Programa Político do Coletivo Lenin 2009-2011

Este documento foi baseado no texto “Pelo Trotskismo!” da Tendência Bolchevique, e foi adotado originalmente como a base para a fusão, em 1987, entre ela e a Tendência Trotskista de Esquerda na América do Norte. O texto sofreu modificações pelo Coletivo Lenin ao longo dos seus primeiros meses de existência, sendo primeiramente adotado em fevereiro de 2009 como programa político da organização. Posteriormente, o documento foi ligeiramente editado até chegar a esta versão, que vinha sendo utilizada pelo grupo (em seu site) até o momento de nossa ruptura em junho de 2011. Ele permanece como uma importante codificação das diferenças essenciais entre o centrismo e a política revolucionária.

PROGRAMA POLÍTICO

“Encarar a realidade de frente; não buscar a linha de menor resistência; chamar as coisas pelos seus nomes; falar a verdade às massas, não importa o quão amarga ela seja; não temer os obstáculos; ser verdadeiro nas pequenas coisas como nas grandes; basear seu programa na lógica da luta de classes; ser ousado quando a hora da ação chegar – essas são as regras da Quarta Internacional”

Partido e programa
            A classe operária é a única classe completamente revolucionária na sociedade moderna, a única classe com a capacidade de terminar com a demência do regime capitalista internacional. A tarefa fundamental da vanguarda comunista é cristalizar na classe (sobretudo em seu componente mais importante, o proletariado industrial) a consciência de seu papel histórico. Nós rechaçamos explicitamente todo estratagema que seja apresentado por centristas, reformistas e setorialistas, que vêem, em uma ou outra seção da população não proletária, um veículo mais viável para o progresso social.
            A libertação do proletariado e, com isso, a eliminação da base material de todas as formas de opressão social, depende da sua direção. O inventário das direções “socialistas” em potencial pode se reduzir, em última análise, a dois programas: reforma ou revolução. Pretendendo oferecer uma estratégia “prática” para a melhora gradual das injustiças das classes sociais, o reformismo trata de conciliar a classe operária com os requisitos do capital. Em contraste, o marxismo revolucionário está baseado no antagonismo entre capital e trabalho, e na conseqüente necessidade da expropriação da burguesia, por parte do proletariado, como pré-condição de qualquer progresso social importante.
            A hegemonia da ideologia burguesa, em suas várias formas, no proletariado, representa o baluarte mais poderoso do regime capitalista. A distinção chave entre uma organização revolucionária e uma centrista ou reformista não está tanto em declarações abstratas sobre metas finais e objetivos, mas sim nas posições que cada uma avança nas situações concretas postas pela luta de classes. Os reformistas e centristas costuram a sua resposta programática a cada novo acontecimento de acordo com as ilusões e preconceitos da sua audiência. Mas o papel de um revolucionário é dizer aos trabalhadores e oprimidos o que eles ainda não sabem.
            Procuramos enraizar o programa comunista na classe trabalhadora através da construção de colaterais programáticas nos sindicatos. Tais formações devem participar ativamente de todas as lutas por reformas parciais e melhoras na situação dos trabalhadores. Elas também devem ser os melhores defensores das tradições militantes de solidariedade de classes, por exemplo, dizendo que “Os Piquetes Querem dizer Não Cruze!”. Ao mesmo tempo, elas devem procurar recrutar os trabalhadores politicamente mais conscientes para uma perspectiva universal, que transcenda a militância local na base, e ponha as questões políticas mais urgentes, de forma a apontar para a necessidade de eliminar a anarquia da produção voltada para o lucro, substituindo-a pela produção planificada racionalmente e controlada pelos próprios trabalhadores, para atender às necessidades humanas.
            Nossa intervenção nas organizações de massa do proletariado é baseada no Programa de Transição, adotado pela Conferência de Fundação da Quarta Internacional, em 1938. Num certo sentido, não pode haver, para um marxista, algo como um “programa acabado”. É necessário levar em conta os desenvolvimentos históricos nas cinco décadas passadas, e a necessidade de dar resposta a problemas postos por lutas específicas de setores oprimidos e/ou da classe, com que o esboço de 1938 não lida. Não obstante, em seu essencial, o programa sobre o qual a Quarta Internacional foi fundada mantém toda a sua relevância, porque propõe soluções socialistas aos problemas objetivos enfrentados pela classe trabalhadora hoje, no contexto da necessidade imutável do poder proletário. Assim, entendemos o dito “trotskismo” (ou “bolchevismo-leninismo”, como o próprio Trotsky descrevia) como a continuidade do programa revolucionário nos dias atuais.

A Revolução permanente
            Nos últimos quinhentos anos, o capitalismo atingiu a hegemonia da ordem econômica mundial, com uma divisão internacional do trabalho. Vivemos na época do imperialismo – época do declínio capitalista. A experiência deste século demonstrou que as burguesias nacionais do mundo neocolonial são incapazes de completar as tarefas históricas da revolução democrático-burguesa, como reforma agrária. Não há, em geral, nenhum caminho aberto para o desenvolvimento capitalista independente nestes países.
            Nos países neocoloniais, as realizações das revoluções burguesas clássicas só podem ser conquistadas através do esmagamento das relações capitalistas de propriedade, separando-os dos tentáculos do mercado mundial imperialista, e estabelecendo a propriedade da classe trabalhadora (ou seja, coletivizada). Só uma revolução socialista – uma revolução realizada contra a burguesia nacional e os latifundiários – pode levar a uma expansão qualitativa das forças produtivas, como ocorreu na União Soviética.
            Uma das características mais importantes de quase todos os países dependentes é a existência de um campesinato dependente, preso a formas de exploração pré-capitalistas ou semi-capitalistas. No Brasil, a revolução não é possível sem a aliança operária e camponesa, e a solução da questão da terra através da revolução agrária – a tomada de terras pelos que nela trabalham – combinada com o controle operário no latifúndio de exportação. Rejeitamos a estratégia de “reforma agrária”, do MST e outras correntes, que significa uma luta pela terra por dentro da legalidade, apostando no apoio de um Governo de frente popular. Na luta pela terra, defendemos a imediata organização de autodefesas pelo movimento camponês. Nas comunidades indígenas e quilombolas, defendemos a autonomia regional, e que os sistemas de saúde e educação respeitem a sua identidade cultural e linguística.
            Rejeitamos a estratégia etapista menchevique-stalinista, de subordinação do proletariado aos supostos “setores progressistas” da burguesia, e a “frente única antiimperialista”, que é uma versão ligeiramente diferente, defendida pelos loristas e altamiristas. Defendemos a independência política completa e incondicional do proletariado em cada país. Sem exceção, as burguesias nacionais do ”Terceiro Mundo” são agentes da dominação imperialista, e seus interesses são, num sentido histórico, muito mais próximos daqueles dos banqueiros e industriais da metrópole do que dos seus povos explorados.
            Os comunistas oferecem apoio militar, mas não político, a movimentos nacionalistas pequeno-burgueses (e inclusive a regimes burgueses) que entrem em conflito com o imperialismo, em defesa da soberania nacional. Em 1935, por exemplo, os trotskistas defenderam a vitória militar dos etíopes sobre os invasores italianos. No entanto, os leninistas não podem determinar automaticamente a sua posição numa guerra entre dois regimes burgueses a partir de seu nível relativo de desenvolvimento (ou subdesenvolvimento). Na sórdida guerra das Malvinas, de 1982, em que a defesa da soberania da Argentina nunca esteve em jogo, os trotskistas defenderam que tanto os trabalhadores argentinos como os ingleses “apontassem as suas armas para seus próprios governos”, ou seja, o derrotismo revolucionário de ambos os lados.
            Países como o Brasil, a Índia, a Rússia e a África do Sul são dependentes do imperialismo, mas têm uma autonomia relativa. O nível da sua acumulação interna de capital, e a fusão deste capital nacional com o capital imperialista define o seu caráter como subimperialista. Geralmente, eles estão envolvidos, de forma dependente e associada, com o imperialismo, na exportação de capital em suas regiões (no caso do Brasil, a América do Sul e a África lusófona). Nestes casos de opressão subimperialista, defendemos a derrota militar do Brasil, como no Haiti, e a expropriação de seus investimentos, como no setor petroleiro boliviano. Nos casos de conflito com o imperialismo (muito improváveis, devido à cooperação antagônica com as metrópoles), defendemos os países subimperialistas, porque são nações dependentes.

Luta Armada
            A nossa tática para a revolução é a insurreição proletária urbana, apoiada numa greve geral. Para isso, é necessária a criação de um partido revolucionário e a formação, pelo partido, de um aparato militar clandestino nas periferias. Ao mesmo tempo, defendemos no movimento camponês e popular a formação de autodefesas armadas, assim como no movimento sindical, sempre que se derem as condições políticas. Rejeitamos o social-pacifismo dos morenistas, que ignoram a necessidade de preparar a classe para os confrontos armados da luta pelo poder com ações defensivas.
            Rejeitamos o foquismo ou guevarismo como orientação estratégica (embora reconhecendo que, às vezes, as guerrilhas podem ter valor tático suplementar), porque relega politicamente a classe operária organizada e consciente ao papel de espectadora passiva perante um “exército popular”. Um movimento guerrilheiro baseado no campesinato e dirigido por intelectuais de esquerda pequeno-burgueses não pode estabelecer o poder político da classe trabalhadora, independente da intenção subjetiva de sua direção.
            Em várias ocasiões, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, foi demonstrado que, em determinadas circunstâncias objetivas favoráveis, tais movimentos podem ter êxito em expropriar a propriedade capitalista. Mas, como eles não são baseados na mobilização da classe trabalhadora organizada, estas lutas, no máximo conseguem estabelecer regimes burocráticos nacionalistas qualitativamente idênticos ao produto da degeneração stalinista da Revolução Russa (como a Iugoslávia, a Albânia, a China, o Vietnã e Cuba).

Opressões específicas: A Questão Negra, a Questão da Mulher
            A classe trabalhadora hoje é profundamente dividida em torno de linhas raciais, sexuais, nacionais etc. Mas o racismo, o chauvinismo e o machismo são comportamentos programados social, e não geneticamente. Não importa qual seja o seu nível de consciência atual, os trabalhadores do mundo têm uma algo crucial em comum: eles não podem melhorar, fundamentalmente, a sua situação como classe sem destruírem a base social de toda a opressão e exploração de uma vez por todas. Esta é a base material para a afirmação marxista de que o proletariado tem como sua missão histórica a eliminação da sociedade de classes e a erradicação de todas as formas de opressões “específicas”.
            No Brasil, a luta pelo poder dos trabalhadores está inextricavelmente ligada à luta pela libertação negra. Os negros brasileiros são uma casta de cor, segregada nos setores mais inferiores da sociedade e se concentram, sobretudo, na classe operária, particularmente nos setores estratégicos do proletariado industrial e no exército industrial de reserva (a massa de desempregados). O racismo, historicamente, foi o maior obstáculo para a ação política dos setores mais oprimidos da classe, em todos os movimentos. Considerados responsáveis pelo atraso do país, pela ideologia do branqueamento, as lutas do proletariado negro têm um potencial revolucionário decisivo. A luta pela libertação negra – contra a brutalidade racista da vida cotidiana na América capitalista – é central para a construção de uma vanguarda revolucionária no Brasil.
            Um aspecto da questão negra muito em evidência recentemente é a opressão religiosa sofrida pelos seguidores de cultos africanos e afro-brasileiros. Como marxistas, defendemos a completa separação entre Estado e religião e mantemos a posição comunista de defesa do materialismo e da ciência, assim como do combate ao uso da religião para aumentar o conformismo entre os oprimidos. Porém, defendemos, inclusive militarmente, os locais de culto e os seguidores das religiões oprimidas.
            A opressão das mulheres é enraizada materialmente na existência da família nuclear, a unidade básica e indispensável da organização social burguesa. A luta pela igualdade social completa para as mulheres é de importância estratégica em todos os países do globo. Ela inclui a luta pela socialização do trabalho doméstico, que só pode ser realizada numa economia planificada, pelos direitos democráticos da mulher, incluindo a legalização do aborto, e pela integração das mulheres no movimento operário.
            Uma forma de opressão especial relacionada ao machismo é a que é experimentada pelos homossexuais, que são perseguidos por não conseguirem se adaptar aos papéis sexuais ditados pelo ”estado normal” da família nuclear. A questão homossexual não é estratégica como a da mulher, mas a vanguarda comunista deve defender os direitos democráticos dos(as) homossexuais e opor-se a todas e quaisquer medidas discriminatórias contra eles(as).
            Nos sindicatos, os comunistas devem defender o acesso igual a todos os empregos; programas, organizados pelos sindicatos, para recrutar e melhorar a situação das mulheres e minorias em campos “não-tradicionais”, salário igual para trabalho igual e trabalho para todos. É responsabilidade histórica da vanguarda comunista lutar para unir a classe trabalhadora pelos seus interesses comuns de classe, superando as divisões artificiais promovidas pela sociedade capitalista.
Os setores oprimidos da população não podem se libertar sem a revolução proletária, numa estrutura social que originou e perpetua a sua opressão. Como Lênin apontou em O Estado e a Revolução:
            “Só o proletariado em virtude do papel econômico que joga na produção em larga escala é capaz de ser o líder de todas as massas trabalhadoras que a burguesia explora, oprime e esmaga, frequentemente não menos que ele, mas que são incapazes de empreender uma luta independente pela sua emancipação”.
            Vivemos numa sociedade de classes, e o programa de cada movimento social deve, em última análise, representar os interesses de uma das duas classes com o potencial governar a sociedade: o proletariado ou a burguesia. Nos sindicatos, a ideologia burguesa toma a forma do economicismo estreito; nos movimentos dos oprimidos, manifesta-se como setorialismo. O que o nacionalismo negro, o feminismo e outras formas de ideologia setorialista têm em comum é que localizam a raiz da opressão em algo que não é o sistema capitalista e a propriedade privada. Já problema do economicismo, é que encara as reformas como um fim em si mesmo e não vão além de reivindicações que visam construir um “capitalismo mais humano”.
            A orientação estratégica da vanguarda marxista em relação às organizações setorialistas ”independentes” (ou seja, policlassistas) dos oprimidos deve ser a de ajudar na sua diferenciação interna em torno de seus componentes de classe. Isto implica uma luta para ganhar tantos indivíduos quanto for possível para a perspectiva da revolução proletária e a consequente necessidade de um partido de vanguarda integrado.

A Questão Nacional e os “Povos Interpenetrados”
            “O marxismo não pode ser reconciliado com o nacionalismo, nem mesmo na sua forma ‘mais pura’, ‘mais justa’ e ‘mais refinada’ e ‘civilizada’. Em lugar de todas as formas de nacionalismo, o marxismo avança o internacionalismo.” – V. I. Lênin, “Comentários Críticos sobre a Questão Nacional.”
            O marxismo e o nacionalismo são duas visões de mundo fundamentalmente contrapostas. Sustentamos o princípio da igualdade entre as nações, e nos opomos a quaisquer privilégios para qualquer nação. Ao mesmo tempo, os marxistas rejeitam todas as formas de ideologia nacionalista e, nas palavras de Lênin, aceitam “todo o tipo de assimilação entre as nações, exceto os fundados na força e no privilégio”. O programa leninista sobre a questão nacional é principalmente negativo, feito para tirar a questão nacional da agenda, cortando o apelo dos nacionalistas pequeno-burgueses, para poder colocar melhor a questão de classe.
            Em casos “clássicos” de opressão nacional (por exemplo, o Québec), nós defendemos o direito à autodeterminação, sem necessariamente advogar o seu exercício. Nos casos mais complexos, de povos interpenetrados num mesmo território geográfico (Chipre, Irlanda do Norte, Palestina/Israel) o direito abstrato de cada um à autodeterminação não pode ser exercido eqüitativamente dentro da estrutura de relações de propriedade capitalistas. Ainda assim, em nenhum destes casos, os povos opressores podem ser comparados com os brancos na África do Sul ou os colonos franceses na Argélia; ou seja, uma casta colonizadora privilegiada/aristocracia operária, baseada na super-exploração do trabalho nativo para manter um padrão de vida qualitativamente mais alto do que o da população oprimida.
            Tanto a população protestante irlandesa como os israelenses de fala hebraica são povos com diferenciações de classe. Cada um tem uma burguesia, uma pequena burguesia e uma classe trabalhadora. Diferente dos moralistas burgueses com sentimento de culpa, os leninistas não apóiam simplesmente o nacionalismo dos oprimidos (nem as formações políticas pequeno-burguesas que o apóiam). Fazer isso, ao mesmo tempo, impede as possibilidades de explorar as contradições de classe reais nas fileiras dos povos opressores, e assegura a hegemonia do nacionalismo sobre os oprimidos. Os proletários dos povos ascendentes não podem ser ganhos por uma perspectiva nacionalista de simplesmente inverter a atual relação desigual. Uma seção significativa deles pode ser ganha para uma perspectiva de classe contra classe, não sectária, porque ela está de acordo com os seus interesses objetivos.
            A lógica de capitulação ao nacionalismo pequeno-burguês levou grande parte da esquerda a apoiar os governantes árabes (a encarnação da assim chamada “Revolução Árabe”) contra os israelenses nas guerras do Oriente Médio em 1948, 1967 e 1973. Em essência, estas foram guerras inter-capitalistas, em que os trabalhadores e oprimidos da região não tinham nada a ganhar com a vitória de qualquer um dos lados. A posição leninista era, portanto, o derrotismo de ambos os lados. Tanto para os trabalhadores árabes como para os hebreus, o inimigo principal estava em casa. A guerra de 1956 foi uma questão diferente, naquele conflito, a classe trabalhadora tinha um lado: com Nasser, contra as tentativas dos imperialismos francês e britânico (ajudado pelos israelenses) de se reapropriarem do Canal de Suez, recentemente nacionalizado.
Embora se oponham ao nacionalismo por uma questão de princípio, os leninistas não são neutros nos conflitos entre os povos oprimidos e o aparato estatal opressor. Na Irlanda do Norte, nós exigimos a retirada imediata e incondicional das tropas britânicas, e defendemos os ataques que o Exército Republicano Irlandês (IRA – hoje dissolvido) realizou contra tais alvos imperialistas, como a Força Policial Real de Ulster ou Exército Britânico. Do mesmo modo, nós apoiamos militarmente a Organização pela Libertação da Palestina contra as forças do Estado de Israel. Em nenhum caso defendemos atos terroristas dirigidos contra as populações civis, mesmo sendo claro que o terrorismo criminoso do Estado Sionista contra os palestinos, assim como o do exército britânico e seus aliados protestantes contra os católicos da Irlanda do Norte, é muitas vezes maior que os atos de terror dos oprimidos.

Imigração/emigração
            Os leninistas apóiam o direito democrático básico de qualquer indivíduo emigrar para qualquer país no mundo. Como no caso de outros direitos democráticos, isto não é nenhum tipo de imperativo categórico. Nós não defenderíamos, por exemplo, a emigração de qualquer indivíduo que significasse uma ameaça à segurança militar dos Estados Operários degenerados ou deformados. O direito de imigração individual, se exercido numa escala suficientemente larga, pode entrar em conflito com o direito à autodeterminação de uma nação pequena. Portanto, os comunistas não levantam a bandeira de “Abrir as Fronteiras” como uma exigência programática geral. Na Palestina, por exemplo, durante as décadas de 1930 e 1940, o imenso influxo de imigração sionista criou a base para a expulsão forçada do povo palestino de sua própria terra. Nós não reconhecemos o “direito” de migração ilimitada dos Han ao Tibete, nem de cidadãos franceses à Nova Caledônia.
            Opomos-nos a todas as cotas de imigração, todas as prisões e todas as deportações de trabalhadores imigrantes. Nos sindicatos, nós devemos lutar pela concessão imediata e incondicional de plenos direitos de cidadania a todos trabalhadores nascidos no estrangeiro.

Frentes populares
            O frente-populismo (ou seja, um bloco programático entre organizações de trabalhadores e representantes da burguesia, formado normalmente para disputar o poder governamental) é traição de classe. Os revolucionários não podem dar nenhum apoio, nem mesmo “crítico”, a participantes de frentes populares, como as formadas pelo PT desde 1989.
            Já a tática de apoio eleitoral crítico a partidos operários reformistas é baseada na contradição, inerente em tais partidos, entre seu programa burguês (reformista) e sua base operária. Tal contradição permite a um partido revolucionário disputar as bases de organizações como essa, como ficou claro nas experiências de entrismo nos Partidos Socialistas levada a cabo pelos trotskistas. Porém, quando um partido social-democrata ou stalinista entra numa coalizão ou bloco eleitoral com formações burguesas ou pequeno-burguesas, esta contradição é efetivamente suprimida durante a duração da coalizão. Um membro de um partido operário reformista que concorre às eleições na chapa de uma coalizão de colaboração de classes (ou frente popular) é, de fato, o representante de uma formação política burguesa. Assim, a possibilidade de aplicação da tática de apoio crítico é excluída, porque a contradição que se procura explorar é suspensa. Em vez disso, os revolucionários devem ter como condição para o apoio eleitoral a ruptura da coalizão: “Abaixo os Ministros Capitalistas!”.

Frentes Únicas e “Frentes Únicas Estratégicas”
            A frente única é uma tática com que revolucionários procuram se aproximar de formações reformistas ou centristas para “jogar a base contra a direção”, quando há uma necessidade sentida e urgente de ação unida por parte das bases. É possível entrar em acordos de frente única com formações pequeno-burguesas ou burguesas, onde há um acordo episódico sobre um assunto particular, e onde é do interesse da classe trabalhadora (por exemplo, os bolcheviques fizeram frente única com Kerensky contra Kornilov). A frente única é uma tática que não só é projetada para realizar o objetivo comum, mas também demonstrar, na prática, a superioridade do programa revolucionário, e assim ganhar mais influência e aderentes para a organização de vanguarda. Para tal, deve ser mantida como forma de princípio a independência política e financeira da organização revolucionária dentro da frente, seguindo a máxima “bater juntos, caminhar separados”. Em um ato, por exemplo, é imprescindível que os revolucionários possuam material próprio e que denunciem o programa das demais organizações que compõem a frente.
            Os revolucionários nunca empenham a sua responsabilidade como direção revolucionária a uma aliança de longo prazo (nem “frente única estratégica”) com forças centristas ou reformistas, como é o caso da Frente de Esquerda entre o PSOL, o PSTU e o PCB. Os comunistas nunca fazem propaganda comum – declarações conjuntas de perspectiva política geral – com os revisionistas. Tal prática é tanto desonesta (porque inevitavelmente envolve calar sobre as diferenças políticas que separam as organizações) quanto liquidacionista. A “frente única estratégica” é a manobra favorita dos oportunistas que, desesperados com a sua própria pequena influência, procuram compensá-la pela sua dissolução num bloco mais amplo, com um programa de maior denominador comum.

Democracia Operária e Linha de Classe
            Os marxistas revolucionários, que se distinguem pelo fato de que contam a verdade aos trabalhadores, só podem beneficiar-se com o confronto político aberto entre as várias correntes que competem na esquerda. Não é assim com os reformistas e centristas. Os stalinistas, social-democratas, burocratas sindicais e outras direções traidoras da classe trabalhadora atacam a crítica revolucionária e procuram impedir a discussão e o debate políticos com gangsterismo e exclusões.
Somos contra a violência e o exclusionismo dentro da esquerda e do movimento operário, ao mesmo tempo em que defendemos o direito de todos à autodefesa. Também somos contra a violência “suave” – ou seja, as calúnias, que andam juntas com (ou prepara o caminho para) os ataques físicos. A calúnia e a violência dentro do movimento operário são completamente estranhas às tradições do marxismo revolucionário, porque são usadas, principalmente, para destruir a consciência, que é a condição prévia para a libertação do proletariado.

O Estado e a Revolução
            A questão do Estado ocupa um lugar central na teoria revolucionária. O marxismo ensina que o Estado capitalista (em última análise, “os corpos especiais de homens armados comprometidos com a defesa da propriedade burguesa”) não pode ser assumido e usado para servir aos interesses da classe trabalhadora. O poder da classe trabalhadora só pode ser estabelecido pela destruição da maquinaria burguesa de Estado atual, e sua substituição por instituições comprometidas com a defesa da propriedade proletária, ou seja, coletivizada.
            Nós somos terminantemente contra a intervenção do Estado burguês, em qualquer de suas formas, nos assuntos do movimento operário, inclusive a arbitragem de greves. Os marxistas são contra quaisquer “reformadores” sindicais que procurem corrigir a corrupção burocrática através das cortes capitalistas. Os trabalhadores devem limpar a própria casa! Nós também defendemos a expulsão, do movimento sindical, de todos os policiais e guardas de prisão. Os mesmos não representam uma fração da classe trabalhadora, mas sim parte do aparato repressor necessário ao Estado burguês.
            O dever dos revolucionários é ensinar à classe trabalhadora que o Estado não é um árbitro imparcial entre interesses sociais conflitantes, e sim uma arma usada contra ela pelos capitalistas. Assim, os marxistas são contra as exigências reformistas/utópicas de que o Estado burguês “proíba” a existência de fascistas, por exemplo. Tais leis, invariavelmente, serão usadas muito mais agressivamente contra o movimento operário e a esquerda do que contra a escória fascista, que constitui as tropas de choque da reação capitalista. A estratégia comunista de luta contra o fascismo não é fazer apelos ao Estado burguês, e sim mobilizar o poder da classe trabalhadora e dos oprimidos, pela ação direta, para esmagar os movimentos fascistas em seu nascedouro, antes que possam crescer. Para isso, se faz necessário educar a classe a respeito da importância das autodefesas armadas, submetidas aos órgãos da classe, para não haver ilusões na polícia burguesa quando surgir um momento de  enfrentamento.
            Os leninistas rejeitam totalmente a idéia de que tropas imperialistas possam ter um papel progressivo em qualquer lugar: seja “protegendo” a população do Haiti ou “mantendo a ordem” no Oriente Médio. Nem pressionamos as diplomacias a “boicotarem” os países imperialistas. Em vez disso, nos apoiamos nas mobilizações das massas trabalhadoras e seus métodos, como greves e piquetes.

Defensismo e a Questão Russa
            Nos colocamos na defesa incondicional das economias coletivizadas dos Estados Operários Deformados do Vietnã, China, Coréia Norte e Cuba, contra a restauração capitalista. Mas nós não perdemos de vista nem um momento o fato de que somente revoluções políticas proletárias, que derrotem os burocratas anti-operários e traidores que governam estes Estados, podem defender as conquistas existentes e abrir o caminho para o socialismo.
            A vitória da fração stalinista na União Soviética, nos 1920, sob a bandeira do “Socialismo num só País”, foi consolidada com o extermínio físico dos principais quadros do partido bolchevique, tanto devido à guerra civil, quanto aos Processos de Moscou. Os usurpadores stalinistas subvertem decisivamente tanto a defesa da União Soviética quanto a revolução mundial. A perspectiva de uma insurreição proletária para restabelecer o domínio político direto da classe trabalhadora, portanto, não é contraposta, e sim indissoluvelmente ligada à defesa das economias coletivizadas.


            Após o fim da URSS, os Estados Operários que sobraram precisaram recorrer a uma política semelhante à NEP, abrindo as suas economias para o capital imperialista. Por isso, China, Cuba e Vietnã destruíram a planificação econômica, que era a maior conquista da revolução. Mesmo assim, o fato do aparelho de Estado nesses países não ser controlado pela burguesia, e sim pela burocracia (uma casta pertencente à classe trabalhadora), faz com que ele seja um ponto de apoio para a volta de uma economia planificada e para a luta contra a recolonização pelo imperialismo. Por isso, continuamos a defender incondicionalmente esses Estados contra a restauração do domínio da burguesia.
            Já a questão russa se trata de três acontecimentos que dividiram a esquerda entre uma minoria que se manteve fiel aos princípios do marxismo e do leninismo e uma esmagadora maioria que capitulou ao chamado “vendaval oportunista”, degenerando em correntes reformistas ou centristas. Tais acontecimentos foram: a supressão do Solidariedade polonês, em 1981, a intervenção do exército soviético no Afeganistão e a tentativa de golpe do Comitê de Emergência, em 1991, na URSS (o “bando dos oito”).
            Nas três situações nós defendemos a aliança militar com os stalinistas. Isto não implica que os burocratas stalinistas tenham qualquer papel histórico progressivo a desempenhar, muito pelo contrário. Porém, defendemos ações como essa porque eles são forçados a defender as formas de propriedade operárias.

Centralismo democrático
            Defendemos como forma de organização aquela do partido bolchevique e da Terceira Internacional, a única em toda a História que foi capaz de dirigir a classe trabalhadora na tomada do poder. Tal forma consiste no estrito centralismo, com os organismos superiores tendo plena autoridade para dirigir o trabalho dos demais organismos e membros inferiores. A organização deve ter o monopólio político sobre a atividade política pública de seus membros.
            Ao mesmo tempo, a militância deve ter o direito garantido à plena democracia fracional (ou seja, o direito de, a qualquer momento, conduzir luta política interna para mudar a linha e/ou substituir a direção vigente). A democracia interna não é um enfeite decorativo – nem meramente uma válvula de segurança de uma panela de pressão para a base – é uma necessidade crítica e indispensável para a vanguarda revolucionária, se esta quer lidar com os desenvolvimentos complexos da luta de classes. É também o meio principal pelo qual os quadros revolucionários são criados. O direito à democracia fracional interna, ou seja, o direito de lutar contra o revisionismo dentro da vanguarda, é a única “garantia” contra a degeneração política de uma organização revolucionária.
            As tentativas de encobrir diferenças importantes e apagar linhas de demarcação política interna só podem enfraquecer e desorientar um partido revolucionário. Uma organização cuja coesão é mantida por diplomacia e consenso no máximo denominador comum tem como consequência a ambigüidade programática (em vez de acordo programático e de princípios, e luta pela clareza política). Uma organização desse tipo está apenas esperando a primeira prova séria posta pela luta de classes para acabar rachando.
            Por outro lado, as organizações em que a expressão de diferenças é proscrita – seja formal ou informalmente – são destinadas a se fossilizarem em seitas rígidas, hierárquicas e sem vida, crescentemente divorciadas do movimento real dos trabalhadores, e incapazes de reproduzir os quadros necessários para executar as tarefas de uma vanguarda revolucionária.


Pelo Renascimento da Quarta Internacional! Pela construção do Partido Revolucionário dos trabalhadores!
            O marxismo revolucionário do nosso tempo é a teoria política derivada da experiência destilada de mais de um século e meio de luta da classe operária pelo comunismo. Foi comprovado pela positiva durante a Revolução de Outubro de 1917, o acontecimento mais importante da história contemporânea e, desde então, pela negativa.
            Depois do estrangulamento burocrático do partido bolchevique e da Internacional Comunista pelos stalinistas, a tradição do leninismo, a prática e o programa da revolução russa, foi levada adiante somente pela Oposição de Esquerda.
            O movimento trotskista nasceu na luta pelo internacionalismo revolucionário, contra o conceito reacionário/utópico do “Socialismo num só país”. A necessidade de uma organização revolucionária em nível internacional é derivada da própria organização da produção capitalista. Os revolucionários em cada terreno nacional devem ser guiados por uma estratégia de dimensão internacional – e que seja elaborada através da construção de uma direção internacional da classe trabalhadora. Ao patriotismo da burguesia e de seus lacaios, social-democratas e stalinistas, o trotskistas opõem a palavra de ordem imortal de Karl Liebnecht: “O pior inimigo está em casa”. Nós nos baseamos nas posições programáticas básicas adotadas pela conferência de fundação da Quarta Internacional, em 1938, e nas tradições revolucionárias de Marx, Engels, Lênin, Luxemburgo e Trotsky.
            Os dirigentes da Quarta Internacional fora da América do Norte foram, na sua maioria, aniquilados e dispersos durante a Segunda Guerra Mundial. A internacional foi definitivamente destruida politicamente pelo revisionismo pablista nos anos 50. Nós não somos neutros em relação à divisão que ocorreu em 1951-53 – estamos do lado do Comitê Internacional (CI) contra o Secretariado Internacional pablista (SI). A luta do CI tinha falhas profundas, tanto na sua elaboração política como em sua execução. Mesmo assim, em última análise, o impulso do CI para resistir à dissolução dos quadros comunistas dentro dos partidos stalinistas e social-democratas (como foi proposto por Pablo), e a sua defesa da necessidade de um fator consciente na história, os fizeram qualitativamente superiores aos liquidacionistas do SI.
            O morenismo é apenas uma forma de pablismo adaptada às condições da América Latina. Ao rejeitar a idéia de que somente em casos muito excepcionais as direções oportunistas podem ser levadas a estabelecer um Estado Operário (deformado), o morenismo aposta que o reformismo é capaz de liderar revoluções socialistas “de fevereiro”. Por isso, quase todas as correntes morenistas hoje no Brasil estão envolvidos ou com a construção do PSOL ou com uma “frente única estratégica” com ele.
            Dentro do CI, a seção mais importante era o Socialist Workers Party americano (SWP). Também era a seção mais forte na época de fundação da internacional. Havia se beneficiado da colaboração direta de Trotsky e tinha quadros na sua direção que remontavam aos primeiros anos do Comintern. O colapso político do SWP como organização revolucionária, assinalado pelo seu entusiasmo acrítico em relação ao castrismo nos anos 60, e culminando com a sua unificação com os pablistas em 1963, foi um golpe enorme para todos os comunistas.
            Nós somos solidários com a luta da Tendência Revolucionária do SWP, que defendeu o programa revolucionário contra o objetivismo centrista da maioria. Nós nos baseamos nas posições trotskistas defendidas e elaboradas pela Liga Espartaquista revolucionária nos anos seguintes. Mesmo assim, sob a pressão de anos de isolamento e frustração, a SL se degenerou qualitativamente em uma seita burocrática cada vez mais abstencionista diante da luta de classes, e que tem demonstrado um impulso consistente de capitular sob pressão. A LQI, formada em 1996 por um setor da direção da Liga Espartaquista, por não ter feito autocrítica de mais de quinze anos de degeneração, acaba reproduzindo os mesmos erros, mas com um tom ainda mais stalinofílico e sectário.
            O PCI francês, o outro componente principal do CI, manteve as suas posições revolucionárias até o início dos anos 1970 quando, capitulando à política de frente única antiimperialista do POR boliviano, passou a se desviar cada vez mais à direita, o que terminou por levá-lo a adotar um programa social-democrata de entrismo sui generis nos partidos reformistas.
Por isso, consideramos que a Tendência Bolchevique Internacional, que resistiu ao processo de degeneração da Liga Espartaquista, e combateu seus desvios abstencionistas e sua capitulação ao stalinismo desde os anos 1980, é a depositária do programa espartaquista nos dias de hoje, e a peça fundamental para a luta pela refundação da Quarta Internacional.
            No Brasil, a luta pela refundação da Quarta Internacional passa pela criação do Partido Revolucionário dos Trabalhadores. No Brasil, nunca houve um partido revolucionário. O PCB já nasceu com uma estratégia etapista (a “revolução pequeno-burguesa” dirigida pelos camponeses e pelos tententes). A primeira corrente da Oposição de Esquerda no país, a LCI, tinha um profundo desvio centrista, além de ignorar a questão camponesa. Ela foi destruída ao ser ganha para o antidefensismo nos anos 1940. Após ela, os vários grupos posteriores foram criados como seções de uma QI ou de correntes internacionais já centristas, com a única exceção da OSI, nos anos 1970, que depois foi cooptada pelos lambertistas.
        No setores que romperam parcialmente com a concepção stalinista, a POLOP e o PCBR deram algumas contribuições para a formação do programa comunista para o país, respectivamente com a teoria do subimperialismo e com a análise do escravismo colonial. Infelizmente, não chegaram a cristalizar uma corrente internacionalista e revolucionária, em parte devido á repressão da ditadura militar. Com a formação do PT, todas as correntes se adaptaram à sua concepção social-democrata. Por isso, ainda está pendente a tarefa de, através de fusões e rupturas, cristalizar uma vanguarda comunista, com um programa marxista revolucionário, formando uma organização com maioria de mulheres e negros – os setores mais oprimidos da classe. Essa é a maior tarefa do Coletivo Lênin.