Por uma perspectiva trotskista na Turquia
Chega de oportunismo, aventureirismo, nacional-divisionismo:
Por uma perspectiva trotskista na Turquia
[O documento a seguir foi assinado por dois membros da Fração Trotskista da Workers Socialist League britânica, que fundiu com o Grupo Espartaquista de Londres em março de 1978. Esse documento apareceu originalmente no Boletim de Discussão Pré-conferência da WSL No. 12, em fevereiro de 1978, e foi reimpresso em Spartacist Britain No. 1, em abril de 1978. A tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em 2013.]
“Esse não é um ‘documento sobre perspectivas’, já que perspectivas de trabalho não podem ser esboçadas no abstrato em Londres, mas devem ser desenvolvidas no contexto das lutas vivas na Turquia.”
— Boletim de Discussão Pré-Conferência No. 6.
“Com essas poucas palavras, o caráter internacional do socialismo como doutrina científica e como movimento revolucionário é completamente refutado. Se socialistas (comunistas) de um país são incapazes, incompetentes, e consequentemente não tem direito a decidir as questões vitais da luta de socialistas (comunistas) em outros países, a Internacional proletária perde todos os direitos e possibilidades de existência.”
— Trotsky, Escritos 1933-34, página 33.
O trabalho realizado pelos camaradas na Turquia se baseia na experiência deles ao militarem com a WSL na Grã-Bretanha. A liderança da WSL inspirou e “guiou” o trabalho na Turquia; consequentemente, isso deve ser visto como um teste para o programa e a política da WSL. Essa hostilidade à luta por clareza programática, combinada com uma postura familiar de fazer “trabalho de massa”, levou ao que deve ser chamado de crise do movimento turco. Nós buscaremos oferecer uma base política para uma completa reorientação desse trabalho, enquanto reconhecemos que isso não pode ser alcançado sem uma radical reorientação da própria WSL. Nós concordamos quando a direção diz que “Os problemas desse trabalho são os problemas da WSL” (Boletim de Discussão Pré-Conferência No. 6, página 1).
Sobre a história do movimento turco
O trabalho da WSL na Turquia começou quando alguns camaradas foram para lá, onde eles tiveram discussões com a liderança de um grupo simpatizante do Secretariado Unificado nesse país – o KOZ. Depois disso, os camaradas encontraram quatro pessoas em Istambul que eram ligadas a um pequeno grupo próximo ao KOZ (mandelistas turcos) e conseguiram ter várias reuniões com essas pessoas para discutir política. Nesse ponto o camarada H. interviu e sugeriu que as quatro pessoas com quem nos reuníamos deveriam começar a trabalhar conosco. O contato com o grupo simpatizante do KOZ, do qual elas eram parte, foi abandonado. O que tornou esse rompimento muito destrutivo e sectário foi que ele não se deu em torno de diferenças políticas – mesmo as pessoas que nós eventualmente recrutamos não foram ganhas para nossas posições políticas. E já que não foi feita nenhuma tentativa de recrutar esses camaradas politicamente, alguns depois se desmoralizaram e deixaram o grupo.
Com o rompimento do contato com os simpatizantes do KOZ, a direção tomou então o “trabalho de massas” como a principal orientação do grupo. Isso na realidade era uma liquidação de quadros em potencial em uma série de ações estúpidas e aventureiras. Uma das primeiras dessas ações é descrita como se segue pelo documento da direção: “(…) nós concordamos com uma mobilização conjunta de um dia ao redor das seções eleitorais, para que pudéssemos lutar junto com os trabalhadores para defender o direito democrático.” (página 8). Mas o que foi tal “mobilização”? Em uma carta escrita em 7 de junho, o camarada H. responde a essas perguntas:
“Embora fosse tarde, alguns camaradas desse grupo e nós organizamos uma reunião e elegemos um comitê para mobilizar 20 camaradas para a defesa das urnas e contra a violência. Algumas [medidas específicas de proteção] estavam envolvidas na mobilização. Embora tenha sido muito fraca, ela foi útil para alguns camaradas jovens. Mas por causa da falta de prática dentro das fábricas, a defesa não foi realmente construída como uma defesa de trabalhadores.”
Deve-se notar que com essa atividade isolada nós conseguimos ignorar completamente a mobilização da DISK, a principal federação sindical, para defender as urnas.
Outro exemplo do “trabalho de massas” da WSL na Turquia é descrito no documento produzido pela direção:
“Quando os camaradas conseguiram empregos em outra pequena fábrica, nós fomos capazes de liderar (!) outra (!) luta por sindicalização. Novamente nós combatemos a burocracia da DISK, e ganhamos o apoio dos trabalhadores que organizamos previamente, que ajudaram com piquetes e arrecadação de fundos. Mas a greve foi marginalizada, foi quebrada, e todos os grevistas foram demitidos. Embora a batalha tenha sido perdida, nossos camaradas se desenvolveram e novos contatos foram ganhos.”
— Boletim de Discussão Pré-Conferência No. 6, página 9 [ênfase de Spartacist Britain]
Nós dissemos a esses jovens trabalhadores em uma pequena fábrica que eles deveriam entrar em greve por reconhecimento sindical. Nós tínhamos muito pouco entendimento do movimento sindical turco e não tínhamos meios de prover uma liderança para tal greve para além de nossa experiência com a WSL na Grã-Bretanha. Nós estávamos totalmente mal preparados para prover mesmo uma boa liderança meramente sindical para sustentar nossa orientação a esses trabalhadores.
Além da idiota ostentação dos nossos pequenos ganhos organizativos à custa de trabalhadores serem demitidos, nós culpamos os trabalhadores pelo fracasso da greve! Em uma carta para o camarada F., o camarada H. escreveu:
“A maior razão para isso [a derrota da greve] não é por que estejamos errados ou por causa do nosso método de trabalho, mas porque as leis estão contra nós, mesmo em tal luta, e que um grupo muito pequeno de trabalhadores não tem o poder para mudar essas leis. Outro erro cometido que não foi nosso foi o da militância dos trabalhadores, foi eles agirem cedo demais… A luta foi derrotada, mas como o método do Programa de Transição ensina, nós ganhamos, em primeiro lugar, o desenvolvimento de nossos camaradas e, em segundo lugar, tivemos a oportunidade de desenvolver um ou dois trabalhadores militantes!”
— 23 de agosto de 1977 [tradução e ênfase de Spartacist Britain]
Então a crise de direção não é o problema quando nós estamos envolvidos: nós colocamos nos trabalhadores a culpa por suas derrotas.
Mas a euforia com o sucesso não durou muito. Revelando a crise do grupo turco enquanto desacordos sobre centralização, e “visitas secretas” de um ex-camarada, o documento da direção afirma que essas coisas:
“… tiveram efeitos sobre um camarada em Istambul e sobre alguns outros camaradas em Ankara. O camarada em Istambul rompeu com o grupo.”
“Na última reunião em Ankara, os camaradas concordaram em atuar novamente como um grupo centralizado. Mas desde então nós não temos recebido informação detalhada sobre a situação em Ankara.”
— Boletim de Discussão Pré-Conferência No. 6, página 9
A verdade é que, ao fracassar em fazer do esclarecimento político o trabalho mais importante para nossos camaradas turcos, a WSL desperdiçou suas oportunidades na Turquia. O grupo turco da WSL está uma confusão, e é duvidoso que seus membros ainda apoiem a WSL. A crise do grupo turco e a desmoralização expressada pela declaração acima estão ligadas a duas causas: primeiro, a natureza de panelinha (não-programática) através da qual o grupo foi construído e, segundo, o estúpido aventureirismo que só poderia nos desacreditar aos olhos de quaisquer militantes sérios.
Por uma orientação de propaganda trotskista
A única forma através da qual a base para um partido trotskista de verdade pode ser estabelecida é através do abandono de todas as pretensões de já atuar como um partido de massas e concentrar esforços em recrutar e treinar quadros que formarão uma futura liderança. Essa tarefa, antes de tudo uma tarefa de propaganda do trotskismo, também envolve uma orientação para discussão, debate e polêmicas com os outros grupos supostamente “revolucionários” – principalmente os falsos trotskistas do KOZ, que é aproximadamente 20 vezes maior do que nós. Não apenas há muitos revolucionários subjetivos nessa organização que podem ser ganhos para o trotskismo autêntico, mas a sua própria existência a torna um importante obstáculo adicional para a formação e crescimento de uma organização revolucionária. A luta contra o KOZ também pode desempenhar um papel na luta para esmagar os revisionistas pablistas internacionalmente. Em menor escala, nós devemos orientar nossa propaganda para as outras formações “marxistas” – maoístas, guevaristas, “anti-stalinistas” (especialmente na Revolutionary Youth, onde muitos elementos estão interessados no trotskismo). Qualquer outra estratégia – como o “trabalho de massas” da direção – só pode levar à liquidação da luta por uma liderança revolucionária na Turquia.
Nos primeiros dias da formação da Oposição de Esquerda Internacional, Trotsky projetou exatamente esse curso:
“Nossa força na atual etapa está em um correto (…) prognóstico revolucionário. Essas são as qualidades que nós devemos apresentar em primeiro lugar à vanguarda proletária. Nós agimos em primeiro lugar como propagandistas. Nós somos fracos demais para tentar dar respostas a todas as questões, para intervir em todos os conflitos específicos, para formular em todas as ocasiões e lugares os slogans e as respostas da Oposição de Esquerda. Buscar tamanha universalidade, com nossa fraqueza e a inexperiência de muitos camaradas, vai frequentemente levar a conclusões apressadas, a slogans imprudentes, a soluções erradas. Ao dar passos em falso em questões específicas, nós vamos nos comprometer, impedindo que os trabalhadores apreciem as qualidades fundamentais da Oposição de Esquerda. De forma alguma eu quero dizer que devamos nos colocar à parte da luta real da classe trabalhadora. Nada disso. Os trabalhadores avançados podem testar as vantagens revolucionárias da Oposição de Esquerda apenas através de experiências práticas, mas deve-se aprender a selecionar as questões mais vitais, mais candentes, e mais dependente de princípios e, através dessas questões entrar em combate sem se desgastar em ninharias e detalhes. É nisso, me parece, que consiste agora o papel fundamental da Oposição de Esquerda.”
— Trotsky, Escritos 1930-31, página 297
A palavra de ordem de frente única na Turquia
Um dos erros políticos mais sérios do movimento turco foi o uso inteiramente falso e incorreto da palavra de ordem da “frente única”. Para os revolucionários, a frente única é uma tática que é útil para unir os trabalhadores de várias tendências políticas para certas ações comuns limitadas e concretas (contra os fascistas, por exemplo) enquanto ao mesmo tempo proveem a oportunidade de expor a traição e inconsistências dos reformistas e centristas para os seus seguidores.
Centristas tentam usar a palavra de ordem da “frente única” para encobrir sua própria capitulação diante dos reformistas – ou como algum tipo de atalho mágico para a influência de massas. Eles tentam apresentar blocos de propaganda comuns com os reformistas (ou outros centristas) como um substituto ou primeiro estágio na construção do partido revolucionário. A fórmula leninista da frente única é “bater juntos – marchar separados”, mas os centristas sempre querem marchar junto com os reformistas sob uma bandeira comum. Essa é exatamente a estratégia proposta pela liderança dos camaradas turcos da WSL em Enternasyonal No. 5 (setembro, outubro e novembro de 1977).
“Tal frente [única] vai buscar lidar com as questões econômicas e políticas dos operários e trabalhadores, e ser uma alternativa para o poder. A questão se reduz ao estabelecimento de uma poderosa combinação política e organizativa na qual outros amplos setores de trabalhadores e membros da pequeno-burguesia possam confiar….”
Ou, novamente, em Enternasyonal No. 3 (julho de 1977): “A luta deveria avançar para estabelecer uma Frente Única com um programa socialista”. Tal proposta – por uma frente única estratégica com os traidores reformistas e centristas – é, na realidade, uma proposta oportunista para liquidar a vanguarda revolucionária.
Um dos resultados da confusão introduzida pela liderança sobre a questão da frente única é que os camaradas logicamente se perguntam se o partido revolucionário poderia realizar ações comuns na qual o partido burguês RPP, que possui uma base de massas, poderia participar sem formar uma frente popular. Entretanto, se aceitarmos a definição de frente única de Lenin e Trotsky, como um acordo temporário para ações comuns limitadas dentro das quais os revolucionários mantêm completa liberdade de fazer críticas, fica claro que ações comuns nas quais os RPP participe não constituem traições frentepopulistas.
A luta contra o fascismo
Hoje na Turquia, a existência e o crescimento dos fascistas colocam um sério perigo ao proletariado. O Partido da Ação Nacional usa livremente sua organização de juventude para atacar as organizações dos trabalhadores e militantes individuais. Enquanto nós temos atualmente apenas algumas forças limitadas na Turquia, é necessário que levantemos o programa político correto para esmagar os fascistas. Nosso grupo não é capaz de criar uma organização de defesa independente. A tarefa é lutar para criar tal corpo dentro dos sindicatos. Enquanto tal política se contrapõe ao aventureirismo absurdo e potencialmente desastroso que é defender as seções eleitorais por conta própria, também se contrapõe ao chamado oportunista por uma frente única estratégica com as demais organizações de trabalhadores existentes.
O chamado de Trotsky para que o PC formasse uma frente única com os socialdemocratas do SPD na Alemanha não pode ser separado da autocaracterização da Oposição de Esquerda como uma fração da Internacional Comunista. Portanto, nós não chamamos por uma frente única das organizações operárias existentes como uma solução para a ameaça fascista. Tal estratégia significa dizer aos trabalhadores para depositarem sua fé em um bloco dos colaboracionistas de classe socialdemocratas e stalinistas. Trotskistas nunca devem ensinar os trabalhadores a confiar na unidade dos reformistas – ao invés disso, uma das razões pelas quais nós chamamos os reformistas para realizarem ações de frente única (conosco) é para que nós possamos melhor expor sua traição e covardia diante da base. Em um sentido histórico, a classe trabalhadora na Turquia, assim como nos outros lugares, se vê diante de duas alternativas: socialismo ou barbárie (que pode bem tomar a forma do fascismo). A ameaça do fascismo não pode ser removida a não ser pela vitória da revolução socialista – e isso requer a liderança de um partido trotskista de vanguarda.
A questão do partido operário na Turquia
Ao contrário da Grã-Bretanha e de outros países europeus, hoje não existe na Turquia um partido operário reformista de massas. Ambos o Partido Trabalhista Turco (TIP) e o Partido Comunista Turco (TKP) pró-Moscou são organizações muito pequenas (não muito maiores que o SWP britânico de Tony Cliff) com uma base pequena nos sindicatos. O partido que possui uma base de massas nos sindicatos (o RPP) é um partido abertamente burguês.
Portanto, uma tarefa chave para os revolucionários na Turquia é lutar para que os trabalhadores rompam com o RPP e pela construção de um partido operário de massas como uma forma de construir a independência de classe dos trabalhadores contra a burguesia. Quando nós levantamos o chamado por esse partido, devemos deixar claro que queremos um partido operário baseado no programa revolucionário – o Programa de Transição. Nós não temos interesse em lutar por uma versão turca do reformista Partido Trabalhista britânico. Essa é claramente a posição de Trotsky em suas discussões sobre o programa para um partido operário nos Estados Unidos: “Nós devemos dizer aos stalinistas, aos lovestonistas, etc., ‘Nós somos a favor de um partido revolucionário. Vocês estão fazendo de tudo para que ele seja reformista! ’. Mas nós sempre apontamos para nosso programa. E nós propomos o nosso programa de demandas transitórias.” (“Como Lutar por um Partido Operário nos EUA”, O Programa de Transição para a Revolução Socialista, página 124).
Apenas em duas edições recentes de Socialist Press a WSL chamou pela construção de um partido operário na Turquia, mas nos materiais escritos em turco, o grupo turco da WSL nunca levantou essa palavra de ordem. Ao invés disso, a política da liderança tem sido a de oferecer apoio ao pequeno e ultrarreformista TIP. Na época das últimas eleições, o TIP tentou desesperadamente fazer um bloco eleitoral com o muito maior RPP. Só quando o RPP recusou a oferta foi que o TIP lançou candidatos, e então eles concorreram com um programa de colaboração de classes – tentando forçar o burguês RPP a formar com o TIP e outros pequenos partidos da esquerda uma frente popular. Apesar da plataforma claramente frentepopulista da campanha do TIP, nosso grupo vergonhosamente chamou os trabalhadores a votarem por esses traidores e levantou até mesmo o chamado oportunista e ridículo para que o colaboracionista TIP lutasse por um programa revolucionário! A “tática” reformista (que significa gerar ilusões nas massas sobre o TIP) foi claramente copiada da palavra de ordem da WSL, “Fazer os Partidos da Esquerda Lutarem”, e do chamado da WSL para votar nos trabalhistas apesar da sua coalizão com os liberais.
Nós defendemos um rompimento com a capitulação diante do pequeno grupo de colaboracionistas socialdemocratas do TIP e pela adoção do chamado pela independência política de classe dos trabalhadores turcos – por um partido operário baseado no Programa de Transição na Turquia!
Por uma posição leninista na questão nacional
Os leninistas defendem o princípio democrático básico da igualdade entre as nações e, portanto, reconhecem o direito de todas as nações à autodeterminação – ou seja, o direito de todas as nações de estabelecerem seu próprio Estado político. Nós não defendemos essa política para fortalecer a reacionária ideologia do nacionalista entre o proletariado, mas para enfraquecê-la, e dessa maneira fortalecer a unidade proletária independente de divisões nacionais. Se nós vamos ou não chamar pela realização do direito de autodeterminação em uma situação particular depende de uma variedade de fatores. Como Lenin aponta na Discussão Sobre a Autodeterminação Resumida:
“As várias demandas da democracia, incluindo a autodeterminação, não são absolutas, mas apenas uma pequena parte do movimento geral democrático (agora geral socialista) mundial. Em casos individuais concretos, a parte pode contradizer o todo; se for o caso, ela deve ser rejeitada.”
— Obras Reunidas, Vol. 22
Na passagem a seguir, Lenin resumiu a perspectiva bolchevique à opressão nacional, e nossa hostilidade ao nacionalismo:
“O despertar das massas da letargia feudal, e sua luta contra toda a opressão nacional, pela soberania do povo, da nação, são progressivas. Portanto, é o dever obrigatório dos marxistas defenderem a democracia mais resoluta e consistente em todos os aspectos da questão nacional. A tarefa é em grande parte negativa. Mas esse é o limite do proletariado em apoiar o nacionalismo, já que para além disso começa a atividade ‘positiva’ da burguesia no esforço para fortalecer o nacionalismo.”
“É um dever imperativo do proletariado, como força democrática, se livrar do jugo feudal, de toda opressão nacional, de todo privilégio desfrutado por qualquer nação ou língua, e isso certamente está nos interesses da luta de classes do proletariado, que é obscurecida e retardada pelas disputas sobre a questão nacional. Mas ir além desses limites históricos limitados e definidos de ajuda ao nacionalismo burguês significa trair o proletariado e ficar ao lado da burguesia. Há uma linha divisória aqui, que frequentemente é muito sutil, e a qual os membros do Bund judaico e os nacionalistas-socialistas ucranianos perderam completamente de vista.”
— Comentários Críticos Acerca da Questão Nacional, páginas 22-23.
Pelo direito de autodeterminação do povo curdo
O povo curdo é uma minoria nacional oprimida que se divide entre a Turquia, Irã, Iraque, Síria e União Soviética. A maior porção dos curdos (cerca de um quarto) vive na Turquia. Uma posição correta sobre a questão curda é central para a orientação de um grupo revolucionário na maioria dos países nos quais o povo curdo reside atualmente.
Embora tenha havido inúmeros levantes de setores do povo curdo contra vários opressores ao longo do último século, o que os curdos desejam, enquanto povo, de forma alguma está decidido de forma definitiva. As várias lutas dos curdos nos últimos cem anos não dão nenhuma indicação clara para saber se eles desejam simples igualdade, ou autonomia regional dentro de determinado Estado ou independência.
A luta recente mais bem conhecida do nacionalista Partido Democrata Curdo foi por autonomia regional dentro do Estado iraquiano. Em uma situação como essa, na qual existe opressão nacional, mas na qual o desejo do povo oprimido nacionalmente não se expressou claramente, nós só podemos defender uma solução que minimize as divisões nacionais entre o proletariado da região, ou seja, o direito do povo curdo à autodeterminação. Essa demanda é negativa – nenhuma solução forçada pelas burguesias dominantes da região para a questão curda – e deixa aberta a questão sobre o que os curdos decidirão – direitos iguais, autonomia regional ou independência.
Ao lidarem com a questão curda na Turquia, é vital que os trotskistas exponham impiedosamente a posição nacional-chauvinista do Partido Comunista Turco (TKP). Em sua tentativa de se aproximar do partido burguês RPP, o TKP essencialmente nega o direito dos curdos à autodeterminação e apoia o “direito” da burguesia turca de continuar a oprimir os curdos que vivem dentro das atuais fronteiras da Turquia. A posição da liderança da WSL sobre a questão curda rejeita o nacional-chauvinismo do TKP stalinista apenas para adotar um programa nacionalista.
A posição da liderança do grupo turco da WSL é desavergonhadamente nacional-divisionista: “A tarefa política dos trotskistas no Curdistão deve consistir na luta por um partido independente e [na] luta para ganhar e preservar a independência política da classe trabalhadora com relação aos nacionalistas burgueses”. Enquanto um partido de vanguarda na Turquia possa ter organizações especiais para o trabalho entre os curdos, isso apenas refletirá uma divisão de trabalho dentro do partido. Essa divisão de trabalho é simplesmente para realizar a organização e mobilização das massas curdas. Nós ficamos com Lenin contra a divisão em partidos separados dos proletários de diferentes nações dentro das mesmas fronteiras de um mesmo poder de Estado:
“Os trabalhadores grão-russos e ucranianos devem trabalhar juntos e, enquanto viverem no mesmo Estado, agir na mais íntima unidade e coordenação organizativa, rumo a uma cultura internacional do movimento proletário, agindo na mais absoluta tolerância sobre a questão do idioma com o qual a propaganda é conduzida, e nos detalhes puramente locais ou puramente nacionais de tal propaganda. Essa é uma exigência imperativa do marxismo. Toda reivindicação de separação dos trabalhadores de uma nação dos trabalhadores da outra, todos os ataques contra a ‘assimilação’ marxista… é nacionalismo burguês, contra o qual é essencial realizar uma luta implacável.”
— Comentários Críticos Acerca da Questão Nacional, páginas 20-21.
O documento da liderança projeta um programa de trabalho entre os curdos que defende uma concepção etapista:
“Tal programa irá focar em demandas democráticas (independência nacional, uma assembleia constituinte, o direito de falar a língua curda, etc.), mas também deve apontar para o caráter permanente da revolução.” [ênfase de Spartacist Britain]
Isso foi colocado de forma ainda mais clara na reunião em Londres sobre a Turquia, em 11 de dezembro, quando o camarada H. declarou que: “A tarefa diante da nação curda não é se unir com o proletariado turco, mas atingir a sua unidade nacional primeiro”. Na reunião, o camarada H. estava apenas repetindo o que lhe havia sido dito na conferência sobre o Curdistão, realizada em Londres em novembro. Nós não aceitamos a revolução permanente como um mero adendo a documentos internos enquanto a atividade real da organização foca apenas em demandas democráticas. Nas palavras do Programa de Transição:
“Nessa luta, as palavras de ordem democráticas, as reivindicações transitórias e as tarefas da revolução socialista não estão separadas em épocas históricas distintas, mas decorrem umas das outras. Apenas havia iniciado a organização de sindicatos, o proletariado chinês foi obrigado a pensar nos conselhos. É neste sentido que o presente programa é plenamente aplicável aos países coloniais e semicoloniais, pelo menos àqueles onde o proletariado já é capaz de possuir uma política independente.”
Argumentar que o proletariado curdo não se tornou capaz de possuir uma política independente (como classe) seria ignorar o importante potencial que foi demonstrado pelas lutas dos petroleiros de Kirkuk no Pós-Segunda Guerra.
Finalmente, nós defendemos a palavra de ordem leninista do direito dos curdos à autodeterminação e contra a capitulação ao nacionalismo que é expresso no chamado da liderança por um Curdistão independente. Lenin lidou em particular com a questão de reivindicar a separação:
“A exigência de uma resposta, ‘sim’ ou ‘não’, à questão da separação no caso de cada nação pode parece muito ‘prática’. Na realidade, ela é absurda – ela é metafísica em teoria, enquanto na prática leva à subordinação do proletariado à política da burguesia. A burguesia sempre coloca as demandas nacionais em primeiro plano, e o faz de forma categórica. Com o proletariado, entretanto, essas demandas são subordinadas aos interesses da luta de classes. Teoricamente, você não pode dizer de antemão se a revolução democrático-burguesa vai terminar com uma determinada nação se separando da outra, ou em uma situação de igualdade com a outra; em todo caso, o importante para o proletariado é garantir o desenvolvimento de sua classe. Para a burguesia, o importante é atrapalhar esse desenvolvimento forçando os interesses da sua ‘própria’ nação antes dos interesses do proletariado. É por isso que o proletariado se limita, por assim dizer, às demandas negativas pelo reconhecimento ao direito de autodeterminação, sem dar garantias a nenhuma nação, e sem prometer nadaa custas de outra nação.”
— O Direito das Nações à Autodeterminação, páginas 53-54.
A questão nacional no Chipre
Embora o Chipre não seja parte da Turquia, a considerável população turca e o envolvimento do Estado turco nos assuntos do Chipre fazem com da questão cipriota uma questão chave para os revolucionários turcos. Até 1974, a população turca no Chipre era oprimida nacionalmente pela população grega – mas desde a invasão do exército turco, os gregos têm estado na posição de oprimidos. Em razão de as duas populações estarem completamente entrelaçadas nessa pequena ilha, fica claro que a “autodeterminação” não é aplicável. Nós, portanto, chamamos pela retirada de todas as tropas estrangeiras (sejam turcas, gregas, da ONU, da OTAN, ou quaisquer outras) e pela união do povo trabalhador grego e turco do Chipre para derrubar o capitalismo e estabelecer um Estado operário liderado por um partido trotskista. Apenas através de uma revolução dos trabalhadores unidos, a opressão nacional no Chipre pode ser encerrada de uma forma que seja justa para ambos os povos.
A importância dos Estados operários
Em razão da localização estratégica da Turquia, a questão da atitude dos revolucionários em relação aos Estados operários é extremamente importante. A flagrante omissão de qualquer menção a essas questões no documento da liderança é uma indicação da incapacidade dela para entender as tarefas diante dos revolucionários turcos. Nós defendemos a revolução política nos Estados operários e por sua defesa incondicional contra ataques imperialistas.
Pelo centralismo democrático leninista
A forma organizativa interna do nosso grupo turco é muito distante do centralismo democrático. Ao invés disso, são panelinhas na forma de um rígido centralismo. Na Grã-Bretanha, o camarada H., “secretário-geral” do grupo turco, e o camarada I. agiram em unidade disciplinada no Comitê Executivo contra os outros camaradas. Esse centralismo ridiculamente rígido chegou ao cúmulo na Turquia. Em Istambul, havia um comitê regional de três e dois membros fora do comitê regional. Em Ankara, antes havia dois membros no comitê regional e um camarada que não fazia parte do comitê. A consequência política dessa forma de organização é que os membros não participam das discussões do grupo – e, portanto, tem sua formação política atrofiada. Discussões reais acontecem apenas nos “órgãos de liderança” – o resto dos membros simplesmente recebe as decisões, as quais devem aceitar ou lançar uma luta contra a direção.
Os métodos burocráticos da liderança não podem ser separados da forma com a qual os membros foram recrutados na Turquia – não com base em um acordo com a linha política da WSL, mas simplesmente por terem concordado em participar das atividades do grupo e aceitar a sua disciplina. Nós defendemos a forma leninista de centralismo democrático – os membros devem estar envolvidos com a discussão e a elaboração da linha política, e depois de uma decisão ser tomada de forma democrática, ela deve ser aplicada lealmente por todos os camaradas. Apenas dessa forma é possível corrigir os erros da liderança e desenvolver os membros.
A disciplina leninista não é apenas um acordo vago entre indivíduos simpáticos para trabalharem juntos. James P. Cannon, o fundador do trotskismo norte-americano, disse o seguinte:
“Não é uma questão de 50 por cento de democracia e 50 por cento de centralismo. A democracia deve cumprir o papel dominante em épocas normais. Em tempos de ação, atividade intensa, crises… e giros no partido, como o movimento de proletarização depois do racha, e assim por diante, o centralismo deve tomar a frente, como foi nos últimos anos.”
“O método e forma de organização leninista fluem do programa, das tarefas e dos objetivos estabelecidos pelo partido, em completa harmonia, em uma concepção inteiramente harmônica.”
— O Socialist Workers Party na Segunda Guerra Mundial, página 352 [ênfase nossa].
Por uma tendência internacional democrático-centralista! Pela reconstrução da Quarta Internacional!
Embora no seu início o documento da direção turca defenda a necessidade de pertencer a um movimento internacional principista, ele se coloca contra ser parte de uma tendência internacional democrático-centralista: “… nós propomos estabelecer grupos de ‘Enternasyonal’ em uma base centralizada em cada região, como um passo preliminar rumo a um partido trotskista turco, autônomo, mas em aliança política com a WSL” (página 10). Nós nos opomos à criação de mais um grupo como o CIL grego ou a SL (DC) norte-americana, com os quais a WSL pode se “aliar” sem colocar nenhum empenho ou tomar nenhuma responsabilidade política. Esse é o tipo de “internacionalismo” federativo e frouxo do Bureau de Londres nos anos 1930 ou o do Secretariado Unificado de hoje – mas nada tem a ver com o internacionalismo bolchevique da Oposição de Esquerda. Nós defendemos a organização de uma tendência internacional leninista democrático-centralista que irá lutar pela reconstrução da Quarta Internacional. Tal tendência internacional não pode ser uma coleção de grupos politicamente aliados porém organizativamente autônomos, e sim funcionar como o embrião de um partido mundial da revolução socialista – a Quarta Internacional.
O estabelecimento de uma tendência revolucionária internacional democrático-centralista não é simplesmente uma questão organizativa – é primeiramente uma questão política. A internacional revolucionária, e todas as suas seções, devem firmemente levantar as posições programáticas básicas do Programa de Transição: oposição a todas as formas de colaboração de classes; reconhecimento da validade da estratégia da revolução permanente; e uma determinação a liderar a revolução política contra os dirigentes burocráticos stalinistas no Estados operários degenerados e deformados, combinada com uma política de defesa militar incondicional desses Estados contra o imperialismo. Antes que a WSL possa realizar um trabalho principista revolucionário na Turquia (ou em qualquer outro lugar) deve haver um completo realinhamento programático do movimento de acordo com as posições apresentadas neste documento e no documento “Em Defesa de um Programa Revolucionário”, ao qual nós, desde já, declaramos nosso apoio.
Rumo a um partido trotskista turco, seção de uma Quarta Internacional reconstruída, partido mundial da revolução socialista!
E. (Grupo turco, filial de Hackney)
F. (Grupo turco, filial de Hackney)
28 de janeiro de 1978
(Nós reconhecemos a ajuda do camarada Jim Saunders na preparação desse documento).