Balanço e perspectivas da greve dos professores na Polônia: “A ordem prevalece em Varsóvia”?

Escrito por M. Krakowski, apoiador do Reagrupamento Revolucionário em Varsóvia, em maio de 2019.

            Quase 30 anos se passaram desde a restauração do capitalismo na Polônia, onde hoje o nível de sindicalização é um dos menores da Europa, onde a esquerda é microscópica, e onde os trabalhadores foram condicionados por anos a aceitarem seu destino e trabalharem mais para que um dia possam, supostamente, se tornarem capitalistas. Foi nesse cenário que, em abril passado, ocorreu uma greve de milhares de professores do ensino básico público em todo o país ao longo de três semanas. Esse movimento ocorreu após uma vitoriosa greve na companhia aérea LOT, em novembro de 2018. Ela foi parte de uma onda grevista de profissionais da educação que ocorreu em diferentes países, como parte de um reavivamento internacional da luta de classes. Apesar do seu enorme potencial, o que os marxistas tem afirmado durante muito tempo sobre a crise de liderança do proletariado foi claramente demonstrado em mais esse caso.

A greve dos professores e suas lições

Os professor sob a liderança da Associação de Professores Poloneses (ZNP) anunciaram uma greve por tempo indefinido em 8 de abril, demandando um aumento salarial de mil zelotes (mil reais, em julho de 2019) e o fim das sobrecargas de trabalho, que estressa tanto os professores, quanto os alunos – um resultado da recente “reforma” da educação, que apenas gerou caos. O governo do partido de extrema-direita  “Lei e Justiça” (PiS) (sobre a atual situação política na Polônia, ver Polônia: a classe trabalhadora contra a “Boa Mudança”, de outubro de 2018) propôs um aumento salarial modesto, de 15%, acompanhado de um aumento da carga horária semanal de 18 para 24h. O único sindicato que concordou com isso foi o infame “Solidariedade” (Solidarność), hoje um sindicato essencialmente pelego, devido à sua prostração diante dos patrões e do governo do PiS.

Recentemente foi revelado que Ryszard Proksa, líder do sindicato de professores do Solidariedade, ganha 130 mil zelotes por ano (aproximadamente 130 mil reais em julho de 2019). Ele assinou um contrato com o governo sem a autorização dos membros do sindicato, aos quais ele orientou que não entrassem em greve. Em consequência disso, o sindicato está passando por uma crise: muitos diretórios locais se opuseram à tal decisão e se juntaram à greve, com membros se desfiliando massivamente do Solidariedade.

A greve foi uma surpresa para o governo do PiS. Ele havia acabado de derrotar a impotente oposição parlamentar liberal em uma disputa pelo controle do sistema judiciário. Agora, esse governo demagógico de extrema-direita, que jogou algumas migalhas ao povo para conter o descontentamento social, enfrentou uma verdadeira luta da classe trabalhadora, não algo que era meramente uma ação simbólica declarada pelos sindicatos. Com isso, algumas máscaras caíram. Pessoas como Proksa e o primeiro-ministro e banqueiro, Morawiecki, já não podem fingir que são amigos do povo trabalhador.

O principal sindicato envolvido na greve foi o ZNP, sob liderança de Sławomir Broniarz – mas muitos professores não-sindicalizados participaram do movimento. Está claro que Broniarz tentou subordinar a luta à oposição parlamentar, especialmente à “Plataforma Cívica” (PO) de Grzegorz Schetyna, que declarou apoio à greve. A liderança do sindicato tentou deliberadamente castrar o movimento de qualquer caráter de “classe contra classe”. Durante seus 8 anos no governo (2007-2015), o PO introduziu severas medidas de austeridade, e o fosso entre os ricos e pobres aumentou. Foi graças a tais medidas que o PiS chegou ao poder. O PO desejava que a greve fosse utilizada em sua campanha eleitoral contra o PiS. Estranhos “amigos” da classe trabalhadora e dos sindicatos apareceram, como Leszek Balcerowicz, o homem que, nos anos 1990, supervisionou a “terapia de choque” do FMI na Polônia, levando a uma enorme inflação para os trabalhadores. Essa junção de falsos aliados se deu porquê a greve foi no setor público e o governo está nas mãos do PiS, que é odiado por alguns setores da burguesia devido a suas medidas “populistas”, que tiram uma pequena parte dos lucros dos capitalistas e podem estimular a classe trabalhadora a querer mais.

Cerca de 600 mil professores participaram da greve em seu começo. Tratou-se de uma participação recorde para uma greve em Varsóvia e pôs enorme pressão no governo. A sociedade polonesa agora está dividida ao meio. O ZNP não tentou mobilizar o apoio dos pais dos estudantes e não quis estender a greve para setores mais amplos da classe trabalhadora, apesar do fato de que há muita insatisfação na sociedade. O ZNP dança ao ritmo do PiS, tentando jogar os professores contra os camponeses e pensionistas, para quem o PiS prometeu alguns benefícios. Ao invés disso, o sindicato deveria ter defendido uma educação pública de alta qualidade, financiada pelos capitalistas e pelos ricos. 1% dessa gente concentra 40% do PIB, enquanto o governo do PiS deseja aumentar ainda mais seus subsídios, abaixar seus impostos e fazer de todo o país uma “zona econômica especial” sem direitos trabalhistas. Também se deveria tirar dinheiro da Igreja Católica e dos militares, que são os principais itens no orçamento do governo do PiS. É necessário expropriar as grandes fortunas e propriedades, tanto eclesiásticas quanto seculares, para financiar serviços públicos de qualidade.

Apesar da greve, os exames finais das escolas primárias foram realizados, graças à ação de fura-greves – catequistas, padres, freiras e até mesmo bombeiros e agentes prisionais foram utilizados na aplicação das provas! É ultrajante que essa gente se tenha deixado ser usada contra a greve. As escolas deveriam ter sido ocupadas junto com os estudantes para impedir isso, e piquetes deveriam ter sido realizados nas entradas. O ZNP não fez isso porque deseja se manter “respeitável” diante dos olhos da burguesia e seus meios de comunicação.

Os professores grevistas foram acusados de escolher o “momento errado” para uma greve e de tomar os estudantes como “reféns”, uma vez que estavam próximos os exames de conclusão do ensino médio (maturas, comuns no Leste Europeu como um pré-requisito para entrar nas universidades ou cursos superiores). Todavia, o propósito de uma greve é justamente causar impacto e mostrar a importância dos trabalhadores. Em 1993 também ocorreu uma importante greve dos professores, no mesmo período das maturas, e elas foram realizadas normalmente ao final da greve, sem prejuízos aos alunos. Uma liderança grevista digna do nome não teria se deixado intimidar e levaria à cabo a deflagração da greve devido à situação desesperadora dos professores, adiando os exames.

Um elemento de grande importância na greve foi a criação de Comitês de Greve Inter-Escolas e de um Comitê Nacional. Toda greve deveria criar comitês assim, que envolvem todos os participantes em dada sucursal da empresa, independente da sua filiação ao sindicato, e eleger representantes revogáveis para participar das negociações com os patrões, além de lutar para estabelecer uma rede de âmbito nacional.

Todavia, logo cedo o sindicato anunciou que a greve seria suspendida por um dia para que os professores participassem dos conselhos escolares, com o objetivo de lançar as notas finais dos estudantes do ano final do ensino médio, para que pudessem fazer as maturas. O governo do PiS percebeu a hesitação da liderança da greve e passou uma lei que permitiu aos diretores e aos conselhos escolares classificarem os estudantes sem a participação dos professores. Ao fim, em 27 de abril, o ZNP acabou por “suspender” a greve até setembro, permitindo que as maturas ocorressem sem que tivessem obtido nenhuma concessão do governo!

Broniarz agiu como a oposição burguesa ao PiS queria. O PO inicialmente declarou apoio à greve, mas, quando os exames finais ficaram em risco de serem adiados, o que poderia polarizar a sociedade e fazê-los perder o apoio dos seus eleitores mais moderados e conservadores, o partido passou a chamar pelo fim do movimento. Devido à sua natureza de classe, o PO nunca buscará mobilizar a classe trabalhadora. Uma ação de solidariedade de outros trabalhadores para além da educação teria ameaçado não só o governo do PiS, mas a ordem capitalista em geral. O PO chegou até a sabotar a greve, quando, em Varsóvia, controlada pelo partido, as autoridades locais ajudaram a organizar as comissões de exame durante os exames da oitava série, apunhalando os grevistas.

O líder do PO, Grzegorz Schetyna, declarou pouco antes do fim da greve que, se o PiS falhasse em atender às demandas dos grevistas, ele as implementaria caso vencesse as eleições parlamentares no outono seguinte. Isso é muito duvidoso, considerando que, durante seus 8 anos de governo, o PO nunca aumentou os salários do setor público. Ademais, a oposição tem pouca chance de derrotar o PiS nas urnas, de forma que se trata de uma promessa vazia. De qualquer forma, fica claro como o PO deseja manter a oposição ao PiS restrita ao âmbito parlamentar, se apresentando como alternativa para as próximas eleições.

Tudo isso confirma, mais uma vez, a tese de Leon Trotski de que a crise da humanidade se resume à crise da liderança revolucionária, e indica a necessidade de lutarmos por uma liderança da classe trabalhadora que democratize os sindicatos contra burocratas como Broniarz e Proska. Também indica que não se deve confiar na oposição liberal e outras forças burguesas, que são inimigos dos trabalhadores, mas apenas na solidariedade do povo trabalhador, que tem o poder de parar o país inteiro em uma greve geral e colocar de forma clara a questão do poder político.

Os germes do poder proletário são justamente órgãos como os comitês de greve. Uma revolução socialista hoje na Polônia é, obviamente, uma perspectiva distante, e demanda um partido político que insira o horizonte socialista nas lutas cotidianas. Atualmente não há nem sequer um embrião de tal partido. Todavia, conforme mostra a História, toda greve de massas gera oportunidades até mesmo para as menores das organizações revolucionários. Esse ano completam-se 85 anos da combativa greve de caminhoneiros de Minneapolis (EUA), iniciada graças à ação de um punhado de militantes trotskistas da então Liga Comunista da América, que levou a luta a se tornar uma greve geral na cidade e transformou Minneapolis em um importante bastião de radicalidade política.

Apesar da greve dos professores ter terminado em capitulação, ela foi de grande importância. Foi o primeiro evento do tipo em anos, feito por um setor da classe trabalhadora que tem certa tradição conservadora na Polônia, à exceção dos grandes centros urbanos. A greve mostrou a força dos trabalhadores e foi, portanto, um importante exemplo. Proa disso é que, nesse momento, 400 mil assistentes sociais se preparam para também entrarem em greve. Um novo capítulo da história da Terceira República está sendo aberto com essas lutas.

Os liberais

            A greve não parece ter perturbado os círculos liberais, que seguem agindo como se estivessem desligados da realidade. Eles ficaram encantados com o discurso que Donald Tusk (dirigente do Conselho Europeu, ex Primeiro Ministro da Polônia e líder do PO) deu na Universidade de Varsóvia em 3 de maio, quando do Dia da Constituição. Como sempre, ele criticou as autoridades polonesas atuais por desrespeitarem a Lei Básica. Muitos que são contrários ao PiS apostam suas esperanças em Tusk e seu possível retorno à política nacional, talvez até como candidato à Presidente em 2020. Mas Tusk, com suas políticas neoliberais e sua arrogância, pavimentou o caminho para o PiS, e o PO apenas se importa com os aspectos constitucionais que lhes interessam. Durante seu governo, o PO ignorou até mesmo o direito garantido à moradia, permitindo e realizando vários despejos. Jamais podemos esquecer que, em 2011, durante o mandato do PO no governo de Varsóvia, a máfia dos proprietários matou o ativista e inquilino Jolanta Brzeska, e o gabinete do procurador considerou que se tratava de um suicídio e dispensou as investigações. O “defensor da democracia” Donald Tusk, enquanto líder da União Europeia, não teve problema algum em se saudar e se reunir com o sanguinário ditador egípcio al-Sisi, e é um defensor de legislações que aumente os sistemas de vigilância sobre a população.

            Tusk nunca menciona a campanha anti-LGBT que o PiS lançou recentemente. Vendo que o tema dos refugiados havia se “desgastado”, o PiS começou a espalhar o medo de que os “desviados” irão ensinar masturbação e “ideologia de gênero” para crianças nas escolas e creches “caso a oposição retorno ao poder”. Na verdade, as diferenças entre o PiS e o PO são principalmente de pessoal e táticas. Esse ano, um líder do PO tentou proibir a Marcha da Igualdade na cidade de Gniezno. E quando o editor-chefe da revista liberal Liberté!, Leszek Jażdżewski, apareceu em frente a Tusk no dia 3 e “ousou”  criticar o clero católico por ganância e escândalos de pedofilia, recebeu hostilidade não só da mídia pró-PiS, como também de políticos do PO.

Levemente à esquerda do PO há uma nova força política, o partido Wiosna (Primavera), liderado por Robert Biedroń. Seu programa pode ser resumido como “deixe rolar, e todos vão ficar de boas e se amar”. Ele levanta algumas demandas sociais progressistas, mas evita a questão de como seriam implementadas e financiadas. Biedroń, quando governou Słupsk, convidou o banqueiro Balcerowicz para cuidar das finanças das cidade, o que deixa claro o que os trabalhadores devem esperar dele.

Como gay assumido, diferentemente do PO, Biedroń se opõe à igreja católica e luta pelos direitos das minorias oprimidas. Acreditamos, porém, que nessa era de decadência imperialistas, e em um país da periferia global, é impossível lutar consistentemente por direitos democráticos sem romper com a burguesia (um aspecto importante da Teoria da Revolução Permanente). Biedroń não conduzirá uma luta contra a igreja, que é um dos pilares da ordem burguesa na Polônia, e não poderá eliminar as bases econômicas dessa instituição através da expropriação de seus bens. O mesmo vale para o reacionário império midiático do padre Rydzyk.

Um novo governo do PO ou um de Wiosna, no melhor dos casos, seria uma edição polonesa da França de Macron. Mas, com a atual conjuntura do país, provavelmente não seriam os “Coletes Amarelos” que tomariam as ruas, mas as forças fascistas, especialmente se a esquerda seguir incapaz de construir uma força política da classe trabalhadora.

A esquerda

A esquerda na Polônia ainda está em uma crise que data da quebra da continuidade do movimento operário causada pela ocupação nazista, seguida por décadas de stalinismo. O maior grupo identificado como de esquerda é a social-democrata Aliança da Esquerda Democrática (SLD), tradicionalmente a ala esquerda do capitalismo polonês. Tendo governado duas vezes, o SLD encontrou uma “saída” para a sua estagnação concorrendo às eleições para o Parlamento Europeu como parte da “Coalition Europe”, do PO. Em grande parte, o SLD é fruto de ex-stalinistas vindos do Partido dos Trabalhadores Unidos da Polônia (PZPR), que governou o país até 1989. Eles têm uma longa história de traição e renunciaram às tradições socialistas, mesmo na forma do vago slogan por uma “Polônia Popular”.

Em 2015, o SLD concorreu nas eleições presidenciais com a teóloga Magda Ogórek, que não levantou quaisquer demandas em prol da classe trabalhadora e agora trabalha na televisão estatal TVP, espalhando propaganda do governo. Durante as eleições, um anti-clérigo liberal que compartilha do passado stalinista do SLD e foi porta-voz do governo da República Popular da Polônia nos anos 80, Jerzy Urban, resumiu a campanha da seguinte forma: “Ela [Ogórek] é estúpida e Miller enlouqueceu”. LeszekMiller é quem comanda o partido e foi Primeiro Ministro entre 2001 e 2004.

O fracasso eleitoral de Ogórek foi o último prego no caixão do SLD. A coalizão de social-democratas pós-stalinistas (SLD) com neo-liberais burgueses pós-Solidariedade (PO) só abriu espaço para os demagogos reacionários do PiS e as forças à direita deles, que foram capazes de se apresentar como “alternativas” ao odiado status quo. Duas vezes as massas escolheram o SLD nas eleições, ansiando pela segurança econômica e social que havia no Estado operário deformado da “República Popular da Polônia”, e duas vezes ficaram desapontados.

Nessas últimas eleições europeias, uma coalização à esquerda daquela SLD-PO foi formada pelo Razem (Juntos, principal organização à esquerda do SLD) junto com o Movimento pela Justiça Social, de Piotr Ikonowicz, e o União dos Trabalhadores (ex-parceiro de coalização do SLD). Essa coalização se chamou Esquerda-Juntos e tratou-se da junção de forças pequeno-burguesas com o Razem, que renunciou às cores vermelhas em favor de uma bandeira púrpura, e, junto com seus novos parceiros, apoiou a OTAN e apoiou armar o país contra a Rússia e a China. Tudo isso excluiu a possibilidade de os marxistas votarem neles. O líder informal do Razem e candidato número um da esquerda em Varsóvia, Adrian Zandberg, disse que o objetivo da coalizão era construir “um estado de bem-estar moderno e eficiente” e “uma Europa de prosperidade, na qual todos podem contar com salários decentes e seguro Social”. Dado o espectro da próxima crise econômica e a ascensão dos setores demagógicos-reacionários (“populismo de direita”) e até mesmo das forças fascistas no Velho Continente, essas ilusões social-democratas servem apenas para amortecer os trabalhadores da necessidade de uma dura luta de classes.

Mais à esquerda, há Pracownicza Demokracja (Democracia dos Trabalhadores), uma organização afiliada à tendência internacional criada pelo falecido Tony Cliff (International Socialists), que afirma ser uma força revolucionária socialista e marxista, mas apoiou o Razem nas eleições parlamentares de 2015 e, novamente, chamou trabalhadores a votarem no Juntos-Esquerda.

Os marxistas, ao contrário dos anarquistas, não boicotam as eleições burguesas como regra. Mas para nós, as eleições só importam desde que possam ser usadas para difundir a mensagem socialista entre o proletariado. A campanha conduzida pelo Razem e pelo Juntos-Esquerda aumentou a consciência de classe dos trabalhadores? Nem esse partido nem seus membros da coalizão reivindicam uma perspectiva socialista em seu programa eleitoral ou fingem lutar por algo mais do que “capitalismo com uma face humana”. Eles não traçam uma linha de classe contra os capitalistas.

O espectro do fascismo e a União Europeia

Apesar dessa esquerda falida, há resistência ao proto-fascismo e ao fascismo na sociedade polonesa. Quando os nacionalistas tentaram organizar uma manifestação sob o slogan “Universidade livre de marxismo” no campus principal da Universidade de Varsóvia, a contra-manifestação da esquerda – na qual estávamos presentes – bloqueou sua entrada, e o Reitor baniu os fascistas. Eles tiveram que se retirar para a praça com o rabo entre as pernas, sob a cobertura da polícia. Três bandeiras foram penduradas no portão da universidade naquele dia: preta, vermelha e arco-íris.

Atualmente, a coligação de direita “Confederação Liberdade e Independência” está participando das eleições europeias em uma plataforma abertamente anti-UE, e em 1º de maio deste ano, no 15º aniversário da entrada da Polônia na UE, eles organizaram uma manifestação em massa em Varsóvia, chamada “Marcha da Soberania”, sob os slogans “Não à UE ” e “ Parar os ditames de Berlim e Bruxelas”.

O governo PiS atualmente também está em conflito com a União Europeia, que iniciou procedimentos contra ele por causa da violação dos princípios legais da UE na Polônia.

Os “defensores da democracia” dos círculos liberais esperam por uma intervenção da UE, e a oposição acusa o PiS de buscar um “Polexit” (saída da EU). Na realidade, embora o PiS seja eurocético, não rejeita a UE enquanto tal, defendendo uma União mais frouxa e descentralizada, uma “Europa das nações”. No entanto, em 2017, a Polônia foi um dos signatários do acordo sobre “Cooperação Estrutural Permanente” (CEP), que obriga os estados-membros a cooperar no desenvolvimento e compra de armas e a provisão de tropas e equipamentos para intervenções militares conjuntas, que é considerado por alguns como um importante passo em direção a um exército europeu.

Qual é a posição dos marxistas sobre a UE? Nós a consideramos como um consórcio imperialista destinado a aumentar as chances dos capitalistas europeus competirem com seus rivais imperialistas dos Estados Unidos ou do Japão, incluindo mecanismos para tornar mais eficiente a exploração da classe trabalhadora. Este é o objetivo de muitas diretivas da UE. É particularmente evidente no caso da Grécia, onde a “Troika” da Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional impuseram severas “medidas de austeridade”, fazendo com que um terço da população vivesse abaixo da linha da pobreza. A política de “apertar os cintos” na Grécia, Irlanda e Portugal tinha o objetivo de favorecer os bancos alemães e franceses, já que a UE também serve para subjugar economicamente os países europeus burgueses mais fracos. A UE está realizando intervenções militares no Mali, na Bósnia, na República Centro-Africana e na Somália, na esperança de garantir sua participação na divisão imperialista do mundo.

Em vez de ser o “coração da democracia”, a UE não se preocupou muito em prejudicar profundamente a população grega. Intensificou também a censura da internet e a imposição de restrições antidemocráticas sob o pretexto de combater “notícias falsas”, “desinformação” e “ciberataques”.

Alguns esquerdistas na Polônia têm ilusões sobre a possibilidade de a UE parar a “fascistização da Polônia”. Na verdade, os eurocratas não se importaram muito com os fascistas na Ucrânia depois da “revolução” de Maidan, e no ano passado eles parabenizaram o governo de extrema-direita Conte / Salvini na Itália por sua vitória eleitoral, declarando sua disposição de cooperar com ele.

A UE é comumente associada a “fronteiras abertas”. De fato, libera o terror policial contra imigrantes e refugiados e fecha suas fronteiras externas para eles, fazendo milhares de pessoas morrerem no fundo do Mediterrâneo. Mesmo dentro da UE, os ciganos da Bulgária, Roménia, Hungria e Eslováquia são constantemente deportados da França e de outros países.

Embora não apoiemos a UE, não apoiamos a “alternativa” nacionalista que significa regressar aos limites do Estado-nação, que está em conflito com a economia global cada vez mais integrada e dificulta o desenvolvimento humano. Por exemplo, tornaria impossível a luta contra as alterações climáticas. A inclusão ou exclusão da UE não altera o caráter burguês do Estado, que continua atacando a classe trabalhadora e intensificando sua exploração. Além disso, os atuais principais opositores capitalistas da UE, como Marine Le Pen e seu nacional Rassemblement, na França, têm uma agenda ainda mais reacionária, anti-operária e anti-imigrante do que a própria UE.

Nós somos por uma unidade europeia que beneficie o povo trabalhador, mas isso é impossível com base no capitalismo. A atual “unidade europeia” é simplesmente a unidade da burguesia contra o proletariado e os países semicoloniais do “sul global”. Contra a instável União Europeia e o projeto nacionalista de “nações soberanas”, defendemos a perspectiva dos Estados Unidos Socialistas da Europa, tal qual a Quarta Internacional fazia nos anos 1930-40.

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Este ano marca o 30º aniversário das “eleições livres” na Polônia, que supostamente seriam a “vitória da democracia” e a “queda do comunismo”. Tanto na Polônia como no mundo, isso não levou ao “fim da história”, à prosperidade universal, à paz e ao florescimento da democracia liberal. Em vez disso, há enormes níveis de desigualdade social, estagnação econômica, aumento do autoritarismo e a eclosão de conflitos armados que ameaçam se transformar em uma guerra internacional entre potências nucleares. O próprio governo PiS organizou uma conferência internacional sobre o Irã para os Estados Unidos em Varsóvia este ano, sem a participação do Irã (!), na qual o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse que seu objetivo era preparar a “guerra com o Irã”. É nesse cenário que o Presidente Duda quer que a adesão à “Grande Aliança” da OTAN seja incluída na Constituição polaca.

Os governos burgueses em todo o mundo, independentemente das diferenças ideológicas, estão buscando políticas cada vez mais semelhantes. O francês Macron, que expressou preocupação com o estado da democracia na Polônia, aboliu o estado de emergência, tornando-o de fato permanente; ele promulgou um decreto estabelecendo uma lei anti-trabalhadores e anti-sindical sem passar pelo parlamento; sem mencionar que ele repeliu brutalmente os protestos dos “coletes amarelos”. Como Trotsky escreveu há quase 90 anos: “A tensão excessivamente alta da luta internacional e da luta de classes resulta no curto-circuito da ditadura, extinguindo os fusíveis da democracia um após o outro… O que se chama de crise do parlamentarismo é a expressão política da crise em todo o sistema da sociedade burguesa” (A crise na Áustria e o comunismo, 13 de novembro de 1929).

O governo PiS mostrou sua face anti-trabalhador, mas ainda usa concessões como o 13º salário para aposentados e o programa “500+ para cada criança”. Em nossa opinião, no entanto, nenhuma redistribuição de renda, seja vinda da esquerda ou da direita, resistirá à irracionalidade fundamental do sistema capitalista de produção. A Polônia pode não se salvar da próxima crise econômica, e o governo PiS terá que mudar de rumo. O governo já começou a sugerir que, a partir de agora, o orçamento será focado nos gastos militares e não nos gastos sociais. Também anunciou a privatização das moradias municipais, apesar de seu uso cínico anterior de um escândalo de reprivatização contra o PO (na verdade, o PiS não disse nada sobre isso na época, estando mais interessado em encontrar pessoas para culpar pelo acidente de avião em Smolensk em que seu líder anterior morreu). O projeto econômico apresentado pelo PiS é um “capitalismo nacional” utópico, que significa apenas aumentar a competitividade do capital polonês, aumentando a exploração sobre a força de trabalho.

Aqueles que querem “defender a democracia” em uma aliança com a PO e a UE, se apegam a uma perspectiva condenada. No próximo confronto da burguesia com o proletariado sobre os direitos democráticos, não haverá pedra sobre pedra, deixando duas possibilidades – ou a ditadura da burguesia (incluindo possivelmente em sua forma fascista) ou a ditadura do proletariado, significando a implementação de uma democracia progressiva para a maioria trabalhadora da sociedade, seguida por uma sociedade comunista sem classes e sem pátria. Como a greve dos professores mostrou, a independência de classe é necessária não apenas em relação ao PiS, mas de todos os partidos burgueses.

As diferenças entre o PO e o PiS são secundárias: ambos são partidos de direita originários do campo contrarrevolucionário do Solidariedade e representam aqueles que foram enriquecidos pela pilhagem da propriedade estatal, que colocou muita gente na pobreza. O PiS tem frequentemente criticado os outros partidos capitalistas, rotulados como “pós-comunistas”, por este desastre, mas não é inocente. O PO, com sua oposição elitista às “redistribuições de renda”, não tem chance de derrotar o PiS. O partido de pseudo-esquerda Razem, que agora está nas margens políticas e renunciou às tradições socialistas, tem expectativas vãs de se beneficiar da era pós-Solidariedade dos governos do PO-PiS.

Somente um partido dos trabalhadores que apresente um programa radical e revolucionário de mudança social, que não se adapte ao sistema de produção de mercadorias e trabalho assalariado, será capaz de arrancar o eleitorado social do PiS, que está direcionando o descontentamento social com governos anteriores e desejos de “transformação sistêmica” em canais reacionários de nacionalismo e clericalismo.

As lutas dos trabalhadores que se aproximam devem estar ligadas às lutas pelos direitos democráticos e liberdades civis (mas não pelos “tribunais livres” e “a favor da Constituição”, como proposto pelo “Comitê de Defesa da Democracia” ou Cidadãos da Polônia); os trabalhadores devem juntar-se às batalhas pelos direitos dos oprimidos – mulheres, minorias sexuais, imigrantes, ciganos – e se opor às falsificações da história que visam iniciar uma guerra com a Rússia e apoiar as aventuras dos EUA e da OTAN na Síria e no Iêmen, ou ainda as planejadas para o Irã e a Venezuela. Inclusive, quanto à interferência imperialista na Venezuela, PiS e PO possuem pleno acordo.

Além de participar nessas lutas, há também a necessidade fundamental de discussão entre aqueles revolucionários que não se encontram em uma organização com um programa correto, um diálogo sem sectarismo e “diplomacia política”, para reagrupamento sob princípios sólidos da vanguarda na forma de um grupo de propaganda que seja o embrião de um futuro partido comunista, uma força revolucionária como parte de uma nova organização internacional reconstruída – a Quarta Internacional.