LRP e ISL sobre a revolução na Palestina e em Israel

LRP e ISL Sobre a Revolução na Palestina e em Israel
Adoradores do Fato Consumado
Os apontamentos seguintes, reconstruídos a partir de notas, foram feitos para o público de uma reunião da Liga pelo Partido Revolucionário (LRP/EUA) em 18 de agosto de 2009 em Nova Iorque, intitulada “A Crise do Sionismo e as Possibilidades de Revolução no Oriente Médio” e que teve a presença de cerca de 40 pessoas. O palestrante da reunião foi Yossi Schwartz da Liga Socialista Internacional (ISL/Palestina Ocupada e Israel) com quem a LRP parece ter atingido acordo político comum. Os apontamentos e comentário posterior lidam primeiramente com o fato de os dois grupos descartarem a possibilidade de ganhar uma maioria dos trabalhadores israelitas judaicos para uma luta comum com as massas palestinas contra o Estado sionista de Israel. Nós esperamos postar no futuro polêmicas que lidem mais amplamente com outros pontos da posição da LRP e de seus colaboradores na questão do sionismo e da luta palestina. A versão para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em 2011.

Os revolucionários defendem os palestinos e obviamente se opuseram à fundação do Estado de Israel. Mas depois de seis décadas, seria preciso ser cego para não reconhecer que uma nação de origem israelita judaica (que no atual estágio não pode ser simplesmente classificada como uma ocupação colonizadora) passou a existir e cujos trabalhadores nós devemos ganhar como aliados dos palestinos para podermos travar qualquer luta bem sucedida para derrubar o Estado sionista. Isso só pode ser feito chamando os trabalhadores judaicos a superarem a sua consciência nacional em favor de seus interesses de classe comuns com os trabalhadores palestinos, e não negando os direitos nacionais daqueles. A LRP e a ISL parecem reconhecer isso implicitamente em muitos aspectos, mas a partir da sua insistência em negar esses direitos aos trabalhadores israelitas, eles são forçados a chegar a conclusões completamente derrotistas.

Nos anos 1960, sob circunstâncias nas quais a classe trabalhadora dos Estados Unidos parecia ser permanentemente conservadora, e quando, durante um breve momento, uma maioria dela parecia se opor aos direitos civis, aos movimentos de liberação da mulher e anti-guerra, a Nova Esquerda a descartou (assim como a classe trabalhadora nos países economicamente desenvolvidos como um todo) como permanentemente vendida. Eles chamavam uma minoria a “abandonar os seus privilégios de pele branca” e projetavam que a maioria se aliaria à reação. E hoje as coisas parecem similarmente sombrias, sem dúvida, com relação à classe trabalhadora israelita para a LRP e a ISL. Os partidários da Nova Esquerda na época abandonaram qualquer perspectiva de uma revolução socialista nativa e adotaram a visão utópica maoísta de que o imperialismo dos Estados Unidos seria derrubado externamente pelas lutas do Terceiro Mundo.


Nas palavras da LRP, ela defende na sua mais recente declaração “Após os Massacres de Gaza: O Futuro da Palestina”, de 2 de julho de 2009, que “mais provavelmente, infelizmente, uma minoria” dos trabalhadores israelitas judeus podem ser ganhos para a revolução já que “muitos israelitas judeus prefeririam lutar pela defesa de seus privilégios temporários” reconhecendo que “os palestinos sozinhos não tem sido e não serão capazes de derrotar Israel” e concluindo que “Nós não podemos prever exatamente que formas as lutas revolucionárias vão tomar no Oriente Médio”. Em outras ocasiões e contextos (talvez antes de ganhar colaboradores israelitas cuja existência eles precisariam justificar) a LRP foi menos ambígua ao declarar que o Estado sionista será derrubado externamente por uma ou várias revoluções socialistas regionais vitoriosas, provavelmente lideradas pela classe trabalhadora egípcia.

Enquanto uma revolução socialista nativa feita pelos trabalhadores israelitas e palestinos seja preferível, deve-se reconhecer que é uma possibilidade, de fato, que uma revolução socialista que derrube o Estado sionista tenha que ser, por fim, imposta de fora sem o apoio da maioria dos trabalhadores judaicos. Não devemos nos opor se for esta a saída no final.

Mas reconhecer que isso é uma possibilidade, ao mesmo tempo em que não diz aos revolucionários palestinos e israelitas o que eles devem fazer nesse meio tempo, a não ser talvez esperar passivamente que os trabalhadores árabes em seus países venham ao seu resgate? (E o chamado da LRP e da ISL por uma “Revolução dos Trabalhadores Árabes” deixa de fora não apenas os israelitas judeus, mas também os curdos, berberes, armênios e muitos outros grupos não-árabes na região). Está faltando nesse esquema qualquer tipo de estratégia revolucionária ativa.

Comentário Posterior

Desesperança sobre as capacidades revolucionárias da classe trabalhadora nos países capitalistas economicamente avançados foi a base política não apenas da Nova Esquerda, mas também do abandono stalinista da revolução mundial para construir o “socialismo num só país” e de todas as suas traições que daí partiram. Essa também foi a base política implícita do pablismo, que por vezes também descartou a classe trabalhadora dos países do Terceiro Mundo nesse processo, baseado em noções similares. Às vezes esse raciocínio se tornava mais explícito, como num artigo da Quarta Internacional de maio-junho de 1962, escrito por Michel Pablo, que cita Frantz Fanon de maneira aprovadora, dizendo que o proletariado do Terceiro Mundo

“‘(…) está entre as camadas mais protegidas do regime colonial. O proletariado embrionário das cidades é relativamente privilegiado. Ele representa uma fração do povo colonizado necessário e insubstituível para o funcionamento eficiente do aparato colonial – condutores de trens, motoristas de taxi, mineiros, estivadores, intérpretes, trabalhadores da saúde, etc. Esses são os elementos que constituem a camada mais leal dos partidos nacionalistas e que, do lugar privilegiado que ocupam no sistema colonial, constituem a fração ‘burguesa’ do povo colonizado.’”

Pablo comenta que

“A análise que Fanon faz do papel do proletariado urbano pode parecer exagerada para um marxista europeu; mas com restrições, ela se ‘encaixa’ bem àqueles países com um fraco desenvolvimento industrial.”

É claro que a LRP e a ISL argumentariam que se opõem ao stalinismo, à Nova Esquerda e ao pablismo. Eles argumentariam que não descartam a classe trabalhadora dos Estados Unidos ou a classe trabalhadora dos países capitalistas avançados, e que a sua análise é específica para a classe trabalhadora de Israel. Mas eles também tendem a resumir o que é, em última instância, um apoio autodestrutivo da classe trabalhadora israelita ao sionismo, a questões de privilégio econômico (sendo um tanto cegos com relação a outros fatores envolvidos, como o trauma histórico devido à opressão passada e os horrores do holocausto, o medo de uma represália nacionalista árabe, a desesperança a respeito da solidariedade internacionalista com base na história das traições stalinistas, etc.). Mas enquanto é verdade que a classe trabalhadora israelita é significativamente privilegiada em relação aos palestinos, a classe trabalhadora dos EUA é significativamente mais privilegiada do que a classe trabalhadora israelita, e do que a da maior parte dos países por sinal. No artigo escrito em uma das suas muitas encarnações políticas anteriores, o camarada Schwartz corretamente percebeu que:

“É possível, é claro, culpar a classe trabalhadora judaica, sustentar que é interesse dos trabalhadores servir ao sionismo. Mas nós dizemos que a classe trabalhadora judaica, assim como todas as outras frações da classe trabalhadora, tem apenas um interesse: revolução proletária.”

“Sobre a Primeira Guerra Árabe-Israelense”
Workers Vanguard (jornal da Liga Espartaquista), janeiro de 1974

Ao invés de resumir o apoio judeu ao sionismo a privilégios (que sem dúvida é um, mas apenas um dos fatores), o seu artigo ecoava a declaração de Trotsky, no Programa de Transição, de que em última análise “a crise histórica da humanidade se reduz à crise de liderança proletária”:

“A explicação para o controle sionista não está nos interesses da classe trabalhadora judaica, mas na sua posição organizativa, sua falta de qualquer preparação ou lutas independentes. E a responsabilidade por essa situação pertence ao Partido Comunista [stalinista].”

De um ponto de vista um pouco variado e em graus diferentes, é claro, a rejeição da ênfase de Lenin e Trotsky na centralidade da liderança revolucionária, a “questão do partido”, é de fato um dos elementos que a LRP e a ISL tem em comum com os pablistas. Ambas a LRP e a ISL rejeitam explicitamente o argumento de Lenin em “O que Fazer?” de que a consciência revolucionária/marxista deve se infiltrar através de uma luta para dentro da classe trabalhadora, contra a enorme quantidade de ideologias falsas/burguesas existentes, via um partido de vanguarda. Os neo-economicistas e movimentistas contemporâneos preferem embelezar a realidade em favor de uma imagem admitidamente mais consoladora e impaciente de uma classe trabalhadora espontaneamente revolucionária. Embelezar a trágica realidade da atual consciência atrasada dos trabalhadores israelitas judaicos é, obviamente, algo muito mais difícil de fazer (para não mencionar que atrapalha uma adaptação oportunista ao que é, atualmente, uma consciência árabe nacionalista, não marxista, ainda que certamente mais receptiva). Mas um dos fatores por trás da necessidade de um partido revolucionário é precisamente o fato de que as lutas das várias camadas das massas oprimidas tendem a ser setoriais (quer seja ao fazer uma greve contra um patrão em particular, ou se organizar contra a brutalidade racista da polícia numa comunidade específica, ou travando lutas contra um tipo imediato de opressão, etc.) e a sua consciência política e compreensão tendem, portanto, a ser setorialistas, refletindo os seus interesses mais imediatos, em oposição aos seus interesses históricos, internacionalistas e classistas.

Unir as lutas dos variados setores da classe trabalhadora e oprimidos (nacionalmente e internacionalmente) é o trabalho do partido revolucionário, infiltrando a compreensão de seu interesse comum em atacar a raiz capitalista da sua opressão. Essa compreensão teórica necessária sobre o funcionamento da sociedade capitalista (o tema central de “O que Fazer?” é que não pode haver movimento revolucionário sem teoria revolucionária, ou seja, marxista) e os meios necessários para derrubá-la, de fato, não surgem espontaneamente.

Mas se a classe trabalhadora não pode entrar numa batalha bem sucedida pelo poder espontaneamente, ela pode desde que exista uma liderança revolucionária. A rejeição desse entendimento só pode levar a um fatalismo objetivista, geralmente pessimista, embora às vezes de uma variante “otimista” baseada em seguir as massas. Ambas as atitudes impedem a possibilidade de uma luta bem sucedida da classe trabalhadora pelo poder.

Em A Revolução Traída, Trotsky descreveu aqueles com atitudes fatalistas como “adoradores do fato consumado”, notando que “quem quer que cultue o fato consumado é incapaz de se preparar para o futuro”. Tendo desesperança a respeito da atual consciência recuada dos trabalhadores israelitas judaicos, a LRP e a ISL se esquecem do bordão de Marx sobre a realidade, de que “a questão é transformá-la”.

Descartar efetivamente a possibilidade de liderar os trabalhadores palestinos e judaicos numa luta conjunta pelo poder de Estado põe grandes contradições para a ISL em relação ao seu propósito declarado de existência. James P. Cannon também descreveu o dilema da ISL em Os Primeiros Dez Anos do Comunismo Americano:

“A stalinização do partido foi na verdade o resultado final de um processo de degeneração que começou durante o longo boom dos anos 1920. A prosperidade prolongada daquele período, que foi tomada como se fosse permanente pela grande massa do povo norte-americano e todas as classes, não deixou de afetar o próprio Partido Comunista. Ela amaciou os quadros de liderança do partido e minou a sua confiança original nas perspectivas de uma revolução neste país. Isso os preparou, no fim, para uma aceitação fácil da teoria stalinista de ‘socialismo num só país’.”

“Para aqueles que aceitaram essa teoria, a Rússia, como o ‘país escolhido’ da revolução vitoriosa, se tornou um substituto para a revolução norte-americana”
(…)
“O que aconteceu com o Partido Comunista aconteceria sem dúvida a qualquer outro partido, incluindo o nosso próprio, se ele abandonasse sua luta por uma revolução social neste país como uma perspectiva realista para nossa época, e se degenerasse ao papel de um simpatizante de revoluções em outros países.”

A lógica de tal perspectiva pode levar a ISL a percorrer o caminho e se tornar uma versão israelita do lamentável e recentemente morto Movimento Internacionalista Maoísta (embora sem dúvida bem mais inteligente e menos psicótica), se não a categoria mais comum de ativista de solidariedade reformista ou economicista sindical como os Partidos Comunistas. Na palestra, os apoiadores da LRP e da ISL responderam que eles não defendiam construir o “socialismo em um só país”. De fato, ninguém pode construir o socialismo num só país, seja ele Israel ou qualquer outro. A vitória das lutas revolucionárias numa escala mundial é um pré-requisito para isso. Mas isso que faz a LRP é confundir a questão de construir o “socialismo num só país” com a necessidade de liderar a classe trabalhadora numa luta para tomar o poder de Estado em escala nacional, no contexto de um enfrentamento pela revolução mundial.

Trotsky resumiu o dilema da ISL bem ao resumir a perspectiva dos “adoradores do fato consumado” em A Revolução Traída:

“Na realidade, nossa disputa com os Webbs não é sobre a necessidade de construir fábricas na União Soviética e empregar fertilizadores minerais nas fazendas coletivas, mas se é ou não necessário preparar uma revolução na Grã-Bretanha e como isso deve ser feito. Sobre esse assunto, os experimentados sociólogos respondem: ‘Nós não sabemos’.”