A ESQUERDA BRASILEIRA E O GOVERNO “DEMOCRÁTICO E POPULAR”
A ESQUERDA BRASILEIRA E O GOVERNO “DEMOCRÁTICO E POPULAR”
Coletivo Comunista Internacionalista /Coletivo Lenin, abril de 2008
Geralmente, quando os militantes de esquerda lêem os materiais do Coletivo Comunista, têm uma sensação estranha. Logo depois da análise da conjuntura aparece uma crítica violenta da esquerda institucional e se propõem palavras de ordem impossíveis na correlação de forças de hoje. Ao contrário do que muitos pensam, nós temos perfeita consciência disso, e não achamos que a revolução está na esquina.
Muito pelo contrário, sabemos que só é possível pensar em revolução, depois do fim da URSS, num prazo de décadas de acumulação de forças revolucionárias. Mas, então, porque não defender as propostas mais avançadas possíveis atualmente? Aí é que começa a nossa divergência estratégica com o conjunto da esquerda, inclusive com as outras correntes que se dizem trotskistas.
No fim das contas, TODOS os programas de todas as correntes do movimento dos trabalhadores se dividem em dois caminhos: reforma ou revolução. As organizações reformistas combatem todos os efeitos do sistema capitalista, às vezes até heroicamente. Mas são os revolucionários que tentam transformar as lutas numa oportunidade de destruir o conjunto do sistema e começar a construir o socialismo.
(O socialismo, diferente do que dizem os reformistas, não significa “mais democracia” ou “condições de vida” para os trabalhadores. É outra forma de organizar a produção, através da planificação democrática, acabando com o dinheiro, o Estado e mudando radicalmente todas as relações sociais).
Mas, como podemos saber, no dia-a-dia das lutas, a diferença entre os reformistas e os revolucionários. É bem fácil: O trabalho dos reformistas é lutar pelas palavras de ordem mais avançadas na conjuntura. Os revolucionários participam de todas as lutas, mas o seu trabalho principal é a preparação de quadros revolucionários, para acumular forças.
Ou seja, os revolucionários não intervêm numa greve para conseguir um grande aumento salarial. E sim para aproximar os melhores militantes da vanguarda para o programa do comunismo. As massas só podem ser ganhas para este programa durante uma crise revolucionária. É numa crise deste tipo que este trabalho de preparação atinge o seu objetivo, porque o partido revolucionário se liga às organizações de massas para lutar pelo poder.
O trabalho de simplesmente lutar por reformas, mesmo que falando algumas palavras de ordem mais à esquerda se resume, como disse Trotsky, a “fazer a preparação das massas a aceitar as condições existentes”, por não propor lutar contra elas.
E no Brasil…
Nunca houve um partido revolucionário. O PCB já nasceu baseado numa política de colaboração de classes, defendida por Astrogildo Pereira (“revolução pequeno-burguesa”) e Otávio Brandão (“agrarismo contra industrialismo”). Durante toda a sua história, o PCB defendeu uma aliança com a burguesia nacional contra o “atraso” no campo, em vez de lutar pelo socialismo. Mesmo as correntes da luta armada nos anos 1960 (ALN, PCdoB) defendiam a “frente popular à mão armada”, com raras exceções.
Infelizmente, o governo de Jango, que foi a maior expressão dessa estratégia etapista, foi derrubado pelos militares no golpe de primeiro de abril de 1964. Em vez de reconhecer os seus erros, todas as correntes parece que ficaram “traumatizadas” com isso, e passaram a repetir, durante os quarenta anos seguintes, as palavras de ordem de “reforma agrária”, “romper com o FMI” e “não pagar a dívida externa” como se o fato dos militares terem dado o golpe mostrasse que elas seriam revolucionárias.
Na verdade, são palavras de ordem democráticas aplicadas por alguns governos nacionalistas burgueses (a primeira por Jango, as outras duas por JK), que estão a anos-luz de um programa de transição que coloque a necessidade de um governo direto dos trabalhadores para construir o socialismo.
O que houve de corrente revolucionária no país foi a LCI de Mário Pedrosa (seção brasileira da oposição de esquerda), destruída durante a ditadura Vargas. Além disso, houve grupos progressivos, como a VPR, Primeiro de Maio e a POLOP, que defenderam o caráter socialista da nossa revolução, mas não tiveram uma política consistente, capitulando ao guerrilheirismo, que era a moda da época.
O fim da ditadura, junto com o espetacular ascenso de 1978-1989, poderia ter recolocado a questão do partido revolucionário. Mas o outro lado deste ascenso foi o surgimento do PT, um partido operário de massas, mas reformista.
Todo mundo capitula dentro do PT
A formação do PT mostrou que a classe trabalhadora estava disposta a dar uma resposta à ditadura de acordo com os seus interesses. Mas toda essa vontade de lutar foi canalizada pela burocracia sindical do ABC, que depois formou a Articulação. Por influência da Igreja Católica e da Teologia da Libertação, o programa inicial do PT não ia além de lutas democráticas, como a favor da Constituinte, contra o pagamento da dívida externa e por eleições diretas.
Dentro da esquerda que se dizia trotskista, a Convergência passou a lutar para “ganhar a direção” do PT. Quando eles finalmente concluíram que isso era impossível, saíram para montar o PSTU. A Democracia Socialista queria apenas “ajudar” a Articulação a formular um programa marxista para o PT, sem lutar frontalmente contra ela, por considerar que o PT era “estratégico” (ou seja, que ele faria a revolução socialista). E O Trabalho tinha a política imbecil de ganhar os burocratas do ABC para o trotskismo!
Depois de algum tempo, o PT formulou com todas as letras o seu programa reformista. Isso foi no V Encontro, de 1987, com a formulação do “Governo Democrático e Popular”. ESSA PALAVRA DE ORDEM É A REPETIÇÃO DA LINHA DO PCB. Ou seja, uma frente anti-imperialista, anti-monopolista e anti-latifundiária com setores menores da burguesia. Logicamente, é uma política reformista, por dentro do sistema.
O conteúdo é o mesmo do antigo PCB: aliança com a burguesia “progressista”. O que muda é o nome ou a desculpa: por um “mercado de consumo de massas”, “projeto popular para o Brasil”, etc.
Obviamente, qualquer governo desse tipo só tem duas opções: ou fazer como o Lula, e recuar tanto para evitar um golpe da direita que o seu programa perde quase todo o conteúdo de mudança, permitindo apenas avanços pequenos e pontuais. Ou fazer como o Allende, tentar aplicar o programa e ser derrubado. Isso porque, no Estado burguês, o poder real não está no Congresso, e sim nas Forças Armadas. E a burguesia não vai pensar duas vezes em usá-las quando se sentir ameaçada.
Quem formulou esta estratégia mais conseqüentemente desde esta época foi a Articulação, e o Governo Lula é a expressão dela. Então, quase todas as correntes da esquerda adotaram esse programa, com algumas variantes. Quando existem diferenças, são de ênfase. Por exemplo, a DS defende que o Governo Democrático e Popular seja mais tencionado pelo movimento social. E o MST/Consulta Popular exige que ele seja por fora da institucionalidade (o que não tem sentido, porque o seu conteúdo é perfeitamente assimilável pelo sistema).
O PSTU e O Trabalho/Esquerda Marxista, que têm defendido a palavra de ordem de “governo dos trabalhadores”, na verdade, aceitam todo o programa democrático e popular, mas rejeitam as alianças com a burguesia (o que também não tem sentido, porque partidos burgueses como o PDT e o PSB podem aceitar este programa de conciliação muito bem). Não por acaso, o centro das suas intervenções eleitorais é o não pagamento da dívida externa, fora FMI e reforma agrária.
A diferença é que O Trabalho tenta empurrar a base do PT para aplicar o programa, rompendo as alianças com a burguesia (mas sem bater na Articulação). E o PSTU ataca o PT raivosamente para isso, chegando a se aliar com a direita contra o seu “inimigo principal”.
O PSOL, como reflexo fora do PT das contradições deste partido, se divide entre um setor mais próximo da formulação clássica do PT (APS, MES, MTL), e outro com a concepção de “governo dos trabalhadores” pela via institucional eleitoral-sindical como a do PSTU (o chamado “Bloco de Esquerda”, ou seja, CST, SR, ARS, Revolutas, C-Sol). A direção deste partido já tem embarcado, na prática, em todos os erros do PT, através da Frente de Esquerda, com o seu programa nacional-desenvolvimentista e o apoio de partidos menores da burguesia, como o PV. Aliás, o PSTU está nesta frente, como esteve na Frente Popular do PT até 2000.
E então?
Apenas algumas correntes não defendem alguma variante do Programa Democrático e Popular, como o PCO (embora tenha capitulado à Frente Popular, apoiando-a eleitoralmente até 1994), a LQB e nós. Mas isso não é suficiente. A melhor forma de lutar contra a teoria e a prática que levaram o PT ao recuo que é o Governo Lula é construir um PARTIDO REVOLUCIONÁRIO DOS TRABALHADORES.
Para isso, devemos intervir onde as massas e a vanguarda estão, ou seja, na CUT, na UNE e no MST, nas entidades do movimento de massas. E, nelas, levantar um programa realmente da nossa classe. Este programa deve ser formado por palavras de ordem anti-capitalistas, que não possam ser realizadas dentro do sistema.
Ou seja, escala móvel, autodefesas nos movimentos, estatização dos setores estratégicos sob controle dos trabalhadores, revolução agrária, etc. E devemos mostrar que este programa não pode ser realizado por nenhum governo burguês, nem mesmo “democrático e popular”. Ele exige um GOVERNO DIRETO DOS TRABALHADORES, baseado em suas assembléias de luta. E isso não tem como acontecer através das eleições, somente com uma revolução socialista que se espalhe internacionalmente. Por isso, precisamos refundar a Quarta Internacional, que foi a depositária de um programa operário independente nos países atrasados, em contraposição ao etapismo, como parte desta tarefa histórica.
Agora, não temos como impô-las pelo movimento de massas. Mas a nossa tarefa não é essa. Na verdade, é manter estas palavras de ordem como uma perspectiva, e usá-las para aproximar o melhor da vanguarda a fim de construir o Partido. É esta a contribuição do Coletivo Comunista.