Fundamentalismo evangélico na luta pelo poder
Globo x Igreja Universal
Fundamentalismo evangélico na luta pelo poder
Julho de 2009
[Nota do Reagrupamento Revolucionário: apesar da sua análise fundamentalmente correta acerca do projeto de poder do fundamentalismo evangélico no Brasil, esse artigo contém uma perspectiva catastrofista do processo de desenvolvimento capitalista. Essa era uma perspectiva compartilhada por parte dos membros do Coletivo Lenin (organização da qual se originou o Reagrupamento Revolucionário) e que, apesar de nunca ter sido seriamente discutida entre o conjunto da organização, não raro vinha à público. Deixamos claro que nós não a reivindicamos como parte de nosso legado teórico-programático.]
O COAF (órgão do governo federal que regula a cobrança de impostos) denunciou a Igreja Universal por desviar os dízimos para uso pessoal de seus líderes e empresas ligadas à igreja. Desde então, começou uma troca de acusações diárias entre a Rede Record (da Universal) e a Globo (que a Record responsabiliza por ter “criado uma campanha de calúnias”), em que os dois canais jogam no ar os podres uns do outro. A Record até mesmo comprou os direitos do filme “Muito além de Cidadão Kane”, um documentário sobre a aliança da Globo com a ditadura e o seu papel de manipular informação para controlar o povo.
Quando os dois maiores fabricantes de mentiras e desinformação do país se confrontam, não dá pra esperar ouvir muita verdade. E a primeira mentira é que isso é a luta de um setor ligado a uma igreja contra uma multinacional “laica”. A Globo, além de apoiar a ditadura, sempre se encostou nos setores conservadores da Igreja Católica. No capitalismo, não existe Estado completamente laico, porque é fundamental para as classes dominantes usar as religiões para controlar o povo.
A imprensa burguesa, instrumento de desinformação
Os meios de comunicação funcionam como um verdadeiro partido nos países capitalistas. Transmitem a ideologia e a política da classe dominante. Derrubam e levantam governos (como está acontecendo na Venezuela, com os ataques da imprensa contra o governo nacionalista de Chávez). Criam estereótipos racistas e machistas e homofóbicos. Por tudo isso, são um aparato fundamental para o Estado burguês.
A posição dos comunistas é contra o monopólio dos meios de comunicação. Isso significa, por exemplo, a não-renovação da concessão da Globo, por todo o seu papel de manipulação. Por exemplo, foi a Globo que escondeu as passeatas das Diretas Já! O jornal O Globo (junto com o JB e o Estado de São Paulo) foi um dos que agitaram a favor do Golpe de 1° de abril de 1964. Apoiou todas as mamatas de Fernando Henrique Cardoso. O governo Lula, por se apoiar em setores do empresariado e se comprometer a não fazer mudanças estruturais na sociedade, engoliu a renovação da concessão da Globo, mesmo ela tendo sido responsável pela derrota de Lula em 1989, com a sua edição tendenciosa do debate com Collor no Jornal Nacional.
Por outro lado, em nome do Estado laico, somos contra a concessão de meios de comunicação para igrejas. Mesmo que elas estejam “disfarçadas” com empresas de fachada.
A solução para a questão da comunicação (que é uma questão estratégica da luta pelo poder) só pode ser dada a favor dos trabalhadores com a expropriação de todos os meios de comunicação de massas. Isso só pode ser feito por um Estado Operário, baseado em assembléias. Só assim, poderá ser criada uma programação que realmente atenda às necessidades da sociedade.
Ao mesmo tempo, defendemos a liberação de todas as rádios e canais comunitários, sindicais e populares, sem necessidade de concessão estatal, que tem sido chamada pelo movimento da comunicação alternativa de “reforma agrária no ar”. Qualquer pessoa deve ter o direito de fazer jornalismo, sem exigência de diploma. Ao contrário da FENAJ (Federação Nacional de Jornalistas), que é a favor da exigência do diploma, por razões corporativistas (diminuir a concorrência no setor). E somos pelo fim de qualquer forma de censura, inclusive à pornografia.
Na Internet, somos a favor do Software livre, com código aberto e sem direitos autorais. E apoiamos o uso do hacktivismo como método de sabotagem (ligado às mobilizações de massas) contra governos e empresas, como foi feito através da sabotagem das comunicações do Exército israelense na guerra contra o Líbano.
Todas essas reivindicações só podem ser realizadas com a destruição do Estado burguês, que usa o monopólio da comunicação para impedir que o povo se informe sobre as condições sociais, o controle do poder pelos empresários e sobre as lutas de classes. Por isso, não podemos depositar a nossa confiança em medidas do governo. Uma dessas medidas é a Conferência Nacional de Comunicação, no final deste ano. Vários movimentos de comunicação alternativa estão agitando que a Conferência pode aprovar várias leis contra os monopólios, mas a própria composição (com representantes das empresas, como a ABERT) mostra a política do governo, de colaboração com os empresários, para que eles não desestabilizem o governo. É este o motivo de defendermos a não participação nessa conferência, assim como em todos esses fóruns de colaboração de classes que o Governo cria (Conferência das Cidades, etc).
O que é o fundamentalismo cristão?
Mas a disputa entre a Globo e a Record não coloca na ordem do dia somente a questão da comunicação. Como em todos os países do mundo, no Brasil também a decomposição do capitalismo (a partir da década de 1970) se expressa também como um retrocesso na superestrutura ideológica. Ideologias abandonadas há séculos retornam, porque a burguesia não tem mais capacidade de formular uma visão científica de mundo (o que levaria a questionar a própria sociedade de classes).
Assim, o fundamentalismo religioso voltou com toda a força. E não só em Israel e nos países árabes. Nos Estados Unidos, o centro do capitalismo mundial, há batalhas judiciais em todos os estados pela implantação de ensino do criacionismo nas escolas (uma das versões do criacionismo diz que o universo inteiro tem 6 mil anos!). Os mórmones dizem abertamente que a pele negra é sinal de maldição divina. Grupos “pró-vida” fazem atentados contra clínicas de aborto, ferindo e até matando pacientes e médicos. A Christian Coalition, de Pat Robertson, defende a implantação na íntegra das leis do Antigo Testamento (apedrejar mulheres adúlteras e homossexuais, cortar a mão de ladrão, etc). Se a gente continuar a repetir exemplos, esse texto vai acabar com mais de mil páginas!
O que tudo isso significa é que, devido à ausência de capacidade da burguesia em analisar a sua própria decomposição, esses discursos completamente falsos voltam à moda, e ainda servem como instrumento para oprimir mulheres, negros e homossexuais.
O protestantismo, no início, foi uma expressão da crise da Igreja Católica. Mas, a partir do século XVII, as correntes protestantes se aliaram com a burguesia em ascensão, e se tornaram um instrumento da luta ideológica contra a Igreja, a favor da separação entre a religião e o Estado. Por isso, nas revoluções inglesa e americana, grande parte dos militantes mais ativos era protestante.
A partir da decadência do capitalismo, se tornou impossível que qualquer conteúdo realmente revolucionário seja trazido pela religião (embora algumas correntes religiosas pequeno-burguesas possam levantar ainda palavras de ordem progressistas, dentro de um programa reformista, como a Teologia da Libertação e a Teologia Negra). Como o capitalismo acabou com todos os modos de produção tradicionais, e deixou claro que o que movimenta sociedade é a economia, só pode existir ação anticapitalista movida por uma ideologia que coloque o foco na produção (o comunismo).
Enquanto isso, as igrejas se tornam cada vez mais reacionárias. Até mesmo a defesa do Estado laico desapareceu. Hoje, existe uma exigência cada vez maior de uma legislação “cristã”, principalmente nos direitos reprodutivos. Os fundamentalistas são parte do complexo industrial-militar estadunidense (Bush Filho foi um exemplo claro disso). E, através, do “teleevangelismo”, têm chances de usar sua base de massas com objetivos políticos.
Opressão religiosa no Brasil
Sem deixar de denunciar o uso das religiões como ferramenta para manter o conformismo, e contrapor as conquistas do materialismo científico contra a superstição e a visão sobrenatural do mundo, nós comunistas lutamos pelo direito das minorias cultural-religiosas exercerem livremente as suas crenças.
No Brasil, isso é muito mais gritante: toda a opressão dos negros e índios foi justificada com um discurso religioso, desde a Colônia. Por isso, o candomblé, a umbanda, a pajelança e outras religiões de matriz africana e indígena têm sido satanizadas e foram proibidas até poucos anos atrás. O papel desse tipo de perseguição é destruir a cultura e a autoestima dos negros e indígenas. Além disso, como essas religiões são matriarcais, a perseguição a elas é uma forma de subjugar as mulheres, exatamente como aconteceu na caça às bruxas no século XVII.
A história da resistência dos povos brasileiros anda lado a lado com a luta contra a opressão religiosa, seja a Inquisição, ou em episódios como a Cabanada, a Guerra de Canudos, a Revolta do Contestado, a formação dos quilombos (inclusive com brancos de religiões minoritárias, como judeus e muçulmanos), entre outros. Por isso, a luta contra a opressão religiosa é uma parte chave da luta pela libertação dos negros através da revolução socialista.
Agora, várias igrejas pentecostais têm se mobilizado para atacar centros de candomblé e destruir as imagens, ou até mesmo agredir os praticantes da religião. Diante desses caso, somos pelo direito à autodefesa contra esses ataques racistas. Para evitar que as religiões maiores usem o Estado para oprimir as menores, o programa de separação entre a religião e o Estado inclui:
• Fim do ensino religioso;
• Nenhuma verba estatal para as religiões;
• Expropriação dos bens das religiões homofóbicas, racistas ou machistas (imóveis, contas em bancos, empresas, etc).
Nas condições da decomposição do capitalismo, é uma necessidade do que resta do capital a fascistização da sociedade (mesmo por dentro da democracia formal), para controlar a massa de trabalhadores excluídos da produção. Por isso, a longo prazo, a burguesia apostará em regimes fundamentalistas/fascistas.
E talvez a mais séria pretendente ao poder não seja nem nenhuma das igrejas pentecostais (que são as mais perigosas agora, mas estão completamente dispersas) nem nenhum setor católico, como a Opus Dei (de Geraldo Alkmin/PSDB) ou a TFP (que é tão extremista que não tem condições de ganhar nenhuma base de massas, com o seu discurso de retorno aos valores medievais, a favor da monarquia, etc). Talvez seja a Igreja Universal, que chega ao ponto de abrir mão de pontos do programa fundamentalista tradicional (contra a legalização do aborto, contra o divórcio, etc) e de adotar práticas das religiões afro-brasileiras para poder aumentar sua base.
A Universal já está seguindo sua estratégia, com seus próprios meios de comunicação e infiltrada no PR (Partido da República). Infelizmente, a maioria das correntes de esquerda ou vai dizer que somos alarmistas e catastrofistas, ou pior, vai falar que a entrada em cena das igrejas fundamentalistas tem algum conteúdo “popular” (porque organizam camadas super-exploradas da população), assim como fazem em relação ao fundamentalismo islâmico hoje em dia.
Não existe forma de barrar o ascenso do fundamentalismo por dentro do sistema, com um programa de simples defesa do Estado laico. Porque é o próprio colapso do capitalismo que vai destruir as condições sociais para a existência dos Estados nacionais, e vai exigir a implantação de regimes fascistas, o que é a véspera do fim da nossa civilização. Por isso, a única saída progressiva é a mobilização dos trabalhadores, principalmente as mulheres e os negros, através do programa transitório. Para isso, precisamos refundar a Quarta Internacional, o único partido que pode levar à vitória da revolução socialista!