Carta de Ruptura com o PSTU

Aos Trotskistas
As Ações do PSTU em Comparação às Tarefas da IV Internacional

Escrita em agosto de 2009, esta carta de ruptura foi publicada originalmente no primeiro número da revista Revolução Permanente, em setembro de 2009. Ela marca a ruptura de Rodolfo Kaleb e Leandro Torres com o PSTU e sua decisão de ingressar no Coletivo Lenin. Notas de revisão foram adicionadas para fins de esclarecimento, destacando-se os trechos comentados com sublinhados.

Encarar a realidade de frente; não buscar a linha de menor resistência; chamar as coisas pelos seus nomes; falar a verdade às massas, não importa o quão amarga ela seja; não temer os obstáculos; ser verdadeiro nas pequenas coisas como nas grandes; basear seu programa na lógica da luta de classes; ser ousado quando a hora da ação chegar – essas são as regras da Quarta Internacional” 

Situação histórica

Às vésperas da segunda guerra Mundial, Leon Trotsky descreve no Programa de Transição a situação da crise de direção do proletariado, que ele considera a principal causa da miséria da humanidade. A situação explicita as razões de ascensão do fascismo nos diversos países: “O sucesso da ‘ideologia’ fascista não se explica pela força de teorias semi-delirantes, semi-charlatanescas de raça ou de sangue, mas na falência estarrecedora das ideologias da democracia, da social-democracia e da Internacional Comunista.”

De certa forma essa situação se repete nos nossos dias. Medidas de caráter fascista tomadas por governos, crescimento do fundamentalismo, falta de esperança nas ideologias antigas, definem a situação da classe trabalhadora. É nesse cenário que entra a IV Internacional reconstruída, com a tarefa de reverter este quadro, intervir na realidade com um programa transitório para o socialismo, indicando à classe trabalhadora a saída dessa crise.

Para cada fator destrutivo que o capitalismo impõe aos trabalhadores, a IV Internacional deve apresentar uma solução que indica para o socialismo, se diferenciando das palavras de ordem da social-democracia e dos reformistas exatamente por mostrarem que as causas centrais dos problemas que nos afligem não podem ser resolvidos pelo capitalismo.

Palavras transitórias

Assim, as palavras de ordem transitórias devem indicar a solução de fato dos problemas, e não uma falsa solução paliativa para os mesmos. No momento inicial, é provável que não atinjam em todo à classe, pois revelam uma consciência que a classe ainda não possui. Mas no devido tempo, mostram a solução definitiva para os seus sofrimentos.

Exemplos: Para revidar à exploração capitalista, indicam o controle operário sobre as fábricas; Redução da jornada de trabalho sem redução de salário, para combater o desemprego; Autodefesa armada dos trabalhadores para resistir aos ataques da polícia e do exército, etc. Claramente essas palavras de ordem não serão concretizadas enquanto o poder capitalista for amplamente superior ao poder dos trabalhadores, mas indicam a solução socialista para os ataques do capitalismo.

Isso não significa que os trotskistas não estejam na luta por reformas, pela melhoria progressiva das condições dos trabalhadores. Mas sim que eles se diferenciam por exprimir, nestas ocasiões as palavras de ordem transitórias, acima das reformistas. Isso significa que os trotskistas não vêem as reformas como um fim em si, e nem mesmo como uma etapa em separado da questão central: que é a luta pelo socialismo.

Para exemplificar, no caso mais recente de um golpe militar na América Latina, o golpe que derrubou Manuel Zelaya em Honduras: A tarefa dos trotskistas é trabalhar incessantemente contra o golpe, apoiando a classe em todas as manifestações nesse sentido. Mas enquanto os reformistas estiverem exclamando palavras de ordem de “Volte Zelaya!”, os trotskistas devem anunciar “Assembléias de bairro para resistir ao golpe!”, “Auto-defesas contra os ataques da polícia à classe trabalhadora!”, “Redução da jornada de trabalho sem redução de salário”. Está claro que essas palavras não serão assimiladas de imediato, pois as massas são reformistas nesse momento. Mas é exatamente essa situação que a IV Internacional reconstruída deve alterar. E quando a hora da ação chegar, trabalhar para concretizá-las.

Nesse meio tempo, o PSTU levanta a palavra de ordem reformista, justificando que se não o fizesse, se usasse as palavras de ordem transitórias, estaria se isolando das massas. Ora, “Volte Zelaya!” é a palavra que as massas, de fato, já tem em mente. Mas então, o partido trotskista é desnecessário, se tudo que ele tem a fazer é se juntar a esse coro de vozes reformistas. Pelo contrário: o papel do partido é elevar a consciência, lançando palavras de ordem que apontem para a verdadeira solução da crise, sem em nenhum momento deixar de lutar pela classe contra o golpe. Isso levará a um certo isolamento dentro do movimento? Sim, isso ocorrerá nesse momento histórico de refluxo. Mas qual é a solução? Rebaixar as palavras de ordem para adequá-las ao reformismo? Obviamente não! 

PSTU: um regime de centralismo burocrático

No recente programa de televisão do PSTU, o partido, ou melhor, a direção do partido, antecipou o chamado pela parceria eleitoral entre o PSTU e o PSOL. Está claro que este assunto não foi debatido pela base do partido, nos núcleos, mesmo sendo essa uma questão polêmica dentro da organização. Essa é uma questão tática, que sempre deve ser discutida com democracia interna. Foi, no entanto, a voz da direção que se fez valer. Direção essa que se conserva praticamente a mesma, há pelo menos duas décadas. Está claro para quem participa do partido, que o PSTU realiza o que a sua direção acha certo ou errado. E depois, a própria direção avalia seus erros e acertos, deixando a base em último plano na hora de decidir os rumos do partido. Quase não há divergências dentro do partido, pois a direção dita a política. Só se permite frações/tendências nas épocas de congresso interno.

Isso evidencia que, por mais que se denomine partido trotskista com centralismo democrático, o PSTU é um partido que na prática, aplica um centralismo burocrático. Aqueles que estudaram a história da Revolução Russa um pouco mais a fundo, devem saber que o partido bolchevique/comunista, no seu período realmente democrático, antes dos desvios que o próprio Lênin cometeu e da traição Stalinista, era um partidocom tendências permanentes [1], no qual as diferentes posturas poderiam se organizar, debater e decidir democraticamente, disputando assim a linha geral da organização. Depois de tomada a decisão, todos agiam de acordo com a política decidida pela maioria. Na realidade, as frações e tendências se mantiveram até meados de 1920. Trotsky chegou a afirmar que a disputa entre tendências internas configura “a história do bolchevismo”.
            
O PSTU argumenta que a existência de tendências destruiria o partido, pois elas se digladiariam. Isso não é a realidade, pois o partido bolchevique/comunista funcionou assim por mais de quinze anos. Foi com tendências permanentes [1] que o partido revolucionário liderou e ajudou a construir a Revolução. Está claro que sem tais estruturas não há como se validar as divergências e o centralismo democrático acaba não existindo. A única tendência organizada é a da direção e se tem um centralismo burocrático.
 

O abandono das organizações de massa

Outra crítica que deve ser feita às ações do PSTU, em relação às tarefas da IV Internacional, é o seu abandono às entidades de massa dos movimentos sindical e estudantil. Exemplificando com a ação mais recente: a criação da Assembléia Nacional de Estudantes – Livre (ANEL). O PSTU afirma que a entidade surge do ascenso do movimento estudantil a partir das ocupações de reitoria que ocorreram em 2007, em algumas das maiores universidades do país. E que assim a entidade existe para tornar estas lutas orgânicas, em alternativa à União Nacional dos Estudantes, que cumpriu um papel vergonhoso nas citadas ocupações, sendo contra as mesmas e agindo contra a manifestação espontânea dos estudantes.

O PSTU rompeu politicamente com a UNE em 2005, sob argumento de que a entidade era atrelada pelo governo e assim, direcionava o movimento estudantil para apoiar reformas que iam de desacordo ao projeto político desejável à educação (como por exemplo REUNI e PROUNI). Experiência anterior do PSTU, o CONLUTE, surgia sob a mesma bandeira, com mudanças pequenas na estrutura. O argumento usado pelo PSTU para não estar presente na UNE é geralmente: “A UNE não representa a realidade do movimento estudantil, apenas os setores burocráticos e governistas”. E segue apresentando exemplos da política chapa-branca da entidade, mostrando que participar dela é perda de tempo e que participar de seus fóruns seria legitimar esta entidade.

Os trotskistas devem sempre intervir nas entidades de massa. Negar isso é negar toda a herança histórica desde Marx. Mais do que isso, participar de uma organização, não significa concordar politicamente com a sua direção ou legitimar suas ações. Ficando de fora de organizações de massa da classe trabalhadora e da juventude, como a UNE e a CUT, o PSTU se coloca fora da grande parte da classe trabalhadora que reconhece esses meios.

Os trotskistas devem estar nestas organizações de massa, disputando a sua base ao invés de tentarem criar organizações (estas sim) fora de realidade da classe trabalhadora ou do movimento estudantil. A UNE e a CUT representam sim a realidade do movimento estudantil e sindical, exatamente porque a realidade destes é uma realidade reformista. É tarefa da IV Internacional reconstruída mudar essa situação intervindo em tais organizações.

Se o objetivo da ANEL fosse simplesmente organizar movimentos como as ocupações de reitoria, ela seria justificável. Mas nada justifica se excluir da UNE para então construir tão somente a nova entidade.

Para trabalhar contra as medidas do Governo de Frente Popular de fazer reformas regressivas na educação, para disputar a base dos movimentos sindical e estudantil, o PSTU deve intervir nas entidades de massa. E enquanto se mantém fora das mesmas, se mantém afastado da possibilidade de intervir na realidade da classe. Admitindo a existência da ANEL, é dever dos trotskistas atuarem politicamente em ambas as entidades, pois ambas tem representação na base do movimento estudantil (embora a ANEL corresponda a uma base restrita e fora dos quadros gerais). Não participar da UNE é um erro estratégico grave [2] para um partido que se considera trotskista.

O anti-defensismo

Por último e talvez mais grave para um partido que se considera trotskista, é sustentar uma interpretação morenista (corrente política de Nahuel Moreno) do trotskismo em que coloca como papel do partido nesse momento lutar pelas realizações democrático-burguesas, como um caminho para a revolução socialista nos países periféricos do capitalismo.

Sua premissa é verdadeira em constatar que nos países periféricos, dentre os quais o Brasil, a burguesia não é capaz de realizar nem mesmo a fase mais avançada da revolução burguesa, como a distribuição da terra, o fim do imperialismo, o alcance às condições mais básicas de vida, etc. Mas sua resposta à isso é equivocada: se aliar aos setores reformistas, mesmo da burguesia nacional, quando se trata de buscar esses avanços “democráticos”. Fica o exemplo da Rússia, na qual foi a revolução socialista de Outubro que cumpriu as tarefas democráticas. Não se deve confundir isso com lutar por uma “revolução democrática”, como define o morenismo, mas afirmar que tão somente a luta pela revolução socialista é capaz de cumprir as mínimas tarefas democráticas.

Essa interpretação no mínimo semi-etapista da revolução socialista (como a põe Moreno), que considera a “revolução democrática” como parte integrante da revolução socialista, explicita o porquê de posições contraditórias na história do PSTU. Apoiar o Solidariedade Polonês em sua luta para derrubar o stalinismo e restaurar o capitalismo, por exemplo, imaginando que essa “revolução democrática” era uma possível primeira fase da revolução socialista nesse país (como Moreno diz em Revoluções do Século XX).

O PSTU constrói essa política, mesmo conhecendo a histórica avaliação de Trotsky, definição do que é ser comunista, como deixa claro em diversas obras: “Stalin derrubado pelos trabalhadores é um passo para o socialismo. Stalin derrubado pela burguesia imperialista, é a contra-revolução que triunfa”. A mesma postura de defesa da “revolução democrática” foi a que o PSTU apresentou no caso da queda da URSS.

A defesa dos Estados Operários deformados pela burocracia é tarefa da IV Internacional enquanto estes Estados forem ameaçados pelos interesses da burguesia. O ataque devastador a estes mesmos Estados e suas direções é tarefa da IV Internacional quando eles forem ameaçados pelos interesses da classe trabalhadora. Só se explica que o partido siga com essa postura pela falta de discussão acerca do programa morenista em sua base.

Tarefas dos revolucionários

O papel de um partido trotskista no Brasil hoje, é atuar politicamente nas bases dos movimentos popular, sindical, estudantil, etc., mostrando o socialismo como saída e fonte de esperança contra a miséria causada pelo capitalismo à classe trabalhadora e outros setores oprimidos. Assim, estar presente onde a luta de classes se engendra de maneira mais brutal: nos setores mais explorados da classe, defendendo com palavras de ordem transitórias a defesa da classe trabalhadora; e estimular a criação a todo o momento de exemplos de como a classe trabalhadora é capaz de autogerir a sociedade: universidades populares, defesa das fábricas ocupadas, atuação em defesa dos setores de trabalhadores terceirizados. Além disso, estar presente nas entidades de massa dos sindicatos para disputar sua política e a sua base, fortalecer a classe trabalhadora, em suas lutas por reformas, sem deixar de lado o programa de transição e sem se deixar desviar por uma tendência limitada sindicalista. Ter em seu interior um debate democrático garantido pelo centralismo democrático com tendências permanentes[1] (e somente assim verdadeiro).

Esse é o conjunto fundamental de uma ação trotskista e explicita onde o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado corresponde à uma ação com objetivos que não são a revolução socialista da classe trabalhadora. Muitos outros exemplos de desvios poderiam completar estas páginas, mas basta que os trotskistas, os verdadeiros trotskistas, reflitam e encontrarão por si só estes exemplos, desde que avaliem a realidade de maneira crítica e objetiva. Por último, é preciso ressaltar que muitas vezes, as publicações do PSTU exaltam as tarefas da IV Internacional, mas que um conhecimento, mesmo que superficial, do partido, mostra que suas ações não correspondem a esse discurso.

Este é o depoimento de dois trotskistas que foram militantes do PSTU, atraídos pelo seu discurso revolucionário, mas que ao lançarem um olhar crítico sob seus atos decidiram romper com o mesmo e ingressar no Coletivo Lênin, uma organização que luta pela construção do Partido Revolucionário dos Trabalhadores. Partido esse que compreenda em seu programa o papel dos setores mais oprimidos da classe e a importância da defesa revolucionária dos Estados operários ainda existentes.

Fica aos demais trotskistas que lerem isto um convite para que se aprofundem no Programa de Transição e verifiquem a validade dos marcos aqui apresentados.

Rodolfo Kaleb e Leandro Torres
Rio de Janeiro, Agosto de 2009

Notas de Revisão

[1] A tradição organizativa do Partido Bolchevique/Comunista até o início da década de 1920, assim como a da Quarta Internacional e também aquela que nós defendemos, é a de total liberdade para formar tendências ou frações internas a qualquer momento, ou seja, o direito permanente à formação de tendências. A existência de alas com programas políticos amplamente divergentes, instaladas de maneira permanente num mesmo partido, como a formulação deixa a entender, é típica da tradição socialdemocrata e nós a rejeitamos. Assim como em alguns outros artigos do Coletivo Lenin, a questão está mal formulada. Em todos os trechos destacados, deve-se ler “com direito permanente à formação de tendências” no lugar da expressão original para uma compreensão do conteúdo da maneira como foi intencionado pelos autores.

[2] A política original do Coletivo Lenin era de reconhecer como um erro político a ruptura com entidades de massa como a UNE e a CUT, e em algumas ocasiões denunciou tal ato enquanto uma traição. Posteriormente, o próprio CL corrigiu sua posição sobre o assunto, reconhecendo que esta questão era tática. Como é defendido na carta, “é dever dos trotskistas atuarem politicamente em ambas as entidades” no caso da divisão no movimento estudantil brasileiro. Enquanto os trotskistas tomam como princípio a necessidade de intervir em entidades de massa da classe trabalhadora e da juventude, estes não negam que, em algumas circunstâncias, rompimentos inicialmente minoritários podem formar organizações mais combativas que contribuam com a expansão das lutas. Durante seu período revolucionário, o Coletivo Lenin defendeu a necessidade de organizar oposições classistas em todas as centrais sindicais e entidades estudantis como uma forma de avançar as lutas e buscar a construção de um Partido Revolucionário de Trabalhadores.