Pablismo e Pablismo Invertido
Rascunho de Teses sobre Pablismo, Pablismo Invertido e a Quarta Internacional
[Escrito pelo Communist Working Collective, organização de origens maoístas que se aproximou do trotskismo e da então revolucionária Liga Espartaquista nos anos 1970. Originalmente impresso no Marxist Bulletin No. 10, “Do Maoísmo ao Trotskismo: documentos sobre o desenvolvimento do Communist Working Collective de Los Angeles”, pela Liga Espartaquista. A tradução ao português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em novembro de 2013].
Pablismo
1. Após a Segunda Guerra Mundial, o movimento trotskista internacional foi lançado em uma profunda crise teórica, política e organizativa. Grandes números de quadros trotskistas foram fisicamente destruídos pelo esforço conjunto dos imperialistas e stalinistas. O capitalismo mundial passou por uma relativa estabilização devida principalmente às traições socialdemocratas e stalinistas do levante revolucionário da classe trabalhadora que se seguiu ao cessar do conflito. Em adição, lideranças stalinistas e pequeno-burguesas foram bem sucedidas em derrubar o capitalismo e em estabelecer Estados operários deformados no Leste Europeu e na China. Todos esses fatores puseram de forma muito aguda para o movimento trotskista o problema de construir partidos de vanguarda proletários independentes.
2. A tendência revisionista pablista emergiu como uma tentativa de tornar o movimento trotskista mais “efetivo” acomodando-o aos movimentos de “esquerda” existentes no mundo. O papel dos trotskistas foi essencialmente confinado ao de um grupo de pressão sobre tais formações, se integrando a quaisquer forças parecessem ter mais potencial e esperando que esses agrupamentos, sob a influência da marcha objetiva dos eventos e incitação dos trotskistas, fossem ser forçados a adotar uma orientação revolucionária. Por essa razão, o pablismo pode ser considerado uma tendência liquidacionista. Assim, durante os anos 1950, Michel Pablo e seu Secretariado Internacional buscaram políticas de liquidação (entrismo “profundo”) nos partidos socialdemocratas e centristas da Europa Ocidental, as formações nacionais burguesas e pequeno-burguesas nos países coloniais, e os PCs stalinistas dirigentes na Leste Europeu.
3. Fundamental para a perspectiva de mundo pablista é a teoria, tomada do stalinismo, de que o equilíbrio de forças no mundo mudou em favor do socialismo, resultando em uma “nova realidade mundial”, na qual a maré da revolução é irreversível. Por essa razão, o pablismo também pode ser caracterizado como empirista. Essa concepção passou por várias variações. Por volta de 1950, Pablo previa uma Terceira Guerra Mundial, lançada pelo imperialismo para recuperar sua vantagem, que levaria ao confronto final entre capitalismo e stalinismo. Em 1953, o Secretariado Internacional afirmou que o isolamento da URSS havia terminado, eliminando uma das condições fundamentais para a existência da burocracia e levando à iminente queda do stalinismo. Mais recentemente, os pablistas declararam que o mundo colonial é o principal centro da revolução no mundo, que as lutas anti-imperialistas lá são ininterruptas e irresistíveis e que, portanto, a classe trabalhadora pode chegar ao poder com um “instrumento desafinado” ao invés de um partido proletário leninista. Assim, o problema de superar a crise de liderança proletária, o problema central da revolução socialista mundial, é abandonado, ou então deixado para ser resolvido pelo “processo objetivo” que se desenrola nessa “nova realidade mundial”.
4. Embora o Socialist Workers Party tenha rompido com os pablistas em 1953, no começo dos anos 1960 ficou claro que o SWP estava se movendo cada vez mais em direção à metodologia revisionista à qual ele uma vez havia se oposto. Essa tendência regressiva se manifestou mais abertamente na linha da maioria do SWP sobre a revolução cubana: apoio à burocracia governamental de Castro na esperança de que o castrismo iria se transformar em trotskismo. No nível organizativo, o abandono pelo SWP de uma linha proletária revolucionária se tornou definitiva com o “Congresso de Reunificação” de 1963, no qual as diferenças políticas “minoritárias” foram ignoradas para que o SWP pudesse realizar uma reunificação sem princípios com a Internacional (Secretariado Unificado). De fato, a principal resolução política aprovada nesse Congresso incluiu todas as teses básicas sobre as quais se baseou o pablismo: a mudança no equilíbrio mundial de forças, a centralidade da revolução colonial, e o fim do isolamento da URSS.
5. Desde o Congresso de 1963, tornou-se óbvio que, embora Pablo tenha caído em descrédito, o método do pablismo domina todo o SU. As seções europeias levaram a teoria do “epicentro colonial” à sua conclusão e chamaram pela luta armada baseada na guerra de guerrilhas rurais e entrismo nas organizações castristas da América Latina. Ao mesmo tempo, o SWP se moveu bruscamente para a direita, tornando-se pouco mais do que um grupo de apoio para o nacionalismo negro, o feminismo pequeno-burguês, o pacifismo liberal e a burocracia cubana. (Isso é verdade apesar de que agora o SWP afirma que a revolução cubana se degenerou – deixando a entender que ela já havia sido não-deformada). O maior trabalho do SWP e de seu grupo de juventude, a Young Socialist Alliance (YSA), é construir manifestações anti-guerra com base em políticas de um único ponto – uma perspectiva claramente reformista e frentepopulista. Assim todas as tendências dentro do SU, do aventureirismo ultraesquerdista dos partidos europeus ao reformismo na seção dos Estados Unidos, adotam o método liquidacionista e empirista pablista.
Pablismo Invertido
6. Outra tendência internacional que se adapta à metodologia do pablismo, apesar das proclamações de representar a única tendência internacional anti-pablista, é o Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), liderado principalmente pela Socialist Labour League britânica. A SLL, em sua análise sobre Cuba, usou as mesmas premissas objetivistas do pablismo e, ao fazer isso, falhou em compreender a diferença crítica entre o estabelecimento de um Estado liderado por um partido bolchevique-leninista onde órgãos de poder são democraticamente administrados pela classe trabalhadora (sovietes) e a formação de um Estado operário que desde o seu nascimento é dirigido por uma burocracia bonapartista. Com esse método, eles não podem adotar uma atitude correta com relação às lideranças stalinistas e pequeno-burguesas. Eles são forçados, para manter uma “posição firme” contra a capitulação dos pablistas a essas lideranças, a negar categoricamente a possibilidade de que, sob certas condições (sendo a mais importante um temporário apoio material do campo stalinista), essas lideranças possam de fato estabelecer Estados operários deformados. Essa posição os leva a concluir que Cuba não é um Estado operário deformado, mas alguma forma de “estatismo” (apesar do fato de que a liderança castrista de Cuba expropriou a burguesia, impôs o monopólio do comércio exterior e estabeleceu os rudimentos de uma economia planejada). Disso fica claro que a perspectiva metodológica da SLL e de seus seguidores pode ser caracterizada como pablismo invertido.
7. Essa reação da SLL e de seus colaboradores ao pablismo serve, em última instância, para reforçar a corrente pablista, já que não pode efetivamente lidar com as acomodações pablistas de forma teórica. Em essência, ambas as correntes igualam o Estado operário deformado com o caminho para o socialismo. O pablismo faz isso explicitamente, por seu apoio ao castrismo e seu outrora apoio velado à burocracia chinesa. Os pablistas invertidos começam com a mesma premissa, e por isso são forçados a negar o fato de uma transformação social para evitarem dar esse tipo de apoio. Uma avaliação trotskista correta da estratégia e táticas com relação a essas burocracias deve começar com a compreensão de que elas são um obstáculo à construção do socialismo, e assim descartar qualquer possibilidade de apoio, ainda que crítico, a tais lideranças, removendo a base da Pablofobia do CIQI.
A Quarta Internacional
8. Com o desenvolvimento do capitalismo em imperialismo, a tendência básica do capitalismo de entrelaçar todas as áreas do mundo, independente do seu nível de desenvolvimento, em um sistema econômico comum que domina e subordina perante si cada uma de suas partes foi grandemente reforçada. A hegemonia do imperialismo sobre a economia mundial tende não apenas a uniformizar as várias etapas de desenvolvimento de uma área comparada com a outra, um país comparado com o outro, mas simultaneamente aumenta as diferenças entre eles e joga um contra o outro – dessa forma agravando enormemente a contradição entre o desenvolvimento futuro das forças produtivas mundiais e os limites do Estado nacional. Essa dinâmica do imperialismo inevitavelmente leva a guerras pela conquista e redistribuição dos mercados e para a completa destruição das forças produtivas na qual a cultura humana se baseia. A existência continuada do imperialismo ameaça, portanto, mergulhar a humanidade no barbarismo. É com base nisso, “na insolvência do Estado nacional, que se transformou em um freio para o desenvolvimento das forças produtivas” (Trotsky), que em última instância jaz o internacionalismo do comunismo.
9. O proletariado é a única classe capaz de destruir o capitalismo internacional e construir uma sociedade comunista que iria para sempre eliminar todas as guerras, exploração e desigualdade social e, portanto, criando as condições para o desenvolvimento sem limites da civilização humana. Entretanto, sem a liderança de um partido comunista, o proletariado não pode chegar ao poder e estabelecer um Estado operário genuíno em nenhum país. Além do mais, a revolução proletária internacional só pode triunfar se for liderada por uma internacional comunista revolucionária, ou seja, um partido mundial do proletariado. Isso foi completamente verificado pela experiência da Revolução de Outubro e pelas subsequentes derrotas que o proletariado internacional sofreu, em um momento em que estavam presentes todas as condições necessárias para a revolução mundial bem sucedida, com a exceção de uma internacional revolucionária que pudesse liderar a insurreição. Finalmente, tentar construir um partido revolucionário em separado, por fora ou em oposição à luta pela construção de uma internacional só pode significar capitulação ao estreito pensamento nacional que é inseparavelmente conectado com o reformismo. Assim, qualquer organização comunista que não assuma a luta pela construção de uma internacional comunista como seu ponto de partida estratégico deve inevitavelmente se degenerar.
10. A Quarta Internacional que foi fundada por Trotsky em oposição à degeneração da Terceira Internacional stalinista já não existe mais. O advento do pablismo destruiu a Quarta Internacional até o ponto em que o trotskismo revolucionário encontra sua continuidade programática apenas em pequenos e desunidos grupos, dispersos ao redor do mundo e que, por razões óbvias, não pode liderar seções significativas da classe trabalhadora na luta. Consequentemente, o principal foco internacional do trotskismo revolucionário deve ser dirigido para condução de discussões programáticas com essas organizações, com o objetivo de atingir a clareza programática necessária para um rápido reagrupamento que possa resultar em uma tendência internacional revolucionária que se tornasse um polo de atração ao redor do qual um reagrupamento comunista futuro e mais completo pudesse acontecer. Apenas usando esse método é possível começar a reconstrução da Quarta Internacional com base nas linhas do Programa de Transição de 1938.
11. Para lançar as bases de uma completa reconstrução da Quarta Internacional, é necessário derrotar decisivamente o pablismo através de um confronto ideológico em todas as arenas da luta de classes. Tal vitória sobre o revisionismo iria levar a teoria marxista adiante e prover a fundação necessária sobre a qual uma genuína unidade internacional baseada no centralismo democrático possa ser constituída. Por ora, entretanto, é importante enfatizar que a batalha contra o pablismo ainda não foi vencida.
12. Embora uma tendência internacional revolucionária ainda não tenha sido completamente cristalizada, o processo de reagrupamento comunista revolucionário pode e deve ser iniciado. Clareza suficiente sobre as questões básicas postas pelo pablismo foi alcançada em grande medida, abrindo assim a possiblidade de fusões de organizações nacionais e internacionais com base em princípios. É a essa tarefa, a reconstrução da Quarta Internacional através de um processo de reagrupamento comunista revolucionário, que se dedica o Communist Working Collective.
19 de agosto de 1971