A tentativa do “Bando dos 8” e o fim da URSS

A tentativa do “Bando dos 8” e o fim da URSS

O texto aqui presente é uma versão revisada e atualizada do texto de agosto de 2007 “A Tentativa do Bando dos 8”, publicado pela primeira vez no livreto “A Queda do Muro de Berlim e o Fim da União Soviética” e mais recentemente na Revista Revolução Permanente nº 2 (2010), pelo Coletivo Lenin.

O dia 20 de agosto ficou manchado de sangue na História da União soviética. Em 20 de agosto de 1940 era assassinado no México, a mando de Stálin, o revolucionário Leon Trotsky. Também a 20 de agosto de 1956, tanques soviéticos esmagavam a Revolução Húngara. No mesmo dia, em 1991, o ex ministro das relações exteriores, Edward Shevarnadze, anunciava: “Começou a guerra civil na União Soviética”. Tratava-se do confronto aberto entre duas alas da burocracia: uma restauracionista e outra anti-restauracionista que queria o fim da Perestroika. Hoje, 16 anos depois, ainda vivemos os efeitos desses acontecimentos que surpreenderam e também mudaram o mundo. A classe trabalhadora passou para a defensiva, muitas organizações de esquerda se dispersaram e ainda amargamos o refluxo aberto com o fim dos Estados Operários.

A Perestroika e a Glasnost

Mikhail Gorbatchev havia sido eleito a 12 de março de 1985 para o cargo de Secretário Geral do Partido Comunista da União Soviética (PCUS). Desde então, lançou as idéias que seriam conhecidas como Perestroika (reorganização) e Glasnost (transparência).

A Perestroika tinha o objetivo de mudar as bases econômicas da União Soviética… Já a Glasnost tratava-se de mudanças também profundas, mas no campo da política. Separar o Partido comunista da estrutura de poder e acabar com o regime de partido único. É óbvio que o imperialismo não hesitou em apoiar tais reformas. No momento em que os EUA estavam colocando em prática sua política de reação democrática liberal, que combinava abertura política dos regimes ditatoriais com abertura das economias para implementação do receituário neoliberal, a Perestroika e a Glasnost, fizeram Gorbatchev tornar-se imediatamente a figura mais querida pelo ocidente.

O que dizia Trotsky?

Trotsky definia a União Soviética como um “estado operário burocratizado”. Segundo ele, o isolamento e as condições de país atrasado, deram as bases para que surgisse uma burocracia que usurpasse o poder político (não sem violência) e o exercesse em nome da manutenção dos próprios interesses. Ainda segundo Trotsky, em um primeiro momento a burocracia, para manter os seus privilégios necessitaria da existência do Estado Operário. Entretanto, em um segundo momento, ela tornar-se-ia restauracionista. Seus interesses a levariam a querer passar de gestora a proprietária dos meios de produção. Isso significava que a burocracia passaria a ser, ela própria, um agente de restauração capitalista. Os fatos deram razão a Trotsky. O revolucionário russo dizia também que a burocracia não é homogênea. Há interesses conflitantes no seu interior. Por isso, o projeto restauracionista de Gorbatchev o fez chocar-se diretamente com um setor que ainda não queria a restauração capitalista . Ao tentar equilibrar-se na corda bamba, Gorbatchev não conseguiu agradar a gregos e troianos. A ala restauracionista teve o apoio dos Estados Unidos, governado por George Bush (pai). Internamente, conseguiu mobilizar as massas a seu favor e acabou desmantelando o Estado Soviético em um estalar de dedos.

20 de agosto: a esquina da U.R.S.S

A 20 de agosto de 1991, Gorbatchev assinaria um decreto que significaria, na prática o fim da União Soviética: concederia ampla autonomia às Repúblicas e mudaria o nome do país para União das Repúblicas Soberanas Soviéticas (suprimindo o termo “Socialistas”). Antes de assinar o decreto, Gorbatchev foi afastado do poder pela ala anti-restauracionista do PCUS que estava representada pelo “Bando dos Oito”, liderado por Yanaiev.

“Gorbatchev Napadal!”

Essa expressão correu o mundo. Significa, em russo, “Gorbatchev caiu de vez”! Ninguém sabia seu paradeiro. Tanques rolaram sobre Moscou, Leningrado e muitas outras cidades estratégicas. Na sede do parlamento da Rússia estava Boris Yeltsin, um restauracionista radical que desfrutava de grande popularidade. Yeltsin conclamou uma greve geral e chamou o povo para se reunir em frente ao parlamento. Enquanto os tanques de guerra rolavam para lá, cerca de 20.000 pessoas atenderam ao chamado. Quando começaram os combates, esse número chegou a aproximadamente 50.000 pessoas. Trabalhadores de 26 minas de carvão entraram em greve a pedido de Yeltsin. Já o líder sindical dos poços de petróleo, Kolai Tripnov, declarou que os petroleiros não entrariam em greve por entender que os trabalhadores não deveriam apoiar a Perestroika. Também no exterior houve reações a favor de Gorbatchev e Yeltsin. A Comunidade Econômica Européia e o presidente norte americano George Bush (pai) declararam que era necessário o retorno de Gorbatchev ao poder, pois temiam “a volta da guerra fria”.

Após o confronto, desmembramento do Estado.

Isolado, o “Bando dos Oito” foi obrigado a recuar. No dia 21 três de seus integrantes foram presos no aeroporto tentando fugir. Naquele mesmo dia, a Letônia declarou sua independência. Em 22 de agosto, Gorbatchev foi libertado e reapareceu em Moscou prometendo “caça às bruxas” – punição severa para os envolvidos. Todos foram presos, exceto o ministro do Interior, Boris Pugo que se matou com um tiro na boca. Naquela altura, a massa enfurecida, que continuava nas ruas, passou a atacar as sedes do PC, da KGB e as estátuas de Lênin.

Em 24 de agosto Gorbatchev se demite do cargo de secretário geral do PC da união soviética, confisca os bens do partido, dissolve o comitê central e proíbe a atividade do partido no Exército, no KGB e no ministério do Interior. A Ucrânia se declara independente. A partir daí, um efeito cascata faria desmoronar o Estado Soviético.

25 de agosto – a Bielorrússia se declara independente.
27 de agosto – A Moldávia se declara independente.
30 de agosto – Azerbaijão, única república que apoiou o golpe de Estado, se declara independente.
31 de agosto – Uzbequistão e Quirguízia se declaram independentes.
Em 6 de setembro o Congresso de Deputados do Povo da URSS reconhece oficialmente a independência dos países bálticos, anula o Tratado da União de 1922.
Em 1º de dezembro ucranianos votam maciçamente pela independência num plebiscito.
8 de dezembro – Rússia, Bielorrússia e Ucrânia criam a Comunidade de Estados Independentes e declaram o fim da URSS como entidade política.
18 de dezembro – Yeltsin e Gorbatchev decidem que as estruturas da URSS deixarão de existir “antes do fim do ano”.
19 de dezembro – O Kremlin, maior símbolo do poder soviético, passa a pertencer à Rússia, por decreto de Yeltsin. Em Roma, Yeltsin declara que Gorbatchev “deverá renunciar antes do fim do mês”. Naquele momento, a União Soviética já não mais existia.

No próximo dia 20, estarão completando 16 anos desses acontecimentos que surpreenderam e também mudaram o mundo.

A derrubada dos Estados Operários na U.R.S.S e no Leste Europeu contou com o apoio das massas que foram dirigidas, não por um partido revolucionário, mas por setores restauracionistas da burocracia ou por organizações de direita financiadas pela Igreja ou pela C.I.A. Foi uma contra-revolução de massas!

Após essa derrota histórica da classe trabalhadora, o que vimos foi uma ofensiva ideológica de direita, o “passeio militar” dos Estados Unidos no Golfo Pérsico, em 1991; a invasão do Panamá, o neoliberalismo sendo implementado em quase todo o mundo e a passagem da classe trabalhadora para a defensiva.

A partir dos anos 90, duas grandes tentações passaram a rondar a esquerda: Uma delas é a de cair no ultra-esquerdismo de dizer que tudo se tornou muito mais fácil, já que não existe mais o stalinismo (e nem os Estados Operários). A outra, é a tentação de cair no oportunismo de, ao perceber que a classe trabalhadora está na defensiva, procurar substitutos para ela capitulando a fenômenos como Chávez, Morales e o fundamentalismo iraquiano.

Muitas organizações, decorrência de suas políticas equivocadas, sofreram graves impactos. Dois exemplos importantes são o S.U, que abandonou o trotskismo e a L.I.T que, após as ultra otimistas “teses de 90”, chegou a se dispersar.

Essa crise instaurada entre as organizações de esquerda tem boa parte de sua origem na incompreensão sobre o que Trotsky dizia ao orientar a relação dos revolucionários com o stalinismo:

Stalin derrubado pelos trabalhadores: um grande passo para o Socialismo. Stalin derrubado pelos imperialistas: é a contra-revolução que triunfa”.

Entre 1989-1991, aconteceu a segunda alternativa.