da IC impediam que os marxistas tivessem uma compreensão correta das tarefas, já que a evolução do processo de decadência do capitalismo foi totalmente diferente do previsto pela IC.
            Nós, que surgimos reivindicando o “trotskismo ortodoxo”, precisamos entender o que deve ser reformulado no programa marxista, a partir da crítica da teoria por trás da estratégia da IC. Só isso vai nos permitir sair do círculo vicioso dos pequenos grupos trotskistas que vegetam no movimento dos trabalhadores, disputando para ver quem representa corretamente as concepções de 1938, que fundaram a Quarta Internacional.
            Para nós, a discussão sobre a “continuidade do trotskismo”, como é feita pelas correntes que vieram do Comitê Internacional, é apenas uma ideologia criada para dizer que determinada corrente é a única trotskista do mundo, e todas as outras são revisionistas. Além do sectarismo, o pior é que esse tipo de ideologia vai na contramão da resolução da crise do trotskismo: o que temos que fazer não é ver quem foi mais “fiel” ao programa da QI, e sim que conseguiu se livrar das consequências políticas da teoria errada sobre o capitalismo, herdada da IC, formulando um programa adequado às reais condições da luta de classes no sistema.
            Essa tarefa é análoga ao “rearmamento” feito por Lênin nas Teses de Abril, quando ele abandonou o programa de ditadura democrática do campesinato e do proletariado,baseado na teoria errada da imaturidade do capitalismo russo para a revolução socialista. O “rearmamento”, que é a condição necessária para a verdadeira luta pelo socialismo nos países capitalistas dependentes e imperialistas, não é uma tarefa exclusiva dos trotskistas, e sim de toda a esquerda revolucionária que rompa com o etapismo stalinista e lute pela democracia operária como forma da ditadura do proletariado.

IV.1 A Crise de Direção ainda é válida?

            Na luta pelo reamarmento, devemos entender os limites do que éo eixo da política “trotskista ortodoxa”: a crise de direção. Se a concepção de crise de direção já tinha um problema na época da fundação da Quarta Internacional, porque poderia dar a entender que a “traição” da direção da IC tinha sido abandonar os pressupostos (errados) da sua fundação, ela se tornou depois uma paródia de si mesma.
            Em primeiro lugar porque foi aplicada às próprias correntes que se reivindicavam trotskistas,depois do racha de 1951-1953. Depois, porque o movimento operário, depois da Segunda Guerra, e muito mais depois da destruição da União Soviética (que foi um fôlego para o capitalismo, lhe permitindo reconquistar um terreno econômico gigantesco, e desacreditou para as massas a própria noção de socialismo, para não dizer a Revolução Russa) não tem mais como objetivo a luta pelo socialismo. Ele, devido à confusão feita pelo stalinismo entre socialismo e ditadura da burocracia, perdeu o horizonte político, e tem se limitado, quase sempre, a lutar por dentro do sistema, sem nenhuma perspectiva de superar o capitalismo. 
            Por isso, não se trata mais de lutar contra uma direção reformista pela linha revolucionária. O próprio reformismo mudou. Ele, que garantia uma transição pacífica para o socialismo, passou a defender reformas dentro do capitalismo e, agora, nem isso. Os grandes partidos do movimento operário (como o PT brasileiro, o Partido Trabalhista inglês e a socialdemocracia europeia), hoje, tentam se mostrar para os trabalhadores como uma alternativa mais “suave” de gestão do capitalismo.
            Diante disso, a nossa tarefa não é mais combater a estratégia reformista dentro do movimento. É reorientar o movimento, para que ele possa novamente ter uma estratégia. Isso significa que parte da nossa tarefa é reconstruir o movimento socialista e operário, ensinando à vanguarda a necessidade da estratégia revolucionária.
            Isso não significa que a luta contra as direções traidoras tenha perdido o sentido, ela continua como uma tarefa específica dentro de uma estratégia maior (o rearmamento e a reorientação do movimento operário). É importante dizer isso, porque algumas correntes que defendem uma concepção semelhante de “crise de subjetividade”, “crise de credibilidade do socialismo”, ou crise de alternativa socialista” acabam negando ou diminuindo a importância da agitação e da propaganda das palavras de ordem revolucionárias e da luta contra o oportunismo. Esse é o caso do SU e de outras correntes nacionais, como o PCB.     

            IV. 2 Proletários e Comunistas

            Dentro dessa discussão, é importante reavaliar o papel do leninismo, já que muitas críticas dizem que a forma de organização leninista só era válida na Rússia, porque não havia maioria de trabalhadores no país e, portanto, não era correto criar partidos de massa.
            Para nós, esse argumento é mecanicista. Se a influência das outras classesnum país atrasado é muito grande, a influência da própria burguesia imperialista é maior ainda. A maior prova disso é a grande dificuldade na construção das organizações revolucionárias nos países imperialistas de maioria ou grande peso da classe trabalhadora. Por isso, a forma leninista de organização, baseada na separação entre os elementos revolucionários e os reformistas da classe, permanece válida. Sobre isso, recomendamos a leitura do nosso artigo Leninismo, Frentes Únicas e Blocos de Propaganda
            Mas isso não pode ser confundido com duas coisas:
            Primeiro, não é válido manter determinadas formas organizativas que só se justificam em situações de guerra civil. No caso, se trata principalmente da manutenção de aparatos clandestinos permanentes, trabalho dentro das forças armadas e restrição ao direito permanente a tendências e debates públicos.
            As duas primeiras medidas são aceitas pela maioria das correntes (com a exceção dos sectários mais loucos). Já o debate público e o direito às tendências são muito mais controversos. Nós achamos que o critério correto a seguir seria o mesmo do bolchevismo de 1902 e 1921, ou seja, o debate político entre as tendências e frações pode ser público, a menos que envolva riscos para a segurança física da organização.
            Em segundo lugar, o fato da organização existir separadamente das correntes reformistas não significa que esteja excluído intervir dentro dos partidos reformistas e centristas. Como mostramos, a decadência do capitalismo se processa através do deslocamento das contradições, e não de forma explosiva. Por isso, as diferenciações que podem levar á formação de correntes revolucionárias são muito lentas, na escala de décadas.
            Por isso, a política de “entrismo sui generis” dentro de organizações reformistas é perfeitamente válida, desde que o programa revolucionário não seja sacrificado para manter o entrismo.Na verdade, toda a polêmica contra o entrismo sui generis feita pelo Comitê Internacional, além de ser totalmente hipócrita (a seção inglesa e a argentina faziam entrismo sui generis, e o entrismo feito pelos pablistas nunca significou liquidar a organização trotskista, e sim colocar uma parte dela dentro dos partidos reformistas), estava baseada na concepção de explosão iminente do reformismo, assim como os pablistas a baseavam na hipótese da Terceira Guerra Mundial. Era um debate em que ambas as posições se baseavam no catastrofismo da IC.    
            Por isso, qualquer ideia de que o partido revolucionário deve ser produzido por uma corrente “com a política certa”, que esteja por fora do movimento de massas (e de suas organizações reformistas) não passa de espontaneísmo, que deveasua base ao catastrofismo. O processo da formação dos partidos e da Internacional revolucionária de massas se dará por dentro da reorientação do movimento operário, enão através da descoberta ou manutenção do programa que vai resolver todas as questões de construção.   
           
IV. 3 Por um programa democrático e transitório

            Para terminar, devemos pensar em outro aspecto da relação entre o partido (ou seu embrião) e a classe trabalhadora. É a grande acusação feita pelos sociólogos burgueses e muitos reformistas contra o marxismo revolucionário. Podemos resumir assim: como construir um partido revolucionário se a classe, na maior parte do tempo, é reformista, e se, quando ela entra numa situação revolucionária, carrega toda a bagagem reformista aprendida durante décadas?
            Em primeiro lugar, devemos reafirmar claramente que, nos países imperialistas, a maioria da classe trabalhadora tem um nível de vida aceitável, que é a base material da consciência reformista de massa.
            Isso leva à conclusão lógica de que o foco da construção de partidos revolucionários nos países imperialistas deve ser o trabalho entre os trabalhadores imigrantes e de minorias raciais ou nacionais, com as suas demandas específicas, e a luta para que o movimento geral abrace elas.
            Mas isso não é o suficiente: os trabalhadores superexplorados são apenas uma minoria da classe trabalhadora dos países imperialistas. Como explicamos em movimento operário ou movimento de cidadãos?, a maioria dos processos de lutas de massas acontece sob hegemonia da ideologia burguesa. Os vários setores em luta se organizam cada um segundo seus métodos, e acabam se coordenando através de instituições burguesas. O caso recente da Líbia, com o Conselho Nacional Provisório, é só mais um. Essa situação só pode ser revertida através de uma luta consciente pela hegemonia proletária, ou seja, para que a coordenação do movimento se dê através das formas do movimento operário, para estabelecer um programa anticapitalista.
            Na tradição trotskista, as reivindicações transitórias servem como uma ponte entre a situação prerrevolucionária e a consciência reformista da classe. No Programa de transição:

A tarefa estratégica do próximo periodo – período pré-revolucionário de agitação, propaganda e organização – consiste em superar a contradição entre a maturidade das condições objetivas da revolução e a imaturidade do proletariado e de sua vanguarda (confusão e desencorajamento da velha geração, falta de experiência da nova). É necessário ajudar as massas, no processo de suas lutas cotidianas a encontrar a ponte entre suas reivindicações atuais e o programa da revolução socialista. Esta ponte deve consistir em um sistema de REIVINDICAÇÕES TRANSITÓRIAS que parta das atuais condições e consciência de largas camadas da classe operária e conduza, invariavelmente, a uma só e mesma conclusão: a conquista do poder pelo proletariado.
A social-democracia clássica, que desenvolveu sua ação numa época em que o capitalismo era progressista, dividia seu programa em duas partes independentes uma da outra: o programa mínimo, que se limitava a reformas no quadro da sociedade burguesa, e o programa máximo, que prometia para um futuro indeterminado a substituição do capitalismo pelo socialismo. Entre o Programa mínimo” e o Programa máximo” não havia qualquer mediação. A social-democracia não tem necessidade desta ponte porque de socialismo ela só fala nos dias de festa.
A Internacional Comunista enveredou pelo caminho da social-democracia na época do capitalismo em decomposição, quando não há mais lugar para reformas sociais sistemáticas nem para a elevação do nível de vida das massas, quando a burguesia retoma sempre com a mão direita o dobro do que deu com a mão esquerda (impostos, direitos alfandegários, inflação, deflação”, carestia da vida, desemprego, regulamentação policial das greves, etc.), quando cada reivindicação séria do proletariado, e mesmo cada reivindicação progressista da pequena burguesia, conduzem inevitavelmente além dos limites da propriedade capitalista e do Estado burguês.

Obviamente, esse programa deve mudar quando nem um dos dois elementos está presente.
            Com isso, não queremos dizer que o uso das reivindicações transitórias seja errado. Em todas as situações, os comunistas devem levantar palavras de ordem que apontem para a superação do capitalismo.
            Por exemplo, no Programa do Partido Operário francês, escrito por Marx em 1880, as reivindicações continham:

            – abolição do exército e armamento geral do povo
            – administração do Estado pelas Comunas
            – imposto progressivo
            – controle operário nas fábricas públicas
           
            No Programa de Erfurt, de 1890, do SPD, revisado por Engels, havia as palavras de ordem de:

            – eleição dos magistrados pelo povo
            – milícias em vez de exército
            – assistência social sob controle operário

            Isso já mostra que a separação entre “programa mínimo” e “programa máximo”, de que Trotsky fala, era uma consequência da degeneração da Segunda Internacional. Na verdade, ela começa, no caso do SPD, no Congresso de 1925. 
            Com esses exemplos, vemos que, em situações não-revolucionárias, os marxistas devem combinar as reivindicações transitórias com a luta por reivindicações imediatas e políticas.
            Dentro do movimento trotskista, a corrente de direita do SWP americano, conhecida como Tendência Morrow-Goldmann, defendeu justamente esse tipo de programa democrático e transitório (e o entrismo nos partidos socialdemocratas), entre 1943 e 1946, quando viram que, na Europa, a derrota do fascismo ia levar a um longo período de estabilização do capitalismo.
            Esse programa incluía palavras de ordem políticas (como a abolição da monarquia na Itália e Inglaterra), corrigindo um problema residual da IC. Como a revolução era vista como sendo causada pelo colapso econômico imediato do capitalismo, as palavras de ordem políticas eram colocadas em segundo plano como “reformistas”, e a luta contra as imaginadas catástrofes econômicas iminentes era colocada no centro.   
            Mas como um programa democrático e transitório não pode se tornar simplesmente reformista? Isso foi o que aconteceu com Feliz Morrow e Albert Goldmann, do SWP. Eles acabaram abandonando a perspectiva de revolução na Europa, chegaram a apoiar a Constituição francesa de 1947, e terminaram no WP de Max Schachtman, que já estava caminhando a passos largos para o reformismo.
            Bem, não acreditamos que exista um programa que impeçaos desvios reformistas. Mas, como linha geral, acreditamos que as lutas por reivindicações democráticas deva ser orientada contra o Estado, nunca formulando demandas que possam ser conquistadas sem uma luta de massas, e sempre em combinação e luta concreta por palavras de ordem transitórias, para reforçar o movimento.
             Algumas correntes internacionais realmente incorporam essas palavras de ordem. Acreditamos que um estudo da história do trotskismo mostra facilmente que os grupos que se tornaram partidos trabalharam combinando as palavras de ordem democráticas e transitórias. o que nãoquer dizer que, em grande parte dos casos, esses partidos não tenham se adaptado ao reformismo, como tem sido o caso do SWP inglês e do NPA.
            Mas acreditamos que a luta por um programa democrático e transitório dentro dos sindicatos e no movimento de massas (assim como o trabalho político revolucionário nas correntes reformistas e centristas), e a restauração de todas as normas democráticas do leninismo, e a priorização do trabalho político nos setores superexplorados da classe, são elementos importantes para o rearmamento do movimento revolucionário. E que só através do rearmamento político e teórico poderemos criar partidos revolucionários e a Internacional comunista revolucionária.