Arquivo Histórico: Dia Internacional da Mulher Trabalhadora
[Escrito em 1954 por Evelyn Reed, importante revolucionária norte-americana, ativista em prol dos direitos das mulheres e dirigente do Partido dos Trabalhadores Socialistas (SWP – EUA). Tradução em português disponível em http://www.marxists.org/portugues/reed-evelyn/1954/mes/mito.htm.]
Em todos os lugares do mundo em que a raça humana avançou, as mulheres descobriram que os produtos típicos daquela terra se transformariam em sua segurança. Na Polinésia, o cará ou a árvore da fruta na África a palmeira e a mandioca, o milho e a batata-doce. Na Europa, os cereais. Na América, o trigo e a batata etc…(1)
Em todas as partes do mundo a manutenção da família é garantida com maior regularidade e certeza pelas tarefas da mulher, ligada à casa, do que pelas do marido ou filhos caçadores que estão longe. Realmente, nos povos primitivos, era um espetáculo habitual o homem voltar ao lar depois de uma caçada mais ou menos árdua, com as mãos vazias e morto de fome. Portanto, as provisões vegetais deviam bastar para suas necessidades e para as do restante da família.(2)
A primeira domesticação é simplesmente a adoção dos filhotes abandonados. O caçador traz para casa um cabrito ou um cordeiro, vivos. À mulher e as crianças tratam dele e o acariciam, e inclusive ela o amamenta no peito. Pode-se apontar exemplos intermináveis de como as mulheres sabiam capturar e domesticar os animais da selva. De todas as formas, as mulheres se ocuparam, em grande parte, dos animais que forneciam leite e lã.(3)
O instrumento que usavam para tirar raízes do solo era um pau que media cerca de 7 a 8 pés de comprimento, endurecido a fogo, e com uma ponta no final, que lhes servia de arma, tanto ofensiva como defensiva. A partir daqui, podemos descobrir quais foram os passos dados para se chegar ao cultivo sistemático do solo.
Um pau comprido é enterrado no solo e sacudido várias vezes para remover a terra que, por sua vez, é recolhida com a mão esquerda e jogada para outro lado. Desta forma escavam rapidamente, mas a quantidade de trabalho é demasiadamente grande em relação aos resultados. Para recolher uma batata com uma circunferência de meia polegada aproximadamente, devem escavar um buraco de um pé de largura por dois de profundidade, como mínimo. As mulheres e as crianças dedicam uma parte considerável de seu tempo a este trabalho.
Nos terrenos férteis, onde a batata-doce cresce em abundância, a terra é peneirada. O efeito de escavar a terra ao redor das raízes e das batatas-doces propiciou o enriquecimento e a fertilização do solo, e desta maneira aumentou a coleta de raízes e ervas. A queda da semente na terra anteriormente revolta com o pau, contribuiu para se obter um resultado idêntico. Além disso, as sementes levadas pelo vento, pouco depois davam outros frutos.(4)
Com o cultivo, o processo seletivo produziu muitas novas espécies de vegetais ou alterou profundamente as características das já existentes. Na Melancia chegam a fazer crescer batatas de seis pés de comprimento e cerca de um pé de espessura, e inclusive mais que isso. Enquanto que as míseras raízes que os australianos tiram da terra não são maiores do que um grão-de-bico.(5)
A evolução da agricultura primitiva passa pela busca de vegetais, a fixação das habitações próximas dos mesmos, a escavação do terreno, o semear, o manual e finalmente com a utilização de animais domésticos.(6)
Toda a vida industrial da mulher foi construída a partir da provisão de alimentos. Desde a primeira viagem a pé, para buscá-los, até o momento de cozinhá-los e comê-los, realizaram uma série de experiências que continuaram e que eram próprias das circunstâncias vividas.(8)
A mulher na indústria, na ciência e na medicina
Conseguindo utilizar o fogo, o homem controlava uma força física potente e uma importante transformação química. Pela primeira vez na história, um ser vivo conseguia controlar uma das forças da natureza. E o uso de uma força condiciona quem a controla… Ao acender e apagar o fogo, ao transportá-lo e usá-lo, o homem conseguiu distanciar-se completamente do comportamento dos outros animais. O homem afirmou sua humanidade e se converteu em Homem.(9)
Pela invenção dos celeiros e proteção dos alimentos de pequenos animais, o mundo deve agradecer à mulher pela domesticação do gato… A mulher amansou o gato selvagem para a proteção de seu celeiro.(10)
As mulheres desses países compreenderam que cozinhando ou simplesmente fervendo, podiam transformar em comestíveis plantas que em seu estado natural são venenosas ou demasiado ásperas e picantes.
Por exemplo, a mandioca é venenosa em seu estado natural. Mas a mulher conseguiu transformá-la em um alimento-base através de um complicado processo de compressão, utilizando uma prensa primitiva, para eliminar as substâncias venenosas e depois cozinhando- a para eliminar qualquer outro resíduo desagradável.
Queimavam com cuidado a parte côncava, controlando a chama. Logo estas maravilhosas e versáteis mulheres deixavam de lado o fogo e, improvisando uma escova de madeira, cortavam os resíduos. Com uma lâmina de pedra, raspavam a resina até obter uma superfície de madeira completamente lisa. Parte côncava era raspada e queimada até se obter a forma desejada. Completa a bacia, estava pronta para ser usada como panela.(11)
Todos os povos usam a corda, seja para ligar os cabos dos utensílios ou para fazer redes para caçar coelhos, bolsas ou braceletes. Nos lugares onde se usa muito mais as peles de animais, como entre os esquimós, estas cordas de modo geral consistem em tiras de couro ou tendões de animais. Os povos que vivem nos campos, ao contrário, usam fibras vegetais como o hibisco ou raízes longas que não necessitam nenhum tratamento especial para serem utilizadas. Outras fibras, muito curtas, são enroscadas entre si até formarem uma longa corda.(12)
“Os chamados chapéus do Panamá, cujos exemplares mais belos podem ser comprimidos até que se consiga passá-los através de um anel, talvez sejam o exemplo mais típico”.(14)
“A indústria têxtil requer não só o conhecimento de substâncias particulares como o algodão, o linho e a lã, mas também a criação de certos animais e o cultivo de plantas especiais”.(15)
necessita-se uma série complexa de descobrimentos e invenções e um conhecimento científico igualmente complexo Entre as invenções prioritárias, a mais importante é o tear. Consideramos que o tear é um instrumento mais ou menos complicado, demasiada mente complicado para podermos descrevê-lo aqui. E sua utilização não é menos complexa. O tear, a sua invenção, foi um dos grandes triunfos do engenho humano. Seus inventores não possuem nomes, mas realizaram uma contribuição essencial à bagagem cultural do homem.(16)
A caça é um ótimo exercício tanto para o corpo como para a mente. Estimula a cooperação, o autocontrole, a agressividade, o engenho e a inventividade. E, por último, exige um alto grau de destreza manual. O gênero humano não poderia ter melhor escola em seu período de formação.(17)
Trabalhadoras do couro
Quando os caçadores trazem para o acampamento a pele de um guanaco, a mulher — diz ele — se ajoelha sobre a pele, limpa-a, raspa laboriosamente com sua folha de quartzo os tecidos rotos e a camada transparente que existe abaixo deles. Depois, com os punhos, amassa a pele palmo por palmo, de cima para baixo, em toda a extensão e às vezes mastigando-a com os dentes para que se torne mais macia. No caso de ser necessário o corte dos pelos, usa-se o mesmo processo da raspagem.
Estas espécies de raspadores, que constituem a maior parte dos utensílios primitivos, foram usadas e inventadas pela mulher. Nasceram muitas controvérsias sobre os possíveis usos desses objetos, mas o fato é que ainda hoje as mulheres esquimós empregam utensílios idênticos aos que suas irmãs europeias usaram em abundância durante a Era Glacial.Os raspadores ou cutelos usados pelas mulheres esquimós, são de forma geral muito elaborados e montados artisticamente em cabos de osso. Na África do Sul, a terra está cheia desses objetos, idênticos aos que se encontraram na Europa, originários da Era Paleolítica.Segundo testemunhos de pessoas que conheciam bem os costumes dos bosquímanos, estes objetos eram fabricados pelas mulheres.(18)
O raspador é o utensílio primeiro, que se usa em qualquer trabalho. Sua utilização entre as mulheres aborígenes de Montava é transmitida de mãe para filha, de geração em geração, e assim sucessivamente, desde o nascimento do gênero humano.(19)
Curtume
O produto que se deve empregar varia de acordo com a utilidade que a pele vai ter. As peles macias eram alisadas até se conseguir uma espessura uniforme, e também se utilizava a camada que fica junto ao pelo. As mais duras eram usadas na construção de cabanas, escudos, canoas ou botas. As mais finas e laváveis, para vestidos. Tudo isto requeria trabalhos técnicos especiais que haviam sido elaborados precisamente pelas mulheres.
No continente americano, só as mulheres sabiam como tratar qualquer tipo de pele de animal, como gatos, ursos, ovelhas, antílopes, crocodilos, tartarugas, e inclusive répteis e peixes.(20)
Ceramistas e artistas
Talvez a cerâmica seja a primeira utilização consciente de um processo químico por parte da humanidade… O fator essencial da arte cerâmica e que a mulher pode modelar algo de argila, na forma que desejar, e logo, utilizando o fogo, dar-lhe a forma definitiva (calor acima dos 600 graus centígrados). Aos homens primitivos, tal mudança na qualidade de um material deve ter parecido uma espécie de transmutação mágica. A conversão do barro ou da terra em pedra…O fato essencial deste descobrimento consiste em conseguir controlar e utilizar o processo químico que citamos anteriormente. Mas, da mesma forma que os demais descobrimentos, a sua aplicação prática implica outros novos conhecimentos. Para que a argila esteja em condições de ser trabalhada, tem que ser molhada, mas se o objeto é colocado úmido no forno, ele se quebra. A água deve secar aos poucos no sol, ou próxima do fogo, antes da argila ser cozida. Da mesma forma, a argila tem que ser cortada, preparada e lavada, para eliminar todos os resíduos de outras substâncias.Durante o cozimento, a argila muda não só sua consistência física, mas também sua coloração. O homem teve que aprendera a controlar estas mudanças e utilizá-las as para melhorar a beleza dos vasos…
A arte da cerâmica, inclusive em seu estado mais rústico e generalizado, já era complexa. Implicava um certo número de processos bem distintos e a aplicação de numerosos descobrimentos. Construir um vaso foi um exemplo magnifico da criatividade humana.(21)
Um fabricante de cestas pode se converter em um decorador, sem ter a intenção de fazê-lo; mas no momento em que um determinado modelo deslumbra os nossos olhos, então buscamos repeti-lo. A corda retorcida de um cesto pode parecer uma espiral, uns arabescos etc. O fato essencial é que, uma vez considerada decorativa, esta forma geométrica se aplica também a outras formas de arte. Um ceramista pode pintar figuras em seu vaso, um escultor pode imitá-las em sua madeira.(22)
Não estamos acostumados a pensar que a arte de construir casas ou a arquitetura foram ocupações tão femininas quanto a fabricação de botas ou objetos de terracota. E, sem dúvida, as cabanas dos australianos, das ilhas habitantes as ilhas de Andaman, dos habitantes da Patagônia, os toscos refúgios dos Seri, as tendas de pele dos índios norte-americanos, a “iurta” dos nômades da Ásia Central, a tenda de pele de camelo dos beduínos, todos são trabalhos exclusivamente femininos.Às vezes, estas moradias, mais ou menos estáveis, eram muito elaboradas. A “iurta”, por exemplo, e, na maioria das vezes, uma casa muito grande, construída sobre uma armação de madeira em forma de círculo, que tem em cima uma espécie de encerado também de madeira, todo ele coberto por uma espessa camada de feltro, que dá à casa uma estrutura de cúpula. O interior está dividido em numerosos compartimentos. A exceção da madeira, todo o restante foi construído e colocado pelas mulheres turcomanas.
Os pueblos do Novo México e do Arizona recordam em sua forma as pitorescas cidades orientais. São grupos de casas, construídas umas sobre as outras. O teto plano de uma serve de base para a outra. Os andares mais elevados são alcançados através de escadas de polé ou escadarias exteriores, e os muros são bastiões com merlões ornamentais. Pátios, praças, ruas, curiosos edifícios públicos que servem tanto como locais de reuniões ou de templos… como testemunham as numerosas ruínas.(23)
Nenhum homem contribuiu nem com o mínimo para erguer uma casa. Estes edifícios eram construídos somente pelas mulheres, as meninas e as jovens das missões Entre estes povos era costume que as mulheres fossem as construtoras de casas.(24)
Os pobres foram rodeados por uma alegre multidão de mulheres e crianças que riam e zombavam deles, e que pareciam encontrar-se frente à coisa mais engraçada do mundo: um homem ocupado na construção de uma casa.(25)
A mulher não era só uma experiente trabalhadora da sociedade antiga, mas também se ocupava de trabalhos muito duros e pesados, como o transporte de mercadorias, utensílios etc.
Antes que tivessem este trabalho aliviado pelos animais domésticos, ao menos em parte, eram elas que transportavam sobre os ombros todo o necessário. Quando toda a tribo mudava de um lugar para outro, transportavam não só as matérias-primas para suas indústrias, mas também depósitos inteiros de mercadorias.
Quando a tribo emigrava, e isto ocorria com muita frequência antes que se desenvolvessem o sedentarismo, eram as mulheres quem desmontava e armava as tendas e cabanas. As mulheres transportavam os objetos mais pesados e também seus filhos. Na vida diária, era também a mulher quem transportava grandes feixes de lenha para o fogo, a água, os alimentos e todos os produtos essenciais. Segundo Chapple e Coon, inclusive hoje, as mulheres da tribo Ona, da Terra do Fogo, transportam pesos de mais de 100 libras quando emigram. Entre os Akikuyus da África Oriental, escrevem os Routledge, os homens não estavam em condições de suportar pesos de mais de 40 ou 60 libras, enquanto que as mulheres suportavam mais: “Quando um homem diz: esta carga está muito pesada, é porque ela está pronta para ser levantada por uma mulher e não por um homem. Isto nada mais expressa do que uma realidade”.(26)
Sobre este aspecto do trabalho feminino, Mason escreve:
Dos ombros da mulher, do carro a majestosa nave, está aqui a história do maior dos artifícios que impulsionou nossa raça a explorar o mundo inteiro. Não me estranha que o carpinteiro talhe em madeira, na proa de seu navio, uma cabeça de mulher, e que a locomotiva receba nomes femininos.(27)
A opinião fantasiosa de que as mulheres estiveram oprimidas na sociedade primitiva em parte deriva da complacência do homem civilizado e, em parte, do fato de que as mulheres trabalhavam duramente. Uma vez que as mulheres realizavam trabalhos cansativos, seu estado era considerado como que de escravidão e opressão. Não poderia existir maior equívoco…
A mulher primitiva é independente, e não apesar de seu trabalho. No geral, é justamente nos povos entre os quais elas trabalham mais duramente, que são mais independentes e têm uma maior influencia. De modo geral, lá onde as mulheres ficam na folga e os trabalhos são realizados por escravos, elas são pouco mais do que escravas sexuais…
Qualquer um que houvesse observado o comportamento das mulheres, concentradas em seu trabalho, sua alegria, sua conversa, suas risadas e suas canções, não poderia deixar de comparado com os de nossas mulheres que hoje trabalham.(28)
As mulheres aprenderam com as aranhas a tecer redes. Com as abelhas e formigas a conservar os alimentos e a trabalhar a argila. Isto não significa que esses animais criaram escolas para que aquelas obtusas mulheres aprendessem a trabalhar, mas sim que as mentes despertas destas estavam sempre dispostas a se apoderar de qualquer experiência que viesse daquela fonte. Foi na época da industrialização que a mulher mostrou todo seu talento. Desde o princípio, estabeleceu os caminhos que era necessário percorrer, e se ativeram a eles sem reservas.(29)
As primeiras comunidades
Dado a humildade com que a mulher iniciou as suas primeiras atividades, muitos historiadores apresentam a indústria feminina como basicamente familiar ou artesanal. Sem dúvida, é importante levarmos em conta que antes de se desenvolver a máquina, quina, não existia nenhuma forma de arte, a não ser o artesanato. Antes que surgissem as fábricas especializadas, não existia senão a casa.
Obviamente sem estas formas artesanais primitivas não teriam nascido as grandes corporações da Idade Média. E sequer o mundo moderno teria se desenvolvido com suas fazendas agrícolas mecaniza das e suas inúmeras indústrias.
Quando as mulheres começaram a trabalhar, fizeram com que o gênero humano se elevasse acima do reino animal. Foram elas as primeiras trabalhadoras e as fundadoras da indústria, a primeira força que elevou a humanidade para além de seu estado de símio. Junto com o trabalho, nasce a linguagem.
Como escreve Engels:
O desenvolvimento do trabalho, ao multiplicar os casos de ajuda mútua e de atividades sociais, fazia necessariamente com que os membros da sociedade se reunissem cada vez mais… A única teoria correta sobre a origem da linguagem é a de que ela nasce e se desenvolve junto com o processo do trabalho. Primeiro nasceu o trabalho, e logo, como consequência, se desenvolveu a linguagem articulada.(30)
Exatamente porque, a cada dia se ocupava de todas as atividades industriais, a mulher inventou e fixou uma linguagem em relação às mesmas. O Dr. Brinton escreve em uma carta particular que em muitas linguagens primitivas não só se encontram muitas expressões que são próprias das mulheres, como em muitas partes do mundo se encontra com frequência linguagens usadas somente pelas mulheres e completamente distintas da dos homens.
Os homens primitivos, quando iam caçar ou pescar, estavam geralmente sozinhos, e esta atividade lhes impunha silêncio. As mulheres, pelo contrário, estavam juntas e falavam o dia todo, e tal coisa é tão certa que, prescindindo dos ambientes culturais, as mulheres têm ainda hoje em dia um vocabulário mais rico e são as melhores oradoras e escritoras.(31)
A família – a comunidade
A família era toda a comunidade. Não existiam individualismos e sim coletivismo social. Sobre este ponto, escreve Gordon Childe:
No Neolítico, a arte aparece como uma ocupação familiar. Nem mesmo as tradições artesanais são individuais, são coletivas. A experiência e sabedoria colocam-se constantemente em evidência e, com exemplos e explicações, são transmitidas de pai para filho. A filha ajuda a mãe a trabalhar os vasos. Observa-a atentamente, imita e recebe as explicações, advertências e os conselhos necessários. No Neolítico, as ciências aplicadas foram transmitidas pelo que chamamos atualmente de sistema de aprendizagem.
Num povoado moderno africano, a mulher não se isola para modelar ou coser seus vasos.
Todas as mulheres trabalham juntas, conversam, confrontam suas experiências e se ajudam mutuamente. Todas as atividades são públicas, suas regras são resultados de experiências comuns… E a economia neolítica em seu conjunto não poderia existir sem esforços comuns.(32)
Através destas experiências as mulheres se converteram nas primeiras trabalhadoras e lavradoras, nas primeiras cientistas, doutoras, arquitetas, engenheiras; as primeiras professoras, educadoras e artistas, e transmitiram a herança social e cultural. As famílias que surgiram não eram simplesmente cozinhas coletivas ou salas de cozinhar, mas eram também as primeiras fábricas, os primeiros laboratórios científicos, centros médicos, escolas e centros culturais e sociais. O poder e o prestígio feminino que surgem das funções procriadoras, alcançam seu ponto máximo com a primazia de suas atividades socialmente úteis.
A emancipação do homem
Durante todo o tempo em que a caça intensiva foi uma ocupação indispensável, o homem esteve relegado a uma experiência de segunda ordem. A caça isolava os homens durante períodos muito grandes da comunidade, e da participação nas formas mais altas de trabalho.
O descobrimento da agricultura e da domesticação de animais pela mulher representou também a emancipação dos homens. A caça já não era socialmente indispensável, e esta atividade se viu transformada, rapidamente, em um simples esporte. Os homens estavam então livres para participar da vida cultural e industrial da comunidade. Com o aumento das provisões de alimentos, cresceu também a população. Os acampamentos nômades se transformaram em povoados estáveis e, mais tarde, em vilas e cidades.
No primeiro período de sua emancipação, os homens eram menos capazes do que as mulheres nas atividades produtivas. Portanto, limitavam-se a cortar as ervas daninhas nos campos e a preparar o terreno para o cultivo que as mulheres faziam. Cortavam árvores e armazenavam madeira para as construções. Só mais tarde começaram a trabalhar na construção propriamente dita, assim como cuidar de animais e de seu filho.
Mas, ao contrário das mulheres, não tiveram que começar do princípio. Em pouco tempo, conseguiram aprender não só aquelas atividades que exigiam uma certa destreza, mas realizaram grandes melhoras no que diz respeito aos utensílios de trabalho, móveis e tecnologia em geral. A agricultura se incrementou notavelmente com a invenção do arado e com o uso de animais já domesticados.
Durante um breve período de tempo, em termos históricos, a divisão do trabalho entre os sexos foi uma realidade. Homens e mulheres, juntos, aumentaram o bem-estar social e consolidaram as primeiras povoações sedentárias. Mas a Revolução Agrícola, promovida pela mulher, que divide a época da colheita da época da produção, da mesma forma separa a barbárie da civilização e, mais adiante ainda, assinala o desenvolvimento de um novo sistema social e uma inversão da liderança econômica e social dos sexos.
Estas novas condições de vida, que começaram com a abundância de alimentos necessários para urna população crescente, liberaram uma nova força produtiva e, com ela, novas relações produtivas. A velha divisão do trabalho entre os sexos foi substituída por uma nova divisão social do trabalho. O trabalho agrícola separou-se do trabalho industrial urbano, o trabalho manual do trabalho intelectual. E as atividades femininas passaram gradualmente para os homens.
Por exemplo, com o torno, os especialistas do ofício se apoderaram da arte artesanal feminina de modelar os vasos. Como diz Childe:
A etnografia nos demonstra que os ceramistas que usam o torno são geralmente homens, e não mulheres. E o antigo método artesanal de modelar os vasos, nada mais é para eles que um dever familiar, como o de cozinhar ou tecer.(33)
As mesmas causas que levaram à emancipação do homem conduziram à queda do matriarcado e à escravização da mulher. No momento em que o homem se apropriou dos meios de produção, a mulher foi relegada exclusivamente a suas funções biológicas de mãe, e lhe foi negada toda forma de participação na vida social produtiva. Os homens tomaram as rédeas da sociedade e fundaram um novo a serviço de suas necessidades. Da destruição do matriarcado, nasceu a sociedade de classes.
Neste resumo das atividades produtivas da mulher no sistema primitivo, vimos como os dois sexos contribuíram na edificação da sociedade e para o progresso da humanidade até o estágio atual. Mas esta contribuição não se deu ao mesmo tempo, nem da mesma forma. E isto nada mais é do que uma expressão do desenvolvimento desigual da sociedade em geral.
Durante o primeiro grande período de desenvolvimento social, foi a mulher quem conseguiu fazer com que a humanidade progredisse até se tornar superior ao reino animal. E uma vez que os primeiros passos são sempre os mais difíceis, não podemos deixar de considerar decisiva a contribuição social e produtiva das mulheres. Foram os descobrimentos no campo produtivo e cultural os que tornaram possível a civilização. Foram necessárias centenas de milhares de anos para que as primeiras mulheres pudessem assentar as bases sociais. E justamente por terem colocado estas bases tão solidamente, foram necessários menos de quatro mil anos para que a civilização alcançasse seu estágio atual.
Por isso não é científico querer discutir a superioridade do homem ou da mulher sem levar em conta a experiência histórica. No transcurso da história, assistimos a uma grande inversão na superioridade social dos sexos. O papel dirigente pertenceu primeiro à mulher, biologicamente dotada pela natureza; e logo aos homens, socialmente dotados pelas mulheres. Entender estes fatos históricos significa evitar cair na armadilha de valorizações arbitrárias baseadas somente em instinto e pré- julgamentos. E compreender isto significa destruir o mito que faz das mulheres seres naturalmente inferiores.
Primavera de 1954.
Notas de rodapé:
(34) Smithies é o termo em inglês para ferraria. N. da T.