Lutando Contra a Corrente
Lutando Contra a Corrente
Leon Trotsky
Escrito em abril de 1939. Originalmente publicado em The Fourth International (Nova York) Vol. 2 No. 4, em maio de 1941. Traduzido para o português pelo Reagrupamento Revolucionário em 2013 a partir da versão em inglês disponível no Marxists Internet Archive.
[NOTA: A seguir está uma transcrição em linhas gerais, não-corrigida, de uma discussão realizada em abril de 1939 entre Trotsky e um membro inglês da Quarta Internacional que levantou uma série de questões a respeito do desenvolvimento da Quarta Internacional na França, Espanha, Grã-Bretanha e Estados Unidos. Em suas respostas, Trotsky esboçou as principais razões para o isolamento e lento progresso da Quarta Internacional nas primeiras etapas do seu desenvolvimento e mostrou como um novo rumo na situação mundial, como a presente guerra, iria inevitavelmente levar a uma mudança radical no ritmo do desenvolvimento, composição social e ligações da Quarta Internacional com as massas].
TROTSKY: Sim, a questão é por que nós não estamos progredindo em correspondência ao valor das nossas concepções, que não são tão insignificantes quando alguns companheiros acreditam. Nós não estamos progredindo politicamente. Esse é um fato que é a expressão de uma decadência geral do movimento dos trabalhadores nos últimos quinze anos. Essa é a causa mais geral. Quando o movimento revolucionário em geral está em baixa, quando temos uma derrota depois da outra, quando o fascismo está se espalhando pelo mundo, quando o “marxismo” oficial é a mais poderosa organização de enganação dos trabalhadores, e assim por diante, é uma situação inevitável que os elementos revolucionários devam trabalhar contra a maré histórica, mesmo se nossas ideias, nossas explicações, são tão exatas quanto se possa exigir.
Mas as massas não são instruídas por concepções teóricas prognosticas, mas pelas experiências próprias de suas vidas. A explicação mais geral é de que toda a situação está contra nós. Deve haver uma mudança na percepção de classe das massas, nos seus sentimentos; tal mudança nos dará a possibilidade de um grande sucesso político.
Eu me lembro de certas discussões em 1927 em Moscou, depois que Chiang Kai-shek imobilizou os trabalhadores chineses. Nós havíamos previsto isso com dez dias de antecedência e Stalin se opôs a nós com o argumento de que Borodin estava vigilante, e que Chiang Kai-shek não teria a possibilidade de nos trair, etc. Eu acho que oito ou dez dias depois a tragédia aconteceu e os nossos camaradas expressaram otimismo porque nossa análise era tão clara e todo o mundo iria perceber, e nós com certeza ganharíamos o partido. Eu respondi que o estrangulamento da revolução chinesa era mil vezes mais importante para as massas do que nossas previsões. Nossas previsões podem ganhar alguns intelectuais que se interessem por tais coisas, mas não as massas. A vitória militar de Chiang Kai-shek inevitavelmente iria provocar uma desmoralização, e isso não contribui para o crescimento de uma fração revolucionária.
Desde 1927, tivemos uma longa série de derrotas. Nós somos como um grupo que tenta escalar uma montanha e que sofre, a cada momento, uma avalanche de pedras ou de neve, etc. Na Ásia e na Europa, as massas adquirem uma nova sensação de desespero. Elas ouviram do Partido Comunista há dez ou quinze anos atrás algo parecido com o que nós estamos dizendo e elas ficam pessimistas. Essa é a sensação geral dos trabalhadores. Essa é a razão principal. Nós não podemos escapar da corrente histórica geral, do conjunto de forças principais. A corrente está contra nós, isso está claro. Eu me lembro do período entre 1908 e 1913 na Rússia. Também houve uma reação. Em 1905, nós tínhamos os trabalhadores conosco; em 1908, e mesmo em 1907, começou a reação.
Todos inventaram palavras de ordem e métodos para ganhar as massas, mas ninguém as ganhou; elas estavam em desespero. Nessa época, a única coisa que podíamos fazer era formar os quadros, e estes estavam se dispersando. Houve uma série de rachas à direita ou à esquerda, ou em direção ao sindicalismo e assim por diante. Lenin permaneceu em um pequeno grupo, uma seita, em Paris, mas confiante de que haveria novas possibilidades de se levantar. Isso chegou em 1913. Nós tivemos uma nova maré, mas aí veio a Guerra para interromper essa evolução. Durante a guerra, reinava um silêncio tumular entre os trabalhadores. A conferência de Zimmerwald era uma conferência de elementos muito confusos em sua maioria. No profundo recuo das massas, nas trincheiras e em outros lugares, havia um novo sentimento, mas ele era tão profundo e aterrorizado que nós não podíamos atingi-lo e dar-lhe expressão. É por isso que o movimento parecia aos próprios olhos ser tão fraco e mesmo os elementos que se encontraram em Zimmerwald, em sua maioria, se movimentaram à direita no ano seguinte, e mesmo no mês seguinte. Eu não os livro da sua responsabilidade pessoal, mas ainda assim a explicação geral é que o movimento tinha que nadar contra a corrente.
Nossa situação agora é incomparavelmente mais difícil do que a de qualquer outra organização em qualquer outra época, em razão da terrível traição da Internacional Comunista, que vem logo depois da traição da Segunda Internacional. A degeneração da Terceira Internacional ocorreu tão rápida e inesperadamente que a mesma geração que viu a sua formação, agora nos ouve e diz: “Mas nós já ouvimos isso antes!”.
Ocorre então a derrota da Oposição de Esquerda na Rússia. A Quarta Internacional está geneticamente conectada à Oposição de Esquerda; as massas nos chamam de trotskistas. “Trotsky deseja conquistar o poder, mas por que ele perdeu o poder?”, É uma questão elementar. Nós devemos começar a explicação pela dialética da história, pelo conflito de classes, e que mesmo uma revolução produz uma reação.
Max Eastman escreveu que Trotsky coloca importância demais na doutrina e que se ele tivesse mais senso comum não teria perdido o poder. Nada no mundo é tão convincente para as grandes massas quanto o sucesso e nada tão repelente quando a derrota.
Você também tem a degeneração da Terceira Internacional por um lado e a terrível derrota da Oposição de Esquerda com o extermínio de todo um grupo. Esses fatos são milhares de vezes mais convincentes para a classe trabalhadora do que o nosso pobre jornal, mesmo com uma tremenda circulação de 5 mil como o Socialist Appeal.
Contra a Corrente
Nós estamos navegando num pequeno barco contra uma corrente terrível. Há cinco ou dez barcos e um deles naufraga e nós dizemos que é por causa de um mau timoneiro. Mas não foi essa a razão; foi porque a corrente era forte demais. Essa é a explicação principal e nós não devemos nos esquecer dessa explicação para não nos tornarmos pessimistas; nós que somos a vanguarda da vanguarda. Existem elementos corajosos que não gostam de nadar contra a corrente; essa é uma característica sua. Há também os elementos inteligentes de mau-caráter que nunca foram disciplinados, que sempre procuraram por uma tendência mais radical ou mais independente e encontraram nossa tendência, mas todos eles são mais ou menos gente de fora da corrente geral do movimento dos trabalhadores. O seu valor tem inevitavelmente um lado negativo. Aquele que nada contra a corrente não está conectado com as massas. Também, a composição social de cada movimento revolucionário no começo não é operária. É feita de intelectuais, semi-intelectuais ou trabalhadores conectados com os intelectuais que estão insatisfeitos com as organizações existentes. Você encontra em cada país um monte de estrangeiros que não se encaixam facilmente no movimento operário do país. Um tcheco nos Estados Unidos ou no México se tornaria mais facilmente um membro da Quarta do que na Tchecoslováquia. O mesmo vale para um francês nos EUA. A atmosfera nacional exerce uma grande influência sobre os indivíduos.
Os judeus em muitos países representam semiestrangeiros, pessoas não totalmente assimiladas, e eles aderem a qualquer nova tendência revolucionária ou semirrevolucionária na política, na arte, na literatura e assim por diante. Uma nova tendência radical dirigida contra a corrente geral da história nesse período se cristaliza ao redor dos elementos mais ou menos separados da vida nacional de qualquer país, e para eles é mais difícil penetrar entre as massas. Nós somos todos muito críticos à composição social de nossa organização e de que devemos muda-la, mas nós entendemos que essa composição social não caiu do céu, mas foi determinada pela situação objetiva e por nossa missão histórica nesse período.
Isso não significa que nós devemos nos satisfazer com a situação. No que diz respeito à França, essa é uma longa tradição do movimento francês conectado à composição social do país. Especialmente no passado, a mentalidade pequeno-burguesa: individualismo de um lado, e do outro uma tremenda capacidade para o improviso.
Se você comparar no tempo clássico da Segunda Internacional, você vai ver que o Partido Socialista Francês e o Partido Socialdemocrata Alemão tinham o mesmo número de representantes no parlamento. Mas se você medir as organizações, você verá que elas eram incomparáveis. Os franceses só podiam coletar 25 mil francos com a maior dificuldade, mas na Alemanha, enviar meio milhão não era nada. Os alemães tinham nos sindicatos milhões de trabalhadores e os franceses tinham alguns milhões que não pagavam suas cotas. Engels certa vez escreveu uma carta na qual ele caracterizou a organização francesa e encerrou a carta com “E como sempre, as cotas não chegaram”.
Nossa organização sofre dessa mesma doença, a tradicional doença francesa. Essa incapacidade para organização e, ao mesmo, tempo uma falta de condições para improviso. Até mesmo quando nós tivemos agora uma boa maré na França, ela estava conectada com a Frente Popular. Nessa situação, a derrota da Frente Popular foi prova da exatidão das nossas concepções, da mesma forma como foi o extermínio dos trabalhadores chineses. Mas uma derrota é uma derrota e ela se dirige contra as tendências revolucionárias até que uma nova maré num nível mais alto apareça em um novo momento. Nós devemos esperar e preparar esse elemento novo, um novo fator nessa constelação de forças.
Nós temos camaradas que chegaram até nós, como Naville e outros, 15 ou 16 anos atrás, quando eles eram jovens. Eles hoje são pessoas maduras e em toda a sua vida consciente eles encontraram golpes, derrotas e terríveis reveses em escala internacional e estão mais ou menos acostumados a essa situação. Eles apreciam altamente a exatidão das suas concepções e eles podem analisar, mas nunca tiveram a capacidade de penetrar, de trabalhar com as massas, e eles não adquiriram tal habilidade. Há uma tremenda necessidade de olhar para o que as massas estão fazendo. Nós temos tais pessoas na França. Eu sei muito menos sobre a situação britânica, mas eu acredito que nós tenhamos tais pessoas lá também.
Por que nós perdemos pessoas? Depois de terríveis derrotas internacionais, nós tivemos na França uma maré em um nível político muito primitivo e muito baixo, sob a liderança da Frente Popular. Parece-me que a Frente Popular em todo esse período é um tipo de caricatura da Revolução de Fevereiro. É vergonhoso que em um país como a França, no qual há 150 anos se gestou a maior revolução burguesa do mundo, o movimento dos trabalhadores deva passar por uma caricatura da Revolução Russa.
JOHNSON: Você não lança toda a responsabilidade sobre o Partido Comunista?
TROTSKY: Ele é um tremendo fator na produção da mentalidade das massas. O fator ativo foi a degeneração do Partido Comunista.
Do Isolamento à Reintegração com as Massas
Em 1914 os Bolcheviques estavam dominando absolutamente o movimento dos trabalhadores. Isso foi no limiar da guerra. As estatísticas mais exatas mostram que os Bolcheviques representavam não menos que três quartos da vanguarda proletária. Mas a partir da Revolução de Fevereiro, o povo mais atrasado, camponeses, soldados, mesmo os antigos trabalhadores bolcheviques, foram atraídos para essa corrente de Frente Popular e os Bolcheviques ficaram isolados e muito fracos. A tendência geral estava num nível político muito baixo, mas poderoso, e se movia em direção à Revolução de Outubro. É uma questão de ritmo. Na França, depois de todas as derrotas, a Frente Popular atraiu elementos que simpatizavam conosco teoricamente, mas estavam envolvidos com o movimento das massas e nós nos tornamos ainda mais isolados do que antes. Você pode combinar todos esses elementos. Eu posso até mesmo afirmar que muitos (embora não todos) dos nossos camaradas de liderança, especialmente nas seções antigas, seriam, com um novo giro na situação, rejeitados pelo movimento revolucionário de massas e novos líderes, uma liderança nova, irá emergir na onda revolucionária.
Na França, a regeneração começou com o entrismo no Partido Socialista. A política do Partido Socialista não era clara, mas ganhou muitos novos membros. Esses novos membros se acostumaram a uma grande audiência. Depois do rompimento, eles se desencorajaram um pouco. Eles não eram tão firmes. Então eles perderam o seu interesse pouco firme e foram ganhos novamente para a corrente da Frente Popular. É lamentável, mas é explicável.
Na Espanha, as mesmas razões desempenharam o mesmo papel com o fator suplementar da conduta deplorável do grupo de Nin. Ele estava na Espanha como representante da Oposição de Esquerda russa e durante o primeiro ano, nós não tentamos mobilizar, organizar nossos elementos independentes. Nós esperávamos poder ganhar Nin para a concepção correta e assim por diante. Publicamente, a Oposição de Esquerda lhe dava o seu apoio. Em correspondências privadas, tentávamos ganha-lo e fazê-lo avançar, mas sem sucesso. Nós perdemos tempo. Foi correto? É difícil dizer. Se na Espanha nós tivéssemos um camarada com experiência, nossa situação seria incomparavelmente mais favorável, mas nós não tínhamos. Nós pusemos todas as nossas esperanças em Nin e a sua política consistiu em manobras pessoais para poder evitar responsabilidade. Ele brincou com a revolução. Ele era sincero, mas toda a sua mentalidade era a de um menchevique. Era um tremendo obstáculo, e lutar contra esse obstáculo apenas com fórmulas corretas, e ainda falsificadas por nossos representantes no primeiro momento, os Nins, tornou-se muito difícil.
Não esqueça que nós perdemos a primeira revolução em 1905. Antes de nossa primeira revolução, nós tínhamos uma tradição de profunda coragem, autossacrifício, etc. Depois nós fomos empurrados de volta a uma posição de minoria miserável de trinta ou quarenta pessoas. E depois veio a guerra.
JOHNSON: Quantos havia no Partido Bolchevique?
TROTSKY: Em 1910 em todo o país havia algumas poucas dúzias de pessoas. Alguns estavam na Sibéria. Mas eles não estavam organizados. As pessoas com que Lenin podia se comunicar por correspondência ou por agentes estavam entre 30 e 40 no máximo. Entretanto, a tradição e as ideias entre os trabalhadores mais avançados era um tremendo capital político que foi usado posteriormente durante a revolução; mas em termos práticos, nessa época nós estávamos completamente isolados.
Sim, a história tem suas próprias leis que são muito poderosas; mais poderosas que nossas concepções teóricas da história. Agora temos na Europa um declínio catastrófico, um extermínio de países. Isso tem uma baita influência sobre os trabalhadores quando eles observam esses movimentos da diplomacia, dos exércitos e tudo o mais, e do outro lado um pequeno grupo com um pequeno jornal que faz explicações. Mas é uma questão de o trabalhador ser convocado amanhã e de seus filhos serem mortos. Há uma terrível desproporção entre as tarefas e os meios.
Se a guerra começar agora, e parece que ela vai começar, então no primeiro mês nós vamos perder dois terços do que nós temos na França. Eles vão se dispersar. Eles são jovens e serão convocados. Subjetivamente muitos vão se manter fiéis ao nosso movimento. Aqueles que não forem presos e que permanecerem (pode haver três ou cinco, eu não sei quantos) estes estarão completamente isolados.
Apenas após alguns meses as críticas e as insatisfações vão começar a se mostrar em larga escala e por toda parte os nossos camaradas isolados, em um hospital, em uma trincheira, uma mulher em um vilarejo, vão encontrar uma atmosfera diferente e dirão uma palavra corajosa. E o mesmo camarada que era um desconhecido em uma seção de Paris se tornará o líder de um regimento, de uma divisão, e se sentirá um poderoso líder revolucionário. Esta mudança está no caráter do nosso período.
Eu não quero dizer que devemos nos reconciliar com a impotência de nossa organização francesa. Eu acredito que com a ajuda dos camaradas norte-americanos nós podemos ganhar o PSOP e dar um grande salto a frente. A situação está amadurecendo e ela diz para nós: “Vocês devem aproveitar essa oportunidade”. E se nossos camaradas virarem suas costas, a situação vai mudar. É absolutamente necessário que nossos camaradas norte-americanos vão para a Europa novamente e que eles não apenas deem conselhos, mas decidam junto com o Secretariado Internacional que nossa seção deveria entrar no PSOP. Ele tem alguns milhares. Do ponto de vista da revolução não é uma grande diferença, mas do ponto de vista do nosso trabalho é uma tremenda diferença. Com novos elementos nós podemos dar um grande salto a frente.
Já nos Estados Unidos nós temos um tipo diferente de trabalho e eu acredito que nós podemos ser muito otimistas sem ilusões e exageros. Nos Estados Unidos nós temos a grande vantagem do tempo. A situação não é tão imediata, tão grave. Isso é importante.
E eu concordo com o camarada Stanley, que escreveu que nós podemos agora ter importantes sucessos nos países coloniais e semicoloniais. Nós temos um movimento muito importante na Indochina. Eu concordo absolutamente com o camarada Johnson de que nós podemos ter um movimento negro muito importante, porque essas pessoas não passaram pela história das duas últimas décadas tão intimamente. Como massa elas não sabiam sobre a Revolução Russa e a Terceira Internacional. Elas podem começar a história do princípio. É absolutamente necessário para nós ter sangue novo. É por isso que nós temos mais sucesso entre a juventude. Quando temos sido capazes de nos aproximar dela, temos tido bons resultados. Ela é muito atenta a um programa revolucionário honesto e claro.
Abril de 1939